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SESSÃO NOCTURNA DE 20 DE JULHO DE 1887

Presidencia do exmo. sr. José Maria Rodrigues de Carvalho

Secretarios os esmos. srs.

Francisco José de Medeiros
José Maria de Alpoim Cerqueira Borges Cabral

SUMMARIO

Dois officios, um do ministerio do reino e outro do da fazenda, acompanhando, informados, alguns projectos de lei. - Segunda leitura e admissão de dois projectos de lei, apresentados, um pelo sr. Pereira Borges e outro pelo sr. Simões Ferreira. - Apresenta um parecer da commissão de administração publica o sr. Albano de Mello.
Na ordem da noite continua em discussão o projecto de lei n.º 186, reforma da pauta, usando em primeiro logar da palavra, que lhe ficára reservada da sessão diurna, o sr. D.º José de Saldanha. - São admittidas as propostas que mandou para a mesa. - O sr. Augusto Fuschini, entendendo que não era possivel estudar-se em quarenta e oito horas, desde a distribuição do projecto, uma questão tão grave, como era a das pautas, propõe o adiamento para a futura legislatura. - Combate a proposta e responde a algumas considerações do orador precedente o sr. ministro das obras publicas. - Replica-lhe o. sr. Augusto, Fuschini, que fica ainda com a palavra reservada para a sessão immediata.

Abertura da sessão - Ás nove horas e um quarto da noite.

Presentes á chamada 64 srs. deputados. São os seguintes: - Albano de Mello, Alfredo Brandão, Alfredo Pereira, Antonio Candido, Oliveira Pacheco, Guimarães Pedrosa, Antonio Maria de Carvalho, Pereira Carrilho, Simões dos Reis, Santos Crespo, Miranda Montenegro, Lobo d'Avila, Eduardo José Coelho, Elizeu Serpa, Emygdio Julio Navarro, Goes Pinto, Feliciano Teixeira, Matoso Santos, Francisco Beirão, Francisco de Barros, Francisco Matoso, Francisco Machado, Francisco de Medeiros, Lucena e Faro, Gabriel Ramires, Sá Nogueira, Pires Villar, Cardoso Valente, Franco de Castello Branco, Dias Gallas, Menezes Parreira, Teixeira de Vasconcellos, Rodrigues dos Santos, Sousa Machado, Correia Leal, Alves Matheus, Oliveira Martins, Simões Ferreira, Jorge de Mello (D.), Alves de Moura, Barbosa Cullen, Pereira e Matos, Ruivo Godinho, Abreu Castello Branco, Laranjo, Figueiredo Mascarenhas, Vaaconcellos Gusmão, Alpoim, José Maria de Andrade, Barbosa de Magalhães, Rodrigues de Carvalho, José de Saldanha (D.), Santos Moreira, Julio Graça, Poças Falcão, Manuel Espregueira, Manuel, José Correia, Marçal Pacheco, Marianno de Carvalho, Marianno Prezado, Matheus de Azevedo, Miguel Dantas, Estrella Braga e Visconde de Silves.

Entraram durante a sessão os srg.: - Moraes Carvalho, Mendes da Silva, Alves da Fonseca, Antonio Centeno, Antonio Villaça, Ribeiro Ferreira, Antonio Ennes, Gomes Neto, Pereira Borges, Tavares Crespo, Fontes Ganhado, Jalles, Urbano de Castro, Augusto Fuschini, Augusto Ribeiro, Victor dos Santos, Madeira Pinto, Estevão de Oliveira, Fernando Coutinho (D.), Almeida e Brito, Fernandes Vaz, Francisco Ravasco, Soares de Moura, Severino de Avellar, Guilherme de Abreu, Candido da Silva, Vieira de Castro, Silva Cordeiro, Joaquim da Veiga, Ferreira Galvão, Santos Reis, Julio Pires, Julio de Vilhena, Manuel José Vieira, Brito Fernandes, Miguel da Silveira, Pedro Monteiro, Tito de Carvalho e Vicente Monteiro.

Não compareceram a sessão os srs.: - Serpa Pinto, Anselmo de Andrade, Sousa e Silva, Antonio Castello Branco, Baptista de Sousa, Campos Valdez, Moraes Sarmento, Mazziotti, Barros e Sá, Hintze Ribeiro, Augusto Pimentel, Bernardo Machado, Conde de Castello de Paiva, Conde de Villa Real, Eduardo de Abreu, Elvino de Brito, Freitas Branco, Firmino Lopes, Castro Monteiro, Frederico Arouca, Guilhermino de Barros, Sant'Anna e Vasconcellos, Casal Ribeiro, Baima de Bastos, João Pina, Scarnichia, Izidro dos Reis, Souto Rodrigues, Santiago Gouveia, João Arroyo, Alfredo Ribeiro, Oliveira Valle, Joaquim Maria Leite, Jorge O'Neill, Amorim Novaes, Avellar Machado, José Castello Branco, Ferreira de Almeida, Dias Ferreira, Elias Garcia, Pereira dos Santos, Guilherme Pacheco, José de Napoles, Ferreira Freire, Oliveira Matos, José Maria dos Santos, Simões Dias, Pinto de Mascarenhas, Abreu e Sousa, Lopo Vaz, Mancellos Ferraz, Vieira Lisboa, Luiz José Dias, Bandeira Coelho, Manuel d'Assumpção, Pinheiro Chagas, Pedro Victor, Sebastião Nobrega, Dantas Baracho, Visconde de Monsaraz, Visconde da Torre, Wenceslau de Lima e Consiglieri Pedroso.

Acta - Approvada.

EXPEDIENTE

Officios

Do ministerio da fazenda, devolvendo, informados, os projectos de lei n.° 135-C, relativo á concessão de uma propriedade pertencente ao convento das Donas de Corpus Christi para residencia do parocho de Santa Marinha de Villa Nova de Gaia, e n.º 137-B, que diz respeito á concessão do convento de Sant'Anna da cidade de Vianna do Castello ao hospital de velhos e entrevados de Nossa Senhora da Caridade da mesma cidade.
Á commissão de fazenda.

Do mesmo ministerio, devolvendo, informado, o projecto de lei n.° 127-A, que tem por fim isentar da contribuição de registo, a herança de José Ribeiro Cardoso deixada á misericórdia de Vouzella.
Á commissão de fazenda.

