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Discurso proferido na sessão de 18 do corrente, publicada no Diario de Lisboa n.° 186, e que devia ter logar a pag. 2054, col. 3.ª in fine

O sr. Santos e Silva: — Consinta-me V. ex.ª e a camara que comece por protestar contra algumas asserções que saíram dos bancos dos srs. ministros, e que acabam de ser proferidas pelo illustre ministro do reino.

Nunca esperei que um ministro da corôa viesse ao seio do parlamento lançar insinuações contra os titulos da divida publica portugueza (muitos apoiados).

Todos nós devemos empenhar-nos para que continue a manter-se o credito publico (apoiados).

O governo deve ser o primeiro interessado em que se não abale a fé e a confiança que um paiz necessita ter nos seus papeis de credito. Uma phrase imprudente, saída dos bancos do ministerio, ha de produzir gravissimos damnos no nosso credito, e aggravar mais o nosso precario estado financeiro, levando o desanimo a toda a parte, porque faz ver que até o proprio governo não tem confiança nos titulos que tem emittido, e que tem obrigação de cobrir com a garantia, com a probidade, e com a honra do estado (apoiados).

O sr. Ministro do Reino: — Longe estava eu de ter pensamento que o illustre deputado me attribue. Eu referi-me á opinião que os parochos apresentavam e aos motivos em que elles a justificavam.

O Orador: — Mas produziu mau effeito na camara a asserção proferida por v. ex.ª, a respeito dos titulos de divida publica, e ninguem a tomou aqui como opinião exclusiva dos parochos...

O sr. Ministro do Reino: — Não foi minha intenção depreciar o valor d'esses titulos, nem isso era admissivel. Se das minhas expressões se póde tirar similhante illação, aqui estou para as rectificar.

O Orador: — Foi por isso mesmo que fiz a minha observação; julgava necessaria, urgente a rectificação da parte de v. ex.ª Não estou arrependido de a ter provocado (apoiados).

Depois de ter protestado contra algumas proposições do nobre ministro do reino desde já declaro que estou de accordo com outras.

Por exemplo, estou completamente de accordo com s. ex.ª emquanto a ser adiada para as kalendas gregas a dotação do clero (apoiados).

Effectivamente é esta a conclusão que se póde tirar das considerações que s. ex.ª fez a este respeito.

E o sr. ministro do reino que tanto empenho tem mostrado na dotação do clero, que acaba de nos dizer, que só para as kalendas gregas ella terá logar.

Se s. ex.ª entende que os poderes publicos não têem obrigação de esclarecer o povo; se o governo tem de respeitar sempre todos os prejuizos que ha no paiz, aliás morrerá esmagado debaixo d'elles na phrase desconsoladora do nobre ministro; estando a dotação do clero dependente do arredondamento das freguezias, e não podendo esta reforma ter logar porque os povos se revoltam contra ella, segundo s. ex.ª prevê, esta claro que a dotação do clero fica adiada para as kalendas gregas, ou até que os povos se resolvam a fazer constar aos poderes publicos que estão dispostos a aceitar esta ou aquella circumscripção parochial. Isto não se póde nem se deve dizer aqui (apoiados).

Ora, eu que não estou por ora muito inclinado para a dotação orçamental do clero official, eu que não desejo ver o orçamento aggravado com despezas supervenientes, e pelo contrario faço votos para que d'elle se desloquem muitas verbas que devem estar a cargo das localidades, estou completamente de accordo com o nobre ministro a respeito da dotação orçamental do clero para as kalendas gregas.

Foi esta a conclusão a que s. ex.ª chegou, visto que esta resolvido a respeitar e entende que devem ser sempre respeitados os mais grosseiros, os mais destemperados prejuizos dos povos.

A conclusão a que s. ex.ª chegou aceito-a pois; quanto ás premissas rejeito-as. Não ha poderes publicos serios que as possam aceitar.

Já vê s. ex.ª que nem tudo é desaccordo entre nós. Eu estava ávido de poder encontrar um ponto em que podesse estar de accordo com o nobre ministro. A respeito d'este assumpto logo darei mais desenvolvimento ás minhas idéas.

Antes de entrar na analyse do parecer da minoria da commissão, que me cumpre primeiro do que tudo rebater, por isso que esta em discordancia com o parecer da maioria, conceda-me ainda v. ex.ª que eu faça ver ao sr. ministro do reino que o facto de se desamortisarem desde já effectiva e obrigatoriamente os passaes, nada tem com as difficuldades da execução da lei, por causa da falta ou imperfeição dos inventarios. Aconteceu o mesmo aos outros bens que já foram desamortisados.

