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CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

SESSÃO EM 6 DE MAIO DE 1864

PRESIDENCIA DO SR. CESARIO AUGUSTO DE AZEVEDO PEREIRA

Secretarios os srs.

Miguel Osorio Cabral

Antonio Carlos da Maia

Chamada — Presentes 60 srs. deputados.

Presentes á abertura da sessão — Os srs. Adriano Pequito, Affonso Botelho, Annibal, Vidal, Abilio, Ayres de Gouveia, Carlos da Maia, Quaresma, Gouveia Osorio, Ferreira Pontes, A. Pinto de Magalhães, Mazziotti, Pinheiro Osorio, A. de Serpa, Palmeirim, Barão da Torre, Barão do Vallado, Almeida e Azevedo, Bispo Eleito de Macau, Ferreri, Cesario, Cypriano da Costa, Domingos de Barros, Poças Falcão, Abranches Homem, Coelho do Amaral, Diogo de Sá, Ignacio Lopes, F. L. Gomes, F. M. da Costa, Pereira de Carvalho e Abreu, Medeiros, Silveira da Mota, Mendes de Carvalho, J. A. de Sousa, J. da Costa Xavier, Fonseca Coutinho, Nepomuceno de Macedo, Sepulveda Teixeira, Calça e Pina, Joaquim Cabral, Mello e Mendonça, Faria Guimarães, Galvão, Infante Pessanha, Sette, Alves Chaves, Figueiredo Faria, Costa e Silva, Frasão, Menezes Toste, José de Moraes, Gonçalves Correia, Camara Falcão, Camara Leme, Affonseca, Martins de Moura, Alves do Rio, Manuel Firmino, Mendes Leite, Sousa Junior, Pereira Dias, Miguel Osorio, Modesto Borges, Thomás Ribeiro e Visconde de Pindella.

Entraram durante a sessão — Os srs. Garcia de Lima, Braamcamp, Soares de Moraes, Sá Nogueira, Brandão, Seixas, Arrobas, Antonio Pequito, Pereira da Cunha, Pinto de Albuquerque, Magalhães Aguiar, Lopes Branco, A. V. Peixoto, Zeferino Rodrigues, Barão das Lages, Barão de Santos, Barão do Rio Zezere, Garcez, Freitas Soares, Abranches, Beirão, Cyrillo Machado, Almeida Pessanha, Fernando do Magalhães, Fortunato de Mello, Bivar, Vianna, Bicudo Correia, F. M. da Cunha, Cadabal, Gaspar Pereira, Henrique de Castro, Sant'Anna e Vasconcellos, Mártens Ferrão, João Chrysostomo, J. J. de Azevedo, Aragão Mascarenhas, Albuquerque Caldeira, Torres e Almeida, Matos Correia, Rodrigues Camara, Neutel, J. Pinto de Magalhães, Lobo d'Avila, José da Gama, Fernandes Vaz, J. M. de Abreu, Alvares da Guerra, Sieuve de Menezes, Silveira e Menezes, Oliveira Baptista, Mendes Leal, Julio do Carvalhal, Freitas Branco, Rocha Peixoto, Murta, Pinto de Araujo, Monteiro Castello Branco, Placido de Abreu, Moraes Soares, Fernandes Thomás e Teixeira Pinto.

Não compareceram — Os srs. A. B. Ferreira, Correia Caldeira, Antonio Eleuterio, Gonçalves de Freitas, Fontes, Breyner, Lemos e Napoles, David, Oliveira e Castro, Albuquerque e Amaral, Carlos Bento, Pinto Coelho, Claudio Nunes, Conde da Azambuja, Conde da Torre, Drago, Barroso, Fernandes Costa, Borges Fernandes, Gavicho, Pulido, Chamiço, Gaspar Teixeira, Guilhermino de Barros, Blanc, Gomes de Castro, Ferreira de Mello, Coelho de Carvalho, Simas, Rodrigues Camara, Veiga, Luciano de Castro, D. José de Alarcão, Casal Ribeiro, Latino Coelho, Rojão, Batalhós, Jordão, Alves Guerra, Sousa Feio, Ricardo Guimarães, Charters, R. Lobo d'Avila, Simão do Almeida e Vicente de Seiça.

Abertura — Ao meio dia.

Acta — Approvada.

EXPEDIENTE

1.º Uma declaração do sr. C. J. da Costa, participando que por motivos urgentissimos não lhe foi possivel comparecer nas ti se ultimas sessões da camara. — Inteirada.

2.º Um officio da camara dos dignos pares, devolvendo, com as alterações ali feitas, o projecto de lei sobre a fixação da contribuição predial respectiva ao anno civil de 1864, e sua distribuição pelos districtos administrativos do continente. — Á commissão de fazenda.

3.º Do ministerio da fazenda, devolvendo, informado, o requerimento de João Diogo Zuzarte de Sequeira e Sameiro. — Á commissão de fazenda.

4.º Uma representação da camara municipal de Silves, pedindo que na continuação do caminho de ferro de Beja para Faro, seja determinado S. Bartholomeu de Messines como ponto forçado da directriz. — Á commissão de obras publicas.

5.º Dos habitantes da freguezia de Panascoso, pedindo não serem desannexados do concelho de Abrantes. — Á commissão de estatistica.

6.º Da camara municipal do Cartaxo, pedindo que o imposto sobre a producção vinicola, que paga aquelle concelho com applicação á construcção dos paços do concelho, seja substituido, pagando-se o equivalente do mesmo imposto conjunctamente com a decima predial. — Á commissão de administração publica, ouvida a de fazenda.

SEGUNDAS LEITURAS

PROJECTO DE LEI

Senhores. — A instrucção publica é uma necessidade social que hoje ninguem desconhece, e o facilita-la por todos os modos é um dever dos poderes publicos.

Um dos meios de facilita la e promove-la é a collocação de escolas ao alcance de todos, e a concessão facil dos respectivos titulos aquelles que as frequentam com aproveitamento, em ordem a que não só possam mostrar as suas habilitações, e ser admittidos na vida civil a fazer uso d'ellas, mas tambem a que possam ser admittidos aos cursos superiores, para que taes habilitações são exigidas como preparatorio.

Creados os lyceus nas capitães dos districtos ficou satisfeita a primeira condição, mas não está satisfeita a outra com relação ás ilhas adjacentes, porque sendo certo que ali se acham montados os lyceus, não podem estes dar aos seus alumnos titulos que os habilitem a entrar nas escolas superiores, porque os exames ali feitos não são reconhecidos como prova de habilitação, ao passo que pela distancia a que aquellas ilhas se acham do continente não podem os alumnos dos lyceus vir fazer os respectivos exames no fim de cada anno nos de Lisboa, Porto ou Coimbra sem grandes despezas, sem perda de tempo, e até sem risco de vida; e todos sabem como é difficil fazer ao mesmo tempo sete ou oito exames de materias que se têem estudado em quatro ou cinco annos, como é actualmente necessario a um individuo que tenha feito o curso n'aquelles lyceus, e que tenha de matricular-se em qualquer escola superior.

Embora no continente possa subsistir esta disposição sem prejuizo da instrucção, a posição geographica das ilhas reclama uma excepção para os lyceus dos quatro districtos, a fim de que os seus alumnos que fizerem exames n'elles, e mostrarem titulo de approvação, sejam dispensados de os repetir, e possam em vista do seu titulo ser admittidos á matricula nas escolas superiores. É por estas considerações que tenho a honra de submetter á vossa illustrada apreciação o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° São elevados á categoria de 1.ª classe os lyceus de Angra, Funchal, Horta e Ponta Delgada, para que os seus alumnos que mostrarem titulos de approvação em exame de qualquer disciplina feito n'elles, possam ser admittidos á matricula nas escolas superiores para que se exige como preparatorio o mesmo exame e approvação.

Art. 2° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões da camara dos deputados, 3 de maio de 1864. = O deputado pelo 1.° circulo de Ponta Delgada, Eusebio Dias Poças Falcão = Laureano Francisco da Camara Falcão = Sieuve de Menezes = Menezes Toste = A. Vicente Peixoto = F. M. R. Bicudo Correia = H. F. de Paula Medeiros.

Foi admittido e enviado á commissão de instrucção publica.

PROPOSTA

Proponho que todos os pareceres de commissões que se apresentaram ou apresentarem, e que concluem pela remessa ao governo, lhe sejam expedidos pela mesa sem dependencia de votação da camara. = José de Moraes Pinto de Almeida.

Foi admittida, e logo approvado.

O sr. Adriano Pequito: — Peço a v. ex.ª que consulte a camara se permitte que entre já em discussão o projecto n.° 83 da commissão de fazenda, que tem por fim conceder á camara municipal do Sardoal um edificio para n'elle estabelecer as repartições administrativas e municipaes, cadeia e escolas de instrucção primaria e secundaria.

Consultada a camara, resolveu afirmativamente.

É o seguinte:

PROJECTO DE LEI N.° 83

Senhores. — Foi presente á commissão de fazenda o projecto de lei n.° 13-B, em que o sr. deputado Adriano Pequito propõe que seja concedido á camara municipal do Sardoal um edificio pertencente á fazenda publica, e que hoje se acha quasi arruinado, para n'elle se collocarem as repartições publicas e municipaes, aulas de ensino primario e secundario, etc.; e

Considerando que, segundo consta, pelas informações obtidas pela commissão é incontestavel a conveniencia da concessão do alludido edificio;

Attendendo ao fim util a que se destina, é a vossa commissão de parecer que se converta em lei o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° É auctorisado o governo a conceder á camara municipal do Sardoal o edificio e pertences, eito na praça d'aquella villa, que outr'ora faziam parte do vinculo administrado por D. Maria José de Cordes Brandão, para n'elle se collocarem as repartições publicas e municipaes, aulas de ensino primario e secundario, as cadeias e quaesquer officinas de interesse municipal.

Art. 2.° Quando no praso de dez annos, a contar da data d'esta lei, o edificio e pertences a que se refere o artigo 1.° não tenham sido occupados, ou em qualquer tempo se lhes dê destino differente d'aquelle que é designado no artigo 1.°, voltarão, tanto o edificio como os pertences, ao dominio o posse da fazenda nacional.

Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala da commissão, 22 de abril de 1864. = Belchior José Garcez = João Antonio Gomes de Castro = Hermenegildo Augusto de Faria Blanc = Jacinto Augusto de Sant'Anna e Vasconcellos = Placido Antonio da Cunha e Abreu = Anselmo José Braamcamp = Antonio Vicente Peixoto = Joaquim Januario de Sousa Torres e Almeida = Guilhermino Augusto de Barros.

O sr. Adriano Pequito: — Contendo o projecto só dois artigos, pedia a v. ex.ª que consultasse a camara se queria que tivesse uma só discussão na generalidade e na especialidade.

Assim se resolveu; e sendo logo approvado na generalidade, seguidamente foram approvados sem discussão os dois artigos do projecto.

O sr. Presidente: — Em uma das sessões passadas, por não haver vencimento, ficou sem resolução o parecer pertencente ao projecto n.° 43, que versa sobre as emendas que foram offerecidas durante a discussão d'este projecto; e depois ha de discutir-se e votar-se o parecer pertencente ao projecto n.° 46.

Agora vae votar-se novamente sobre o parecer pertencente ao projecto de lei n.° 43.

(Vide este parecer a pag. 1401, col. 1.ª)

O sr. Albuquerque Caldeira: — Peço a v. ex.ª que consulto a camara sobre se quer votação nominal sobre este parecer.

Consultada a camara, resolveu que não houvesse votação nominal; e seguidamente foi approvado o parecer.

O sr. Presidente: — Passa-se ao parecer pertencente ao projecto de lei n.° 46.

É o seguinte:

PARECER (PERTENCE AO N.° 46)

Senhores. — A commissão de guerra, tendo examinado as differentes propostas apresentadas por alguns srs. deputados, durante a discussão do projecto de lei de que trata o parecer n.° 46, e tendo ouvido o sr. ministro da guerra, entende:

1.º Que a proposta do Sr. deputado Pinto de Araujo, para que em vez das palavras «emprego lucrativo do estado» se diga «emprego inamovivel» não póde ser approvada, porquanto fazia uma excepção injustificavel ao pensamento da camara, que só foi o de attender á sorte d'aquelles que, compromettidos em acontecimentos politicos, não só perderam a sua carreira, mas se acham faltos de meios de sustentação.

2.º Que a proposta do sr. deputado Garcia de Lima para

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que tas praças de que trata o artigo 1.º da lei, que obtiveram os postos no mesmo artigo mencionados, e mesmo o de sargento ajudante, sargento quartel mestre e primeiro sargento depois do dia 6 de outubro de 1846 até á convenção de Gramido, tendo sido promovidos pelo governo legitimo, gosem do beneficio d'esta lei, ou da de 30 de janeiro do corrente anno, conforme a classe a que pertencem, merece ser approvada, por ser de equidade que, marcando o projecto uma epocha fatal, succede que alguns officiaes inferiores ha que, tendo sido elevados a esses postos legitimamente, ainda tomaram depois parte no movimento politico de 1846, e gosando da amnistia, ficaram todavia excluidos do beneficio de que se trata; parecendo todavia preferivel que em logar das palavras «convenção de Gramido» se precise com exactidão o dia em que esta teve logar, isto é, 27 de junho de 1847, no que concordou o illustre deputado auctor da proposta.

3.º Que a proposta do sr. deputado Faria Guimarães, para que os sargentos das guardas municipaes de Lisboa e Porto fossem contemplados no projecto, a commissão, comquanto os não considere completamente nas mesmas condições dos outros sargentos do exercito, concorda todavia em que sejam incluidos na lei, addicionando-se-lhe a condição de haverem servido no exercito, e d'este modo entende que deve ser approvada.

4.º Que a proposta do sr. deputado Vaz Preto, para serem extensivas as disposições do projecto aos segundos sargentos e furrieis que, tendo feito a campanha da liberdade, e estando fóra do serviço, se apresentaram á junta do Porto, não póde ser approvada, porque não tendo os individuos de que se trata perdido a sua carreira pelas circumstancias politicas d'aquelle anno, principio em que se baseou a carta de lei de 30 de janeiro ultimo, de que se têem derivado os projectos recentes, lhes não podem ser applicaveis as suas disposições.

Sala da commissão, em 23 de abril de 1864. = Augusto Xavier Palmeirim = Placido Antonio da Cunha e Abreu = João Nepomuceno de Macedo = Antonio de Mello Breyner = Francisco Maria da Cunha = Fernando de Magalhães Villas Boas.

(Pausa.)

O sr. Presidente: — Como não ha quem peça a palavra sobre este parecer, vou submette lo á votação.

O sr. Pinto de Araujo: — Parece-me que tendo o projecto quatro partes, isto é, tendo-lhe sido offerecidas tres ou quatro propostas, deve ser votado por partes, como manda o regimento.

Votando-se seguidamente sobre cada uma das partes do parecer, foi approvado.

O sr. José de Moraes: — Peço a v. ex.ª que me inscreva para quando estiver presente o Sr. ministro da fazenda.

O sr. Pereira Dias: — Mando para a mesa uma representação dos carteiros da cidade de Lamego, em que pedem augmento de ordenado. Este pedido é justo, e em occasião opportuna apresentarei as considerações que julgar convenientes para o sustentar.

O sr. Miguel Osorio: — Está sobre a mesa a ultima redacção do projecto de lei sobre estradas municipaes, que vou ler, para ser submettida á votação da camara.

Foi approvada.

O sr. Presidente: — Passa-se á ordem do dia; mas se algum sr. deputado tem a mandar algum requerimento ou representação para a mesa, pôde faze-lo.

O sr. Visconde de Pindella: — Mando para a mesa um requerimento, pedindo esclarecimentos a governo.

ORDEM DO DIA

DISCUSSÃO NA GENERALIDADE DO PROJECTO DE LEI N.° 84

Senhores. — As commissões de obras publicas e de fazenda, reunidas, examinaram attentamente a proposta do governo n.° 74-B, para se approvar o contrato celebrado n'esta capital, em 21 de abril do corrente anno, entre o sr. ministro das obras publicas, commercio e industria, por parte do governo, e Alfredo Cowan, subdito britannico, por parte da companhia do caminho de ferro de sueste.

A dita proposta tem por fim confirmar pelas côrtes o contrato da venda do caminho de ferro do Barreiro ás Vendas Novas com o ramal de Setubal, e simultaneamente a construcção do prolongamento do caminho de ferro de Beja para O litoral do Algarve, e para a fronteira de Hespanha na direcção de Sevilha, e tambem a construcção da linha de entroncamento do caminho de ferro de Evora com o de leste.

O caminho de ferro do Barreiro principiou em condições modestas, e na sua origem mais pareceu ter em vista servir de complemento á viação ordinaria do Alemtejo com a capital do reino, através dos areaes das Vendas Novas, do que ser testa dos caminhos de ferro ao sul do Tejo.

Com o correr dos tempos e das circumstancias, tem assumido a importancia que lhe era natural e propria, e o contrato actual eleva o á altura a que tem direito, pelos importantes serviços que deve prestar ao desenvolvimento da riqueza das provincias do sul do reino, e á sua colonisação e fomento agricola.

Tendo-se decretado que a largura da via dos caminhos de ferro portuguezes fosse de 1m,67, auctorisou se consequentemente o governo, pelas disposições contidas na carta de lei de 10 de setembro de 1861, a uniformisar com a regra adoptada a linha do Barreiro ás Vendas Novas e o ramal de Setubal, que tinham 1m,44 de largura de via.

O governo pois, no intento de remediar o grande inconveniente de baldeação em Vendas Novas, sobre que era urgente prover, hoje que aquelle caminho de ferro se estende até Evora e Beja, e dando tambem cumprimento aos poderes que lhe foram conferidos naquella carta de lei, contratou não sómente a venda do caminho de ferro já mencionado, mas tambem a continuação da rede dos caminhos de ferro ao sul do Tejo.

As commissões não hesitara em declarar á camara, que a indicação dos pontos obrigados da directriz da rede projectada, satisfaz plenamente ás necessidades publicas; realisa um grande pensamento, ligando os caminhos de ferro ao norte e ao sul do Tejo; e previne prudentemente a futura união das nossas linhas ferreas no alto Alemtejo com as das provincias da Andaluzia do reino vizinho.

Não se indica, é verdade, o terminus da linha ferrea no litoral do Algarve, nem tambem o ponto de juncção com a linha hespanhola nas margens do Guadiana, alturas de Serpa; entretanto, não havendo projectos definitivos a este respeito, parece ás commissões que o governo procedeu acertadamente, reservando-se para o decidir quando elaborados os necessarios estudos; quanto mais que, pelo artigo 14.° do § 2.° do contrato, o governo reservou decidir exclusiva e definitivamente ácerca dos projectos que a companhia deve submetter ao seu exame.