Segundas leituras

Projecto de lei

Senhores. - D. Maria do Pilar e Sousa, filha de Manuel de Sousa Ferreira e de D. Seraphina Izabel Francisca, natural da villa de Loulé, districto do Faro, está hoje na avançada idade de setenta annos, e por conseguinte impossibilitada de grangear os meios indispensaveis para a sua subsistencia.
O pae d'esta senhora foi assassinado no dia 24 de julho de 1833 pelas guerrilhas miguelistas, a casa foi saqueada, e as suas herdades foram por tal fórma damnificadas, que sua mãe e filhos ficaram por este triste acontecimento muito prejudicados nos seus haveres.
Ignorava esta senhora as disposições das leis de 19 de janeiro de 1827, de 4 de abril de 1833, e de 9 de julho de 1867, que lhe garantem uma pensão de sangue, e por isso nem ella nem sua mãe requereram opportunamente o beneficio d'estas leis.
Agora, que as privações e os annos lhe tornam quasi impossivel a existencia, requereu, pelo ministerio da guerra, que lhe fossem applicadas as referidas leis, tendo demonstrado com documentos authenticos, hoje archivados n'este ministerio, que sou pae, por ter sido um cidadão honrado e ter prestado assignalados serviços á causa da

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liberdade, foi covardemente assassinado pelas guerrilhas miguelistas, e que não tem infelizmente os recursos necessarios para poder viver.
Como tivesse prescripto o praso dentro do qual devia ter reclamado o direito, que as leis lhe concediam, não teve o requerimento despacho favoravel.
Pelas considerações já expostas, e porque aconselham a rasão e os sentimentos humanitarios que se attenda a lastimosa e precária situação em que se encontra esta senhora, com uma providencia legislativa, que a ponha ao abrigo da fome e da miseria, tenho a honra de submetter ao vosso exame e approvação o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° É concedida a pensão annual vitalicia de réis 144$000 a D. Maria do Pilar e Sousa.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões, em 20 de julho de 1881. = Antonio José Pereira Borges.
Lido na mesa, foi admittido e enviado á commissão de fazenda.

Projecto de lei

Senhores. - Pelo decreto com força de lei de 3 de dezembro de 1868 foi extracto o conselho de saude publica do reino, passando as suas funcções deliberativas e consultivas a ser exercidas pela secretaria d'estado dos negocios do reino.
No artigo 58.° do mesmo decreto diz-se que "fica extincta a instituição vaccinica junto ao conselho de saude publicas", sendo commettido aos administradores dos concelhos o encargo de promover a propagação da vaccina, que deveria ser feita pelos facultativos de partidos municipaes.
Succedeu, porem, que nem o mencionado decreto nem legislação nenhuma posterior proveu no futuro destino dos funccionarios vaccinadores, que aliás tinham sido despachados por decreto do governo, tinham satisfeito os encargos legaes da mercê, da qual tinham carta regia em boa e de vida fórma.
E o governo entendeu de raslio e equidade que esses funccionarios continuassem a receber os seus vencimentos, aliás módicos, como realmente perceberam até 30 de junho de 1886, considerando-os addidos aos delegados de saude do districto, com os quaes entravam em escala para o serviço vaccinico.
A nova lei organica do municipio de Lisboa, tendo tornado o serviço vaccinico um encargo municipal, ainda não attendeu tambem ás circumstancias especiaes d'estes funccionarios a cargo do governo, e elles ficaram de novamente á mercê da equidade, funccionarios nominaes e sem retribuição, visto que o governo ficou sem auctorisação legal para lhes continuar os seus vencimentos, tendo saido o serviço de vaccinação das attribuições da administração geral do estado.
O projecto de lei que tenho a honra de vos apresentar em por fim supprir as faltas notadas na legislação vigente, e nomeadamente para um homem que nunca teve nem tem outro emprego da nação.
O cirurgião vaccinador Alexandre José da Silva Campos foi nomeado cirurgião supranumerario da instituição vaccinica, que n'esse tempo estava creada no governo civil de Lisboa, por portaria de 22 de dezembro de 1840, sendo mais tarde nomeado cirurgião vaccinador ordinario do conselho de saude publica por decreto de 17 de julho de 1858, nomeação de que tirou e possue a respectiva carta.
Está, pois, nas condições precisas que ficam expostas, e nem a justiça, nem a pratica auctorisam que assim se abandone um funccionario que entrou para o serviço da nação ha mais de quarenta e seis annos, e que a serviu com muito zêlo e muita utilidade, dedicando-se a um ramo de saber em que é hoje o primeiro no paiz, como tal conhecido apreciado, tanto pelos seus trabalhos vaccinicos, como pelos abundantes e interessantissimos relatorios que tem publicado, a expensas suas, e com notavel proveito da sciencia e do publico.
Pelo que creio cumprir um dever apresentando á vossa consideração o seguinte

Projecto de lei

Artigo 1.° É garantida ao cirurgião vaccinador do extincto conselho de saude publica do reino, Alexandre José da Silva Campos, a continuação do ordenado de réis 100$000, que percebeu, até 30 de junho de 1886, ficando obrigado á prestação dos serviços conformes á natureza d'aquelle cargo, que lhe sejam incumbidos pela secretaria d'estado dos negocios do reino.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões da camara dos deputados, em 18 de julho de 1887. = Joaquim Simões Ferreira, deputado da nação.
Lido na mesa, foi admittido e enviado á commissão de fazenda, ouvida a de saude publica.

ORDEM DA NOITE

Continuação da discussão do projecto sobre as pautas

O sr. D. José de Saldanha: - Sr. presidente, é costume, quando qualquer orador fica com a palavra reservada para a sessão do dia seguinte, ou para a sessão nocturna, fazer elle uma como que rezenha do que disse na sessão da vespera, ou na sessão diurna.
Eu não seguirei esse uso, por duas rasões:
Em primeiro logar, as considerações que fiz, procurei apresental-as com clareza sufficiente para, creio eu, ficarem bom explicitas as minhas idéas.
Em segundo logar, a resenha daria como consequencia o eu roubar tempo á camara, e eu desejo não roubar tempo á camara, mas fazer conhecidas da camara e do paiz as minhas opiniões sobre alguns dos assumptos a que a pauta se refere.
Debaixo da ordem de idéas que eu sigo, cumpre-me, como já o declarei, tratar de alguns dos artigos da nova pauta que se referem á industria, agricola, e por consequencia sou naturalmente levado a occupar-me da nossa questão magna, da questão agricola.
Peço desde já desculpa á camara, se me alongai um pouco nas considerações que vou fazer; mas eu entendo que se trata de uma questão magna para o paiz, e que por isso não póde ella deixar de ser discutida, ou pelo menos exposta com certa largueza.
Entendo, alem d'isso, que o ensejo é opportuno para o fazer, porque eu preciso demonstrar á camara o convencel-a, pelo menos até onde a possa convencer, já que esta questão é uma questão aberta, de que a nossa questão agricola não se resolve só pela sciencia.
Para a resolver, ou pelo menos para procurarmos resolvel-a e conjurar a crise agricola, e indispensavel fazer entrar em linha de conta todos os factores de que ella depende, e um desses factores é inquestionavelmente a questão das pautas.
A questão, agricola é uma questão complexa, é uma questão que póde tornar-se irritante. Entendo que todos nos devemos desviar d'este campo.
Sr. presidente, afianço a v. exa., afianço á camara, e ao paiz, que eu hei, de procurar desviar d'essa orientação o meu espirito, e que, pelo contrario, procurarei tratar da questão por modo a não a tornar irritante.
A questão pautal não póde deixar do estar ligada com a questão agricola, e basta a este respeito lembrar que muitos se não a maioria, dos artigos da pauta se referem a productos de origem agricola,.
A este respeito perguntarei o seguinte, do que serviriam os nossos melhoramentos materiaes, de que serviria a nossa