Esta claro que, em regra, quando se legisla sobre um principio, não póde deixar de ter alguma demora a sua applicação.

Em primeiro logar são necessarios regulamentos n'um

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grande numero de casos. Felizmente para o facto da desamortisação dos passaes já temos regulamentos. São os respectivos ás leis de 4 de abril de 1861 e 22 de junho de 1866. Estes regulamentos são applicaveis á desamortisação de quaesquer bens.

Em segundo logar e na hypothese sujeita, alem dos regulamentos que já existem, ha trabalhos preparatorios, inventarios, etc. etc. que são outros tantos obstaculos que é preciso remover para pôr em execução a lei.

Estes argumentos provam todos contra o nobre ministro. Quanto mais depressa se decretar o principio, mais depressa o governo é obrigado a remover as difficuldades que se oppoem á sua applicação.

Desamortisemos desde já os passaes, para ganharmos todo o tempo que perderíamos d'aqui até janeiro, epocha em que s. ex.ª quer que se legisle sobre elles ou se regule a sua subrogação.

Sr. presidente, a logica e os bons principios mandam o seguinte: desamortisar desde já os passaes, mandar proceder aos inventarios d'estes bens, e proceder á sua subrogação nos termos das leis e dos regulamentos. Para isto não ha mais do que aceitar a emenda da maioria da commissão. A execução ha de vir quando se fizerem os inventarios, e quando o governo tiver desfeito as difficuldades que não podem deixar de apparecer.

Não posso pois aceitar os argumentos que o nobre ministro do reino acaba de produzir. São, na minha opinião, contraproducentes.

Dito isto passarei a fazer breves observações sobre os pareceres que estão em discussão, porque attendendo ao estado da minha saude, que não é vigoroso, desejo terminar hoje e não levar a palavra para casa.

Nós temos em discussão dois pareceres; um é da maioria da commissão de fazenda sobre emendas ao projecto n.° 1, que tende a modificar ou a regular por uma nova fórma a subrogação dos bens desamortisados pelas leis de 4 de abril de 1861 e 22 de junho de 1866; o outro é da minoria da mesma commissão. No parecer da maioria estão assignados sete membros, no da minoria concordaram tres membros, aos quaes acresceu depois o voto do sr. Teixeira Marques, que tinha ficado suspenso no seio da commissão quando ella se dividiu.

Na occasião em que aqui se levantou um incidente a proposito de uma emenda sobre desamortisação dos passaes, apresentada pelo sr. Rodrigues de Azevedo, o sr. Teixeira Marques fez-me a honra de me apoiar com grande enthusiasmo, dando visíveis demonstrações de adhesão ás minhas declarações quando eu affirmei á camara que se porventura á commissão de fazenda fosse presente alguma proposta ou emenda que tivesse por fim tornar obrigatoria a desamortisação dos passaes, estava ella na firme resolução de a votar.

Foi tão vivaz o enthusiasmo de s. ex.ª, que até pediu votação nominal sobre a proposta do sr. Rodrigues de Azevedo.

Mas não obstante todas estas peripecias, s. ex.ª entendeu depois, e não sem alguma difficuldade, que devia unir-se á minoria da commissão porque realmente o triumpho das grandes causas precisa dos mais dolorosos sacrificios. S. ex.ª tinha necessidade de expiar perante a camara e perante o paiz essa dedicação, esse enthusiasmo sincero com que pedíra aqui a votação nominal, e me apoiara, dias depois, tudo no mais patriotico intuito de ver na lei consignado o principio da desamortisação obrigatoria e effectiva dos passaes.

O sr. Teixeira Marques: — Eu estou inscripto e responderei.

O Orador: — Não quero fazer insinuações ao caracter de s. ex.ª, mas o facto é que a maioria da commissão cumpriu a sua palavra e o seu dever; não digo que s. ex.ª não cumprisse o seu, mas...

O sr. Teixeira Marques: — A minoria da commissão cumpriu a sua palavra, porque votou o principio da desamortisação, mas entendeu comtudo que a sua realisação pratica devia ceder ás circumstancias da opportunidade.

O Orador: — Preciso fazer uma declaração.

Quando confrontei o procedimento da maioria com o da minoria da commissão não quiz referir-me ao sr. Joaquim Thomás Lobo d'Avila, ao sr. Hermenegildo Augusto de Faria Blanc, nem emfim ao sr. José Maria Rodrigues de Carvalho, porque nenhum d'estes cavalheiros tinha compromissos n'esta camara, creio eu, e principalmente no seio da commissão.