As clausulas e condições do novo contrato são, na sua maxima parte, as do de 29 de maio de 1860, já consideradas e approvadas pelo corpo legislativo, mas modificadas para melhor, não sómente emquanto ao que se acaba de referir, mas tambem ao juizo arbitral, muitas, rescisão, e finalmente sobre a mais cabal intelligencia das ditas condições e clausulas, por a experiencia aconselhar a necessidade de similhantes modificações.

A venda do caminho de ferro do Barreiro ás Vendas Novas, com o ramal de Setubal, contratou-se pela quantia de 1.008:000$000 réis, alem do mais que deve ser pago pela companhia, como se declara no n.° 2.° do artigo 2.° do contrato.

Esta quantia será paga ao estado por encontro na subvenção de 18:000$000 réis por kilometro, em consequencia das obras dos novos caminhos de ferro que foram contratados.

As commissões, tendo em vista as difficuldades de construcção dos ditos caminhos de ferro, em que muito sobresáe a linha do Algarve, e tambem a importancia da ponte que deve construir-se através do Guadiana, são de parecer que a subvenção ajustada é regular, e que o pagamento por encontro é o unico possivel nas circumstancias do presente contrato.

A linha do Barreiro e o ramal de Setubal exigem grandes melhoramentos e a construcção de edificios importantes. A companhia de sueste, que tão lealmente tem cumprido o seu anterior contrato, obrigou-se a realisa-los no praso de um anno na primeira linha e de quatro no ramal.

O alargamento da via e a vedação do caminho de ferro, são de instante necessidade, e a companhia devo effectuar esta importante obra, e tambem a das estações em Lisboa, Setubal e no Pinhal Novo; e reformar, substituir e completar o material fixo e circulante. A linha era a uma só via, e a companhia obriga se á feitura da segunda via.

Estas obras e acquisições de material são momentosas, de grande conveniencia e utilidade publica, e importam sommas muito valiosas que a companhia tem de despender em pouco tempo: assim parece ás commissões que a recepção de preço da venda por encontro na subvenção a pagar por parte do estado, é justificada e realisavel com vantagem reciproca das duas partes contratantes.

A linha do entroncamento e a de continuação desde Beja ao Guadiana foi contratada a uma só via, mas expropriações e obras de arte para duas. Nas pontes de superstructura metallica assenta-se tambem uma só via, construindo-se encontros e pilares para duas. As inclinações têem o limite maximo de 15 millimetros, e os raios das curvas de 300 metros na via geral e 250 metros nas de resguardo.

No prolongamento da linha ferrea de Beja para o litoral do Algarve contratou-se o caminho a uma só via, com expropriações e obras de arte no mesmo caso; inclinações de 25 millimetros, e raios de curvas de 200 metros na via geral, e de 150 metros nas de resguardo.

A construcção de todas as obras dos dois primeiros caminhos deve fazer-se no praso de quatro annos, a contar do dia em que se assignar o contrato definitivo, e a do terceiro em cinco annos nas mesmas circumstancias; garantindo a companhia a fiel e pontual execução das obrigações a que se comprometteu por meio de um deposito de 90:000$000 réis em moeda metal, ou em titulos portuguezes de 3 por cento pelo seu valor no mercado, antes de ser assignado o contrato definitivo.

A continuação da linha do Guadiana até á fronteira fica dependente da companhia mostrar no praso de dez annos que é concessionaria da linha hespanhola até Sevilha, ou que outra empreza obteve do governo da nação vizinha essa linha, e que começou a sua construcção.

Em attenção a quanto fica exposto, as commissões têem a satisfação de consignar o seguinte n'este parecer: o governo evitou uma grande despeza que não era possivel adiar por mais tempo; completou o pensamento da lei de 10 de setembro de 1861; e firmou em boas condições technicas e economicas o complemento das redes dos caminhos de ferro ao sul do Tejo, e a sua juncção com os do norte do reino e do paiz vizinho. Estas vantagens são immensas, e de grande futuro para o reino em geral, e em especial para a civilisação, riqueza agricola e colonisação das provincias ao sul do Tejo.

A influencia poderosa da viação accelerada sobre a fortuna publica é axiomática, e tambem que não é possivel parar n'este caminho de prosperidade nacional, quer se considere sob o ponto de vista moral, quer sob o de vista material. Pensam portanto as commissões que o governo, tendo contratado a rede dos caminhos de ferro ao sul do Tejo, não esquecerá tambem á sua solicitude as que medeiam entre o Tejo e o Douro, ou que ficam ao norte d'este ultimo rio, proseguindo no pensamento de completar a nossa viação accelerada; porque linhas tão importantes são essencialissimas para o fomento da riqueza de tão valiosas provincias, cobertas de uma população deusa e muito laboriosa, instantemente reclamadas pelos seus habitantes, encontrando ao mesmo tempo grandes elementos de vida industrial e agricola, que cumpre aos poderes publicos desenvolver, alargando a sua acção não só nos limites da nossa terra, mas tambem do reino vizinho e da Europa.

As commissões portanto, tendo em vista quanto fica ponderado, são de parecer que a proposta do governo deve ser approvada e convertida no seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° E approvado e confirmado o contrato celebrado em 21 de abril do corrente anno entre o governo e Alfredo Cowan, como representante da companhia do caminho de ferro de sueste, para a concessão do caminho de ferro do Barreiro ás Vendas Novas com o ramal de Setubal, para o prolongamento da linha de Beja até á fronteira de Hespanha na direcção de Sevilha, para o prolongamento da linha de Beja até ao litoral do Algarve, e para o prolongamento da linha de Evora a entroncar na de leste, na estação do Crato.

Este contrato vae junto á presente lei e della fica fazendo parte.

Art. 2.° E o governo auctorisado a fazer crear e emittir pela junta do credito publico os titulos de divida publica fundada, interna ou externa, que forem necessarios para pagamento dos encargos resultantes do contrato approvado pelo artigo 1.°

§ 1.° Á proporção que forem emittidos os titulos, o governo dotará a junta do credito publico com as consignações correspondentes aos juros.

§ 2.º O governo realisará, pelos meios mais convenientes, as sommas que forem necessarias para a applicação determinada n'este artigo, comtanto que o encargo annual das operações não exceda a 1/2 por cento sobre o juro real que corresponder aos titulos, segundo o preço que tiverem no mercado nas epochas em que as mesmas operações forem effectuadas.

Art. 3.° O governo dará conta ás côrtes em cada sessão legislativa do estado da construcção das linhas ferreas, do modo por que o contrato tiver tido executado e do uso que houver feito das auctorisações concedidas pela presente lei.

Art. 4.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Sala das commissões, 30 de abril de 1864. = Belchior José Garcez = Jacinto Augusto de Sant'Anna e Vasconcellos Anselmo José Braamcamp = Hermenegildo Augusto de Faria Blanc = Claudio José Nunes = Julio do Carvalhal de Sousa Telles = Joaquim Januario de Sousa Torres e Almeida = Antonio Vicente Peixoto = Affonso Botelho de Sampaio e Sousa = Francisco Maria da Cunha = Fernando de Magalhães Villas Boas = João Antonio Gomes de Castro = Guilhermino Augusto de Barros = Plácido Antonio da Cunha e Abreu.

Copia do contrato celebrado no ministerio das obras publicas, commercio e industria, no dia 21 de abril de 1864, que acompanha a proposta de lei de 23 do mesmo mez. Contrato provisorio celebrado com o subdito britannico Alfredo Cowan, na qualidade de procurador e representante da companhia do caminho de ferro de sueste em Portugal, para a compra do caminho de ferro do Barreiro ás Vendas Novas com o ramal de Setubal, a construcção de um ramal da linha de Beja para o Algarve, a construcção de um caminho de entroncamento da linha de sueste com a de leste, e o prolongamento do caminho de ferro de Beja até á margem direita do Guadiana.

Aos 21 dias do mez de abril de 1864, n'este ministerio das obras publicas, commercio e industria, e gabinete do ill.mo e ex.mo sr. João Crhysostomo de Abreu e Sousa, do conselho de Sua Magestade, ministro e secretario d'estado dos negocios das obras publicas, commercio e industria, compareci eu Ernesto de Faria, do conselho de Sua Magestade, secretario do mesmo ministerio; e estando presentes de uma parte o dito ex.mo sr. ministro, primeiro outorgante em nome do governo, e da outra parte, como segundo outorgante, o subdito britannico Alfredo Cowan, na qualidade de procurador e representante da companhia do caminho de ferro de sueste em Portugal, como mostrou pelos documentos em fórma que ficam archivados em meu poder; assistindo tambem a este acto o bacharel Antonio Cardoso Avelino, ajudante do procurador geral da corôa junto a este ministerio; pelo primeiro e segundo outorgantes foi dito na minha presença, e na das testemunhas abaixo nomeadas e assignadas, que concordavam no seguinte contrato para a venda por parte do governo, e compra por parte da companhia do caminho de ferro de sueste em Portugal, do caminho de ferro do Barreiro ás Vendas Novas, com o ramal de Setubal, a construcção de um ramal da linha de Beja para o Algarve, a construcção de um caminho de entroncamento da linha de sueste com a de leste, e o prolongamento do caminho de ferro de Beja até á margem direita do Guadiana, e se obrigavam a cumprir todas as suas condições e clausulas em seu nome, e em nome das pessoas a quem representavam.

Artigo 1.° O governo concede á companhia do caminho de ferro de sueste o caminho de ferro do Barreiro ás Vendas Novas com o ramal de Setubal, e com todo o seu material fixo e circulante, edificios, accessorios e dependencias para o explorar pelo espaço de tempo por que, nos termos do contrato de 29 de maio de 1860, a mesma companhia pôde ainda explorar o caminho de ferro de Vendas Novas a Evora e Beja.

Art. 2.° A companhia obriga-se:

1.° A pagar ao governo, nos termos d'este contrato, o preço e quantia certa de 1.008:000$000 réis ou 224:000 libras esterlinas;

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2.º A pagar pelo preço das facturas, e alem da quantia referida, o carvão, coke, sebo e azeite que existirem armazenados quando a companhia tomar posse do caminho, e tambem todos os objectos d'esta qualidade e quaesquer outros materiaes que, tendo sido encommendados pelo governo, antes da assignatura do contrato definitivo, entrarem no porto de Lisboa depois da posse da companhia;

3.º A fazer as obras necessarias para que o caminho de ferro do Barreiro ás Vendas Novas e o ramal de Setubal tenham as dimensões fixadas nos artigos 7.°, 13.°, 14.°, 15.° e 17.° do contrato approvado pela carta de lei de 29 de maio de 1860, reformando, substituindo e empregando o material fixo e circulante por fórma que fique adaptado á nova via. Estas obras serão feitas e concluidas no caminho do Barreiro ás Vendas Novas dentro do praso de uni anno, e no ramal de Setubal dentro do praso de quatro annos;

4.º A construir uma estação nova em Setubal, no praso de dois annos, no sitio que for concordado entre a empreza e o governo, ficando entendido que se a empreza construir a nova estação em ponto differente do actual, o prolongamento do caminho para essa nova estação e todas as obras, trabalhos e despezas a que esta mudança der logar serão feitas por conta e risco da empreza, e á sua custa, sem direito á subvenção ou subsidio de qualquer especie por parte do governo; I

5.º A completar e vedar a linha ferrea do Barreiro ás Vendas Novas e o ramal de Setubal, no praso de quatro annos;

6.º A construir no praso de quatro annos, em Lisboa, entre o boqueirão do Corpo Santo e a praça dos Romulares, no terreno publico que ali existe e no que a companhia, para este fim, com previa auctorisação do governo, conquistar ao Tejo, uma estação de passageiros e mercadorias, sem prejuizo dos caes nem das serventias publicas;

7.º A fazer todas as obras necessarias no praso de quatro annos para o seguro e commodo embarque e desembarque de passageiros e mercadorias na margem sul do Tejo;

8.º A construir no praso de dois annos uma estação no Pinhal Novo.

§ 1.° Todas as obras referidas n'este artigo serão feitas á custa da companhia, por sua conta e risco, e segundo os projectos que o governo approvar.

§ 2.° Os prasos fixados nos differentes numeros d'este artigo serão contados do dia em que a companhia tomar posse do caminho do Barreiro ás Vendas Novas, e a companhia entrará de posse d'este caminho logo que for assignado o contrato definitivo.

§ 3.° O preço estipulado no n.° 1.° será peço por encontro na subvenção a que se refere o artigo 8.°, e nos termos e segundo as clausulas ahi estipuladas.

§ 2.° Os objectos referidos no n.° 2.° serão pagos no acto de serem entregues á companhia.

Art. 3.° A companhia obriga se a explorar o caminho de ferro do Barreiro ás Vendas Novas e o ramal de Setubal, nos termos das respectivas clausulas e condições do contrato approvado pela lei de 29 de maio de 1860. Nas tarifas porém se farão as seguintes alterações:

1.º Os adubos agricolas pagarão desde o Barreiro até ao kilometro 15.° 16 réis por tonelada e por kilometro; do kilometro 15.° até ás Vendas Novas 8 réis por tonelada e por kilometro; e por carga e descarga 200 réis por tonelada e por qualquer distancia;

2.º O transporte dos adubos agricolas do kilometro 15.° em diante será pago pela distancia percorrida e não de estação em estação;

3.º A companhia não é obrigada a transportar menos de 50 toneladas de adubos agricolas postos na estação do Barreiro.

Art. 4.° O governo concede á empreza o fio electrico e respectivos apparelhos que existem no caminho de ferro do Barreiro ás Vendas Novas e no ramal de Setubal, com a faculdade de aproveitar os postes do telegrapho do governo, emquanto os não tiver seus.

Art. 5.° A companhia obriga se mais a effectuar á sua custa, por sua conta e risco, nos termos, pelo modo e com as condições estipuladas nos artigos d'este contrato:

1.º Um caminho de ferro de entroncamento, o qual, partindo de Evora, passe proximo a Extremoz, e vá encontrar a linha de leste na estação do Crato;

2.º O prolongamento do caminho de ferro de Beja até á fronteira de Hespanha, na direcção de Sevilha;

3.º O prolongamento do caminho de ferro de Beja até um ponto do litoral do Algarve, que será determinado por accordo do governo com a companhia, depois de feitos os necessarios estudos. Este accordo será assignado no praso de seis mezes, a contar da data do contrato definitivo.

§ 1.° O caminho de ferro de entroncamento, e o prolongamento da linha de Beja até á margem direita do Guadiana, serão construidos e completamente acabados, para serem entregues ao transito publico, no praso de quatro annos.

§ 2.° A continuação da linha de Beja, desde a margem direita do Guadiana até á fronteira, fica dependente da companhia mostrar, no praso de dez annos, ou que é concessionaria da linha hespanhola que continua a portugueza até Sevilha, ou que outra empreza obteve do governo hespanhol essa linha, e que começou a sua construcção.

§ 3.° O prolongamento da linha de Beja para o litoral do Algarve será construido e completamente acabado para ser entregue ao transito publico no praso de cinco annos, comprehendendo os seis mezes fixados no n.° 3.° d'este artigo.

§ 4.° Todos os prasos fixados nos §§ antecedentes começarão a contar se e a correr desde o dia em que for assignado o contrato definitivo.

§ 5.° A construcção do caminho de entroncamento e do

prolongamento de Beja para o Guadiana, deverá começar no praso de tres mezes depois de assignado o contrato definitivo, e a do prolongamento de Beja para o Algarve no praso de nove mezes, depois de assignado o mesmo contrato.

§ 6.° A companhia obriga-se a começar e continuar os trabalhos necessarios para as construcções n'este artigo referidas em escala proporcional á extensão das mesmas construcções, e ao praso em que devem ser acabadas.

Art. 6.° Na linha ferrea de Evora ao Crato, e na de Beja á fronteira de Hespanha o limite minimo do raio das curvas será de 300 metros na via geral, e de 250 metros nas de resguardo. O maximo das inclinações será de 15 millimetros por metro. Este maximo por nenhuma rasão poderá ser excedido. As expropriações serão feitas para duas vias, e os movimentos de terra para uma via. As obras de arte serão construidas com todas as dimensões para duas vias. Exceptuam se as pontes de superstructura metalica, as quaes terão encontros e pilares para duas vias, mas os segundos taboleiros unicamente serão collocados quando a companhia tiver obrigação de assentar a segunda via em toda a linha.

Art. 7.° Na linha de Beja para o Algarve o caminho e obras de arte serão construidas para uma só via. O limite maximo do raio das curvas será de 200 metros na via geral, e 180 metros nas vias de resguardo. O maximo das inclinações será de 25 millimetros por metro. Este maximo por nenhuma rasão será excedido. Não haverá vedação, excepto nas estações e suas proximidades; a companhia porém deverá plantar sebe viva ao longo do caminho de um e de outro lado dentro dos primeiros tres annos de exploração.

Art. 8.° O governo obriga-se a pagar á companhia uma subvenção de 18:000$000 réis por kilometro das linhas de Evora ao Crato, de Beja á fronteira de Hespanha, e de Beja ao Algarve.

§ 1.° Esta subvenção será paga em tres prestações, como está estipulado no § unico, artigo 27.° do contrato approvado pela lei de 29 de maio de 1860, com as seguintes alterações:

1.ª Juntamente com a primeira prestação serão pagos dois terços da segunda, sempre que a companhia provar por certificado do fiscal do governo que tem sobre a linha os materiaes para o assentamento da via correspondentes aos kilometros, onde tiverem completamente feitos e acabados os movimentos de terra e obras de arte. O ultimo terço da segunda prestação unicamente será pago depois de ser effectivamente assentada a via.

2.ª Se o governo receber provisoriamente alguma secção das linhas ferreas, objecto d'este contrato, para ser aberta ao transito publico, poderá reter da terceira prestação as quantias que julgar necessaria e sufficiente caução dae obras e trabalhos, construcções e fornecimentos que faltarem para o completo e perfeito acabamento da mesma secção;

3.ª Se porém a secção provisoriamente recebida for a ultima de quaesquer das linhas contratadas, a respectiva terceira prestação do subsidio só será paga depois do governo receber definitivamente todo o caminho, e a companhia não poderá allegar a falta d'este pagamento para não abrir ao transito publico essa secção.

§ 2.° O pagamento por encontro na subvenção n'este artigo fixada do preço que pelo artigo 2.°, n.° 1.° e § 3.° a companhia tem obrigação de pagar, será feito pela maneira seguinte: a quantia de 1.008:000$000 réis será dividida pelo numero total dos kilometros das linhas de Evora ao Crato, de Beja á margem direita do Guadiana, e de Beja ao Algarve, e a quota parte que pertencer a cada kilometro será deduzida da subvenção correspondente proporcionalmente ás prestações em que ella for paga. Unicamente para o effeito d'este encontro se computa no numero redondo de 200 kilometros a extensão das tres linhas acima referidas.