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viação, tanto accelerada como ordinaria, se as disposições da pauta viessem a destruir, a industria agricola do paiz?
N'este caso, segundo o meu modo de ver, de nada serviriam.
É esta mais uma rasão para eu chamar a attenção da camara para a questão das pautas.
Direi mais ainda.
Todos os individuos, que n'esta camara votarem o projecto de lei que está em discussão, hão necessariamente de assumir, perante o paiz, a grandissima responsabilidade do seu voto individual ou collectivo.
O projecto que está em discussão é importantissimo, porque toca com tudo e com todos, e a sua importancia sobe de posto quando tambem considerâmos que se trata da pauta do nosso paiz, de um paiz em que a vida e já carissima.
Eu poderia alongar-me em considerações, que aqui teriam, e bem, todo o cabimento, mas limito-me unica e exclusivamente a affirmar, como acabo de o fazer, que em Portugal, não só a alimentação é cara, mas tambem o vestuario, é que a vida é geralmente carissima.
Desde o momento em que se reconhece que, debaixo d'estes pontos de vista, se attingiu uma meta, alem da qual não é permittido passar, corre o dever de tratar da questão das pautas com toda a seriedade.
Mas ha mais.
A responsabilidade d'esse estado de cousas, estado lamentavel para nós todos para o paiz, não cabe a este governo, e pelo menos não cabe só ao partido que, elle representa.
A responsabilidade d'esse desgraçado estado cabe a todos os governos, que têem precedido o actual na nossa governação publica.
A responsabilidade de todos esses governos é tanto maior, quanto é certo, ninguem o contesta que o povo portuguez é caracterisado pela docilidade da sua indole, e pela sua facil sujeição a tudo quanto provém, do principio de auctoridade.
Por exemplo, em materia de impostos, todos sabemos que o seu pagamento, já exige os maiores sacrificios, e comtudo os impostos vão sempre subindo, e o povo vae pagando sempre.
Mas ha mais, sr. presidente.
E necessario que não nos illudamos. Esta questão das pautas, embora possa ser discutida mais ou menos rapidamente n'esta camara, tem de facto,, não póde haver duvidas a esse respeito, chamado para si a attenção geral de todo o paiz, e por isso maior responsabilidade recáe, não só em quem dirige, é o caso de v. exa., sr. presidente, os trabalhos parlamentares, más tambem no governo e em todos os deputados, que sobre ella têem de emittir o seu voto.
Eu, pela minha parte, tomarei a responsabilidade dos pontos que vou discutir, e emquanto aos outros, que não discutir, declino a minha responsabilidade sobre o sr. ministro, sobre o sr. relator.
Farei outra declaração.
No que vou dizer, hei de procurar, sr. presidente, evitar, tanto quanto me seja possivel, enredar-me em calculos, em algarismos, em estatisticas, porque o meu fim principal, o meu unico desejo é exprimir-me por fórma tal, que cada individuo, que me escuta saia d'esta casa levando uma noção exacta d'aquillo que eu quiz dizer.
Sr. presidente, desejaria eu, seria para desejar, que todos os oradores que fallam n'esta camara, se convencessem bem da grande vantagem que ha em que se exprimam por uma, fórma tal, que sejam comprehendidos, que todos possam saber o que o orador quiz dizer.
Procurarei pôr o assumpto ao alcance de todas as intelligencias.
Tambem estabelecerei, um outro principio, sr. presidente, e por uma fórma clara e terminante.
Esse principio é que - sem preços remuneradoras de venda, não ha industria possivel.
Sem preços remuneradores de venda não podem subsistir nem a industria fabril, nem a industria agricola.
Sr. presidente, na sessão da tarde referi-me aos srs. funccionarios publicos, e torno a fazel-o agora com esta pergunta: "quereriam, poderiam, s. exas. exercer os seus empregos desde o momento em que não tivessem uma remuneração condigna, um preço de venda remunerador do seu trabalho?"
De certo que não.
Pois é esse exactamente o caso, que se dá com qualquer industria.
Desde o momento em que não haja preços remuneradores de venda para os productos de uma industria fabril ou de uma industria agricola, essa industria é uma industria mortal.
A esto respeito dá-se em Portugal uma circumstancia particularissima.
Em Portugal as circumstancias da industria fabril, a necessidade ou indispensabilidade da existencia de preços remuneradores, de venda para os seus productos, são mais conhecidas pela burocracia do que as circumstancias da industria agricola.
É muito para lamentar que assim seja.
Direi mais que as circumstancias da nossa industria agricola são pouco conhecidas entre a nossa burocracia, ou que no caso contrario este outro poder do estado não quer attender a essas circumstancias.
Talvez mais tarde desenvolva mais este ponto, mas em todo o caso faço desde já uma pergunta:
A que será devido isto?
Sr. presidente, vou, segundo a orientação do meu espirito, dar francamente a rasão d'esse estado de cousas.
A rasão está, é esta a minha opinião, em que a burocracia entende que póde, que deve, ajuizar da agricultura portugueza, do estado geral da lavoura em Portugal, guiando-se sómente pelas indicações, pela situação excepcional, pela vida mais apparatosa, de um ou outro lavrador do Alemtejo ou do Ribatejo.
Sr. presidente, é necessario insistir, é necessario fazer ver que as apreciações que se fazem nas regiões officiaes, sobre a lavoura em Portugal, fundadas em tal criterio, baseadas no modo de ser, se não real pelo menos apparente, da vida mais ou menos luxuosa de um ou outro lavrador, que recebe perfeitamente em sua casa os convidados, são apreciações inexactas e das mais tristes consequencias.
Esse modo de ser excepcional, não póde, não deve servir de bitola para por ella se medir, se apreciar o modo de ser geral da agricultura em Portugal. (Apoiados.)
É necessario que todos se convençam de que a agricultura em Portugal, se por acaso tem conservado materia collectavel para o fisco, e se tem sido pontual no pagamento dos impostos, tem conseguido isso em geral á custa da maxima economia, da maxima parcimonia, de muitos sacrificios, e não por excesso de rendimento.
Sr. presidente, entendo que me corre o dever de procurar apresentar a situação nua e crua, como ella é.
Para o lavrador, quer explore directamente, quer explore indirectamente por meio de rendeiros, ou caseiros, e a este ponto tambem me referirei logo para rebater uma asserção infundada, que, tem pretendido ultimamente ganhar, foros, de verdade; para o lavrador, digo, a situação em geral era, e ainda é, a seguinte.
Por um lado o rendimento, depois de abatidas as despezas da lavoura propriamente dita, e por outro lado, no outro extremo, os impostos, os tributos geraes e locaes.
No centro, no meio termo, ficam as despezas, a que o lavrador, o chefe de familia, tambem necessariamente tem de satisfazer: as despezas chamadas despezas da casa, ou da familia.
Ora o que tem succedido?
Tem succedido que com a famosa lenda de emprestimos

