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grande numero de casos. Felizmente para o facto da desamortisação dos passaes já temos regulamentos. São os respectivos ás leis de 4 de abril de 1861 e 22 de junho de 1866. Estes regulamentos são applicaveis á desamortisação de quaesquer bens.
Em segundo logar e na hypothese sujeita, alem dos regulamentos que já existem, ha trabalhos preparatorios, inventarios, etc. etc. que são outros tantos obstaculos que é preciso remover para pôr em execução a lei.
Estes argumentos provam todos contra o nobre ministro. Quanto mais depressa se decretar o principio, mais depressa o governo é obrigado a remover as difficuldades que se oppoem á sua applicação.
Desamortisemos desde já os passaes, para ganharmos todo o tempo que perderíamos d'aqui até janeiro, epocha em que s. ex.ª quer que se legisle sobre elles ou se regule a sua subrogação.
Sr. presidente, a logica e os bons principios mandam o seguinte: desamortisar desde já os passaes, mandar proceder aos inventarios d'estes bens, e proceder á sua subrogação nos termos das leis e dos regulamentos. Para isto não ha mais do que aceitar a emenda da maioria da commissão. A execução ha de vir quando se fizerem os inventarios, e quando o governo tiver desfeito as difficuldades que não podem deixar de apparecer.
Não posso pois aceitar os argumentos que o nobre ministro do reino acaba de produzir. São, na minha opinião, contraproducentes.
Dito isto passarei a fazer breves observações sobre os pareceres que estão em discussão, porque attendendo ao estado da minha saude, que não é vigoroso, desejo terminar hoje e não levar a palavra para casa.
Nós temos em discussão dois pareceres; um é da maioria da commissão de fazenda sobre emendas ao projecto n.° 1, que tende a modificar ou a regular por uma nova fórma a subrogação dos bens desamortisados pelas leis de 4 de abril de 1861 e 22 de junho de 1866; o outro é da minoria da mesma commissão. No parecer da maioria estão assignados sete membros, no da minoria concordaram tres membros, aos quaes acresceu depois o voto do sr. Teixeira Marques, que tinha ficado suspenso no seio da commissão quando ella se dividiu.
Na occasião em que aqui se levantou um incidente a proposito de uma emenda sobre desamortisação dos passaes, apresentada pelo sr. Rodrigues de Azevedo, o sr. Teixeira Marques fez-me a honra de me apoiar com grande enthusiasmo, dando visíveis demonstrações de adhesão ás minhas declarações quando eu affirmei á camara que se porventura á commissão de fazenda fosse presente alguma proposta ou emenda que tivesse por fim tornar obrigatoria a desamortisação dos passaes, estava ella na firme resolução de a votar.
Foi tão vivaz o enthusiasmo de s. ex.ª, que até pediu votação nominal sobre a proposta do sr. Rodrigues de Azevedo.
Mas não obstante todas estas peripecias, s. ex.ª entendeu depois, e não sem alguma difficuldade, que devia unir-se á minoria da commissão porque realmente o triumpho das grandes causas precisa dos mais dolorosos sacrificios. S. ex.ª tinha necessidade de expiar perante a camara e perante o paiz essa dedicação, esse enthusiasmo sincero com que pedíra aqui a votação nominal, e me apoiara, dias depois, tudo no mais patriotico intuito de ver na lei consignado o principio da desamortisação obrigatoria e effectiva dos passaes.
O sr. Teixeira Marques: — Eu estou inscripto e responderei.
O Orador: — Não quero fazer insinuações ao caracter de s. ex.ª, mas o facto é que a maioria da commissão cumpriu a sua palavra e o seu dever; não digo que s. ex.ª não cumprisse o seu, mas...
O sr. Teixeira Marques: — A minoria da commissão cumpriu a sua palavra, porque votou o principio da desamortisação, mas entendeu comtudo que a sua realisação pratica devia ceder ás circumstancias da opportunidade.
O Orador: — Preciso fazer uma declaração.
Quando confrontei o procedimento da maioria com o da minoria da commissão não quiz referir-me ao sr. Joaquim Thomás Lobo d'Avila, ao sr. Hermenegildo Augusto de Faria Blanc, nem emfim ao sr. José Maria Rodrigues de Carvalho, porque nenhum d'estes cavalheiros tinha compromissos n'esta camara, creio eu, e principalmente no seio da commissão.