Ss. ex.ªs não tinham estado nas sessões da commissão, quando esta declarou formalmente ao governo que se lhe fosse presente uma certa moção a aceitaria sem reserva.

Esta questão ou estas explicações dizem unicamente respeito ao sr. Teixeira Marques, cujo caracter eu não quero depreciar. Precisava da-las, porque na qualidade de relator tinha de produzir os motivos porque no parecer da maioria não apparece com voto em separado o nome do sr. Teixeira Marques.

Escuso declarar, que não ha aqui allusões que tenham por fim fazer um juizo menos lisonjeiro do illustre deputado. Aqui não ha senão a exposição de um facto, que entendi ser necessario apresentar á camara, para ella o avaliar como elle merece.

As rasões em que os membros da maioria da commissão se fundaram para lavrar o seu parecer, estão consignadas e resumidas no relatorio. São muito concisas, claras e a meu ver concludentes.

O argumento das protrahidissimas discussões em que o governo e a minoria se estribam, não se póde aceitar; cáe de um momento para o outro. Caduca desde que os illustres deputados, que se pronunciaram pela desamortisação obrigatoria, quizerem entrar n'esta discussão, ou quizerem sustentar o voto que deram na occasião em que approvaram a moção do sr. Rodrigues de Azevedo.

Isto não tem contestação (apoiados).

Eu confio que a maioria da camara manterá o seu voto, que significa a desamortisação obrigatoria dos passaes, se é verdadeira a interpretação que geralmente se dá á votação que houve aqui, e á qual eu não assisti. Mas todos os meus collegas me dizem, que a votação da moção do sr. Rodrigues de Azevedo significa a desamortisação obrigatoria dos passaes (apoiados). E tanto eu estava convencido d'isto que vim á camara declarar, que se estivesse presente na sessão em que se votara tal proposta, approvada pela maioria d'esta casa, te-la-ía approvado tambem no sentido, de ficar obrigatoria e effectiva desde já a desamortisação dos passaes. Outros srs. deputados fizeram iguaes declarações, e ninguem levantou duvidas a tal respeito. Isto quer dizer que esta convencida toda a camara, que já foi votada n'esta casa a desamortisação obrigatoria e effectiva de taes bens (apoiados).

Sendo assim, (e permitta-me v. ex.ª que eu não trate da questão das reconsiderações) se é verdade, se não offerece duvida que a camara, quando votou a moção do sr. Rodrigues de Azevedo, votou a desamortisação obrigatoria dos passaes (Vozes: — Votou): imagine v. ex.ª que todos os deputados continuam firmes nas suas opiniões? A conclusão é que nem se evitam as protrahidissimas discussões, se alguem as não quizer estrangular, nem se respeita o outro argumento da opportunidade, á sombra do qual tambem o governo quer impedir que se vote o parecer da maioria da commissão. Isto é irrefutavel.

Veja v. ex.ª e veja a camara, que valor têem, a que proporções ficam reduzidos os argumentos da opportunidade e da longa discussão, se a camara quizer sustentar as suas opiniões, e votar o nosso parecer.

A maioria da commissão esta intimamente convencida que a desamortisação obrigatoria dos passaes, effectiva desde já, não traz embaraços ao governo; pelo contrario dá-lhe meios, em mais larga escala, para sobre elles assentar as suas operações financeiras.

(Interrupção que se não percebeu.)

Dizia eu, que a maioria da commissão estava convencida de que não creava embaraços ao governo, mas que lhe dava meios em mais larga escala para as suas operações; pro-clamava-se a santidade de um principio politico e economico, que um paiz liberal não póde deixar de aceitar; libertava-se desde já a terra dos passaes dando circulação a estes valores, e promovendo o augmento da receita do thesouro pelas livres transacções derivadas da terra desenfeudada; não se prejudicava a posição dos parochos, pelo contrario, melhorava-se em todas as hypotheses a sua situação; alliviava-se na maxima parte dos casos, e n'outros extinguia-se a collecta parochial dos contribuintes.

Tive occasião quando se discutiu a proposta do ministerio transacto, de provar que quaesquer que fossem as hypotheses, em que figurassemos o parocho, de todas ellas haviam de resultar ou os mesmos interesses, que elles actualmente percebem ou uma melhoria. Não houve ninguem que refutasse esta proposição.