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e impostos se tem desorganisado completamente o modo de ser da industria agrícola do paiz.
A famosa lenda tem servido de base para sugar, por todos os modos possíveis e imaginaveis, o contribuinte, e desde o momento em que a verba dos impostos e tributo cresceu, forçoso foi ir buscar a alguma parte o dinheiro, necessario para fazer face a esse augmento de contribuições.
Esse dinheiro, indispensavel, só se podia conseguir, ou reduzindo as despezas da casa, da família, ou promovendo o augmento dos rendimentos.
O augmento dos rendimentos tem-se tornado, impossivel por muitas e variadas causas, em muitos casos os rendimentos até pelo contrario têem diminuído, e por isso o lavrador tem-se visto, para assim dizer, entre a bigorna e o martello, apertado entre o estacionamento, quando, não a diminuição, do rendimento e o augmento crescente de impostos e tributos.
Tudo quanto se queira dizer a respeito do fomento da agricultura portugueza nos ultimos annos é destruído pelo quadro que acabo de descrever, que não será risonho, que não se presta a divagações, e que mostra bem claramente que, no fim de contas, o lavrador portuguez tem tido, e tem por um lado a diminuição ou estacionamento dos rendimentos, e por outro lado o augmento das contribuições.
N'estas condições o tal dinheiro, indispensavel para pagar os augmentos das contribuições, tem saído das despezas da casa, ou da família, isto é da economia, quando não da miseria.
A respeito de rendimentos direi que ultimamente, de certo com fins que não são bons, que não são justificados, se tem apregoado uma idéa; que é completamente falsa, isto é, que os proprietarios são exploradores de rendas.
Sr. presidente, insurjo-me com todas as minhas forças contra similhante idéa, contra tal doutrina.
Póde ser que haja um ou outro proprietario ou lavrador explorador de rendas, mas quem conhece de perto a agricultura portugueza sabe que, pelo contrario, na generalidade dos casos, o proprietario, o lavrador, para conseguir tirar algum producto das suas propriedades, tem de ser amigo do rendeiro e de viver de parceria com elle; de outra fórma nenhum nem outro póde viver. (Apoiados.)
Os exploradores de rendas não são de certo os que pedem protecção, para a agricultura portugueza, para sustentava família, para pagar impostos e tributos.
Mas ha mais.
Se ha exploradores de rendas, e friso bem a phrase, porque essa phrase tem sido ultimamente apregoada, talvez para servir de instrumento contra os individuos que defendem os interesses da agricultura; torno a repetir, sr. presidente, se ha exploradores de rendas, eu, pelo meu lado, affirmo que esses exploradores de rendas não são os indivíduos que dentro ou fóra d'esta casa têem procurado defender os verdadeiros interesses da nossa agricultura. (Apoiados.} Poderão ser outros.
Mas ainda ha mais.
Sr. presidente, a par d'esta accusação de exploradores de rendas tem-se levantado ha muitos annos uma outra accusação.
Esta accusação, sr. presidente, é a de que os lavradores são uns tolos, peço desculpa da phrase, que nada sabem.
Com que intento se tem apresentado, se apresenta essa accusação?
Não sei, nem quero tratar de o averiguar, mas direi o seguinte:
Em resposta a essa accusação que se tem dirigido aos lavradores portuguezes, eu reporto-me ao que se tem passado na quinta regional de Cintra, na chamada Granja do Marquez, ás declarações que, em occasiões solemnes e em documentos officiaes, têem sido feitas pelo sr. conselheiro João Ignacio Ferreira Lapa, e igualmente ás declarações que os srs. ministros fizeram no decreto dictatorial de 28 de julho de 1886, e ainda no relatorio e decreto de 4 de junho de 1886, em resposta a uma representação que tinha sido dirigida ao governo pela real associação central de agricultura portugueza em 1 de maio de 1886.
No segundo decreto algumas providencias se tomaram sobre o milho.
Encaremos a questão por outro lado.
Provado como fica que a sciencia agrícola gortugueza, quando se metteu a dar lições praticas, não as soube dar, apresenta-se naturalmente a seguinte pergunta.
A que tem sido devido o grande desenvolvimento da cultura da vinha em Portugal?
Foi devido á sciencia? Não.
A cultura da vinha tem-se desenvolvido extraordinariamente em Portugal n'estes ultimos annos, por duas rasões; primeira, porque, o lavrador viu que o seu vizinho ganhava com essa cultura e lançou mão d'essa outra amarra; em segundo logar porque tinha a esperança de que se conservaria, o preço de venda altamente remunerador, que enriquecia o vizinho.
Não foi a sciencia que concorreu para o grande desenvolvimento da cultura da vinha em Portugal n'estes ultimos annos.
Mas ha mais.
A sciencia quiz intervir quando appareceu o mal terrivel que atacou as vinhas, e qual tem sido o resultado?
É que a sciencia humana não póde ser considerada como infallivel tambem n'essa parte, e que pouco tem feito a favor da agricultura na questão, da phylloxera.
Se há um ou outro exemplo de que o tratamento pelo sulphureto de carbone tenha dado muito bons resultados, por exemplo no Douro, é certo por outro lado que eu posso affirmar á camara, ao paiz, guiando-me pelas informações de pessoa em quem deposito toda a confiança que existe na região de Torres, perto, da Merceana, uma propriedade de um indivíduo, cujo appellido, se a memória não me falha, é Duff, a qual tem sido tratada com o maior cuidado pelo sulphureto de carbone, applicado inclusivamente por empregados officiaes com todos os preceitos scientificos, e que essa propriedade que durante tres annos se apresentou debaixo de um estado prospero no anno passado começou-a apresentar-se doente, e este anno apresenta-se em tal estado que o proprietario, indo, a essa propriedade ha um mez ou cousa que o valha, saiu de lá completamente desanimado, dizendo; que não acreditava na efficacia do tratamento prescripto pela sciencia, porque tinha a sua propriedade completamente perdida!
Ha quem tenha chegado a dizer que se em Portugal a sciencia quiz, na questão phylloxerica, vir em soccorro da agricultura, não foi talvez só para prestar serviço á agricultura, mas principalmente para prestar serviço a si propria; aos seus agentes.
Ha cousas que effectivamente incommodam.
É necessario que se saiba que ha, muita gente, que considera a intervenção da sciencia official n'esse ramo da industria agrícola, como uma outra phylloxera, que quer tambem, até certo ponto, sugar o rendimento dos lavradores.
Seja, como for, o que é certo é que a sciencia em Portugal não tem sido feliz, não tem sido infallivel, como pretendia ser, da questão phylloxerica, podendo tambem affirmar-se que está tendo uma outra desillusão.
A primeira desillusão, pelo menos parcial, têem a tido no tratamento pelo sulphureto; a outra desillusão, e grande, encontra-a no facto da baixa dos preços da venda para os vinhos, porque, quando os que lidam na vida pratica ora a agricultura, diziam que era necessario muito cuidado em não se desenvolver entranhadamente a cultura da vinha, por isso que chegaria a occasião em que não haveria saída para esse producto, a sciencia teimava em que cada vez mais se desenvolvesse essa cultura.
E o que succedeu?