Art. 9.° O governo concede á companhia a faculdade de empregar, em qualquer das linhas referidas, os carris que actualmente existem na linha do Barreiro á Vendas Novas e no ramal de Setubal, com as condições seguintes:

1.ª De serem collocados em secções de 10 kilometros seguidos;

2.ª De serem ligados por taxas (éclisses);

3.ª De terem o peso fixado no contrato de 29 de maio de 1860 os carris que substituirem aquelles a que este artigo se refere.

Art. 10.° A companhia obriga-se a fazer, por barcos a vapor seus, entre a futura estação de Lisboa e a do Barreiro, o transporte de passageiros e mercadorias que se destinarem a qualquer das linhas ferreas, cuja exploração é concedida á mesma companhia.

§ 1.º Alem dos vapores poderá a companhia ter, para serviço das mesmas linhas ferreas, e communicação entre a futura estação de Lisboa e a do Barreiro, os barcos de vela, botes e fragatas que forem indispensaveis.

§ 2.° Os preços do transporte estabelecido por virtude d'este artigo serão fixados n'uma tabella approvada pelo governo.

Art. 11.° A companhia obriga-se a cumprir e observar todas as clausulas e condições do contrato de 29 de maio de 1860, como se aqui fossem inseridas, em tudo que não for opposto ao presente contrato, nem pelos differentes artigos delle expressamente regulado.

§ 1.° Pela sua parte o governo concede á companhia, a respeito das linhas acima referidas, todas as vantagens e isenções concedidas e garantidas á empreza do caminho de ferro de sueste pelo sobredito contrato de 29 de maio de 1860.

§ 2.° O governo concede á companhia a exploração das linhas ferreas acima referidas, pelo numero de annos que

lhe faltam para explorar o caminho de ferro das Vendas Novas a Evora e Bfja, nos termos do citado contrato.

Art. 12.° A companhia poderá estabelecer, junto ás linhas ferreas que por este contrato lhe são concedidas, um telegrapho electrico.

Art. 13.° A companhia fica sujeita:

1.º Aos regulamentos que o governo publicar para o serviço dos telegraphos electricos;

2.º As leis e regulamentos sanitarios em vigor, tanto no que respeita á execução e conservação das obras, como ao estado das officinas, estações e dependencias das linhas ferreas;

3.º Aos regulamentos geraes e particulares que o governo publicar, e ás providencias por elle adoptadas para o seguro e commodo embarque e desembarque dos passageiros e mercadorias nas estações do uma e de outra margem do Tejo, e para garantir á companhia o uso exclusivo das respectivas pontes, durante todo o tempo da concessão;

4.º As leis e regulamentos de policia do porto de Lisboa.

Art. 14.° As questões que se suscitarem entre o governo e a companhia, tendo por objecto a execução d'este contrato, ou a interpretação de alguma das suas clausulas e condições, serão decididas por um tribunal composto de cinco arbitros que sejam cidadãos portuguezes. Dois d'estes arbitros serão nomeados pelo governo e dois pela companhia. O quinto arbitro será escolhido por accordo do governo com a companhia, e na falta do accordo será nomeado pelo supremo tribunal de justiça. O quinto arbitro só votará no empate, mas assistirá e presidirá a todas as sessões do tribunal.

§ 1.° Da decisão proferida pelos arbitros não haverá recurso.

§ 2.° Serão porém exclusiva e definitivamente resolvidas pelo governo todas as questões que se referirem á approvação, modificação e execução dos projectos, segundo os quaes a companhia tem obrigação de construir as linhas ferreas referidas n'este contrato.

Art. 15.° Se a empreza não cumprir algumas das clausulas deste contrato, ou do de 29 de maio de 1860, poderá o governo rescindi-lo por decreto seu. D'este decreto poderá a companhia recorrer para o tribunal arbitral, no improrogavel praso de um mez a contar d'aquelle em que for publicado o decreto na folha official.

§ 1.° O governo muito expressamente declara que, no caso de rescisão, não fica obrigado a indemnisar a companhia, qualquer que seja o fundamento, rasão ou pretexto allegado para justificar a indemnisação.

§ 2.° Igualmente declara o governo que se não responsabilisa por quaesquer dividas da companhia, qualquer que seja o modo e titulo por que ellas forem contrahidas, nem garante nem cauciona contratos de empreitadas geraes ou parciaes, ou outros que a companhia faça.

§ 3.° Fica bem entendido e é expressamente estipulado que o governo portuguez, não só em rasão do dominio sobre as linhas ferreas, mas como credor da conservação e exploração das mesmas linhas, tem preferencia sobre todos os credores da companhia, qualquer que Beja a origem das suas dividas, obrigando-se a companhia em todos os contratos que fizer relativamente ás linhas ferreas a resalvar os direitos do estado.

Art. 16.° A companhia poderá traspassar, com previa auctorisação do governo, os direitos adquiridos e as obrigações contrahidas por este contrato a qualquer outra companhia, sociedade ou individuo particular.

Art. 17.° A companhia obriga-se a garantir a fiel e pontual execução d'este contrato com um deposito de 90:000$000 réis ou libras 20:000 em moeda metal, ou em titulos de divida publica portugueza de 3 por cento pelo seu valor no mercado.

§ 1.° Este deposito deve ser feito no banco de Portugal, do modo seguinte: 22:500$000 réis ou libras 5:000 antes de ser assignado o contrato provisorio; 67:500$000 réis ou libras 15:000 antes de ser assignado o contrato definitivo.

§ 2.° A empreza pôde levantar este deposito em quatro partes de 22:500$000 réis ou libras 5:000 cada uma; a primeira quando provar por certificado do fiscal do governo que tem feito obras e trabalhos nas linhas de Evora ao Crato, ou nas de Beja ao Guadiana ou ao Algarve, na importancia de 45:000$000 réis ou libras 10:000; a segunda quando esta importancia for de 90:000$000 réis ou libras 20:000; a terceira quando for de 135:000$000 réis ou libras 30:000; e a quarta quando for de 180:000$000 réis ou libras 40:000.

§ 3.° As obras e trabalhos cuja existencia for fundamento para levantar o deposito, ficarão substituindo o mesmo deposito para todos os effeitos, e sobre ellas ou sobre o seu valor exercerá o governo os direitos que lhe competirem, como caução que ficam sendo d'este contrato.

§ 4.° A companhia se effectuar o deposito em titulos, não perde o direito aos juros que esses titulos vencerem, para cujo fim lhe serão entregues os respectivos coupons quando estiverem a pagamento.

§ 5.° A companhia perderá o deposito de 22:500$000 réis ou libras 5:000 se não assignar o contrato provisorio ou o definitivo. E perderá o deposito de 90:000$000 réis ou libras 20:000, ou a caução que o substituir.

1.° Se não começar os trabalhos, ou os não concluir nos prasos fixados n'este contrato;

2.° Se recusar, na execução das obras, cumprir as decisões do governo;

3.º Se recusar cumprir a sentença dos arbitros, nas questões que por estes forem julgadas;

4.º Se recusar fazer o accordo a que se refere o artigo 5.° n.° 3.° nos termos ahi determinados;

5.º Sempre que o contrato for rescindido.

§ 6.° Quando a companhia perder o deposito, mas o con-

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trato não for rescindido, deverá a mesma companhia, no improrogavel praso de um mez, renovar a caução com outro deposito feito nos termos d'este artigo, sob pena do ser decretada a rescisão do contrato.

Art. 18.° A parte do palacio das Vendas Novas, que actualmente serve para estação de mercadorias, reverterá para a posse do estado, quando se completarem as obras de alargamento do caminho do Barreiro ás Vendas Novas.

Art. 19.º Se o governo de futuro resolver contratar a construcção de um caminho de ferro que vá de Cacilhas entroncar na linha do Barreiro, a empreza será preferida em igualdade de circumstancias para lhe ser feita essa concessão.

Art. 20.° O contrato definitivo será assignado dentro de um mez contado da data da lei que approvar o contrato provisorio.

Art. 21.° A companhia obriga-se a elevar o seu capital social até á somma que se julgar necessaria para executar o presente contrato em todas as suas partes, reformando n'este sentido os seus estatutos, em conformidade com as leis, antes de ser assignado o contrato definitivo.

E com estas condições hão por feito e concluido o dito contrato, ao qual assistiu, como fica dito, o bacharel Antonio Cardoso Avelino, ajudante do procurador geral da corôa junto a este ministerio, sendo testemunhas presentes o capitão de estado maior do exercito Sebastião do Canto e Castro Mascarenhas, director do caminho de ferro do Barreiro ás Vendas Novas, e o engenheiro civil Joaquim Simões Margiochi, inspector de obras publicas. E eu, Ernesto de Faria, do conselho de Sua Magestade, secretario do ministerio das obras publicas, commercio e industria, em firmeza de tudo, e para constar onde convier, fiz escrever, rubriquei e subscrevi o presente termo da contrato provisorio, que vão assignar commigo os mencionados outorgantes e mais pessoas já referidas depois de lhes ter sido lido. = João Chysostomo de Abreu e Sousa = Alfredo Cowan. = Fui presente, Antonio Cardoso Avelino = Sebastião do Canto e Castro Mascarenhas = Joaquim Simões Margiochi = Ernesto de Faria.

Está conforme. Ministerio das obras publicas, commercio e industria, em 25 de abril de 1864. = Ernesto de Faria.

O sr. Aragão Mascarenhas: — Vejo pelo grande numero de oradores que se inscreveram sobre a ordem, que a camara está impaciente para tratar d'este assumpto; e como vejo que tantos srs. deputados querem tomar parte na discussão, limitar-me-hei ao fim preciso para que pedi a palavra, e tomarei á camara poucos minutos.

Pedia a attenção do sr. ministro das obras publicas.

Esta materia já aqui foi discutida em outra occasião, e então dirigi-me ao sr. ministro das obras publicas, que n'esse tempo era o sr. duque de Loulé, ponderando a necessidade que havia de contratar com a companhia que tomava o caminho de ferro do sul, e a navegação do Tejo para o Barreiro, o encarregar-se tambem da navegação do rio Sado, entre Alcacer e Setubal; assim como a companhia que tomou a seu cargo a navegação do Tejo, como dando entrada para o caminho de ferro, devia tambem tomar a navegação do Sado até ao ramal de Setubal.

Todos sabem que Alcacer não tem melhoramento algum com o caminho de ferro; ao contrario todos aquelles pontos vizinhos têem sido prejudicados pela deslocação do movimento do commercio do Alemtejo, que hoje vem directamente para Lisboa.

Creio que a camara e os poderes publicos não querem que se faça um caminho de ferro que prejudique ninguem; pelo contrario, é para que todos lucrem; e quando em consequencia do estabelecimento de uma linha ferrea se conhecer que quaesquer povoações podem ser prejudicadas, devo obviar-se a esse mal do melhor modo que for possivel.

Foram estas as ponderações que fiz ao sr. duque de Loulé; e s. ex.ª, que conhece perfeitamente aquella localidade, respondeu-me que = não tinha entrado no contrato a necessidade da navegação a vapor no rio Sado =. A companhia porém chegou a aceitar essa condição, e até mandou construir dois vapores...

O sr. Ministro das Obras Publicas (João Chrysostomo): — Isso não está no contrato.

O Orador: — Não está no contrato, mas é exacto, e o sr. duque de Loulé disse isto a s. ex.ª diante de mim.

A navegação do Sado é um objecto sobre o qual já ha uma lei que concede uma subvenção ao vapor que se estabelecer entre Setubal e Alcacer, e portanto o governo tem n'essa lei o subsidio que póde conceder á companhia.

Como na outra camara não foi approvado o contrato, este negocio ficou de nenhum effeito; mas hoje que se renova, é do meu dever apresentar as mesmas considerações que então expuz, e pedir ao sr. ministro das obras publicas que, tomando-as em consideração, tenha a bondade de me dizer se está resolvido a fazer o mesmo que o sr. duque de Loulé, quando foi ministro das obras publicas; isto é, se está resolvido a empregar todos os esforços que poder para que no contrato definitivo se inclua uma condição que obrigue a companhia a estabelecer a navegação a vapor no rio Sado.

O sr. Ministro das Obras Publicas: — Sr. presidente, para esclarecimento do illustre deputado devo dizer que nas negociações que têem havido ácerca da venda do caminho de ferro do sul, continuação do caminho de ferro de sueste, chegou-se a alguns ajustes que tenho sobre a mesa, e entre elles não acho essa condição da navegação do Sado ficar a cargo da companhia emprezaria. Entretanto tratou-se d'esse objecto, e o meu antecessor procurou obter da companhia essa concessão; e eu mesmo agora, quando se assignou este contrato provisorio, que está submettido ao exame da camara, procurei obter d'ella que fizesse a navegação do rio Sado, o que me foi promettido, e espero se realisará, não havendo mesmo da parte da companhia duvida alguma em tomar a seu cargo essa navegação, porque isso está nos interesses da mesma companhia, visto que havendo carreira no rio Tejo não haverá muita difficuldade em destinar algum vapor para a navegação do rio Sado.

A respeito da deslocação do movimento operado pelo caminho de ferro em prejuizo de algumas localidades, devo dizer a s. ex.ª, tão illustrado como é, que é um facto que não só os caminhos de ferro, mas todas as vias de communicação que estão construidas em uma certa direcção, podem deslocar o movimento de outras localidades, e entretanto nem os caminhos de ferro nem as estradas deixam de se construir por este motivo, nem deixam de ser muito uteis, porque esses inconvenientes, por via de regra, são mais do que compensados pelo grande interesse publico que resulta da construcção d'essas linhas ferreas e d'essas estradas; mas não é uma cousa especial aos caminhos de ferro, é a todas as outras vias de communicação.

O sr. Thomás Ribeiro: — Não esperava ter hoje de entrar na discussão do contrato celebrado entre o governo e a companhia ingleza, da venda do caminho de ferro do sul, o por consequencia poucas e breves reflexões terei a fazer, esperando que a ellas responderá o sr. ministro das obras publicas cathegoricamente, como é sempre o seu costume.

Quando se levantaram aqui apprehensões, já n'esta sessão, sobre o estado pouco lisongeiro das nossas finanças, ouvi dizer ao sr. ministro da fazenda n'essa occasião, que =esperava no anno economico immediato não ter de levantar nenhum emprestimo, como tinha feito nos outros annos da sua gerencia =; e uma das rasões que s. ex.ª dava para isto era que, alem de outras economias que tinha a fazer, uma era a da venda do caminho de ferro do sul, de Lisboa a Vendas Novas, com cujo producto podia satisfazer a algumas despezas extraordinarias, para as quaes teria de recorrer a um emprestimo se não fosse a venda d'este caminho. Creio ter sido esta a declaração do nobre ministro (apoiados).

Não é sem pasmo que vejo agora o producto da venda d'este caminho de ferro destinado á construcção de novos ramaes de caminho de ferro ao sul do Tejo, dando-se por consequencia a certeza de que n'este anno teremos de levantar um emprestimo talvez maior do que temes levantado nos, annos anteriores (apoiados).

É provavel que a commissão de fazenda, que deu parecer sobre este objecto, se entendesse como sr. ministro da fazenda, e que lhe desse taes e tão boas explicações que s. ex.ª desistisse do pensamento que tinha, e deixasse que o producto da venda do caminho de ferro do sul fosse applicado para pagamento de construcção de novos ramaes. Desejava pois que o nobre ministro das obras publicas, collega do sr. ministro da fazenda, me dissesse a este respeito aquillo em que poderiamos assentar; se ainda hoje podemos ter a certeza de se contrahir um novo emprestimo para o anno economico em que vamos entrar, visto applicar-se o producto d'esta venda á construcção de novos ramaes, ou se assim mesmo podemos esperar que não teremos novo emprestimo a contrahir, como promettêra o nobre ministro da fazenda.

A segunda consideração que a leitura do projecto me suggeriu foi a de que o governo contratou intempestivamente a construcção d'estes novos caminhos de ferro do Alemtejo e do Algarve, e digo a v. ex.ª a rasão em que me fundo para assim o pensar, tenho-a no relatorio que precede o projecto.

Vou ler um dos considerandos das illustres commissões (leu).

Parecia-me que quando o governo firmava um contrato do tanta magnitude como este, e de tanto alcance para as nossas finanças e para os nossos negocios administrativos e economicos, deveria antes de tudo saber d'onde se partia, para onde se partia, e por onde se ía; quer dizer, que entendo que o primeiro dever do governo era apresentar á camara os estudos definitivos para nós sabermos se approvavamos um contrato vantajoso ou se tinhamos de reprovar o contrato por nos parecer damnoso (apoiados); mas decretar o governo uma construcção de nada menos de tres caminhos de ferro, sem saber de nenhum d'elles o ponto de chegada e os sitios por onde hão de passar, é um systema que me parece de todo o ponto fóra de proposito e por virtude do qual a camara não, pôde dar um voto consciencioso, apesar de esperar muito dos bons desejos do illustre ministro das obras publicas.

Se houvessemos estes estudos definitivos para podermos assentar bem o nosso juizo, eu não faria tonto reparo em votar o presente projecto de lei, porque é principio assentado para mim ha muito tempo, que para Portugal as duas fontes principaes de vantagens reaes, prosperidade e riquezas, são: uma dellas a construcção dos caminhos de ferro no continente, a outra havemos de descobri-la no ultramar, se quizermos olhar attentamente para as nossas possessões ultramarinas, d'onde, havendo um bom governo, não podem deixar de vir grandes auxiliares de abundancia e riquezas (apoiados).

Por consequencia quando o governo nos vier apresentar um projecto para a construcção de um caminho de ferro de qualquer ordem no meu paiz, se eu vir que esse projecto vem em condições convenientes, e tão claros que n'ellas possa assentar o meu juizo, e por ellas justificar o meu voto, não tenho duvida alguma de o approvar, seja elle apresentado por um governo que eu combata, ou seja apresentado por um governo que eu apoie.

Tenho porém, pelo que deixo expendido, uma grande difficuldade em approvar o actual projecto de lei. A provincia do Alemtejo, dizem todos que a conhecem, que é o celleiro de Portugal, e quero até certo ponto conceder que seja esta provincia a principal fonte dos nossos cereaes.