Quando a commissão de fazenda no primeiro parecer que deu, sobre a proposta do actual ministerio, referendada pelo sr. Carlos Bento, e cujas emendas estamos discutindo, affirmou não ter em vista crear embaraços ao governo fez uma promessa que ainda hoje sustenta.

A desamortisação dos passaes não cria embaraços; não os póde crear, como já provei. A maioria da commissão não desiste pois do principio, como a maioria da camara não póde desistir.

Sr. presidente, passarei agora a analysar alguns paragraphos do parecer da minoria. Não tinha tenção de me demorar muito n'esta tribuna.

(O orador, pouco depois de começar o seu discurso, deixou o seu logar, no qual chovia, e subiu á tribuna.)

Vejo porém que um certo susurro, junto dos bancos dos srs. ministros, não me deixa continuar. Esperarei que acabe. Eu não posso elevar a voz; o meu estado de saude não é bom. Mas tenham todos a certeza que hei de dizer hoje, ámanhã ou depois, o que tenho tenção de dizer.

(Interrupção da presidencia, que se não percebeu.)

(Pausa do orador.)

Dizem os illustres dissidentes no seu parecer (leu).

Tenho a observar á camara que não entendo este §, não o comprehendo, não sei o que elle quer dizer.

Não attinjo o que significa; mas naturalmente vou ser esclarecido, quando alguns dos membros da minoria da commissão tomar a palavra, para rebater as considerações que estou a fazer. Parece-me isto um logogripho, uma charada, um enigma, que não posso decifrar.

Diz tambem a minoria (leu).

Eu vejo que a minoria da commissão é que quer inventar essas difficuldades, para ter o prazer de se servir dellas. A camara e a maioria da commissão pedem porventura essas medidas administrativas, essas providencias especiaes para corrigir flagrantes e injustas desigualdades, e não sei que mais? Ninguem pede isso. A minoria da commissão é que entendeu que a desamortisação obrigatoria dos passaes não podia ter logar sem estas providencias especiaes, para ter o prazer de dizer que são indispensaveis taes providencias para corrigir flagrantes injustiças e desigualdades!!

Este argumento servirá para a minoria se recrear, mas a maioria dispensa-o, não o necessita, para que a desamortisação dos passaes se torne effectiva. Foi uma phantasia que a minoria sonhou, mas que a maioria não aceita, e a camara tambem dispensará, se sustentar, como creio, o voto que já deu.

Diz mais a minoria (leu).

É soberba esta rasão! As nossas attenções devem todas concentrar-se na questão de fazenda, e é naturalmente por isto que os illustres dissidentes acabam de proclamar a desamortisação dos passaes n'um artigo, e o estrangulam, acto continuo, n'um paragrapho!

É com certeza esta maravilhosa descoberta que vae salvar a nossa questão de fazenda! Será pois o estrangulador, em que a minoria concentrou todas as suas attenções, que salvará a nossa questão de fazenda?! Isto é original! Valerá mais o paragrapho da minoria do que a doutrina economica, politica, clara, franca e altamente liberal da maioria? Responda a camara. A consciencia publica tambem ha de responder.

Depois de tão notaveis considerandos que acabo rapidamente de analysar, vamos chegar a uma logica conclusão. Os illustres dissidentes, em confirmação da verdade, que expõem, concluem por não aceitar a desamortisação obrigatoria dos passaes...

Uma voz: — Ai! Jesus!

O sr. Rodrigues de Carvalho: — Não é isso.

O Orador: — Perdão. Vejo que me enganei. Fui d'isto advertido por um — ai! Jesus! (Riso). Veja v. ex.ª, sr. presidente, quanto a gente se engana, quando vae atrás da logica da minoria da commissão!

Os considerandos da minoria levavam a tal conclusão. Encaminhavam á rejeição da desamortisação obrigatoria dos passaes, mas o ai! Jesus! do sr. Teixeira Marques acordou-me da minha distracção logica, e fez-me ver que os illustres dissidentes decretaram, depois dos seus famosos considerandos, a desamortisação obrigatoria dos passaes, e de todos os bens e direitos prediaes que fazem parte da dotação do clero!

Quem supporia, n'esta curta, mas gloriosa peregrinação dos considerandos, que chegaria ao capitolio de uma tal conclusão, para ter logo ali ao pé a rocha Tarpeia de um § 2.°, d'onde é despenhado, sem amor, sem compaixão, o corpo infeliz do artigo?