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Succedeu que a França veiu procurar os nossos vinhos só, emquanto teve necessidade, d'isso, e quando achou não ter necessidade, ou quando, encontrou em outros paizes os vinhos de que carecia em melhores condições de qualidade ou de preço, não veiu, ou pelo menos offereceu e offerece preços que já não são considerados como remuneradores!
Este facto, da falta de mercados para o nosso vinho, é um ponto do mais alto interesse, e tive eu occasião, de dizer aqui na legislatura, que findou em 1884, que as primeiras pessoas que tinham chamado a attenção do governo, e do paiz para esse ponto tinham sido os nossos consules.
Os nossos consules, honra lhes seja por isso, faça-se-lhes essa justiça, longe da terra, natal, da patria, embora alguns sejam estrangeiros ao serviço de Portugal, foram os primeiros a chamar, vae já em alguns annos, a attenção dos poderes publicos para a situação gravíssima em que se acharam os nossos vinhos nos mercados estrangeiros, e aconselhavam desde logo o governo a que, por todos os modos possíveis facilitasse e promovesse a abertura dos nossos mercados para os nossos vinhos.
A idéá de dar um grandíssimo desenvolvimento á cultura da vinha em todo o paiz, tornar o paiz todo viticultor, teria alem d'isso um grandíssimo perigo; ou inconveniente: é que, desde o momento, em que em todo o paiz, essa cultura se desenvolvesse pela fórma e na proporção, em que está desenvolvida, por exemplo na região de Torres, teria o paiz de importar muito maior massa de generos alimentícios do, que a que importa hoje.
É sabido que a região de Torres, na parte destinada, á cultura da vinha, importa hoje todos os outros generos alimenticios, inclusivamente muita cevada e milho.
Encarando a questão por outro lado pratico, convem insistir em que as felicidades, ou possibilidades, apregoadas pela sciencia, de mudança de cultura; poderão ser boas no papel; mas na pratica o caso é outro.
Os que lidavam praticamente com assumptos agricolas protestavam contra a idéa de o paiz todo ser viticultor, e, o mesmo succede hoje.
A crise agrícola em Portugal aggravou-se principalmente em 1882.
Com o maior aggravamento da crise agrícola em Portugal coincidiu tambem o tratado de commercio com a França e o aggravamento dos impostos, a que já me referi; e nomeadamente o imposto do sal, que foi abolido dictatorialmente, em 24 de julho de 1886, pelo actual governo, assumpto este a que mais detidamente me referi n'outra occasião.
Tudo era já a consequencia necessaria da famosa, lenda que já hoje aqui condemnei, de emprestimos e impostos.
Desde o momento, em que a marcha administrativa era regulada unicamente pela lenda, de emprestimos e impostos, tinta o paiz de lhe soffrer as consequencias, e estas consequencias foram aquellas que eu acabo de indicar.
Eu tenho a minha consciencia descansada a este respeito.
Na legislatura que findou em 1884, eu, sr. presidente, fiz na qualidade de deputado tudo o que me foi possivel fazer a favor da agricultura portugueza, e n'um opusculo, que, á minha custa, publiquei, em 1886, com o titulo: Algumas considerações sobre a crise agrícola em Portugal, 1.ª parte, e de que tive o cuidado de particularmente offerecer um exemplar a cada um dos actuaes srs. ministros, encontra-se a pag. 39 a indicação do que então disse n'esta casa a favor da agricultura portugueza:

