O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

SESSÃO DE 25 DE MAIO DE 1885 1779

o perigo de uma bancarota, ou grandissimos perigos, que seja preciso conjurar, então, em nome da salvação publica, entendo eu que este imposto não se desculparia, mas poderia, pelo menos, tolerar-se provisoriamente. (Apoiados.)
Agora, insistir-se na affirmativa de que somos um paiz financeiramente bom administrado, que somos um paiz rico e prospero, e ao mesmo tempo lançar mão de um imposto que a moral condemna e a economia política reprova, e uma anomalia que não comprehendo, nem sei explicar. (Apoiados.)
Sobre loterias direi pouco, porque o illustre relator disse quasi tudo. (Apoiados.)
Mas, sempre quero dizer a camara as impressões que me resultaram de duas coincidencias historicas em relação a este imposto, porque me parece que essas reminiscencias são de molde a poder invocar-se n'esta discussão.
Sabe a camara e o illustre relator do parecer em discussão, que o imposto sobre loterias em França teve propriamente uma organisação definitiva no reinado de Luiz XV. Pode dizer-se que a organisação que se deu ao imposto sobre loterias, n'aquelle reinado, foi aquelle que por espaço de oitenta annos prevaleceu na França.
Mas o imposto sobre as loterias n'aquelle tempo, a sua organisação definitiva, tem uma explicação facil. A França tinha diante de si a bancarota; não podia surprehender que lançasse mão de recursos extremes, violentos e immoraes. Tudo alem disso, era permittido naquelle reinado verdadeiramente crapuloso; são d'elle as celebres lettres de cachet, o pacte de famine etc.
É por isso que um publicista notavel diz que a historia das immoralidades e devassidões daquella epocha se accrescentou mais um capitulo, a historia das immoralidades das loterias. (Apoiados.)
Estabelecer porem este imposto em Portugal, e estabelecel-o o actual sr. ministro da fazenda, que nos affirma somos um povo felicissimo, que todos os dias proclama, que é excellente o estado economico do paiz, e desafogada a situação financeira, caso e para grandes admirações.
Insisto n'estes factos e n'estas rasões, porque a contradicção é flagrante.
Devo lembrar ao sr. ministro da fazenda, que o ministro francez d'aquelle tempo, o abbade Terray não tinha escrupulos; e ainda menos dissimulações.
Sabe s. exa. quaes eram as maximas d'este ministro? Resumiam-se em duas: a primeira, que o povo era uma esponja que convinha apertar; e era a segunda, le Roi est le maitre; la nécessité justifie tout. O nobre ministro repelle estas maximas? Mas então seja coherente e franco, repellindo as normas de governo, que lhe são proprias.
Então, digo eu, nada mais logico do que estabelecer o imposto das loterias; mas em Portugal, em 1885, onde não ha senão prosperidades, onde não ha senão venturas e engrandecimentos, eu não comprehendo como se innova um imposto tão immoral, e por isso condemnavel.
Ha outra coincidencia historica que confirma o juizo critico do illustrado relator, e para a qual chamo a attenção da camara.
Notou-se em França que, a proporção que ali eram prohibidas as loterias, as caixas economicas, protegidas pela lei, e que offereciam ao povo meio facil, seguro e moral de collocarem as suas economias, obtiveram notavel desenvolvimento.
O legislador fechava a porta á municipalidade, e abria a porta a estabelecimentos cujos resultados beneficos todos preconisam, e todos reconhecem.
As providencias do governo, para pôr termo a esse jogo desmoralisador, deram em resultado o augmento de instituições beneficas. (Apoiados.)
É para lamentar que o sr. ministro da fazenda apresente o projecto de lei tendente a organisar as caixas economicas, e ao mesmo tempo o projecto em discussão, que inutilisa aquelle. (Apoiados.)
Não ha desmentido mais solemne, quer aos principios, quer á historia.
As loterias são uma excitação as peiores paixões, e por isso são immoraes; condemna-as a economia politica, que não admitte em regra industrias aleatorias, e não pode a boa sciencia de governar toleral-as, porque este não pode consentir abertas escolas de desmoralisação, que attrahem particularmente os pobres, que lhes engana a credulidade, e que os transporta da miseria ao desespero. (Apoiados.)
Sobre este assumpto não posso esquecer o juizo critico de um economista distincto, J. B. Say, e se as suas palavras fizessem perante a camara a mesma impressão que produziram no meu espirito e na minha consciencia, a sorte d'este projecto não seria duvidosa.
Este notavel economista disse o seguinte:
«Os legisladores que sanccionam um imposto igual, (loterias) votam um certo numero de roubos e suicidios todos os annos. Não ha algum pretexto de despeza que auctorise a provocação ao crime.»
Parece-me, pois, que e inutil inquirir de melhores rasões para condemnar similhante imposto.
É necessario, que não nos illudamos; é necessario que saibamos que ninguem se illude já. (Apoiados.)
Estas contradicções são palpaveis, causam lastima, e todos as comprehendem.
Por um lado avolumamos as nossas prosperidades, o exaltamos a nossa situação financeira.
Chega a realidade, e que observamos?
Orçamentos rectificados com despezas de 40.000:000$000 réis, e um deficit monstruoso, e que promette devorar-nos.
A esta triste realidade, depara-se-nos outras: innovâmos impostos anti-economicos, immoraes e anti-politicos, e que só se podem desculpar para evitar a maior das vergonhas, a maior das immoralidades, a bancarota. (Apoiados.)
Pois estas considerações podem illudir pessoa alguma?
Mas um imposto que é tudo isto, poderá ao menos concorrer efficazmente para melhorar a situação do thesouro?
Poder-se-hão conseguir, por meio d'este imposto, as dezenas de réis, (100:000$000 réis approximadamente) que o sr. ministro da fazenda calcula?
É o lado pratico da questão.
Tenho a convicção profunda, de que o governo fica com a responsabilidade odiosa d'este projecto, que e grande, sem conseguir as vantagens apregoadas.
A demonstração é facil.
No relatorio do governo e no relatorio da commissão de fazenda, ha pleno accordo em se asseverar que, apesar de todo o rigor das leis, o contrabando das loterias, especialmente das loterias hespanholas, não se tem podido evitar, e até se affirme que é um facto geral, de todos os dias, como se não houvera contra elle leis repressivas, e auctoridades encarregadas de as applicar.
É realmente doloroso que num relatorio do governo se declare que todos os executores da lei são impotentes para impedir a fraude e os crimes.
É realmente lamentavel, mas está escripto, e é o governo que o escreve.
O contrabando das loterias, diz-se, é um facto consumado. Todas as disposições até hoje tomadas, quer pelo parlamento quer pelo poder executivo não têem tido a força nem a efficacia do evitar esse contrabando. (Apoiados.) Logo diz o ministro da fazenda, legitimemos esse contrabando, façamos d'elle uma cousa licita e aufiramos d'aqui alguns lucros para o estado.
Em primeiro logar, direi ao governo, que é má theoria suppor que a lei legitima o que é de si mau e immoral; e em segundo logar, parece uma crença infantil deduzir da inefficacia das leis a conveniencia de capitular com o vicio e com as paixões.
Fazendo o confronto de toda a legislação antiga e actual