Não direi proh! pudor! porque esta phrase privilegiada pronunciada ha alguns dias n'esta tribuna, n'uma occasião grave e solemne, é propriedade de um collega nosso, que a levou comsigo para o Porto (riso).

Quer ou não quer a minoria da commissão de fazenda a desamortisação obrigatoria dos passaes? Se a quer, qual a rasão por que a garrota no § 2.° do seu artigo? E se a não quer, qual a rasão por que proclama o principio no corpo do artigo? Se não a querem, para que pretendem ss. ex.ªs ostentar-se mais radicaes do que a maioria da commissão, proclamando a desamortisação de todos os bens e direitos prediaes que fazem parte da actual dotação do clero? Pois é assim que ss. ex.ªs pretendem evitar as longas discussões? Isto é incomprehensivel! Ora supponham ss. ex.ªs que uma parte da camara se tornava enthusiasta, partidaria, zelosa dos gosos, prazeres, commodos e interesses dos venerandos prelados da igreja lusitana, e não queria portanto a desamortisação dos jardins, passeios, cercas, quintas e mais terrenos destinados aos ocios de ss. ex.ªs rev.mas? Viriam infallivelmente as protrahidissimas discussões que se pretende evitar, muito embora isso nos fornecesse materia para um novo hyssopo, ou para algum outro Lutrin (riso). Já se vê pois que por esta fórma não se evitavam as discussões, que tanto assustam os illustres deputados dissidentes.

Quem proclama um principio e o insere n'uma lei, não o renega n'um paragrapho. Quem o julga inopportuno não o decreta n'um artigo. Quem o considera necessario não torna dependente a sua applicação de uma futura lei (apoiados).

Quando é que se viu isto?! Quando se viu tornar dependente a execução de uma lei de outra lei que ha de vir sabe Deus como e quando? Similhante doutrina é inaceitavel (apoiados).

A execução do uma lei póde ficar dependente da feitura de regulamentos ou da remoção de certas difficuldades sobre que cumpre providenciar ao poder executivo; mas decretar-se um principio e dizer-se que a sua applicação fica dependente de uma nova lei que ninguem sabe o que será, nem de que tratará, nem os termos em que virá concebida, afigura-se-me a maior aberração do systema constitucional (apoiados).

E na hypothese sujeita é necessario repetir á camara que não ha necessidade de regulamentos. Os regulamentos existem. Servem para os passaes. São os respectivos ás leis de 4 de abril de 1861 e de 22 de junho de 1866. Insisto n'este ponto, porque é essencial para a questão. Era mais logico ou menos irracional esperar pela nova lei.

É esta a rasão por que eu achava mais aceitavel um adiamento definido, puro e simples.

A opinião primitiva do governo, ou a opinião do sr. Carlos Bento, exposta na commissão de fazenda, tinha pelo menos rasão de a ser. O que não tem rasão de ser é o parecer da minoria, a que o governo bon gré mal gré teve de acceder.

Eu já declarei mais de uma vez que um adiamento definido assente n'alguma rasão séria e importante poderia ter o meu voto.

O sr. Rodrigues de Carvalho: — Já o aceitou.

O sr. Teixeira Marques: — Apoiado, e a eliminação do artigo.

O Orador: — Que artigo? Qual eliminação? Os illustres deputados estão muito obcecados ou muito irritaveis! A que se referem ss. ex.ªs? Expliquem-se.

O sr. Teixeira Marques: — É para se saber que v. ex.ª não tem direito de recriminar ninguem pelo modo por que votou. Eu hei de demonstrar que v. ex.ª tem votado n'esta questão de tres modos.

O Orador: — V. ex.ª póde fazer as interrupções que quizer e entender, assim como póde exhalar as suas coleras

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ou vomitar a sua bilis, porque eu hei de dizer o que quizer, e as suas interrupções não me fazem mal. Mas fará melhor pedir a palavra, discutir e derrocar pela base os argumentos dos seus adversarios, porque assim conquista mais palmas e maiores glorias, para o que está habilitado. Faço justiça á sua intelligencia. Advirto-o pois que essas aggressões á queima roupa não produzem effeito, porque eu estou disposto a continuar.

O sr. Teixeira Marques: — Póde continuar.

O Orador: — Muito obrigado. Ainda mesmo que v. ex.ª me não desse licença, estava disposto já a continuar.

Vamos á historia do parecer primitivo da commissão; não ha outro remedio.