Mas não tem sido já largamente dotado o Alemtejo? Parece-me que o governo tem feito por esta provincia, senão

tanto quanto devia fazer por cada uma das provincias de Portugal, pelo menos tanto quanto o seu dever equilibrado com a escassez dos nossos recursos pecuniarios lhe aconselhara e permittirá (apoiados). Tem o Alemtejo nada menos de dois caminhos de ferro já hoje; um d'elles o caminho de ferro chamado de leste, que vae passar a Elvas e entrar por Hespanha em Badajoz; outro, o caminho de ferro do sul, do Barreiro a Beja; partindo alem d'isto do tronco d'este segundo caminho dois ramaes, um para Setubal e outro para Evora.

Uma das rasões que o governo adduz, para se dotar com tantos caminhos de ferro a provincia do Alemtejo, considerando-a, em relação a obras publicas, o unico morgado do Portugal, e tratando as outras provincias como filhos segundos e desherdados a quem se dá pouca importancia (apoiados), é que os caminhos de ferro são uma condição essencial n'aquella provincia, para a colonisar mais e para se adiantar mais o estado da sua agricultura.

Convenho em tudo isto, mas quando se tratar do caminho de ferro da provincia do Minho, sabe v. ex.ª o argumento que se ha de adduzir para a construcção d'esse caminho? Exactamente o contrario d'aquelle que se adduz para construir os caminhos de ferro no Alemtejo; quer dizer: «É essencial o caminho de ferro que entre pela provincia do Minho, porque é a provincia mais povoada e porque está a sua agricultura muitissimo adiantada» (apoiados); de fórma que nós estamos perfeitamente n'um circulo vicioso de argumentação, isto não prova senão que os caminhos de ferro são tão bons que se defendem até com absurdos (porque é impossivel que de dois argumentos contrarios, um não seja absurdo).

A provincia do Alemtejo está já dotada tanto quanto é possivel, attendendo ás forças das nossas finanças; conta já dois caminhos de ferro sufficientes, mais que sufficientes para experiencia (apoiados). Esperemos, tenhamos a paciência de esperar o resultado dos caminhos já construidos, e não vamos semear mais linhas ferreas para charnecas aridas e improductivas. D'esta fórma, sr. presidente, todas as forças que o thesouro pôde dispensar para estes melhoramentos, se vão esbanjar no Alemtejo, desattendendo-se ás necessidades das outras provincias (apoiados).

Mas alem d'estes motivos que tenho para não approvar este contrato, tenho outro não menos poderoso.

Eu tive a honra de representar n'esta camara um projecto de lei, subscripto, supponho eu, por vinte e quatro srs. deputados, em que se estatue a construcção do caminho de ferro da Beira, entroncando no caminho de ferro do norte, pouco mais ou menos nas alturas de Coimbra, e entrando no reino vizinho ou approximando se d'elle nas alturas de Almeida.

No artigo 1.° d'esse projecto de lei diz-se que = o governo fica auctorisado a construir esta linha de preferencia a qualquer outro caminho de ferro do reino =. Já vê a camara que a minha opinião, ou antes a minha posição, é de não poder acompanhar o illustre ministro das obras publicas n'estes seus desejos, nem os illustres deputados do sul nas suas nobres aspirações.

Não posso, sr. presidente, deixar de olhar seriamente para a questão de methodo, não posso approvar a construcção de mais caminhos de ferro, emquanto não for approvado o caminho de ferro da Beira (apoiados).

Já por mais de uma vez o nobre ministro das obras publicas concordou com alguns srs. deputados, que lhe têem lembrado a conveniencia da construcção d'este caminho, e tem-lhes respondido o mais formalmente possivel, não apresentando até hoje um só argumento, para que elle devesse ser riscado ou mesmo preterido do mappa dos melhoramentos que se projectam para este paiz.

S. ex.ª convem que uma das provincias mais populosas é seguramente a Beira; pois direi mais por esta occasião ao nobre ministro, que s. ex.ª ha de fazer augmentar a população e a colonisação do Alemtejo. Com a construcção do caminho de ferro da Beira, a maior parte do serviço das sementeiras e colheitas n'aquella provincia é feito por braços beirões, por consequencia n'aquelle caminho de ferro ha de necessariamente facilitar e baratecer a conducção de braços da provincia da Beira em que abundam, para a provincia do Alemtejo em que faltam.

É possivel que os cereaes da Beira não sejam tantos como são os do Alemtejo, mas o que é verdade é que a provincia do Alemtejo tem só cereaes, emquanto a Beira tem tudo quanto ha em Portugal e que se acha disseminado por todas as outras provincias (apoiados). Appello para os srs. deputados d'aquella provincia, que têem mais conhecimento da fertilidade do seu solo, da variedade e abundancia das suas producções. Ss. ex.ªs poderão dizer ao governo, melhor do que eu, e com mais auctoridade, que não venho aqui aventurar asserções menos verdadeiras.

Ainda mais. Um dos generos, em que a abunda a provincia da Beira, é em matas e especialmente em pinhaes, o estamos vendo quanto as madeiras e as lenhas estão augmentando em preço dia por dia, chegando a attingir proporções assustadoras, especialmente depois que os caminhos de ferro começaram a ser construidos em Portugal. O caminho de ferro da Beira achará pois proporcionalmente barato este elemento de construcção, e, uma vez construido, poderá fornecer de lá madeiras abundantes e baratas aos outros pontos onde escasseiam (apoiados). Isto, alem de outras muitas vantagens, e de ser aquelle o nosso commercio europeu.

Supponho que existem na repartição das obras publicas dois estudos relativos ao caminho de ferro da Beira, um d'elles pelo valle do Mondego, e o outro pelas alturas dos montes. Supponho que nenhum d'estes projectos é sufficiente para o governo poder fazer immediatamente obras, adoptando um d'elles exclusivamente; mas parece-me que são

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suficientes para orientar o governo sobre a melhor directriz, que se deve dar ao caminho de ferro. Se nós tratassemos hoje exclusivamente d'aquelle caminho, eu poderia, a respeito da directriz, dizer ao governo aquillo que me dieta a rainha rasão e experiencia, já que de sciencia não posso fallar, indicando ao governo qual devia ser a preferivel; mas como estou simplesmente a fazer estas considerações geraes para mostrar ao nobre ministro, á camara e ao paiz, que nao são estes tres caminhos de ferro, que se devêra fazer; mas sim o caminho de ferro da Beira, com preferencia a qualquer outro, deixemos a questão da directriz que ha de vir na occasião competente. Da todos os tres caminhos de ferro designados no contrato cuja approvação o governo vem pedir á camara aquelle, que no meu entender tem mais rasão de ser votado, é o caminho de ferro do Algarve, e entendo-o assim, por saber que esta provincia está perfeitamente segregada das outras por uma serra immensa, que supponho difficil de romper. Pois apesar das suas melhores condições lembrarei ao nobre ministro e á camara, que este caminho de ferro importa exclusivamente ao litoral do Algarve. Sendo que a maior parte d'aquella provincia é montanhosa, e a sua parte productiva é o litoral sómente.

Ora o governo deve comprehender, uma vez por todas, que não ha transportes mais baratos e mais faceis do que os que se fazem por vias aquaticas. Por este motivo ainda ao Algarve deve preferir a provincia da Beira; a Beira que sendo riquissima não tem meio nenhum de transporte (apoiados), tem apenas incompletas umas poucas de leguas de estradas, e as mais commerciaes a da ponte de Murcella, e a que passa pelo circulo eleitoral do meu amigo e collega, o sr. Coelho do Amaral, incompletas ainda, e sabe Deus até quando! Tem-se pedido cem vezes a construcção de uma pequena legua de estrada da Foz Dão á Paiva, prolongamento indispensavel da nossa estrada mais commercial; prolongamento indispensavel, repito, porque nos mezes do estio os barcos do Mondego não podem ir da Raiva á Foz Dão.

Ha muito tempo que se pediu a construcção d'esta estrada, está já decretada, mas não sei quando se lhe dará principio...

(Interrupção que não se ouviu.)

O Orador: — os que se transportam pelo Douro tambem têem as suas difficuldades, e grandes, é verdade; mas se nós ao menos tivessemos o Douro na Beira, feriamos as grandes vantagens que os illustres deputados têem.

Uma voz: — O Douro tambem está na Beira.

O Orador: — Está, mas afastado; na extrema, não está no seio ubérrimo da provincia (apoiados).

Os nobres deputados pedem o caminho de ferro do Douro, e nós pedimos o da Beira. Eu não me escandaliso se vir decretado o caminho de ferro do Porto á Regua, do que me escandaliso é de ver que se quer dar exclusivamente a preferencia ao Alemtejo (apoiados); sendo o Alemtejo uma provincia toda ou quasi toda plana, e tanto que se póde affoutamente dizer que toda a provincia é uma estrada lisa por onde se pôde transitar para onde, como e quando se quizer, o que nós, os do norte, não podemos fazer; tendo alem d'isso o Alemtejo dois caminhos de ferro, um d'elles com dois ramaes. Para que pois lho querem agora fazer mais tres caminhos de ferro?

Isto não póde ser. Nós não temos dinheiro para isto, e se devemos fazer alguns sacrificios pecuniarios, é em favor das provincias que mais os precisam, e não em favor d'aquellas que tão bem dotadas estão (apoiados).

Termino aqui as breves considerações que tinha a apresentar a v. ex.ª e á camara. Sei que o sr. ministro das obras publicas, meu particular amigo, não deixará bem resposta as minhas reflexões; conheço de mais a mais os bons desejos que s. ex.ª tem de ver adiantados os trabalhos que estão a seu cargo, e de poder felicitar o paiz com os mais Úteis melhoramentos, cortando o de vias ferreas e estradas, não descurando ao mesmo tempo as vias fluviaes; sei que s. ex.ª não pôde fazer tudo a um tempo; mas o que desejo é que se dê preferencia aquillo a que a natureza das cousas a está dando.

Tenho concluido.

Vozes: — Muito bem.

O sr. José de Moraes (para um requerimento): — O meu requerimento é muito simples: tende unicamente a pedir a v. ex.ª que, quando algum deputado fallar sobre a ordem, o faça observar o regimento, lendo as suas propostas antes de fallar; porque do modo que hoje se vae seguindo, quem pede a palavra verdadeiramente sobre a ordem não lhe chega ás vezes, visto que todos vão fallando sobre o materia, tendo pedido a palavra sobre a ordem.

O sr. Ministro das Obras Publicas: — A questão que se agita é bastante importante, e eu terei muita satisfação se nas explicações que vou dar, poder esclarecer a camara sufficientemente, de modo que ella possa votar sobre este projecto com inteira apreciação do negocio e com perfeita intelligencia do que convem fazer a tal respeito.

O illustre deputado que me precedeu, a quem eu tanto prezo como amigo, e respeito como um distincto talento e digno collega meu n'esta camara, fez algumas considerações para mostrar que as linhas ferreas que se contrataram não deviam ser preferidas ao caminho de ferro da Beira. Mostrou ao mesmo tempo apprehensões de que nos íamos lançar em despezas excessivas d'esta ordem, compromettendo assim as nossas finanças; parecendo ao illustre deputado que isto não estava de accordo com o que disse n'uma sessão passada o meu collega, o sr. ministro da fazenda.

Parece-me que estas apprehensões não têem base sufficiente. Em primeiro logar, pelo que respeita á declaração do meu collega da fazenda, eu devo dizer, que se ella tivesse a significação que o illustre deputado lhe pretende dar, importava isso o mesmo que dizer, que nós deviamos parar na continuação da nossa rede da viação accelerada, pois não importava outra cousa na conclusão que o nobre deputado quiz tirar..

Ou nós havemos de continuar na construcção das vias ferreas, ou não. Se havemos de continuar, embora o preço da venda que se pretende obter por este projecto, entrasse no thesouro, entrava n'um dia e Baía no outro (apoiados); portanto a solução era definitivo era a mesma. Não se pôde pois concluir das palavras do sr. ministro da fazenda, o que o illustre deputado pretende deduzir.

Nem o sr. ministro da fazenda nem o governo nunca declarou que não quer continuar no prosseguimento da construcção das vias ferreas de Portugal; pelo contrario, o governo reputa isso uma das mais essenciaes condições da riqueza e prosperidade d'este paiz, e até da sua organisação financeira (apoiados).

É preciso não olhar só para a despeza; quando se trata da organisação financeira é preciso tambem olhar para a receita, é preciso não estarmos em contradicção com uma verdade que tantas vezes se tem proclamado, que é necessario semeiar e semeiar largamente, para colher, porque quem não semeia não colhe.

O nosso paiz não sáe do atrazo e da situação economica e financeira, mais ou menos difficil em que se tem achado, sem que se empreguem largamente nos melhoramentos materiaes e moraes, unicos capazes de regenerar o paiz, os meios sufficientes.

Portanto, querer não despender, embora d'ahi resultem grandes vantagens para o paiz, é não querer melhorar a situação d'elle.

Eu não venho aqui fazer a apologia dos caminhos de ferro, porque isso é desnecessario. Creio que a este respeito estamos na situação do philosopho da antiguidade que, ao adversario que negava o movimento, respondia elle, andando. Ora, nós andâmos, movemo-nos, caminhâmos, e já sentimos os beneficios da viação ordinaria e dos caminhos de ferro (apoiados).

Diz se: «Mas nós vamos contrahir encargos immensos, vamos difficultar a organisação das finanças, e collocarmos o thesouro em circunstancias difficeis». É necessario provar que se dão essas circumstancias, ora é necessario partir de alguma base, de algum ponto em que concordemos para discutir.

O illustre deputado que me precedeu concluiu o seu discurso dizendo que = o governo devia dar preferencia aquillo a que a natureza das cousas a está dando =. Estou perfeitamente de accordo, o governo dá a preferencia aquillo a que a natureza das cousas a está dando. A natureza das cousas não está só no caso em questão, na topographia do e no systema geral da nossa viação accelerada, é a situação economica do paiz e as circumstancias especiaes das nossas linhas ferreas, o estado dos negocios em relação a ellas e a circumstancia mesmo especial da questão do caminho de ferro do sul, que deve ser considerada principalmente.

Era preciso vender o caminho de ferro do sul, e não se podia vender em condições mais vantajosas, e o governo não havia de fazer essa venda sem obter essas condições favoraveis.

Eu declaro isto muito franca e solemnemente perante o paiz, a camara e o illustre deputado. O caminho de ferro do sul não podia ficar nas mãos do governo, sem este se ver na necessidade de vir, antes de se fechar esta sessão, pedir á camara um credito, pelo menos de 600:000$000 réis, para fazer o alargamento da via e para completar o caminho de ferro do Barreiro ás Vendas Novas. O estado incompleto do caminho, a necessidade de renovar e augmentar o seu material circulante, a urgencia de acabar com a baldeação em Vendas Novas, a abertura do caminho de ferro de sueste, emfim um grande interesse publico assim o exigia. Portanto se não vendêssemos o caminho tinhamos que despender 600:000$000 réis sem o paiz inteiro obter nenhuma das vantagens que lhes hão de resultar da continuação das nossas vias ferreas.

São extraordinarios os encargos que o governo vae assumir com este contrato!

Mas quaes são esses encargos? O governo vendeu o caminho de ferro por 1.008:000$000 réis, e tendo-o comprado por 939:000$000 réis, parece-me que a margem já é largamente vantajosa no preço. Mas o governo não o vendeu só por 1.008:000$000 réis; vendeu por mais 600:000$000 réis que devia forçosamente despender, e que se não podia evitar de modo algum. O governo nunca teve proposta tão vantajosa, a maior proposta que recebeu o anno passado, foi 210:000 libras, ou 945:000$000 réis, e ainda na primeira proposta que eu recebi este anno era este o preço que se offerecia sem as vantagens incalculavelmente superiores ás que se obtêem hoje por este contrato. Mas o governo não só vendeu o caminho do Barreiro ás Vendas Novas pelos 1.008:000$000 réis e pelos 600:000$000 réis que o governo não despendeu, e que se obrigou a companhia a despender dentro de um anno pela maior parte, mas o governo ainda fica com um saldo de proximo de 40:000$000 réis da exploração feita por conta do governo, e evita alem d'isso um grande numero de despezas que já estavam assumidas pelo estado, porque eram lei do paiz, despezas que estava obrigado a effectuar n'um praso muito curto.

Estes 200 kilometros de caminhos de ferro correspondem exactamente a 200 kilometros de estradas que estão votadas e que são lei do paiz, que deviam construir-se no praso de tres annos.

Ora o custo d'estes 200 kilometros de estradas, ainda que o illustre deputado o queira calcular o mais baixo que for possivel, não o podia calcular a menos de 4:000$000 réis por kilometro, como eu posso demonstrar á vista do preço por que elles têem saído ao paiz, onde alguns têem custado

6:000$000, 7:000$000 e 8:000$000 réis. O illustre deputado sabe que ha a atravessar a serra do Algarve, porque ha na lei uma estrada votada que devia ligar o Algarve com o interior do Alemtejo, estrada de 1.ª classe, que tem difficuldades, em virtude das quaes o seu custo era superior a 4:000$000 réis.

O illustre deputado deve por conseguinte reconhecer que o governo tinha que fazer a despeza de 800:000$000 réis com essas estradas; e alem d'isso a ponte sobre o Guadiana, ponte que já foi pedida, que é bem util e necessaria, e não de menos utilidade e necessidade que outras que se têem pedido em outras localidades, e que está avaliada em 260:000$000 réis.

Sem ir mais longe, ou ainda podia mostrar ao illustre deputado que o governo economisa muitos outras despezas.

Ninguem ignora a economia que o governo faz com o caminho de ferro em consequencia dos transportes de tropa e material de guerra; isso representa alguns contos de réis todos os annos; ninguem ignora tambem a economia em relação á conservação d'essas estradas que o governo tinha que fazer em 200 kilometros de extensão. Como o minimo em que se póde calcular a conservação d'essas estradas é de 600000 réis por kilometro, a conservação de 200 kilometros dellas produziria uma despeza permanente de 12:000$000 réis por anno, que é economisada pela construcção do caminho de ferro.

O serviço do correio e dos telegraphos póde ainda prometter algumas economias pela construcção do caminho de ferro; mas não calculando isto que acabo de dizer, só metterei em conta o lucro que resulta do caminho de ferro pagar ao estado um imposto de tramito; e como esse imposto está já fixado em 5 por cento sobre a receita bruta, e essa receita bruta não póde ser calculada em menos de 2:000$000 réis por kilometro, teremos em relação a 200 kilometros uma receita bruta de 400:000$000 réis, d'onde 5 por cento dão para o estado uma receita annual de 20:000$000 réis.