Ss. ex.ªs não tinham estado nas sessões da commissão, quando esta declarou formalmente ao governo que se lhe fosse presente uma certa moção a aceitaria sem reserva.
Esta questão ou estas explicações dizem unicamente respeito ao sr. Teixeira Marques, cujo caracter eu não quero depreciar. Precisava da-las, porque na qualidade de relator tinha de produzir os motivos porque no parecer da maioria não apparece com voto em separado o nome do sr. Teixeira Marques.
Escuso declarar, que não ha aqui allusões que tenham por fim fazer um juizo menos lisonjeiro do illustre deputado. Aqui não ha senão a exposição de um facto, que entendi ser necessario apresentar á camara, para ella o avaliar como elle merece.
As rasões em que os membros da maioria da commissão se fundaram para lavrar o seu parecer, estão consignadas e resumidas no relatorio. São muito concisas, claras e a meu ver concludentes.
O argumento das protrahidissimas discussões em que o governo e a minoria se estribam, não se póde aceitar; cáe de um momento para o outro. Caduca desde que os illustres deputados, que se pronunciaram pela desamortisação obrigatoria, quizerem entrar n'esta discussão, ou quizerem sustentar o voto que deram na occasião em que approvaram a moção do sr. Rodrigues de Azevedo.
Isto não tem contestação (apoiados).
Eu confio que a maioria da camara manterá o seu voto, que significa a desamortisação obrigatoria dos passaes, se é verdadeira a interpretação que geralmente se dá á votação que houve aqui, e á qual eu não assisti. Mas todos os meus collegas me dizem, que a votação da moção do sr. Rodrigues de Azevedo significa a desamortisação obrigatoria dos passaes (apoiados). E tanto eu estava convencido d'isto que vim á camara declarar, que se estivesse presente na sessão em que se votara tal proposta, approvada pela maioria d'esta casa, te-la-ía approvado tambem no sentido, de ficar obrigatoria e effectiva desde já a desamortisação dos passaes. Outros srs. deputados fizeram iguaes declarações, e ninguem levantou duvidas a tal respeito. Isto quer dizer que esta convencida toda a camara, que já foi votada n'esta casa a desamortisação obrigatoria e effectiva de taes bens (apoiados).
Sendo assim, (e permitta-me v. ex.ª que eu não trate da questão das reconsiderações) se é verdade, se não offerece duvida que a camara, quando votou a moção do sr. Rodrigues de Azevedo, votou a desamortisação obrigatoria dos passaes (Vozes: — Votou): imagine v. ex.ª que todos os deputados continuam firmes nas suas opiniões? A conclusão é que nem se evitam as protrahidissimas discussões, se alguem as não quizer estrangular, nem se respeita o outro argumento da opportunidade, á sombra do qual tambem o governo quer impedir que se vote o parecer da maioria da commissão. Isto é irrefutavel.
Veja v. ex.ª e veja a camara, que valor têem, a que proporções ficam reduzidos os argumentos da opportunidade e da longa discussão, se a camara quizer sustentar as suas opiniões, e votar o nosso parecer.
A maioria da commissão esta intimamente convencida que a desamortisação obrigatoria dos passaes, effectiva desde já, não traz embaraços ao governo; pelo contrario dá-lhe meios, em mais larga escala, para sobre elles assentar as suas operações financeiras.
(Interrupção que se não percebeu.)
Dizia eu, que a maioria da commissão estava convencida de que não creava embaraços ao governo, mas que lhe dava meios em mais larga escala para as suas operações; pro-clamava-se a santidade de um principio politico e economico, que um paiz liberal não póde deixar de aceitar; libertava-se desde já a terra dos passaes dando circulação a estes valores, e promovendo o augmento da receita do thesouro pelas livres transacções derivadas da terra desenfeudada; não se prejudicava a posição dos parochos, pelo contrario, melhorava-se em todas as hypotheses a sua situação; alliviava-se na maxima parte dos casos, e n'outros extinguia-se a collecta parochial dos contribuintes.