"Chamou a attenção dos poderes publicos para o estado decadente em que se encontra a producção; dos cereaes no nosso paiz;
"Indicou a concorrencia que é feita ao azeite nacional pelo azeite; hespanhol;
"Affirmou que Portugal está na dependencia da Hespanha em quanto a gado cavallar e muar, principalmente para tiro, e que parte do gado bovino, exportado, para a faca, é nascido em Hespanha;
"Insistiu em que é erro considerar que a exportação do vinho nacional póde fazer face á importação de muitos outros generos de primeira necessidade, e apontou as difficuldades com que lucta a exportação do vinho nacional;
Condemnou a protecção dada pelos poderes publicos á aguardente de cereaes, com grande, prejuízo, da producção dos vinhos de queima, que só podem ser aproveitados para a fabricação de aguardente de vinho;
"Fez ver que o paiz consome grande quantidade de arroz, e que seria um grande mal tornar indispensavel a importação do estrangeiro de todo o arroz de que o paiz carece;
"Protestou contra a cultura do tabaco no Douro;
"Lembrou a necessidade, a conveniencia, de tornar pratico o ensino da agricultura em Portugal;
"Declarou, que entende, que não se deve, emquanto á agricultura, seguir o, exemplo da França, que tem a sua agricultura arruinada, e apontou para a China e para o Japão como exemplos a seguir nas praticas agricolas;
"Disse que, em relação á agricultura em Portugal, se deve attender principalmente ás condições do clima;
"Notou que a questão não está em produzir bom e caro, com prejuízo do productor e por isso do paiz, mas que a questão está em produzir bom e barato, isto é, por pareço remunerador para o productor e vantajoso para o consumidor;
"Apresentou o estado deficiente, mau, da maioria dos centros, ou assentos de lavoura, em Portugal, e accentuou que, para produzir bom e barato, é indispensavel tratar-se da constituição, do modo de ser em si, dos assentos de lavoura, e portanto da propriedade rural;
"Tornou, saliente a circumstancia de que o capital, o numerario, é caro, e que os lucros do lavrador são incertos e pequenos;
"Defendeu os lavradores do Alemtejo da accusação de que mettem grandes massas de trigo por contrabando, nos mercados em Portugal;
"Mostrou as violencias a que os proprietarios estão expostos, no que diz respeito a todos os impostos, e especialmente os impostos municipaes, parochiaes e districtaes;
"Referindo-se á Belgica, fez, ver que esse paiz, que é essencialmente fabril, não póde ser tomado como modelo para Portugal, que é essencialmente agricola;
"Fallou da necessidade da cultura arborea ser protegida pelos poderes publicos, e de tornar effectivas as iserções do imposto, marcadas na lei para essa cultura;
"Insistiu em que a industria agrícola differe e profundamente, no seu modo de ser, é em tudo o que lhe diz respeito da industria fabril, porque n'aquella entram elementos, que estão fóra da acção do homem como são a chuva, o vento, etc.
"Tornou a pedir ao governo que attenda ao estado, dos campos marginaes, no Tejo, e dos outros rios;
"Appellou para o patriotismo de todos a fim de promoverem o consumo no continente do reino, dos generos produzidos nas colonias de preferencia, aos produzidos, em paizes estrangeiros.
"Insistiu, por mais de uma vez, na necessidade de pôr os vinhos portuguezes ao abrigo das falsificações nos mercados estrangeiros;
"Mostrou a conveniencia de se desenvolver a producção e o fabrico da manteiga nacional;
"Fallando das construcções ruraes, disse que se tornam muito dispendiosas, especialmente pelo custo elevado das madeiras;
"Emquanto ao pessoal agrícola, insistiu sempre em que o lavrador lucta principalmente, com a difficuldade de encontrar o agente intermediario entre o trabalhador e o chefe ou dono, que dirige a empreza agrícola;

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1946 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

"No que diz respeito ao aproveitamento das aguas, affirmou que muito resta a fazer n'este ponto, porque nada ha feito;
"Declarou-se inimigo franco do monopólio, e disse que o maior inimigo da agricultura é o industrial, porque, em regra, sacrifica a agricultura á industria."
Sr. presidente, pela minha parte estou descansado.
Procurei então defender os interesses da agricultura portugueza, e torno hoje a fazel-o com todo o gosto, porque, assim como uns certos partidos, os espíritos exaltados entendem que a melhor maneira de affirmar os seus principies é ir sempre insistindo n'elles, tambem eu entendo que os conservadores devem insistir nos princípios, nas opiniões que sustentam e aproveitar todas as occasiões para os proclamar, para fazer vingar as suas idéas.
Costuma-se dizer: "Tanto bate a agua na pedra, que a vae desgastando".
Ainda mais. Também em 1886, como já o indiquei, à real associação central da agricultura portugueza entendeu que devia tomar a bandeira nesta nova cruzada e dirigiu ao governo uma representação, a que ha pouco alludi, e que foi entregue ao actual sr. presidente do conselho por uma deputação, dá qual eu fazia parte.
Já indiquei nesta casa, e n'outra occasião, as occorrencias que se deram quando esta representação foi apresentada ao governo, e por consequencia não me refiro a ellas agora; mas direi que com esta representação coincidiu a idéa da creação dos centros agrícolas em todo o paiz, promovidos pela mesma real associação e o apparecimento de um ou mais jornaes dedicados, exclusivamente ou quasi exclusivamente, á causa agrícola portugueza.
Não ficou n'isto o movimento geral no paiz a favor da agricultura portugueza.
Em 1885, se não me engano, começaram a entrar pelas portas d'esta casa do parlamento varias representações das camaras municipaes de todo o paiz, chamando a attenção do governo para a nossa crise agrícola, e desde então para cá as representações têem continuado, verificando-se o que eu affirmára ao sr. presidente do conselho, quando, na occasião da entrega da representação da real associação central da agricultura portugueza, asseverei a s. exa. que era convicção minha de que a agricultura portugueza, em quaesquer manifestações, a que houvesse de recorrer para defender os seus legítimos interesses, e portanto os do paiz, saberia e procuraria sempre manter-se dentro dos limites do respeito e decoro, devidos a si propria e tambem ao governo.
Sr. presidente, não admira que assim seja. Se patriotismo ainda existe, se o ha, é na população agrícola. E em nome d'essa população, d'essa classe, que eu hoje estou fallando, sustentando uma causa, tanto quanto me seja possivel.
Fallo em nome d'ella e dos seus soffrimentos. Tenho pena de não ser um distincto orador como o sr. Antonio Candido, pois sou levado a crer que, se s. exa., com a sua rasão esclarecida, com o verbo inflammado, subisse a esta tribuna para defender a agricultura portugueza, talvez a sua eloquência conseguisse dar uma outra orientação ao poder executivo na questão, pendente; mas, á falta de outro, constituo-me em campeão, embora fraco, dos interesses legítimos da agricultura portugueza.
Desejaria, sr. presidente, que s. exa. fosse na vanguarda dirigindo os que, como eu, quizessem acompanhal-o na defeza da agricultura portugueza!
Tenho dito, sr. presidente, que procuro defender os verdadeiros interesses agrícolas do paiz, e insisto nesta camara mais uma vez sobre este ponto.
É preciso que se saiba que não venho defender os interesses de argentarios, e que procuro defender os interesses dós pequenos lavradores, que vivem em precárias circumstancias.
Conheço muito de perto a classe agrícola, conheço inclusivamente a parte inferior da escala da classe agrícola, em que o pae atrela ao arado os filhos para desbravarem o terreno inculto, que lhes ha de dar pão para comer, e conheço, por outro lado, os potentados, que recebem os seus feitores de pé, quasi sem darem attenção ao que elles dizem.
Percorrendo essa escala de um a outro extremo convenci-me, o convenço-me cada vez mais, de que quem levantar nesta camara a sua voz a favor da causa agrícola presta um bom serviço ao paiz.
Acrescentarei tambem que, se defendo a classe agrícola, se defendo a prosperidade do paiz, procuro ao mesmo tempo defender a sua independencia e a sua autonomia.
Sr. presidente, desde o momento em que a classe agrícola é a mais numerosa do paiz, desde o momento em que essa classe estiver tambem completamente reduzida á decadencia, á miseria, ai da independência do paiz, da sua autonomia, porque de certo as outras classes, que vivem da divida fluctuante, de companhias, de juros de fundos, do capital cosmopolita, não poderão, n'uma dada occasião, sacrificar-se, ou não quererão sacrificar-se, como se tem sacrificado até hoje a classe agrícola.
Sr. presidente, tenho fé que a classe agrícola, e os que advogam a sua causa, hão de instar tanto, que o governo ha de attender ao seu pedido, ha de fazer alguma cousa a seu favor.
O governo, que tomasse a serio a causa da agricultura portugueza, e a defendesse por todos os modos possíveis, esse governo seria, a meu ver, o que grangearia maior aurea popular em todo o paiz.
Mas o que pedem essas representações?
Pedem protecção e protecção de duas ordens.
Pedem protecção contra os excessos dos impostos e pedem protecção pautai para os productos agrícolas.
Pedem uma e outra cousa, porque uma e outra hão de concorrer para haver preços de venda remuneradores.
Os governos precisam de força para luctar, e, ao caso em questão, a força dão-lh'a as representações.
Disse eu que á questão agrícola está intimamente ligada com a questão das pautas e que depende principalmente da acção e da iniciativa do sr. ministro da fazenda, e por isso não deve admirar que eu, mais de uma vez, tenha appellado para s. exa. n'esta camara.
Terá o meu appello produzido algum effeito?
Parece-me que sim, e agora chamo para este ponto a attenção do sr. relator, porque suppohho que s. exa. poderá provar facilmente que esta nova pauta, no seu augmento, deve ser considerada como protectora da agricultura portugueza.
Ora, desde o momento em que ella é, na sua totalidade, protectora da nossa agricultura, entendo que effectivamente o sr. ministro da fazenda não tem sido insensível aos clamores que se têem levantado a favor da agricultura portugueza.
Direi tambem que não póde deixar de ser assim, e não póde deixar de ser, porque s. exa. percebe, melhor do que ninguém, que sem matéria collectavel não ha possibilidade de impostos, do operações financeiras, e a materia collectavel, como já disse, está inteiramente ligada com a agricultura, com a questão das pautas.
Mas, sr. presidente, não quero desconsolar qualquer dos srs. ministros, e por isso direi que appello para todos elles.
Appellei para o sr. presidente do conselho, quando, como já, disse, lhe entreguei a representação da real associação central da agricultura portugueza.
Appellei para o sr. ministro da guerra, quando, nesta camara, me referi á padaria militar e á remonta.
Appello para o sr. ministro da justiça, que não vejo presente, e para o sr. ministro da fazenda, lembrando-lhes a necessidade de uma remodelação mais ou menos completa da nossa legislação com respeito á transmissão da propriedade territorial, ás vendas e trocas, ao registo, ás hypothecas, e aos processos orphanologicos, etc.