Sommando pois o preço da venda do caminho de ferro, a despeza de 600:000$000 réis que passou para a companhia, o saldo da exploração que fica ao estado, a economia resultante dos 200 kilometros de estradas e da ponte do Guadiana, que o governo deixa de construir, temos proximo de 2.700:000$000 réis, quer dizer, temos sómente de despeza a maior, em relação aos encargos actuaes, 900:000$000 réis para repartir pelo paiz no espaço de quatro a cinco annos.

Ora, se o paiz não pôde com 900:000$000 réis em quatro ou cinco annos, então não se pôde fazer nada, e devemos renunciar á idéa de fazer caminhos de ferro. Que representam pois estes 900:000$000 réis em inscripções? Apenas um encargo annual de menos de 60:000$000 réis. E não estarão bem resarcidos com as vantagens do caminho de ferro; não os pagará ainda com excesso a propriedade, augmentando consideravelmente de valor pelo desenvolvimento d'esta rede de viação accelerada? Entendo que sim.

E então o que resta? Resta uma questão de preferencia, uma questão de localidade; mas o illustre deputado é assas patriota, é bastante illustrado para não oppor aos interesses geraes do paiz uma questão de campanario.

Eu teria um grande pezar em ver este contrato rejeitado, porque tenho a convicção de que elle é da maior vantagem para o paiz; mas não me envergonharia nem me deshonraria de o ter assignado, de o ter apresentado ao parlamento e de me retirar d'estas cadeiras com elle, porque entendo que o governo fez um negocio vantajoso, vantajosíssimo, o melhor que podia fazer n'esta situação.

Por conseguinte entendo que se não deve apreciar esta questão por espirito de localidade, e por espirito de localidade mal entendido, porque eu tambem aceito o espirito de localidade, mas sem prejuizo dos interesses geraes do paiz.

O sr. Thomás Ribeiro: — Apoiado. Foi n'esse sentido que eu fallei.

O Orador: — Portanto não vamos condemnar uma cousa que é util, só porque ainda se não fez o caminho tal ou tal. D'essa fórma não fariamos nada, porque cada um de nós se consideraria com o mesmo direito de querer um caminho de ferro ou uma estrada para a sua localidade, e cada um opporia o seu veto a uma medida que fosse de interesse publico, comquanto aquelle caminho se lhe não fizesse.

O illustre deputado, com cuja elevação de sentimentos e com cuja intelligencia illustrada eu muito sympathico, não pôde partilhar esta idéa; ha de po-la de parte e ha de votar este projecto, porque ha de convencer-se a final de que vota uma cousa util para o seu paiz.

Mas diz se: «Dá-se a preferencia a uma unica provincia, e preterem se todas as outras». Quem pretere todas as outras provincias?

Eu já disse que aceitava o principio da preferencia, aquillo a que a natureza das cousas a está dando, e a natureza das cousas pedia que se fizesse agora a venda d'este caminho de ferro para evitarmos uma despeza de 600:000$000 réis, sem utilidade nenhuma para o resto do paiz; e a venda em condições tão vantajosas não se podia fazer sem aquella concessão dos novos ramaes; emquanto que assim ha utilidade para o resto do paiz, porque do augmento do valor da propriedade no Alemtejo, e portanto da materia collectavel d'elle, ha de vir o allivio aos contribuintes das outras provincias.

Diz-se: «Foi dotada uma provincia com prejuizo das outras». Não foi com prejuizo das outras, e não foi uma provincia só, foi dotado o paiz inteiro, porque a provincia do Alemtejo pertence a todo o reino, e todas as suas provincias e districtos são solidarios na prosperidade, e esta provincia povoada e explorada convenientemente augmenta a força e a riqueza publica de toda a nação. Esta provincia póde ter

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alguns milhões de habitantes, sendo elevada á prosperidade a que póde ser elevada, e isto creio que dá riqueza e força ao paiz.

Diz se, torno a repetir: «Foi só beneficiada a provincia do Alemtejo». É inexacto. E o Algarve, que o illustre deputado disse que é a linha mais importante?! Então já ha duas provincias beneficiadas.

Agora diz-se que esta é mais importante do que o Alemtejo. Já se vê portanto que não é 80 a provincia do Alemtejo que é beneficiada, ainda mesmo que se considerasse a questão debaixo d'este prisma. São duas provincias que medem mais da terça parte da extensão de Portugal, peço porém á camara que a não considero nunca pelo prisma da localidade.

Agora que tanto se tem desconsiderado as provincias do Alemtejo e do Algarve, provincias para as quaes não vale a pena fazer todas estas despezas, eu peço aos illustres deputados que lancem os olhos para a contribuição predial e pessoal que dão os districtos do Alemtejo e Algarve, e talvez, se forem examinar isso, não digam que o Alemtejo e Algarve valem tão pouco.

Tenho aqui a nota do que rendem para o thesouro o Alemtejo e o Algarve pela contribuição predial e pessoal, e tenho a nota do que rendem para o thesouro os districtos de Vizeu, Guarda, Aveiro e Coimbra. Quer v. ex.ª saber o que rendem pela contribuição predial? 288:000$000 réis as duas provincias do sul, e 290:000$000 réis os quatro districtos da Beira a que alludi.

Comparo quatro districtos com quatro districtos. Comparo todos os quatro ao sul do Tejo com quatro dos mais favorecidos da provincia da Beira, porque ninguem dirá que Aveiro, Coimbra e Vizeu vaiem menos do que os outros. E se se for a examinar a contribuição pessoal, achar-se-ha a mesma. Isto é, 17:000$000 réis nas provincias do sul do Tejo, e 15:000$000 réis nos quatro districtos nomeados.

Mas diz se: «O Alemtejo é attendido nos beneficios da viação e as outras provincias não são attendidas». Torno a dizer que ha inexactidão nesta asserção.

A viação ordinaria tem-se desenvolvido muito mais ao norte do reino do que no Alemtejo e no Algarve, e não está aqui ninguem que m'o possa contestar. O Minho tem hoje a sua rede de estradas quasi completa, a Beira tem tido um desenvolvimento consideravel, e todos os dias se está dando começo a novos trabalhos, Trás os Montes é que tem sido desfavorecida (apoiados), e tambem o Algarve o tem sido (apoiados). Esta é que é a verdade, e não nos deixemos predominar por paixões, sejamos rectos e imparciaes.

Agora quanto a caminhos de ferro, é só o Alemtejo que tem caminhos de ferro? Então o caminho de ferro de leste que vae de Lisboa a Abrantes e o do norte que entronca na Barquinha, e que vae até ao Porto? Este é caminho de ferro do Alemtejo? Quer V. ex.ª saber qual é a extensão dos caminhos de ferro ao sul e ao norte do Tejo? Está aqui: 365 kilometros ao norte deste rio e 340 ao sul.

Então onde está o desfavor para a Beira? Não serve este caminho de ferro á Beira? Então quem diz que não se fará o caminho de ferro da Beira? Quem diz que não se fará o caminho de ferro do Minho?

O governo declarou aqui, não teve duvida em o declarar n'outra sessão, que aceitava a auctorisação do projecto de lei apresentado nesta camara que se lhe offerecia para elle contratar o caminho de ferro do Minho. Devo declarar ao illustre deputado que, se não recebi propostas definitivas, tenho motivos comtudo para acreditar que essa linha ha de ser realisada em muito pouco tempo (apoiados).

Quanto á da Beira, o illustre deputado predominado pelo receio de que nos vamos precipitar n'um abysmo por causa dos caminhos de ferro, provavelmente não quererá o da Beira...

O sr. Thomás Ribeiro: — Eu não disse isso.

O Orador: — Mas eu declaro que o governo não receia esse abysmo, e que não tem duvida alguma de contratar o caminho de ferro da Beira. Espero que a mesma companhia, hoje exploradora dos caminhos de ferro de leste e norte, ha de ser convidada pelos seus mesmos interesses a fazer esse ramal (apoiados), que nos vae pôr em contacto com algumas provincias riquissimas do interior de Hespanha, e que nos vae pôr em communicação mais directa com o centro da Hespanha e com a fronteira da França.

Não tenha o illustre deputado receio de que esse desideratum não venha a preencher se, nem receie grandes encargos para o thesouro; confio que isso se ha de realisar com pequeno onus para o thesouro, mas não é possivel n'um só dia fazer tudo.

O illustre deputado disse tambem que = das tres linhas que se votaram para o Alemtejo a preferivel é a do Algarve =.

Eu acho todas uteis, mas não me parece que seja exacta a asserção do illustre deputado.

Declaro que achando util a linha do Algarve, e por isso fiz esforços para que se contratasse, achei ainda mais util a linha que, partindo do Evora, vae passar por Extremoz e nas proximidades de Souzel, Fronteira, Alter do Chão, indo introncar no Crato no caminho de ferro de leste.

Alem d'isto o Alemtejo é uma das provincias onde a industria mineria está mais adiantada.

A industria mineira no Alemtejo já hoje faz explorações em grande escala. Todos nós sabemos o desenvolvimento que têem tido as minas de S. Domingos, e a tonelagem consideravel que dão do minerio. Alem destas ha outras minas que ou já estão concedidas, ou já começam a explorar-se, como as de Aljustrel, de Grandola, de Portel, proximo a Villa Viçosa, Extremoz, e de outras localidades que são importantissimas e que devem dar uma grande massa de productos, a transportar com grande vantagem da exploração dessas vias ferreas do Alemtejo.

É preciso saber, e não venho dizer á camara uma cousa que não seja sabida, que a industria mineira não pôde prosperar senão em localidades aonde o transporte é barato, isto é, aonde existem vias aquaticas ou caminhos de ferro.

No nosso paiz desgraçamente a viação aquatica não offerece a mesma vantagem que offerece em outros paizes. Os nossos rios são correntes caudalosas no inverno e seccam no verão (apoiados). Mesmo n'aquelles onde ha uma tal ou qual navegação, essa navegação é tão incerta, tão irregular, tão pouco favoravel ao commercio que não se pôde contar com ella. Isto está-se observando constantemente. Um illustre deputado por Trás os Montes, que me está escutando, ainda outro dia, em relação a uma via aquatica das mais importantes, fallo do Douro, notou todos os inconvenientes, embaraços e difficuldades desse meio de communicação, que não preenche o seu fim.

É um meio de transporte mais barato que o das estradas ordinarias. Mas posso asseverar ao illustre deputado que por via de uma combinação economica e habilmente calculada pelos caminhos de ferro se pôde muitas vezes obter o transporte tanto ou mais barato. Alguma caminhos de ferro no estrangeiro estão dando esse exemplo, competindo com vantagem com vias aquaticas em melhores condições do que as nossas. Hoje o transporte da Regua para o Porto faz se a rasão de 1$400 réis por tonelada, creio eu. Note-se que são 100 kilometros pouco mais ou menos de distancia, o que quer dizer, que é uma tarifa de 14 réis por kilometro. Posso dizer ao illustre deputado que é possivel transportar n'um caminho de ferro productos a 12 réis por kilometro, e ò facto é que estão transportando.

Não se diga pois que não póde competir o preço do transporto dos productos nos caminhos de ferro com o preço das vias aquaticas, e o não haver no nosso paiz vias aquaticas que offereçam convenientemente transporte a todos os productos em todas as situações, é mais uma rasão para desenvolvermos a nossa viação accelerada.

Disse o illustre deputado que = era notavel que se sustentasse o caminho de ferro do norte e o caminho de ferro do sul com principios contrarios =. Ha de perdoar-me o illustre deputado, com principios differentes sim, mas differente não é o contrario.

O illustre deputado disse que = sustentava a necessidade dos caminhos de ferro para o norte de Portugal pelos principios da grande população, do grande movimento, da grande laboriosidade dos seus habitantes e da grande cultura. Eu tambem sustento a necessidade dos caminhos de ferro para o norte por estes principios; mas igualmente sustento a necessidade dos caminhos de ferro para o sul, não pelos principios contrarios, mas por principios diversos, porque é um paiz despovoado e porque convem povoar quanto antes, porque é um paiz pouco e mal cultivado, e que convem arrotear e colonisar, e porque é um paiz que póde ter em breve uma grande exploração mineira, que carece absolutamente de caminhos de ferro. É tão util fazer caminhos de ferro nos paizes pouco povoados e pouco cultivados, como n'aquelles que têem uma grande população e uma grande cultura; e a prova está nos caminhos de ferro que se tem feito nas differentes partes do mundo. Não se tem feito só caminhos de ferro em Inglaterra, na Belgica e na França; tem-se feito caminhos de ferro na Australia e no Cabo da Boa Esperança; tem-se feito estes caminhos como meio de colonisação e desenvolvimento destas possessões. E tem-se feito nos Estados Unidos; o illustre deputado sabe que é esta a primeira condição de colonisar n'aquellas regiões.

Nem se pense que são só os viajantes que alimentam uma exploração vantajosa dos caminhos de ferro e que é só para elles que se construem; proximo de dois terços da receita bruta é devida geralmente ao transporte dos generos e mercadorias.

O primeiro passo a dar na America do norte para uma exploração agricola e para a povoação de um territorio é fazer um caminho de ferro e um telegrapho electrico. São instrumentos necessarios para a colonisação; e a colonisação do Alemtejo é uma cousa bastante importante, é uma cousa para que devemos olhar com bastante seriedade, e que devemos considerar como uma fonte muito productiva de riqueza e engrandecimento immediato para o nosso paiz, chamando-se ali a população superabundante do norte. A liberdade da terra que decretámos, a extincção dos vinculos e as instituições de credito que vamos fundar, são medidas que devem ser acompanhadas de um largo desenvolvimento de communicações para que aquella erma e despovoada extensão de territorio se torne fertil, povoada e rica, com grande vantagem de todo o reino (apoiados).

Não quero cansar mais a camara. Peço-lhe desculpa de me ter talvez alongado de mais do que devia com estas considerações; mas pareceu-me necessario faze-las, visto que se duvidou de que se tinha feito um contrato vantajoso para o paiz, e pareceu entender se que elle não ía beneficiar senão restrictamente uma localidade com prejuizo das outras. O governo não tem preferencias por localidades, nem eu como ministro da corôa podia olhar para uma localidade de preferencia a outra; olho para os interesses geraes do paiz, e procuro dentro da orbita das minhas attribuições satisfazer aos meus deveres do modo que sei e posso. Vozes: — Muito bem, muito bem.

O sr. Pinto de Araujo: — Eu voto por este projecto; mas, votando por elle, notarei comtudo que os interesses das provincias que as vias ferreas a construir têem de atravessar, me não parece serem tão considerados como era mister, e como o foram os das outras provincias onde já existem vias ferreas construidas ou em construcção.

Eu não sei se as considerações que apresentou o nobre ministro, e pelas quaes quiz mostrar á camara que o proseguimento das vias ferreas pelo sul de Portugal prendia com a necessidade que o governo tinha de se desfazer do encargo da administração do caminho de ferro do Barreiro ás Vendas Novas, serão filhas das circumstancias excepcionaes em que se têem collocado os governos deste paiz sempre que se trata de melhoramentos e de reformas. Não pretendo com isto condemnar o governo actual, nem os anteriores, pelo facto de quererem dotar o paiz com as communicações acceleradas; mas por não terem, no modo de levar á realisação esses melhoramentos, tratado de premunir-se com a devida antecipação dos estudos necessarios em ordem a estabelecer-se uma rede de caminhos de ferro em Portugal, que ligando intimamente os grandes centros de população, atravessando os territorios mais populosos de cada uma das provincias, podessem ao mesmo tempo desenvolver a prosperidade nacional e a das populações que fossem pôr em contacto.

O mal não é de agora, vem de longe; ainda estamos a tempo de o remediar; mas não vejo que o remedio seja estar auctorisando a construcção de caminhos de ferro unicamente por necessidades particulares; pelo contrario, entendo que o remedio é fazer um estudo serio sobre o melhor modo de aproveitar os caminhos de ferro construidos ou em construcção entre nós, para elles servirem de tronco aquelles que podemos estabelecer com vantagem, não só no interior do paiz, mas para nos pôr em contacto com os do reino vizinho, e por intermedio destes com os centros da civilisação da Europa. Parece-me que isto seria mais vantajoso, mais regular, e mesmo mais racional. Não peço o exclusivo para se fazer primeiro o caminho de ferro do Algarve, o do Minho, o do Porto á Regua, ou o da Beira, o que peço é que todos os caminhos de ferro que houverem de se fazer se façam segundo as nossas condições commerciaes e agricolas, e segundo o nosso estado financeiro; mas tomando-se para isso uma base segura, e tendo-se em vista ir em harmonia com todos estes elementos, porque da harmonia que se der entre todos elles é que hão de resultar os grandes melhoramentos que temos a esperar das vias acceleradas.

Folguei de ver que o illustre ministro deseja dotar o paiz com as vias ferreas necessarias, tendo em consideração as circumstancias que indicou. Parece-me porém que os desejos de s. ex.ª estão muito longe de se poderem realisar, e digo que estão muito longe d'isso, porque sei até onde tenho podido averiguar que os elementos que podem servir de base para a realisação do pensamento de s. ex.ª estão em grande atrazo, e mesmo quasi n'um certo abandono que não sei como se possa até certo ponto explicar da parte do governo. Não esperava ouvir da bôca do illustre ministro, e por isso é tambem que eu digo a s. ex.ª que está muito longe de realisar os melhoramentos que deseja, as idéas que ha pouco apresentou e de que a camara toda foi testemunha— que o caminho de ferro mais proveitoso era aquelle que atravessava os sertões, aquelle que atravessava os pontos menos populosos.

Que quer dizer o prolongamento da via ferrea para o Alemtejo e para o Algarve, sendo considerados como uma grande vantagem para o desenvolvimento d'aquellas duas provincias, quando por outro lado é quasi despovoada na maior parte, e que a sua população não está em harmonia com as das outras provincias? Parece-me que s. ex.ª dizendo isto esqueceu de certo um principio que é axiomático com relação aos caminhos de ferro, de que estes devem sempre atravessar os grandes centros de população, porque o movimento pessoal é o principal sustentaculo dos caminhos de ferro.

Todos sabem o que se está já passando na parte da linha ferrea que se acha em exploração entre o Porto e Coimbra; é facil prever o movimento pessoal que ha de ter quando esteja concluida sem interrupção até Lisboa, e ponha-se em parallelo a via ferrea do norte com á de leste e sul, o veja-se o movimento que ha entre Lisboa e Badajoz, e o que ha entre Lisboa e Beja, e entre os outros pontos aonde as nossas vias ferreas estão em exploração.