Tive occasião quando se discutiu a proposta do ministerio transacto, de provar que quaesquer que fossem as hypotheses, em que figurassemos o parocho, de todas ellas haviam de resultar ou os mesmos interesses, que elles actualmente percebem ou uma melhoria. Não houve ninguem que refutasse esta proposição.
Quando a commissão de fazenda no primeiro parecer que deu, sobre a proposta do actual ministerio, referendada pelo sr. Carlos Bento, e cujas emendas estamos discutindo, affirmou não ter em vista crear embaraços ao governo fez uma promessa que ainda hoje sustenta.
A desamortisação dos passaes não cria embaraços; não os póde crear, como já provei. A maioria da commissão não desiste pois do principio, como a maioria da camara não póde desistir.
Sr. presidente, passarei agora a analysar alguns paragraphos do parecer da minoria. Não tinha tenção de me demorar muito n'esta tribuna.
(O orador, pouco depois de começar o seu discurso, deixou o seu logar, no qual chovia, e subiu á tribuna.)
Vejo porém que um certo susurro, junto dos bancos dos srs. ministros, não me deixa continuar. Esperarei que acabe. Eu não posso elevar a voz; o meu estado de saude não é bom. Mas tenham todos a certeza que hei de dizer hoje, ámanhã ou depois, o que tenho tenção de dizer.
(Interrupção da presidencia, que se não percebeu.)
(Pausa do orador.)
Dizem os illustres dissidentes no seu parecer (leu).
Tenho a observar á camara que não entendo este §, não o comprehendo, não sei o que elle quer dizer.
Não attinjo o que significa; mas naturalmente vou ser esclarecido, quando alguns dos membros da minoria da commissão tomar a palavra, para rebater as considerações que estou a fazer. Parece-me isto um logogripho, uma charada, um enigma, que não posso decifrar.
Diz tambem a minoria (leu).
Eu vejo que a minoria da commissão é que quer inventar essas difficuldades, para ter o prazer de se servir dellas. A camara e a maioria da commissão pedem porventura essas medidas administrativas, essas providencias especiaes para corrigir flagrantes e injustas desigualdades, e não sei que mais? Ninguem pede isso. A minoria da commissão é que entendeu que a desamortisação obrigatoria dos passaes não podia ter logar sem estas providencias especiaes, para ter o prazer de dizer que são indispensaveis taes providencias para corrigir flagrantes injustiças e desigualdades!!
Este argumento servirá para a minoria se recrear, mas a maioria dispensa-o, não o necessita, para que a desamortisação dos passaes se torne effectiva. Foi uma phantasia que a minoria sonhou, mas que a maioria não aceita, e a camara tambem dispensará, se sustentar, como creio, o voto que já deu.
Diz mais a minoria (leu).
É soberba esta rasão! As nossas attenções devem todas concentrar-se na questão de fazenda, e é naturalmente por isto que os illustres dissidentes acabam de proclamar a desamortisação dos passaes n'um artigo, e o estrangulam, acto continuo, n'um paragrapho!
É com certeza esta maravilhosa descoberta que vae salvar a nossa questão de fazenda! Será pois o estrangulador, em que a minoria concentrou todas as suas attenções, que salvará a nossa questão de fazenda?! Isto é original! Valerá mais o paragrapho da minoria do que a doutrina economica, politica, clara, franca e altamente liberal da maioria? Responda a camara. A consciencia publica tambem ha de responder.
Depois de tão notaveis considerandos que acabo rapidamente de analysar, vamos chegar a uma logica conclusão. Os illustres dissidentes, em confirmação da verdade, que expõem, concluem por não aceitar a desamortisação obrigatoria dos passaes...
Uma voz: — Ai! Jesus!
O sr. Rodrigues de Carvalho: — Não é isso.
O Orador: — Perdão. Vejo que me enganei. Fui d'isto advertido por um — ai! Jesus! (Riso). Veja v. ex.ª, sr. presidente, quanto a gente se engana, quando vae atrás da logica da minoria da commissão!
Os considerandos da minoria levavam a tal conclusão. Encaminhavam á rejeição da desamortisação obrigatoria dos passaes, mas o ai! Jesus! do sr. Teixeira Marques acordou-me da minha distracção logica, e fez-me ver que os illustres dissidentes decretaram, depois dos seus famosos considerandos, a desamortisação obrigatoria dos passaes, e de todos os bens e direitos prediaes que fazem parte da dotação do clero!