O sr. ministro da fazenda apresentou á commissão a sua proposta n.° 1, e lá não vinha a desamortisação obrigatoria dos passaes. É uma cousa conhecida de todos e que de certo não precisava a revelação do illustre deputado, que se apresentou com ares de quem descobria um segredo. A cousa é tão publica e official, que dispensava a denuncia do sr. Teixeira Marques.

A commissão foi unanime em dizer ao governo = para não crear embaraços, nós aceitâmos este parecer como está; mas olhe que se for presente alguma moção que tenha por fim tornar obrigatoria a desamortisação dos passaes, aceitâmo-la =.

Isto já tem sido dito, explicado e confessado, um cento de vezes. Ninguem o nega. Ninguem o póde, ninguem o deve negar.

Os embaraços não consistiam só na desamortisação obrigatoria dos passaes; para mim a questão principal era a collocação das inscripções a 50 por cento. Era este o principal embaraço que eu previ sempre ao ministerio transacto, e não desejava nem desejo crear ao actual.

A questão dos passaes podia não ser votada por um certo espirito de provincialismo que dirige aqui os passos de alguns collegas nossos, mas havia de ser votada pela maioria da camara.

Quanto á questão das inscripções a 50 por cento, considerei sempre o caso mais serio, porque sendo esta medida applicada a diversos estabelecimentos de todo o paiz, muitos deputados arreceiavam-se de uns suppostos prejuizos que iam arruinar todas as corporações.

Este foi sempre á ponto principal para mim.

Poucos dias antes de caír a situação passada, disse eu a alguns srs. ministros que não fizessem questão da collocação das inscripções, porque encontrava grandes repugnancias na maioria da camara.

Desde o momento pois em que se apresentou uma moção que tinha por fim tornar obrigatoria a desamortisação dos passaes, a commissão aceitou-a, cumpriu a sua palavra, palavra empenhada nas suas sessões, e no seio do parlamento. Esta é a verdade. A questão dos passaes não a considerâmos nós um embaraço para o governo. Pelo contrario, colloca-o em melhor situação; dá-lhe maior massa de bens, para mais facilmente saír das difficuldades em que se encontra e para poder amortisar a divida fluctuante (apoiados).

Passemos a outra face da questão. Não direi que ha aqui o latet anguis, que tanto incommodou ha pouco o sr. ministro do reino. Ha porém o quer que é revelando o estado contradictorio da politica do governo. No ministerio ha quem queira a desamortisação dos passaes, e quem não a queira. Para satisfazer a uns, proclamou-se o principio no corpo do artigo; para satisfazer a outros, enxertou-se um celebre § no mesmo artigo.

O sr. ministro da fazenda; que sinto não esteja presinto, afigura-se me que pertence aos dois lados do ministerio. O sr. Carlos Bento não póde deixar de estar com aquelles, não que querem a desamortisação dos passaes, porque tem a este respeito a sua opinião mui bem definida e clara, como passarei a provar; e não póde tambem deixar de estar contra os seus collegas, que querem e já prometteram a dotação do clero. Em resumo, o sr. Carlos Bento não quer a desamortisação dos passaes, nem quer a dotação official do clero. No ministerio ha quem queira metade d'isto e rejeite a outra metade, ou a aceite violentadamente.

S. ex.ª, quando era membro da commissão de fazenda, não queria a desamortisação, por isso que podia trazer como consequencia a dotação do clero.

Se no parecer da minoria, o qual foi accordado com o governo, não ha latet anguis, deve haver alguma cousa, que se pareça com uma retractação da parte do sr. Carlos Bento. Uma de duas. Ou este artigo significa o estado desconnexo em que está a politica do governo, que se acha dividido em dois bandos, pertencendo o illustre ministro da fazenda talvez a ambos, ou então não lhe acho significação precisa. Esta é a minha opinião a respeito do modo por que está concebido e redigido este artigo.

Quanto ao § 1.° tambem tenho alguns reparos a fazer.