Mas disse o illustre ministro: «Os caminhos de ferro devem fazer-se pelos sertões, porque elles são para colonisar e para povoar». Isto poderia dizer-se quando Portugal estivesse nas condições de poder fazer uma emigração nominal de una pontos para outros; em condições taes que, no momento ha em que uma linha ferrea estivesse concluida e se pozesse á exploração, houvesse logo colonos que fossem habitar esses pontos despovoados, e introduzir ali os melhoramentos que, por outra, forma, não era possivel introduzir. Porventura mostrou s. ex.ª que Portugal está nestas condições? Hão de ser os estrangeiros que hão de vir colonisar o Algarve, ou que hão de vir estabelecer colonias no Alemtejo? Parece-me que não. E pergunto a s. ex.ª quaes são as rasões que o levaram a poder crer que o caminho de ferro que vamos votar para o(resto do Alemtejo e para o Algarve ha de trazer immediatamente a colonisação, e por consequencia o augmento da população e o desenvolvimento agricola n'aquellas provincias?

Mas diz s. ex.ª: «Trás o desenvolvimento da agricultura, porque nós já démos a liberdade á terra». Vã chimera que se está sempre a repetir e apresentar como elemento de desenvolvimento da agricultura entre nós (signaes de admiração), quando, digamos a verdade, a liberdade da terra entre nós é uma sophisticação.

Vozes: — Ora esta!

O Orador: — O decretamento ou liberdade da terra não consiste só e unicamente n'uma lei de desvinculação que nós aqui votámos e que é hoje lei do estado: não consiste só n'isto, e eu direi aos illustres deputados, que tanto se admiraram desta minha phrase, que folheiem toda a nossa legislação, que vejam os centenares de leis que têem sido votadas pelo parlamento portuguez, que têem sido levadas á sancção regia e que até hoje não têem tido execução.

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E pelo facto unicamente de se legislar sobre um objecto qualquer, segue-se immediatamente a sua realisação? Aonde está a execução da lei? Falla-se na liberdade da terra! Aonde está a liberdade da terra? Já temos lei hypothecaria? Já temos bancos? Eu desejava que o illustre ministro me dissesse quaes são as condições agricolas do Alemtejo e Algarve? De uma parte do Algarve estou bem informado, mas do Alemtejo, provincia aonde, como todos nós sabemos, está, por assim dizer, monopolisada a propriedade, e não é quando a terra está n'estas condições que se póde dizer ha liberdade da terra, e que possa haver facilidade de colonisação. Para isto, para a colonisação é necessario que concorra tambem a divisibilidade da propriedade, não em uma escala tão diminuta que se tornem impossiveis as transacções, mas que seja rasoavel, e que esteja em harmonia com as outras condições necessarias para se estabelecer a colonisação e se desenvolver a agricultura em todos os seus ramos e em todos os seus pontos.

Ora n'estas condições é que não está o Alemtejo.

E porque methodo se ha fazer a colonisação, quando a propriedade está, na sua maxima parte, na mão de poucos proprietarios? Ha de estabelecer-se a colonisação por meio da emphyteuse? Mas eu vejo todos os dias quererem extinguir a emphyteuse ou reduzi-la a um só padrão, e que torne a propriedade ornais accessivel que possa ser ao commercio; por consequencia não é tambem por este meio que querem conseguir a colonisação.

Eu peço ao nobre ministro que compare debaixo d'este ponto de vista as condições em que se acha a provincia da Beira e a de Trás os Montes, e que veja se a differença que vae d'estas aquellas não é immensa, e que por consequencia o desenvolvimento das vias acceleradas devia ir procurar não só os centros de população, mas os centros de maior desenvolvimento agricola, porque só assim conseguiriamos os fins que temos em vista com o desenvolvimento da viação accelerada.

Espero, em virtude das considerações que acabei de apresentar, que o nobre ministro não desprezará a idéa de levar á execução o mais breve possivel os caminhos de ferro do norte.

E já que o nobre ministro ha pouco nos fez ver as vantagens que resultavam da adopção d'este caminho, pelos encargos que se iam reduzir, tendo em attenção as estradas votadas para o Algarve, e outros melhoramentos que o caminho de ferro vae dispensar, não posso deixar de lembrar ao nobre ministro, e pedia para isto toda a sua attenção, porque desejava uma explicação de s. ex.ª que me satisfizesse, ou antes que satisfizesse os habitantes da provincia que eu represento.

Diz s. ex.ª que = o caminho de ferro em discussão deve decretar-se, porque d'aqui provém, alem d'este grande melhoramento publico, uma diminuição na despeza de muitas obras votadas já para a provincia do Algarve =.

Se este argumento pôde ser valioso para se decretar o caminho de ferro para o Algarve, parece que, com muito maior rasão, elle póde servir para que em nome de um caminho de ferro, que ainda está em embrião, se não deixe de fazer a estrada que, bifurcando em Casaes Novos, na que segue do Porto a Amarante, vá entroncar na que vae da Rede á Regua.

Esta estrada foi votada aqui na sessão de 1862, está decretada, os estudos estão quasi todos feitos, e até ao Marco de Canavezes os projectos já definitivamente approvados; mas deixaram de se fazer os estudos de Marco de Canavezes á Rede, e não se manda proseguir n'elles, porque vamos ter caminho de ferro do Porto á Regua. Sirva esta esperança para se não fazer uma estrada que ía acabar com o trajecto da estrada entre a Rede e Amarante, o qual é feito em pessimas condições, e onde effectivamente os precipicios são de atterrar os viandantes (apoiados). E deixaram de se fazer estes estudos porque? Porque a opinião, não sei se do conselho das obras publicas foi — que se não devia tratar mais dos estudos d'esta estrada, visto que se estavam fazendo os estudos para o caminho de ferro entre o Porto e Regua, e que se não devia fazer uma estrada, por isso que o caminho de ferro podia depois ficar lhe parallelo.

Eu pergunto ao sr. ministro dos obras publicas, e espero de s. ex.ª uma resposta franca e clara, como costuma, que me diga em quantos annos espera a. ex.ª ver concluido o caminho de ferro do Porto á Regua; se s. ex.ª está habilitado para me dizer em que tempo se poderá fazer essa via ferrea, se os estudos a que se está procedendo para a construcção de caminhos de ferro do Porto á Regua, são estudos para servirem de base ao governo para contratar a construcção d'aquelle caminho... se o são, caso o nobre ministro responda que sim, espero que s. ex.ª antes de se fechar esta sessão trará á camara uma proposta de lei, para que seja auctorisado a contratar essa via ferrea, no intervallo da sessão, caso esses discursos tenham de servir de base a uma resolução que o governo tenciona tomar; e se s. ex.ª, entendendo que o caminho de ferro entre o Porto e a Regua não poderá construir se dentro de quatro, cinco, seis, ou oito annos, se julga continuar a subsistir a pessima, permitta-se-me a phrase, communicação que ha entre Amarante e a Regua. Parece-me que as vantagens do caminho de ferro do Porto á Regua são grandes, e entendo que o devem ser mais, principalmente, quando prolongada a via ferrea até á fronteira, e seguir a Valhadolid, e Madrid. Ha de ser talvez a primeira linha ferrea de Portugal quanto a interesses, quando realisada pela fórma que digo. Dirijo estas perguntas ao nobre ministro, porque não sou d'aquelles que me deixo illudir com a idéa de que se vae fazer um caminho de ferro, e apenas a palavra está proferida, o caminho de ferro está feito. Não é assim. Não me deixo levar por isto; convenço-me, mais com os factos, do que com palavras.

Já por outra occasião perguntei ao nobre ministro que me declarasse se na secretaria das obras publicas haveria alguma proposta para a feitura ou construcção do caminho de ferro do Porto á Regua, porque tinha visto annunciado nos jornaes, e repetido em cartas particulares, que já havia propostas e muito vantajosas. Quando eu provoquei uma declaração de s. ex.ª a esse respeito, s. ex.ª disse-me que não tinha conhecimento official de que houvesse proposta alguma a respeito do caminho de ferro, ou para a sua construcção, o que havia apenas era o trabalho que s. ex.ª tinha mandado proceder, e esperava que estivesse concluido dentro em quatro ou cinco mezes o mais tardar, e o governo então providenciaria a esse respeito.

Ora para que ámanhã se não torne a propalar a idéa de que ha propostas para a construcção do caminho de ferro do Porto á Regua, que estão na secretaria das obras publicas, e para que se não possa illudir ninguem a esse respeito, é o motivo por que de novo peço ao nobre ministro me esclareça e á camara do que houver sobre este negocio.

Eu formulo outra vez as minhas perguntas.

Quanto estará concluido o estudo do caminho de ferro entre o Porto e a Regua?

Quando poderá começar a sua construcção? Em que condições? E ao mesmo tempo se, não podendo levar-se a effeito antes de cinco ou seis annos, a. ex.ª entende ou julga conveniente que a estrada, que já está decretada, que já está votada, e que bifurca em Casaes Novos, e que vae á Regua, fique por concluir até á espera da construcção do caminho de ferro? E se s. ex.ª entende que os commerciantes e as outras pessoas que têem de transitar entre Regua e Porto e vice versa, hão de continuar a percorrer esse precipicio que ha entre a Regua e Amarante, gastando dezeseis horas, dezoito horas e mais, n'uma viagem d'ali ao Porto em terriveis condições, quando fazendo-se, note bem a camara, a estrada que está decretada (não peço favor, peço o cumprimento de uma lei que a camara votou) e que bifurca em Casaes Novos e que vae á Regua, o maximo que se podia gastar no seu trajecto era de nove e dez horas; ora para dezoito horas e mais vae uma grande differença. E nós que estamos a preconisar os caminhos de ferro, por elles nos approximarem de todos os grandes centros de população, por acabarem com as distancias, por isso ser um grande elemento de desenvolvimento e de prosperidade do paiz, tanto material como moral. Qual ha de ser a rasão por que no trajecto entre o Porto e a Regua, emquanto se não construir o caminho de ferro, se não ha de fazer uma economia de oito a dez horas de transito entre duas terras tão importantes como aquellas, e que alimentam o commercio mais importante de Portugal?

O sr. Julio do Carvalhal: — Peço a palavra.

O Orador: — Espero que o nobre ministro não deixará de satisfazer a estas minhas perguntas, as quaes julgo necessarias para esclarecimento de todos, para que saibamos o que ha a esperar d'esse estudo do caminho de ferre que se anda a fazer, e já que é reputada uma vantagem consideravel de prosperidade e de desenvolvimento com relação a uns, não seja um eterno esquecimento com relação aos outros. E s. ex.ª sabe perfeitamente que se tivesse querido advogar os interesses de campanario n'esta casa, uma das provincias mais descuradas de todos os melhoramentos publicos, tem sido infelizmente a desgraçada provincia de Trás os Montes...

O sr. Julio do Carvalhal: — Apoiado, apoiado,

O Orador: — Á qual já alguem chamou filha bastarda de Portugal, e com muita rasão, S. ex.ª sabe que, para se ter uma estrada que ligasse Regua com Villa Real, isto é, para se fazer 23 kilometros de estrada gastou-se o pequeno espaço de tempo de 1852 a 1864.

Para se construir uma estrada marginal foi necessario levantar um emprestimo de 100:000$000 réis sobre o imposto de 500 réis lançados em cada pipa de vinho que se exportasse pela barra do Porto. O emprestimo contrahia se e gastou-se em outras obras, porque nas da estrada marginal apenas se gastaram sessenta e tantos contos de réis. De maneira que o emprestimo consumiu se e a estrada está em meio, e nem se conclue.

Nem sequer se respeitou o Sagrado direito que tinham os povos do Douro a que aquella quantia fosse empregada nas obras d'aquella estrada, por isso que eram elles e só elles que pagaram para a amortisação daquelle emprestimo!

Hoje pedem para se levantar um novo emprestimo para a conclusão da estrada; tenho instado por isto muito, e o sr. ministro póde dar testemunho; s. ex.ª responde-me que = esta estrada vae entrar na dotação geral =; mas os povos do Douro agradeceriam mais que se levantasse um novo emprestimo para se concluir a estrada marginal, do que mete-la o sr. ministro na dotação geral; o desejo d'aquelles povos é que se levante um emprestimo para se construir aquella estrada, porque só assim terão com brevidade uma optima via de communicação.

Pois se ella se não concluiu com os 100:000$000 réis que se levantaram sobre o imposto de 500 réis por pipa de vinho que se exportasse, como podem esperar agora que ella se conclua só porque entra na dotação geral das estradas? Quando terá isso logar?

Peço ao illustre ministro que olhe para este assumpto da mesma maneira que costuma olhar para todos os negocios da repartição que estão a seu cargo, e que creio que nas observações que faço não sou de maneira alguma levado pelo sentimento de advogar interesses de campanario, e unicamente por sentimentos nobres, pelos mesmos sentimentos que o illustre ministro ha pouco manifestou de attender a todas as conveniencias geraes, pondo porém sempre de parte os interesses particulares quando elles não vão de accordo com as conveniencias publicas.

S. ex.ª sabe que a estrada do Porto á Regua é da maior conveniencia publica; bem assim a estrada marginal por onde transitam n'uma parte do anno centenares de commerciantes nacionaes e estrangeiros, que sobem ao Douro a fazer o commercio dos vinhos que ali se sustenta em tão larga escala, e muitos deixam de percorrer os pontos principaes do Douro, e de dar largas ao seu commercio, por falta de boas communicações; e emquanto isto se não der, emquanto não houver uma boa viação na provincia de Trás os Montes, ella não póde florescer e prosperar.

E permitta-me o illustre ministro que, sem querer entrar numa questão que é estranha á de que se trata, diga que do desenvolvimento das estradas na provincia de Trás os Montes depende a solução da velha, velhíssima questão da liberdade do commercio dos vinhos do Douro.

Emquanto Trás os Montes e a parte vinhateira do Douro não estiver cortada por boas estradas que lhe facilitem a communicação prompta á saída dos seus generos, todos os governos hão de encontrar sempre grandes obstaculos na questão vinhateira, porque ella está intimamente ligada com o desenvolvimento da viação.

E para este ponto que eu queria se olhasse com mais attenção, se se quer resolver a questão vinhateira do Douro, porque para se resolver de prompto, hão de começar pela questão da viação.

Espero que o illustre ministro satisfará, se assim o entender, ás perguntas que dirigi a s. ex.ª, não por interesse meu, mas dos povos que tenho a honra de representar n'esta casa, a fim de que elles possam saber o que o governo intenta fazer para melhorar as suas condições de viação e communicação, e assegurar no futuro a prosperidade que hoje não tem, mas que devem ter.

O sr. José de Moraes (sobre a ordem): — Para não caír no mesmo em que caíram os meus collegas, que foi pedirem a palavra sobre a ordem sem terem moção que apresentar...

O sr. Pinto de Araujo: — Eu não pedi a palavra sobre a ordem; foi sobre a materia.

O Orador: — Permitta-me o illustre deputado lhe diga que, se não pediu a palavra sobre a ordem, não a podia ter primeiro de que eu, e por conseguinte já vê que tenho rasão nas observações que faço.

A minha moção é a seguinte (leu).

Mas a minha consideração é outra. Quando aqui se votou o contrato do caminho de ferro do Alemtejo, as juntas geraes dos districtos de Evora e Beja vieram, por via dos seus representantes n'esta camara, apresentar differentes representações, em que declaravam que, logo que o caminho de ferro fosse votado, estavam promptos a concorrer para as despezas da construcção d'esse caminho, e a junta geral do districto de Beja offereceu 3:000$000 réis por cada kilometro que se construísse, e a junta de Evora 1:000$000 ou 2:000$000 réis, não estou lembrado, mas ahi estão na secretaria as representações...

O sr. Alves do Rio: — Parece-me que foi 1:200$000 réis.

O Orador: — Diz o illustre deputado que foi 1:200$000 réis...

O sr. Alves de Rio: — Não disse que foi 1:200$000 réis, disse que me parecia: é bom não trocar.

O Orador: — Mas seja 1:000$000 réis, 1:200$000 ou 2:000$000 isso é indifferente, mesmo porque o que foi consta das representações que vieram á camara.

Por consequencia o que eu peço, em nome do direito que me assiste, é que o governo me diga se as promessas que fizeram as juntas geraes dos districtos de Evora e Beja se verificaram; se ellas satisfizeram aquillo que prometteram. Desejo que o nobre ministro me responda precisamente se pagaram ou não; se pagaram, qual foi a quantia que entrou nos cofres do thesouro; se não pagaram, se s. ex.ª faz tenção de fazer com que as juntas geraes de districto cumpram a sua palavra, lançando aos povos esta contribuição para fazer entrar nos cofres do thesouro esta quantia.

É esta a moção que faço. Agora direi que voto este projecto, e como costumo ser justo, não posso deixar de dizer a s. ex.ª o sr. ministro das obras publicas que este contrata é dos melhores que se tem aqui apresentado (apoiados). Costumo dizer sempre a verdade. Eu voto a favor d'este contrato, porque votei a compra do caminho de ferro do sul á companhia brazileira; e de outro modo não o faria, porque a minha opinião é que, a construir se algum caminho de ferro, devia ser o da Beira (apoiados).

Eu appello para a consciencia dos illustres deputados; o caminho de ferro que nos ligasse com a Hespanha nunca devia ser feito pelo Alemtejo mas sim pela Beira (apoiados).

Mas o que tem a Beira? Se o caminho de ferro de Lisboa ao Porto passa por Coimbra é porque Coimbra está entre o Porto e Lisboa. Se não fosse isso não passava por lá.

O sr. J. A. de Sousa: — Ora essa!

O Orador: — Não tenha duvida que é isto. Se o caminho de ferro passa por Coimbra, torno a repetir, é porque Coimbra está no meio de Lisboa e Porto; e é pela mesma rasão que por ali passou a estrada real a macadam.

O que tem o districto de Coimbra? Uma estrada que em 1859 se começou em Ceira, de que até hoje, que estamos em 1864, ainda não estão construidas quatro leguas, e que sabe Deus quando se acabarão!

Nós temos dinheiro para caminhos de ferro e não para estradas ordinarias que liguem com os caminhos de ferro! (Apoiados.)

Alem da estrada a que acabo de me referir, conseguiu-se em 1860 que se votasse a estrada da Figueira; mas por mais que eu e outros illustres deputados do districto de Coimbra nos tivessemos cansado, apenas até á entrada no ministerio do cavalheiro que actualmente gere a pasta das

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obras publicas, o que haviamos conseguido era que o projecto viesse e se approvasse, e vi lá uma duzia de kilometros.

(Riu se s. ex.ª o sr. ministro.)

V. ex.ª ri-se? Eu digo a verdade, seja qual for o ministro.

E provavel que V. ex.ª depois de ministro tenha mais amigos do que antes de o ser; eu porém já era um amigo e respeitador antes de s. ex.ª occupar o alto logar que occupa, mas não augmentou a amisade, nem diminuiu.