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SESSÃO NOCTURNA DE 20 DE JULHO DE 1887 1947

Todas estas medidas precisam ser muito bem pensadas, levam tempo, antes de chegar á execução, e os seus effeitos e a sua acção sobre a agricultura, portugueza só poderão sentir-se mais tarde, passados annos. É esta, mais uma rasão para a agricultura pedir protecção na pauta.
Appello para o sr. ministro dos estrangeiros, na parte que diz respeito a tratados de commercio de navegação. Já n'esta camara, por mais de uma vez, se tem invocado o auxilio de s. exa. a respeito da exportação dos nossos vinhos e da necessidade da existencia de mercados que possam dar logar á venda d'elles.
Appello tambem para o sr. ministro da marinha e ultramar com relação aos nossos productos coloniaes, e accentuo que todos os productos coloniaes, que venham para o continente e n'elle sejam vendidos e consumidos, se traduzam na remessa de dinheiro para essas colonias.
Appello, por ultimo, para o ar. ministro das obras publicas, que me classificou ha dias atraz, de proteccionista, quando s. exa. poderia melhor, combinais propriedade, classificar-me de patriota;
Peço perdão da indicação, mas é á verdadeira.
No que vou expor, procurarei não melindrar s. exa. por fórma alguma.
Sr. presidente, para base dos meus raciocínios, para corroborar os meus argumentos poderia, como já disse, invocar um grande numero de dados estatísticos, officiaes ou particulares, meus, ou do outros, mas não o farei.
Para pôr em relevo a importancia que tem, sr. presidente, a nossa importação e a nossa exportação, poderia citar longas tabellas, mas não o farei, e limitar-me-hei a accentuar o seguinte: dos 24.000:000$000 réis, que se exportam em productos, 21.000:000$000 réis pertencem á agricultura; o sr. relator sabe isso tão bem como eu, ou melhor.
Nos primeiros quatro mezes de 1887, o valor total das mercadorias exportadas foi de 7.516:937$000 réis, pertencendo á agricultura 6.677:000$000 réis e ás restantes industrias 839:000$000-réis.
Eu citei estes algarismos para tambem provar que, se eu quizesse encarar a questão debaixo do ponto de vista dos algarismos, me poderia embrenhar, porque para isso estou habilitado, n'esse caminho, mas não quero.
Mas ha mais.
A media da nossa importação annual de trigo e milho foi de 1866 a 1870 de 35.361:632 kilogrammas, em 1884, subia essa importação de trigo e milho, a 145.498:901 kilogrammas, e em 1887, se corresponder aos quatro primeiros mezes do anno, deverá ser de 149.394:223 kilogrammas.
É pois facto averiguado que, de 1884 para cá a importação tem augmentado na quantidade de 3.894:322 kilogrammas, isto com relação ao trigo e milho conjunctamente. Mas se remontarmos mais longe e formos a 1866, vê-se que desde o período de 1866 a 1870 o augmento na importação, até fim de 1887, de trigo e milho, não será inferior a 114.031:591 kilogrammas; quer dizer, que vão para fóra na importação de milho, trigo em dinheiro, para cima de 5.000:000$000 réis. Segundo as estatísticas que eu tenho, anda isso por 5.200:000$000 réis por anno.
Isto por um lado.
Se, por outro lado, encararmos a questão debaixo do ponto de vista da população geral do paiz, vê-se que a população rural, anda por 3.668:565 almas, emquanto a população urbana anda por 491:749 indivíduos, sendo as receitas totaes do estado de 34.400:000$000 réis proximamente.
Uma proporção muito facil dá á conhecer qual é o contingente com que a população agrícola concorre para os redditos do estado, e a parte proporcional com que concorre a população urbana.
Esta maneira de calcular, tem sido impugnada, pois diz-se que a população urbana paga mais e muito mais do que a população rural, porque aquella é consumidora; mas este argumento não colhe, por isso que a população agricola tambem é toda ella consumidora.
Insisto em affirmar, e é ponto averiguado que onde a industria fabril encontra collocação mais certa para os seus productos por exemplo: tecidos de algodão, de lã, etc., é justamente na massa da população agrícola, e isto serve ainda para provar que não estou longe da verdade, quando affirmo que para os 34.000:000$000 réis de receita publica, a população agrícola concorre em uma proporção muito maior do que não concorre a população urbana.
A respeito da industria fabril e a respeito da agricultura convirá accentuar tambem aqui uma verdade.
Já n'esta camara tive occasião de me referir ao nosso inquerito agrícola.
Não se fazem só inqueritos agrícolas, tambem se fazem inqueritos ás industrias fabris, e nós temos o nosso inquerito industrial de 1881, ao qual me referi n'esta camara na sessão nocturna de 27 de junho findo.
N'essa sessão indiquei, como já o fizera na legislatura, que findou em 1884, que o inquerito industrial de 1881 não satisfaz completamente o meu espirito, e por isso, para melhor estudar a questão, entendi que tambem devia recorrer aos dados colhidos nos paizes estrangeiros sobre a crise agrícola e fabril, sobre a crise industrial.
A este respeito direi o seguinte: ha um trabalho notavel publicado lá fóra sobre os inqueritos feitos em França e Inglaterra; e n'esse trabalho, referindo-se o seu auctor á maneira; ao modo, por que os inqueritos são feitos nos dois paizes, declara esse auctor que os inqueritos em França nunca dão resultados capazes, porque são preparados de antemão.
Pondera que em França o indivíduo, que é chamado a depor n'um inquerito, é encaminhado a responder o que a administração quer que elle responda, emquanto em Inglaterra succede o contrario, porque o individuo que responde, que depõe, tem completa liberdade de acção.
Partindo d'esse ponto de vista entendi eu que é conveniente trazer para aqui os resultados do inquerito official, feito em Inglaterra em relação a todas as industrias.
Esse inquerito mostra que a crise, que se dá n'aquelle paiz em todas as suas industrias, é devida, ás seguintes causas:
1.ª Excesso de producção;
2.ª Baixa dos preços de venda;
3.º Effeito das tarifas e dos direitos nas alfandegas estrangeiras;
4.ª Concorrencia estrangeira;
5.ª Augmento das taxas locaes;
6.ª Taxas reduzidas dos transportes.
Eu citei estes resultados, porque terei occasião de me dirigir mais directamente ao sr. ministro das obras publicas, commercio e industria, sempre, dentro dos devidos termos e do respeito que lhe devo, a fim de chamar a sua attenção para a questão agrícola, e estes resultados servem para reforçar a minha pretensão, os meus pedidos.
A respeito das crises industriaes em geral, é principalmente das crises agrícolas, póde apresentar-se, em principio, um meio facil de as attenuar, a diminuição do imposto, para obter preços de venda, remuneradores.
Mas nós partimos, devemos partir, do ponto de vista de que o estado não póde prescindir dos impostos, e d'ahi conclue-se que esse remedio não é remedio.
Se ha necessidade de remedios, é necessario ir buscal-os a outra parte, e é o que eu tenho procurado indicar.
Em relação á crise agrícola em Portugal, vou estabelecer primeiro uma certa premissa para depois tirar umas certas conclusões.
A existencia da crise agrícola está provada pelo que eu indiquei ha pouco e que se tem passado desde 1882.
Em fins de 1884, princípios de 1885, a crise, aggra-