O projecto de lei da commissão de fazenda, que recaíu sobre a proposta do sr. Dias Ferreira, exceptuava as residencias dos parochos e os edificios e terrenos que o governo julgasse indispensaveis a esses estabelecimentos e individuos para o desempenho de suas funcções, goso e serviço do publico. A lei de 22 de junho de 1866 exceptua da desamortisação os edificios, jardins, passeios e quaesquer terrenos que o governo, depois de havidas as necessarias informações das auctoridades, julgar indispensaveis a esses estabelecimentos, com previa audiencia dos seus administradores, para o desempenho de suas funcções, goso e servido do publico. Mas aqui, n'este § 1.°, já se não trata do goso e serviço do publico, já se não trata do bom desempenho das diversas funcções, porque se diz: «Não são comprehendidos os terrenos que o governo julgar indispensaveis para goso e serviço particular d'esses individuos». Quer dizer, o governo fica armado do latissimo arbitrio para fazer presente de quaesquer porções de terreno aos individuos a quem diz respeito o artigo da minoria, mas para seu uso particular, ainda que não sejam precisos para uso e goso do publico e para o exercicio das suas funcções. Ora estes terrenos não serão só para os parochos, são tambem para os bispos, são para todos os individuos a quem dizem respeito os bens e direitos prediaes que fazem parte da dotação do clero.

Que estas concessões sejam cohonestadas como rasoaveis exigencias para o desempenho de funcções e para o serviço do publico, vá; mas fazerem-se exclusivamente para uso particular, e para goso de alguns individuos, é realmente uma cousa que eu não posso votar. Votaria o § se elle estivesse pouco mais ou menos redigido nos termos das disposições que citei. D'esta fórma sim, mas para goso particular de individuos, parece-me altamente inconveniente que similhante arbitrio seja exarado em uma lei.

Agora perguntaria eu á minoria da commissão e aos srs. ministros: se porventura o governo não trouxer ao parlamento na proxima sessão legislativa as taes propostas para regular a applicação do principio consignado do seu artigo, considera-se, ou não, effectiva a desamortisação?

Supponhamos que o governo por uma circumstancia qualquer não apresenta as propostas, ou desaba este ministerio e o outro que lhe succede se não julga obrigado a apresenta-las, e por consequencia não as apresenta na proxima sessão legislativa, pergunto: fica ou não effectiva a desamortisação, ou está, sempre, em todos os casos, em todas as circumstancias, dependente das propostas que um governo qualquer haja de trazer ao parlamento?

É este tambem um ponto sobre o qual provavelmente vou ser esclarecido, e com sinceridade desejo se-lo.

Sr. presidente, visto ter-se fallado em dotação do clero, vou, em poucas palavras, consignar as minhas opiniões a tal respeito.

Declaro positiva e terminantemente, que tenho gravissimos escrupulos em aceitar o principio da dotação do clero com verba especial no orçamento (apoiados). Que o clero seja convenientemente dotado, de accordo; quero, exijo e peço a sua condigna remuneração. Aceitarei a proposta de lei, de qualquer governo, conducente a conseguir similhante fim. É tambem um dos meus desideratums. Mas na occasião em que é urgente simplificar serviços, reduzir o pessoal, descentralisar, e alijar muitas despezas do orçamento para os districtos, municipios e parochias, não posso aceitar uma reforma que vae sobrecarregar o orçamento com umas poucas de centenas de contos de réis (apoiados).

Desamortisem-se os passaes; subroguem-se por inscripções; constitua-se um fundo commum com estas rendas, e preencha-se o que faltar com derramas ou collectas parochiaes. É a fórma por que aceitarei a congrua sustentação dos parochos. Este é o pensamento fundamental, que quaesquer attendiveis circumstancias poderão modificar ou ampliar. Verba no orçamento, no actual estado de cousas, e com as nossas tendencias para simplificar o orçamento, não me parece admissivel.

A desamortisação dos passaes é pois util em todas as hypotheses. Util porque, a continuar o statu quo, melhora a situação do parocho o do freguez; util, porque é uma base indispensavel para a futura dotação do clero official, nos termos em que eu a concebo; util, porque liberta uma grande massa de bens.

A desamortisação obrigatoria dos passaes não está logica e essencialmente presa á dotação do clero. Se os passaes forem desamortisados, e continuar para os parochos a mesma ordem de cousas, lá lhes fica o rendimento d'elles, igual, e, na maxima parte dos casos, superior ao que recebem hoje.

Sr. presidente, vou concluir as considerações que tinha a fazer com o trecho de um discurso do sr. ministro da fazenda.

Preciso demonstrar á camara, que não avancei uma opinião infundada, quando declarei o sr. Carlos Bento inimigo da desamortisação dos passaes, e da dotação do clero, que alguns dos seus collegas querem, e s. ex.ª parece ter aceitado em principio, no parecer da minoria da commissão, contraias suas bem conhecidas e bem definidas opiniões (leu). É o seu notavel discurso de ha um mez. Ainda s. ex.ª era deputado. Discutia-se o projecto de desamortisação do ministerio passado.