Honra seja feita a s. ex.ª que começou a mandar fazer esta estrada de Coimbra para Jaria, e espero que mandará começar o lanço da Figueira ao Cabeço do Minhoto.

Eu estou entretanto persuadido de que as estradas da Figueira e da Beira levem mais tempo a fazer do que o caminho de ferro para o Alemtejo.

Uma voz: — É possivel.

O Orador: — É certo.

Mas não é só a estrada da Figueira que, por uma desgraça, esteve para ser excluida na ultima redacção da lei de 1861, e que por acaso (foi erro de copia) foi classifica da de primeira ordem; está em construcção a estrada do Celorico á Foz de Arouce, porém a da Foz de Arouce até á Ponte da Murcella nem ainda está estudada, e sabe Deus quando se começará e acabará.

Dizem que isto é questão de campanario. Eu declaro que é questão de campanario, e que não sou senão deputado de campanario, não sou senão advogado dos interesses das pessoas que me mandaram aqui para as representar...

Uma voz: — E os interesses do paiz?

O Orador: — Os interesses dos meus constituintes não estão em opposição com os do paiz, mas se acaso estivessem defenderia os do districto que represento, e assim respondo aos ápartes, dos quaes não tiram resultado.

Eu não sou deputado que venha aqui fazer politica; venho advogar os interesses dos que me mandaram á esta casa para isso, e hei de n'esse empenho empregar todos os esforços ao meu alcance.

O sr. Coelho do Amaral: — Está fazendo politica eleitoral.

O sr. Rocha Peixoto: — Lá foi forte!

O Orador: — Respondo aos ápartes. Ao illustre deputado, o sr. Rocha Peixoto, que peça a palavra e combata o que eu digo, que não ha de ficar sem resposta da minha parte. E ao meu amigo, o sr. Coelho do Amaral, que tenho muito honra em fazer politica eleitoral; uns fazem politica eleitoral d'este modo, para que os tragam aqui livremente, e outros de outra maneira para que eu não estou (apoiados).

Louvo o illustre ministro das obras publicas pelo projecto que apresentou á camara, porque esse projecto é o melhor que tem apparecido n'este genero (apoiados). E embora me pareça que o Alemtejo já está em comparação com as outras provincias suficientemente dotado com estes melhoramentos de viação accelerada, porque tem uma linha principal e dois ramaes, e que não devia por emquanto ter mais tres caminhos de ferro que se lhe vão dar; voto o projecto porque, como já disse, tinha votado que se comprasse o caminho de ferro do sul á companhia brazileira no intento de que se houvesse de vender depois...

O sr. Thomás Ribeiro: — Essa é boa.

O Orador: — Era melhor que o illustre deputado pedisse a palavra e me combatesse.

Votei a compra do caminho de ferro, porque entendi que a devia votar. O governo comprou bem. Mas quando o fiz foi, não para que elle ficasse por conta do governo, mas para que o governo, logo que podesse, o vendesse com vantagem para o paiz. E é porque a venda é vantajosa que o nobre ministro merece os meus elogios, porque o sr. ministro das obras publicas n'esta venda conseguiu muito mais que alguem com outras propostas.

Voto portanto por esta venda, porque votei tambem pela compra.

Tenho dito.

O sr. Visconde de Pindella: — Estando-se discutindo o orçamento do ministerio das obras publicas, e não quero com isto dizer que o projecto que se discute não tenha aqui cabimento, porque obras publicas são; no entretanto é um projecto separado; estando-se a discutir o orçamento, repito, não me lembrei de que hoje se passasse a discutir este assumpto; e tendo eu feito já varios requerimentos para se discutir o infeliz projecto n.° 146, lhe chamarei eu, apesar de ter por auctor o meu nobre amigo, o sr. deputado Sá Nogueira, e ter-se tambem interessado pela sua discussão) dizia-se que = depois de se votar o orçamento se discutiria esse projecto = (apoiados); e não só se dizia então, mas até o votou a camara, votando um requerimento meu (apoiados).

Hoje porém sustou-se na discussão do orçamento, e passou-se a discutir este projecto. Digo isto para mostrar a rasão com que o meu amigo, o sr. Thomás Ribeiro, disse que = não sabia que hoje se discutiria este assumpto =; e o que aconteceu ao meu particular amigo dá-se commigo igualmente.

Dadas estas explicações á camara, para mostrar que não entrarei no debate como desejava fazer, passo a ler a minha moção, como manda o regimento, como deseja o meu amigo, o sr. José de Moraes, e como eu tambem desejaria que sempre se fizesse (apoiados). (Leu.)

Sr. presidente, lamento e sinto bem, sou franco e devo começar por estas palavras que o nobre ministro, a quem tributo todo o respeito e dedicação (e já lh'a tributava tambem antes de ser ministro, vá entre parentheses, pelas suas qualidades pessoaes e pelos seus conhecimentos technicos); sinto, digo, que s. ex.ª fallasse aqui em questão de campanario (apoiados). Sinto, mesmo porque me fez uma desagradavel impressão.

Sr. presidente, aqui não ha questão de campanario. A questão de campanario pôde ser o pedido de um palmo de estrada, de um edificio para a camara municipal; pôde ser uma questão caseira, permitta-se-me a expressão; mas não é uma linha d'esta qualidade; não é quando se trata de preferencia de um assumpto d'esta largueza e grandeza (apoiados); e visto que a questão tinha sido levada para este terreno, aonde o nobre ministro tem tudo a perder e nada a ganhar...

O sr. Ministro das Obras Publicas: — Peço a palavra.

O Orador: — Pois uma linha d'esta qualidade, que atravessasse as Beiras até ao reino vizinho, em que ha pouco fallou o illustre deputado, é uma questão de campanario? Se o é, então já não sei o que é questão de campanario; e não sei aonde havia de assentar a torre, porque n'esse caso era a torre maior do que a base aonde ella devia assentar (apoiados). Era o paiz inteiro.

Admira-se o nobre ministro que nós pugnemos por esta os aquella linha; não se admire, porque da nossa parte não ha senão a questão, de preferencia...

O sr. Quaresma: — É essa a questão de campanario.

O Orador: — Não é, permitta-me o illustre deputado, porque a nossa questão é que devemos primeiro votar uma linha sem subvenção do que com ella (apoiados).

Permitta-se que diga, sem com isto offender ninguem, é uma coincidencia galante, e bem de notar-se. No dia em que se apresentou n'esta casa este projecto vinham no caminho de ferro de Beja 30 passageiros, e no do norte, entre o Porto e Coimbra, 1:080! Aqui está a questão de campanario (apoiados); questão de preferencia. Um caminho para o norte faz-se sem subvenção, e póde-se garantir um juro, podem-se garantir 6 ou 7, que ha de dar 12 (apoiados).

O sr. Ministro das Obras Publicas: — Tambem já trouxe 300.

O Orador: — Isso foi um dia; foi um dia de festa esse, mas assim mesmo faz muita differença para 1:080; e muitos dias tem trazido 1 e 2 passageiros, emquanto que o do norte já um dia trouxe 2:000! (Apoiados.)

Ora, o que peço, e o meu nobre amigo, o sr. Sá Nogueira, é a continuação d'este caminho; não é um caminho novo. Ninguem póde contestar as vantagens d'este para aquelle caminho. No Alemtejo andam-se leguas e leguas sem se ver ninguem (apoiados).

O nobre ministro leu aqui os mappas das contribuições prediaes e pessoaes dos districtos da Beira e dos districtos do sul; mas talvez por esquecimento de certo não trouxe os dos districtos do Porto, Braga e Vianna.

Uma voz: — Não se trata agora d'isso.

O Orador: — Peço perdão. Se s. ex.ª vinha prevenido para alguns pedidos dos dignos deputados pela Beira, tambem podia vir igualmente prevenido para igual pedido dos deputados do Minho (apoiados). S. ex.ª podia contar comnosco com muita mais rasão, porque muita mais rasão temos para isso (apoiados). Não esquecia este pedido.

O que nós pedimos não são tres caminhos, mas um simplesmente. O que se pede n'aquella tira de papel é, sr. presidente, como v. ex.ª muito bem sabe, e todos nós sabemos, o complemento de um caminho de ferro (apoiados), que não póde, nem deve, ficar aonde está; e comtudo, e apesar de tudo, não temos podido ter força para o trazer aqui á discussão!

E, note-se bem, não é um contrato feito; é apenas uma auctorisação para habilitar o governo a poder contratar, esse caminho de ferro. O que é verdade é que este projecto veiu, discute-se, e o outro projecto que se acha ha tanto tempo sobre a mesa, ficou para o lado, e isto não obstante o nobre ministro já ter dito que o adopta, e que está prompto a aceitar a auctorisação para poder contratar o caminho de ferro do Trás os Montes, da Beira e do Minho.

Eu, depois de tudo isto, não posso de maneira alguma deixar do sujeitar a proposta, que tenho aqui e que se acha assignada por alguns illustres deputados que não podiam deixar de estar commigo (apoiados), á resolução da camara, a fim de que o projecto, por cuja discussão insto, se discuta e resolva logo depois d'este, mas precisamente logo depois, e hei de appellar para o nobre ministro das obras publicas e pedir-lha a sua comparencia n'esta casa. Peço perdão d'esta insistencia, mas desejo que este projecto se discuta logo depois d'aquelle de que se trata, visto que a camara não quererá que d'elle se trate na ausencia do nobre ministro, apesar mesmo de s. ex.ª declarar que o adopta, e haver já uma votação da camara a este respeito, como ha.

A minha proposta é positiva. É para que depois da votação d'este projecto se passe immediatamente á discussão desse que está sobre a mesa, e que o sr. ministro compareça para ser resolvido tão malfadado projecto. Repito, para que não hajam mais adiamentos a este respeito.

Sr. presidente, querem se os caminhos de ferro do norte e do sul; este para ser povoado o sul, e aquelle porque ha ali muita população. Não entro n'esta questão. O sr. Thomás Ribeiro, e me, amigo, disse muito bem, que servia de argumento para isto a falta de população ou a muita população; o menos desenvolvimento ou o muito desenvolvimento agricola e commercial. E notavel isto!

Tambem se disse n'esta occasião, para se mostrar a vantagem do caminho de ferro da Beira, que de lá vinham muitos trabalhadores para o Alemtejo. E do Minho não vão? (Apoiados.) D'onde são os lagareiros do azeite que vão para o Alemtejo? Eu sei d'onde elles vão; vão principalmente das localidades que aqui representam os meus illustres amigos, os srs. Pereira de Carvalho e Domingos de Barros, do Minho (apoiados).

(Interrupção que não se percebeu.)

Pois eu digo ao illustre deputado que me honrava tambem muito se da minha terra fossem d'estes trabalhadores para o Alemtejo; são honrados trabalhadores (apoiados). Mas eu quero dizer d'onde elles são. São de Vieira e de

Cabeceiras de Basto, que vão na occasião das colheitas do azeite para o Alemtejo. Portanto não se queiram só conduzir d'aqui com facilidade os que vão do Minho, conduzam se de lá com a mesma facilidade. Assim é que se póde povoar o Alemtejo, facilitando de toda a parte braços para ali.

Eu creio que os caminhos de ferro são, ou antes devem ser, feitos para onde ha gente, para onde ha commercio, industria e agricultura; são para onde pôde haver generos que transportar ou um grande movimento de passageiros. Ninguem, entendo eu, quer que haja um caminho de ferro e as locomotivas a voarem para conduzirem duas pessoas (apoiados). Portanto não tem paridade o argumento da maior necessidade d'elles aonde a população é muito menor.

Emquanto á questão das preferencias, creio que se não póde questionar tambem; é preferivel sempre o melhor, e o melhor é o do Minho, pelas rasões dadas.

Eu sei que entre nós o tempo não é cousa que valha nada. Vejo que se estão a citar sempre aqui os exemplos da Inglaterra; que se cita constantemente como modelo das sociedades a boa administração d'aquelle paiz e tudo quanto lá se faz, e não vejo que se ponha era pratica uma cousa que lá se tem em muita consideração, que é o tempo. Lá um minuto é uma cousa que se cão deve perder, porque os lords vêem que podem ter, como muitos têem, milhares de centos de réis de renda, e comtudo não podem desperdiçar a mais minima porção de tempo, que para elles é tudo, para nós não é cousa alguma.

Entre nós é cousa esta para que se não olha. Que este caminho venha d'aqui a um anno ou d'aqui a vinte annos é a mesma cousa; que o projecto se vote hoje ou d'aqui a dois ou tres annos é o mesmo, é cousa que pouco importa (apoiados), como venha um dia!

Disse o illustre ministro, depois de mostrar os encargos que já havia provenientes dos caminhos de ferro, e por este lado acompanho o nobre ministro e parece-me mesmo que a venda é boa; mas, repito, o nobre ministro, depois de mostrar os encargos que já pesam sobre o thesouro provenientes dos caminhos de ferro, disse que = se o paiz não podia com mais 900:000$000 réis de encargos em quatro annos, não podia com cousa nenhuma =; mas eu digo ao nobre ministro, que para o caminho de ferro do Minho, e não sei mesmo se para aquelles da Beira e do Porto á Regua, ninguem pede subvenção. Acredite o nobre ministro que ha de contratar sem ella, o do Minho com certeza; não carecemos d'ella, e isto, sr. presidente, porque a exploração ha de dar para tudo (apoiados).

Já vê portanto o nobre ministro, que possa ou não o paiz com os 900:000$000 réis, que isto não obsta a que façamos mais caminhos de ferro, e tantos quantos estiverem nas condições favoraveis e economicas d'este.

Não sei quem é o relator do projecto que se discute, porque nas assignaturas dos membros da commissão não vem essa declaração, mas pela collocação dos nomes parece-me que é o meu amigo, o sr. Placido de Abreu. Estimo muito que o seja, porque pertencendo o illustre deputado á provincia do Minho, e approvando e defendendo a construcção d'estas linhas que n'este projecto se propõe, não póde deixar de pugnar por aquella que nós pedimos e por que tanto instámos. S. ex.ª sabe perfeitamente que aquillo que nós dizemos é verdade, e que nenhum caminho de ferro póde ser tão util ao paiz como este. Não póde.

E s. ex.ª que não só vota, mas é o relator n'este projecto, não póde deixar de declarar isto, de fazer quanto possa para que não seja um sonho doirado o caminho ou caminhos de ferro do Minho, mas sim uma realidade — uma prompta realidade (apoiados). E não é tambem pela rasão de campanario, é pela rasão da justiça, pela rasão de ser. E note-se que não é mais do que o complemento de uma linha. Eu não posso estar aqui a repetir isto sempre, e o que outros têem dito igualmente mil vezes. Isto não é uma linha nova, é o complemento de uma já existente.

Desejava que sinceramente me respondessem a esta pergunta. Mas sinceramente, appello para os illustres deputados — a linha do norte póde ficar no Porto?

Vozes: — Não póde, não póde.

O Orador: — Então deve-se votar o projecto que está sobre a mesa de preferencia a qualquer outro, e a minha proposta é para que no fim da discussão d'este projecto se vote aquelles, que é, como todos nós sabemos, uma auctorisação ao governo para levar a linha do Porto ao centro da provincia do Minho ou á raia, emfim para fazer o caminho de ferro do Porto a Braga. E peço aos meus collegas das outras provincias que entendam, que eu não faço estas reflexões por desejar que ellas não tenham os mesmos melhoramentos, ou por má vontade a esses principios; bem longe d'isso, acreditem.

Eu fui o primeiro que disse, que o primeiro caminho de ferro que se devia fazer em Portugal era o da Beira; era o que, passando por Almeida, fosse ter ao reino vizinho (apoiados). Mas não sejamos nós victimas d'esse erro, se o foi. Se esse caminho se não fez, não foi de certo por culpa nossa, e escusado é dizer que eu não era ministro, nem o era nenhum deputado do norte. Não temos por consequencia culpa de que se fizesse essa injustiça. E a injustiça foi feita ao paiz, porque effectivamente era o caminho de ferro que devia ligar-nos com a Hespanha e com a França, mas é um mal que já não se póde remediar. Esqueçamo-lo antes.

Mando por consequencia a minha moção para a mesa, e peço ao nobre ministro que declare se sim ou não a aceita nos termos precisos em que ella vae concebida.

Não fiz largas considerações, não tomei demasiado tempo á camara, todos nós sabemos as vantagens que podem trazer os caminhos de ferro, e parece-me já uma pieguice estar aqui a demonstra-las, e mesmo, como principiei, direi, não suppuz que hoje nos occupasse a discussão d'este projecto.

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Não digo mais, é quasi pieguice, desculpe se me a palavra, estar hoje, estar ainda, a encarecer e mostrar as vantagens dos caminhos de ferro; estâo-no a dizer todos esses paizes que devem a elles a eua maxima prosperidade.

Mas os mais baratos primeiro. Primeiro os mais economicos e productivos=quem não semeia não colhe =: muito bem disse ha pouco o sr. ministro das obras publicas. É verdade, mas quem semeia em mau terreno tambem não colhe, ou colhe pouco, e enfezado e rachitico (apoiados), se é que nao perde a semente.

As qualidades, n'este caso, do terreno creio que são bem conhecidas... não podem enganar ninguem.

Deu a hora, termino portanto (apoiados).

Vozes: — Muito bem.

Mandou para a mesa a seguinte

PROPOSTA

Propomos que, depois da discussão d'este projecto, se passe á do n.° 146, do caminho de ferro do Porto ao Minho. = Visconde de Pindella = Pereira de Carvalho de Abreu = F. Manuel da Costa.

Ficou pendente.

O sr. Secretario (Miguel Osorio): — A commissão de redacção não fez alteração alguma á do projecto n.° 83. Vae ser expedido para a outra camara.

O sr. Presidente: — A ordem do dia para ámanhã é a que está dada.

Está levantada a sessão.

Eram quatro horas da tarde.

Discurso que devia ser transcripto a pag. 1405, col. 1.ª, lin. 58, do Diario de Lisboa, na sessão de 3 de maio

O sr. R. Lobo d'Avila: — Sr. presidente, vou occupar me de um objecto que julgo de manifesto interesse geral, e a que por isso ligo a maior consideração, confiando desde já que a camara com a sua costumada benevolencia me concederá alguns momentos de attenção.

Folguei em ouvir as acertadas considerações que meus illustres collegas acabára de fazer sobre o ensino profissional, e como elles as referiram em geral a todas as industrias, eu limitar-me-hei pela minha parte apenas á agricultura.