Quem supporia, n'esta curta, mas gloriosa peregrinação dos considerandos, que chegaria ao capitolio de uma tal conclusão, para ter logo ali ao pé a rocha Tarpeia de um § 2.°, d'onde é despenhado, sem amor, sem compaixão, o corpo infeliz do artigo?
Não direi proh! pudor! porque esta phrase privilegiada pronunciada ha alguns dias n'esta tribuna, n'uma occasião grave e solemne, é propriedade de um collega nosso, que a levou comsigo para o Porto (riso).
Quer ou não quer a minoria da commissão de fazenda a desamortisação obrigatoria dos passaes? Se a quer, qual a rasão por que a garrota no § 2.° do seu artigo? E se a não quer, qual a rasão por que proclama o principio no corpo do artigo? Se não a querem, para que pretendem ss. ex.ªs ostentar-se mais radicaes do que a maioria da commissão, proclamando a desamortisação de todos os bens e direitos prediaes que fazem parte da actual dotação do clero? Pois é assim que ss. ex.ªs pretendem evitar as longas discussões? Isto é incomprehensivel! Ora supponham ss. ex.ªs que uma parte da camara se tornava enthusiasta, partidaria, zelosa dos gosos, prazeres, commodos e interesses dos venerandos prelados da igreja lusitana, e não queria portanto a desamortisação dos jardins, passeios, cercas, quintas e mais terrenos destinados aos ocios de ss. ex.ªs rev.mas? Viriam infallivelmente as protrahidissimas discussões que se pretende evitar, muito embora isso nos fornecesse materia para um novo hyssopo, ou para algum outro Lutrin (riso). Já se vê pois que por esta fórma não se evitavam as discussões, que tanto assustam os illustres deputados dissidentes.
Quem proclama um principio e o insere n'uma lei, não o renega n'um paragrapho. Quem o julga inopportuno não o decreta n'um artigo. Quem o considera necessario não torna dependente a sua applicação de uma futura lei (apoiados).
Quando é que se viu isto?! Quando se viu tornar dependente a execução de uma lei de outra lei que ha de vir sabe Deus como e quando? Similhante doutrina é inaceitavel (apoiados).
A execução do uma lei póde ficar dependente da feitura de regulamentos ou da remoção de certas difficuldades sobre que cumpre providenciar ao poder executivo; mas decretar-se um principio e dizer-se que a sua applicação fica dependente de uma nova lei que ninguem sabe o que será, nem de que tratará, nem os termos em que virá concebida, afigura-se-me a maior aberração do systema constitucional (apoiados).
E na hypothese sujeita é necessario repetir á camara que não ha necessidade de regulamentos. Os regulamentos existem. Servem para os passaes. São os respectivos ás leis de 4 de abril de 1861 e de 22 de junho de 1866. Insisto n'este ponto, porque é essencial para a questão. Era mais logico ou menos irracional esperar pela nova lei.
É esta a rasão por que eu achava mais aceitavel um adiamento definido, puro e simples.
A opinião primitiva do governo, ou a opinião do sr. Carlos Bento, exposta na commissão de fazenda, tinha pelo menos rasão de a ser. O que não tem rasão de ser é o parecer da minoria, a que o governo bon gré mal gré teve de acceder.
Eu já declarei mais de uma vez que um adiamento definido assente n'alguma rasão séria e importante poderia ter o meu voto.
O sr. Rodrigues de Carvalho: — Já o aceitou.
O sr. Teixeira Marques: — Apoiado, e a eliminação do artigo.
O Orador: — Que artigo? Qual eliminação? Os illustres deputados estão muito obcecados ou muito irritaveis! A que se referem ss. ex.ªs? Expliquem-se.
O sr. Teixeira Marques: — É para se saber que v. ex.ª não tem direito de recriminar ninguem pelo modo por que votou. Eu hei de demonstrar que v. ex.ª tem votado n'esta questão de tres modos.
O Orador: — V. ex.ª póde fazer as interrupções que quizer e entender, assim como póde exhalar as suas coleras