«Em primeiro logar, discursava o sr. Carlos Bento, supponho que para o effeito financeiro d'esta lei, a importancia dos passaes não é tão grande, que, exceptuados da desamortisação, provenha d'ahi grande damno á lei. Em segundo logar, quando eu vejo que a desamortisação, com relação á residencia dos parochos é determinada de modo, que fica ao governo a faculdade de indicar a parte d'esses bens, que devem ser desamortisados, é os que devem ficar isentos da desamortisação, vejo que se dá um arbitrio ao governo, arbitrio que eu, como não aceitava, tambem não dou.»

O sr. Carlos Bento não dava ao governo passado um arbitrio, que não aceitaria para si, e aceita-o um mez depois! Que é isto? Onde estão as opiniões do nobre ministro? Então agrada-lhe agora o arbitrio, para fazer presentes, a seu talante, aos parochos e aos bispos, para seu uso particular? Valha-nos Deus com estas contradicções!

Continua s. ex.ª: «e não dou (o arbitrio) por deixar de confiar no governo, mas porque não tenho a certeza da sua duração no poder. Póde estar ali muito tempo, mas póde tambem saír muito breve... Se este ministerio caír, e vier, supponhamos, outro menos solicito e menos escrupuloso no integral cumprimento do pensamento que dictou esta medida, póde com este arbitrio que lhe fica, fazer, em logar de uma lei financeira, uma lei eleitoral».

Já se vê que o nobre ministro da fazenda, a não ser por um grande rasgo de modestia, não podia deixar de se considerar mais solicito e mais escrupuloso do que qualquer outro ministro, que em sonhos s. ex.ª já via como successor do sr. Dias Ferreira. Foi por isso que o sr. Carlos, Bento aceitou o arbitrio, que é incapaz de transformar em arma eleitoral. S. ex.ª é incapaz de abusar do arbitrio, transformando-o em instrumento politico e eleitoral!! Esta pecha já agora ficará para o seu successor, porque s. ex.ª, quando saír do poder, ainda ha de deixar muito pedaço d» terra para presentear o clero official. Acrescenta ainda o nobre ministro da fazenda: «As considerações apresentadas pelo illustre relator da commissão (era eu), sobre ser esta uma medida efficaz para encaminhar o estado a estabelecer a dotação do clero (s. ex.ª attribuiu-me uma opinião que não era inteiramente a minha), a este respeito estou ainda de accordo com o sr. Belchior José Garcez... Se este projecto tem por fim encaminhar para essa dotação, que o estado nas circumstancias actuaes não me parece possa garantir com toda a segurança, é mais um motivo para que eu me confirme na opinião que sigo». Aqui estão as modernas opiniões do sr. Carlos Bento.

Veja tambem o nobre ministro do reino a sorte que espera a sua predilecta dotação do clero. O sr. Carlos Bento não crê em promessas, não quer que se façam, nem quer que se cumpram. S. ex.ª parece que n'esta occasião estava já a atalhar um epigramma previo, para o seu futuro collega do reino. O sr. bispo de Vizeu faz hoje promessas sobre, a dotação do clero; o seu collega da fazenda já ha um mez se ria dellas (riso).

S. ex.ª é tão descuidado n'estes epigrammas, que até os talha para si (riso). E n'este trecho que eu li, e n'estas allusões de s. ex.ª, ha, se me não engano, muita cousa, que assenta perfeitamente no nobre ministro.

S. ex.ª combateu pois o parecer da commissão de fazenda no tempo do ministerio passado, principalmente por dois motivos. Primeiro porque se podia deprehender d'elle a promessa da dotação do clero, e s. ex.ª não aceitava tal dotação. Em segundo logar s. ex.ª rejeitava-o na parte em que dava ao governo um arbitrio larguissimo a respeito de concessões e terrenos, e edificios aos individuos a quem a lei se referia.

Já se vê pois, quando eu fallei no notavel desaccordo entre as opiniões actuaes do sr. ministro da fazenda, e as opiniões de s. ex.ª ha um mez, avancei uma proposição, que felizmente posso sustentar e provar com os trechos que acabo de ler.

Nada mais direi. As outras apreciações pertencem á camara e ao paiz.

A hora deu; eu estou fatigado; as observações que tinha a fazer dou-as aqui por concluidas, encerrando por esta fórma o meu modesto e desalinhado discurso.

Vozes: — Muito bem, muito bem.

(O orador recebeu comprimentos de alguns srs. deputados.)

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