As considerações que vou fazer serão resumidas por causa do meu pequeno cabedal de conhecimentos e pouca pratica de fallar n'esta casa; oxalá, e com isso ficarei contente, que ellas ao menos sirvam de incentivo ás pessoas illustradas que compõem esta camara, para commigo advogarem com a robustez dos seus argumentos os interesses da mais nobre das artes, de todas base, e a quem pessoa alguma ousará negar os fóros de princeza. «A agricultura, diz um nosso illustre escriptor, a velha e robusta mãe dos povos, auxiliada dos seus incansaveis primogenitos, industria o commercio, é a bem feitoria por excellencia, a compensadora unica das differenças das regiões; a expressão maxima da divina munificencia, e o mais claro documento da nossa social destinação; qualquer sciencia, qualquer arte supprimida deixaria uma falta, mais ou menos para sentir, mas a falta de agricultura desataria de repente a sociedade e dentro em pouco extinguiria o proprio homem». São bem verdadeiras e sentenciosas estas expressões, e sobre ellas deverão mais maduramente, do que até aqui, pensar os poderes publicos do nosso paiz.

Tres são as causas principaes, alem de outras, relatadas pela nossa historia patria, que têem difficultado o progresso d'esta fonte abundantissima da nossa riqueza. Vem a ser a falta de instrucção, a falta de capitães e a falta de legislação agricola.

Sobre todas direi alguma cousa.

Pareceu me muito acertada a observação ha pouco apresentada pelo nobre ministro das obras publicas, quando disse = que não era só conveniente apresentar idéas, que era tambem necessario lembrar os meios de as pôr em pratica no paiz =.

Vou pois dizer alguma cousa, não só em relação á utilidade da instrucção agricola, mas á maneira porque deveria ser posta em pratica no paiz. Não apresentarei idéas novas, porque não farei mais do que citar o que se faz nos outros paizes mais adiantados, e o que já em grande parte poderia estar estabelecido no nosso, se fossem levadas a effeito as leis, e não se tivesse descurado um pouco de um dos mais importantes ramos da riqueza publica.

Diz um escriptor que = a instrucção é para a vida o desenvolvimento dos povos, o que para a vida e crescimento das plantas é a luz solar =. Deite-se á terra uma planta, prestem-se-lhe todos os cuidados, não se lhe falte com a agua e os adubos necessarios; se lhe roubarem porém a luz solar, ella definha, estiola se e morre.

Da mesma sorte em qualquer paiz, por melhor estado em que estejam as suas finanças, por melhores vias de communicação que tenha, por mais sabias que sejam suas leis, se se não proporcionar a instrucção ás differentes classes d'esse paiz, o seu progresso ha de ser muito pouco ou nenhum talvez.

Por consequencia uma das necessidades principaes para o progresso agricola é sem duvida a instrucção.

É pena que os governos tenham curado tão pouco d'esta tão nobre, util e talvez para o nosso paiz o mais esperançoso de todos os ramos de industria — a agricultura (apoiados).

Se os governos desde ha muito tivessem prestado a este importante ramo de riqueza publica a devida attenção, de certo nós não estariamos hoje no estado de atrazo em que infelizmente estamos com relação a outros paizes.

Se percorrermos a nossa historia em differentes reinados, veremos as differentes phases por que tem passado a nossa agricultura. Ali veremos no tempo de D. Diniz estabelecerem-se leis que muito concorreram para o desenvolvimento da agricultura n'aquella epocha; assim, para que o filho de algo não perdesse o fôro, era necessario que lavrasse a sua terra, etc.

Seguiu-se-lhe o reinado de D. Pedro I, e já ahi a agricultura, apesar de algumas leis salutares estabelecidas por este principe, começou em decadencia.

No reinado de D. João I as guerras que tivemos com Castella, e depois o estabelecimento de colonias em differentes partes, tiravam os braços á agricultura do paiz, para irem procurar fóra riquezas que estavam por explorar na mãe patria, emfim tudo isto contribuía para que cada vez mais se desprezasse a nossa agricultura.

No tempo de D. Affonso V milhares de pessoas iam morrer nas plagas africanas, trocando por uma gloria ephemera a tranquillidade e a paz dos campos, preferindo manejar antes o pelouro e a lança do que a enchada e o arado.

No reinado de D. João II algumas outras causas se deram, em tudo contrarias ao que convinha ás praticas agricolas, como foi, por exemplo, a mudança de plantação de cereaes pela de vinhedos, em rasão do grande consumo que os nossos vinhos tinham nos paizes conquistados; o que resultou d'aqui foi que tendo até ali Portugal dentro em si não só o necessario para a sua alimentação, mas exportando mesmo todos os annos uma avultada quantidade de cereaes, d'ali por diante tinha de importar muitos moios por grossas sommas, e muito mais avultadas do que as que recebia da venda dos vinhos.

No reinado de D. Manuel, os thesouros abertos por Pedro Alvares Cabral e Fernando de Magalhães, vieram introduzir no paiz o luxo e o desamor pelo trabalho, afastando o povo das condições para que o paiz mais se lhe proporcionava. Por consequencia essas immensas riquezas em vez de fazerem um bem real fizeram-nos mal, e quando muito proporcionaram-nos um engrandecimento passageiro e em grande parte ataviado de ouropeis. Como muito bem diz o sr. Rebello da Silva — todos os thesouros encontrados não valeram uma habil charrua; e effectivamente todas essas riquezas, longe de nos aproveitarem, prejudicaram-nos pelo seu mau emprego.

E verdade que o pendão portuguez tremulou gloriosamente em muitas terras longiquas, mas, comquanto assim acontecesse, o paiz, longe de enriquecer, materialmente fallando, empobrecia cada vez mais. Adoptou-se o systema mercantil e abandonou-se a agricultura, e quando todos imaginavam que era no dinheiro que consistia a principal riqueza das nações, e que só d'ahi podia provir a felicidade de Portugal, elle ía cada vez em maior decadencia.

Alem das causas que deixâmos apontadas nos differentes reinados e que muito contribuiram para o atrazo da nossa agricultura, não será fóra de proposito mencionar como principaes —a creação dos morgados, das capellas, a amortisação dos bens das ordens religiosas, as doações dos bens da corôa, a expulsão dos judeus, e emfim algumas outras que por agora deixaremos de mencionar.

Não faltaremos nos tempos calamitosos do reinado de D. Sebastião, nem dos sessenta annos da dominação estrangeira, e passaremos para tempos mais felizes.

No reinado de D. José apparece o grande marquez de Pombal, e se ha alguns factos e usos do seu tempo que não podem justificar-se nem serem adoptados na epocha actual, não ha duvida comtudo de que Portugal deve muito á sua memoria pelo impulso que deu ás artes e á industria (apoiados).

Veiu depois a constituição de 1820 e a gloriosa restauração de 1834, e d'ahi começou uma epocha um pouco mais favoravel para a agricultura; estabeleceram se algumas escolas, tentaram-se alguns melhoramentos, porém isto tudo em tão pequena escala que se póde dizer é nada com o que era mister fazer, e com o que se tem praticado nos outros paizes.

Ao passo que em todos os paizes da Europa, desde a Hespanha até á Russia, se tratava com o maior afan dos interesses da agricultura, offereciam-se ao observador dois pontos negros n'este horisonte tão cheio de esperanças, um ao oriente, outro ao occidente, onde reinava a maior indifferença por uma arte por todos considerada como canal certo para a abundancia e riqueza das nações; Portugal e a Turquia, eis os dois pontos negros que offuscavam tão brilhante quadro, quando deveria ser pelo menos aquelle o primeiro a dar o exemplo aos outros paizes por se achar a quasi todos os respeitos em melhores circumstancias para o fazer.

Em França os palacios de Luiz XIV eram convertidos em institutos agricolas, e os bons parques em grandes quintas exemplares ou experimentaes, as escolas eram derramadas por todo o paiz, o gosto das praticas agricolas era incutido por todas as camadas da sociedade franceza, emfim não eram poupados esforços alguns para engrandecer e constituir em solidas bases a agricultura.

Nos Estados Unidos, na Hespanha, e por todos os outros paizes tambem se não descuidavam d'este tão louvavel como proveitoso empenho.

Em 1844 estabeleceram-se entre nós duas escolas agricolas; votou-se-lhes apenas 1:800$000 réis, ao passo que o pequeno estado de Wurtemberg, que tem apenas metade da população de Portugal, votava para a agricultura réis 130:000$000, ao passo que a França votava para a agricultura 2.500:000 francos que correspondem a 400:000$000 réis. Entre nós deveriam ser pelo menos votados 40:000$000 réis, pois é o que proporcionalmente nos cabia, feita a comparação da verba franceza.

A Inglaterra, diz John Sinclair e João Baptista Lay envolvida na guerra contra Napoleão I, ameaçada de um bloqueio continental, mostrava entretanto no seu interior a prosperidade e riqueza. A explicação d'isto está no cuidado e attenção que mereceu sempre á Inglaterra a agricultura, e os immensos recursos que d'ella recebia.

Na agricultura podem considerar-se tres partes distinctas. A sciencia, a arte e o officio, o que é conforme com o que estatue o decreto de 12 de dezembro de 1852. A estas differentes partes correspondem as escolas normaes, regionaes e primarias. E escola normal, aonde se deve ensinar a sciencia, os principios absolutos da sciencia agricola; e muita gente se ri quando se falla da sciencia agricola, porque entende que á agricultura apenas se lhe devem conceder os fóros da arte, mas nunca elevar-se á altura da sciencia. Parece-me um engano; e talvez hoje quem tenha lido ainda que bem pouco de agricultura, ha de seguir opinião diversa (apoiados). Quem tiver conhecimento dos beneficos resultados que a chimica, a physica, a geologia e a mineralogia têem prestado a agricultura, de certo se convence da necessidade e utilidade da sciencia agricola. Com effeito é por meio da sciencia que vamos explicar a rasão de certas praticas agricolas, é por ella que se demonstra a sua utilidade, é emfim por meio d'ella que se melhoram essas mesmas praticas que, deixadas entregues á rotina, terão sempre os mesmos defeitos e os mesmos inconvenientes. É a chimica que nos explica a rasão de ser das lavouras, e quaes os principios necessarios ás plantas que por este meio são tirados á atmosphera.

No principio d'este seculo ignorava-se como as plantas viviam, como os adubos lhes aproveitavam, não se sabia quaes os estimulantes, quaes os correctivos que de preferencia se deviam empregar nos terrenos conforme suas differentes qualidades. Foi a chimica que nos veiu mostrar as vantagens das queimadas eu borralheiras, foi ella emfim que veiu destruir completamente a erronea pratica dos pousios, porque estudando a natureza dos terrenos e das plantas, examinando pela inconcração os principios contidos n'ellas descubriu que as plantas não se nutrem todas á custa dos mesmos elementos, e por isso contendo-se tambem elementos diversos em qualquer terreno, este não tem necessidade de descansar, mas póde produzir sempre, e para isso basta variar as culturas n'esse mesmo terreno; eis a theoria dos afolhamentos. Foi por meio da chimica que se descobriu o importante papel que representava, na fertilidade de qualquer terreno, o emprego da cal, que, combinando se com o acido carbónico da atmosphera, formava o carbonato de. cal, sal de immensa utilidade para a vida e desenvolvimento das plantas.

São portanto muitas as vantagens do estudo da sciencia agricola, e para o demonstrar, alem dos argumentos apresentados, basta apontar o que se pratica nas outras nações da Europa. Olhemos para a França, o ahi veremos um grande numero de institutos agricolas, tanto de instrucção superior, como secundaria; por exemplo, a quinta exemplar de Roville, creada por Dombasle, o instituto real de Grignon, o instituto normal de Versailles, etc. etc.

Ora, a sciencia agricola, por si só, não é sufficiente, é preciso que se estabeleçam as escolas regionaes, é isso que vem completar o ensino agricola. Escolas regionaes distribuidas nos differentes districtos administrativos, aonde se ensine a arte, aonde se ensine a applicação dos principios estabelecidos nas escolas normaes, e ao mesmo tempo aonde se accommodem os principios absolutos da sciencia ás condições variaveis da pratica, e mesmo adaptando o ensino ás differentes regiões agricolas do paiz; assim, por exemplo, seria conveniente, no Algarve e nas ilhas, tentar-se especialmente da aclimação de plantas exoticas no Minho, da creação dos gados e cultura de prados em certas partes das Beiras, da silvicultura, etc. etc.. Para isso seria util e conveniente haverem quintas exemplares, aonde se fosse buscar o exemplo das melhores culturas e das mais apropriadas aos differentes terrenos. Alem das escolas regionaes podem haver ainda as escolas primarias onde se ensinassem os principios mais rudimentares da arte e sciencia agricola, e a_ parte puramente mechanica.

E isto tudo que devia haver no nosso paiz, que ha nas outras nações, e de que se tem colhido os melhores resultados. Entre nós alguma cousa já ha, porém é nada para o que deveria ser, e é mister que se faça.

Deve portanto o governo attender quanto possivel para os melhoramentos agricolas, porque d'elles dependem principalmente a riqueza, o desenvolvimento e engrandecimento do nosso paiz.

Deve concorrer o mais possivel para a formação de sociedades agricolas que, espalhadas por differentes partes do reino, se occupem em fazer a estatistica do estado da agricultura, e de estudar a maneira de a melhorar; e de tudo o que observarem fazer um relatorio circunstanciado que, sendo remettido a uma sociedade central que deverá haver na capital e que deverá constar de abalisados homens da sciencia, elles collijam os factos e apresentem ao governo a sua opinião ácerca do que for mais importante fazer para o progresso da nossa agricultura.

A falta de capitaes, a falta de credito agricola, é sem duvida tambem uma das causas que mais concorre para o atrazo da agricultura entre nós.

Libertar a charrua da usura, diz o conde de Gasparin, igualar no tocante aos capitães a condição do trabalho agricola á das outras industrias, é o maior serviço que um ministro póde prestar ao seu paiz.

E sem duvida só assim é que o lavrador poderá bemfeitorisar suas terras, prover-se dos gados necessarios e de

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uma boa alfaia rustica, bem amanhar suas terras, e emfim concorrer quanto possivel para obter uma boa colheita.

O problema da fundação do credito rural está apenas em dar toda a autenticidade á hypotheca, isto é, haver toda a certeza do seu valor, dos seus onus e do seu verdadeiro dono. Resolvido este problema, de certo os capitaes procurarão a agricultura de preferencia a qualquer outra industria e principalmente ao commercio, onde a garantia é quasi sempre moral, ao passo que na agricultura é real, é fundada no penhor ou hypotheca.

Ora, as principaes condições para que o credito possa prosperar são a segurança para o credor e o juro modera do para o devedor, uma é consequencia da outra, portanto logo que a garantia seja bem conhecida estão satisfeitas ambas estas condições.

E para isso é indispensavel um bem estabelecido registo de hypothecas, para o que muito concorrerá a instituição do cadastro.

Ora, se o credito rural e individual offerece já grandes vantagens para a agricultura, muito maiores ainda as offerece o collectivo ou a formação de bancos ruraes.

Imitemos n'este ponto o que se passa na Prussia, na Belgica ou na Escocia, etc. Podia se crear em Lisboa um grande banco rural para as provincias do sul, outro no Porto para as do norte, e ambos com caixas filiaes dispersas por diversas partes do reino. Sem duvida onde poderiamos com mais vantagem ir buscar o exemplo da organisação d'estes bancos, era á Banque Foncière, da Belgica.

Este banco empresta sobre hypothecas de bens de raiz, - tres quartos do valor da hypotheca, e o devedor paga em prestações annuaes o juro e a amortisação do emprestimo no praso em que mais lhe convem. As immensas utilidades que offerece este systema são bem visíveis para que seja mister enumera-las.

Alem d'isto poderia o banco tambem addicionar a si uma escola de agricultura com uma quinta exemplar, pois d'ahi lhe não proviria senão bem dentro de pouco, ainda que porventura em principio tivesse de fazer algum sacrificio.

Assim se, por exemplo, o capital posto em giro era de 1.000:000$000 réis a 6 por cento, aqui tinhamos um dividendo de 60:000$000 réis, do qual bastaria deduzir uma vigesima parte ou 3:000$000 réis para a conservação da escola.

Ora, este vigesimo que o banco tirasse de seus lucros, iria de certo por outra parte augmenta-los uma quarta ou quinta parte, por causa do impulso que aquella instituição iria dar á agricultura.

Por ultimo, um codigo rural era tambem de summa necessidade para o progresso agricola, uma legislação que facilitasse o mais possivel e assegurasse as transacções agricolas. E para isto bastar-nos-ia ir buscar o exemplo á nossa vizinha Hespanha, onde existe um codigo rural, talvez o mais antigo de todos, e d'onde aquella nação tem tirado os melhores resultados.

Emfim, seria o mais conveniente possivel procurar por todos os meios crear no nosso paiz o gosto pela vida dos campos, e fazer desapparecer esta especie de desgosto que existe nos nossos lavradores, e que faz com que vejamos frequentes emigrações dos campos para as cidades e mesmo para a America.

Fazer-lhes, quanto possivel, crear amor pela vida campestre, ainda quando para isso fosse necessario conceder-lhes algumas isenções principalmente na lei do recrutamento, para o que elles em regra tem o maior horror.

Proteger a lavoura quanto possivel, porque n'esse caso seria enriquecer o paiz.

Parece-me portanto que muito lucrariamos todos, e que muito se ennobreceria o ministro que tomasse o exemplo de um Sully ou Pombal; o principe que quizesse o cognome de um D. Diniz, e o parlamento que quizesse a gloria do parlamento inglez, quando por duas vezes votava uma indemnisação a Bakewel, que tinha arruinado a sua fortuna querendo dotar o seu paiz das melhores raças de gados.

Emfim concluo, porque receio abusar da benevola attenção da camara, citando as palavras de um nosso escriptor: «Não ha mais caudal fonte de prosperidade para o nosso paiz do que a terra regada pelos suores do lavrador, adubada pelas lições da experiencia e fomentada pelos influxos da sciencia».

Vozes: — Muito bem, muito bem.

PARECER

U

A commissão de petições, tendo examinado com a devida circumspecção o requerimento em que D. Maria Thoribia de Mello e Castro, D. Maria do Patrocinio de Mello e Castro e D. Francisca de Mello e Castro, filhas legitimas de Antonio de Mello e Castro, capitão que foi do regimento de infanteria n.° 23, pedem uma pensão de sangue em attenção aos relevantes serviços que aquelle seu pae prestára á causa da liberdade; é de parecer que não pertencendo, segundo a legislação em vigor, o decretamento de pensões ao corpo legislativo, seja este remettido ao governo para o tomar na consideração que merecer.

Sala da commissão, 25 de março de 1864. = Francisco Manuel da Gosta = Fortunato de Mello = Manuel Alves Martins de Moura = Manuel José de Sousa Junior = Bernardo José de Almeida e Azevedo = Guilherme Augusto Pereira de Carvalho e Abreu.

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