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1948 ÜIARIO DA CAMARA DOS SENHOKES DEPUTADOS

vou-se porque se foi tornando mais sensivel a falta de saida para o nosso trigo; para o nosso milho.
É isso attestado pelos documentos que considero mais officiaes n'esta questão, que são as representações dirigidas a esta casa pelas1 camaras municipaes de todo o paiz.
N'essas representações encontra-se uma prova incontestavel da existencia da crise agricola.
A par d'esse facto, que se não póde contestar, ha outro facto tambem incontestavel que é o dover, a obrigação, que o poder executivo e os funccionarios publicos, debaixo das suas ordens, têem de bem attender ao serviço publico.
Debaixo d'este ponto de vista chamei eu já a attenção do governo, n'uma das sessões passadas, na de 14 de julho de 1887, corrente, para que se incuta no animo de todos os exactores de fazenda que elles são meros delegados do poder executivo.
Mas se os governos ou os funccionarios publicos têem obrigação de attender á administração publica, têem necessariamente de attender ás queixas, que lhes são dirigidas;
O. sr. ministro das obras publicas já aqui respondeu, a respeito da questão dos cereaes, da crise agricola, com o inquerito!
Direi que respondeu mal, segundo o meu modo de ver.
Eu faço toda a justiça ás intenções de s. exa. e torno a repetir que não o desejo maguar de maneira alguma, porque não é essa a minha intenção; mas preciso de expor a s: exa. francamente a minha orientação do idéas.
Por outro lado, se eu estou em erro e pela discussão poder ser convencido disso, dar me-hei por muito satisfeito, porque argumento de boa fé.
Ora, s. exa. quando se tratou aqui, já em outra occasião, da questão agricola, respondeu que espera os resultados do inquérito; e eu digo a s. exa. que deu uma má resposta; porque o que é que se conclue d'ahi?
Conclue-se, ou que tem duvidas sobre as queixas, ou que não as sabe ou não as quer satisfazer.
Para mim, é este segundo o verdadeiro dilemma.
Póde s. exa. ter duvidas sobre as queixas feitas?
Não póde ter.
Não é isso possivel, porque, se o fosse, seria o mesmo que duvidar da verdade affirmada por todo o paiz. (Apoiados.)
Agora pergunto eu: sabe s. exa. satisfazer aos pedidos ou ás aspirações manifestadas n'essas queixas?
Não posso acreditar que s. exa. não saiba, e não posso acreditar, porque s. exa. é um -homem esclarecido, que não se prende com quaesquer cousas; que inclusivamente, fundando-me na declaração que s. exa. aqui fez o outro dia, quando s. exa. julga necessario, salta até por cima das consultas de qualquer dos corpos consultivos, que tem em voltado seu. gabinete, e portanto julgo-o muito competente para saber qual o modo de satisfazer os pedidos e as aspirações das representações.
E agora chego ao ponto de dizer tambem o seguinte:
O inquerito, se poder servir para alguma cousa, debaixo d'esse ponto de vista, só poderá servir para instruira burocracia.
Ora, eu digo que é uma educação, ou instrupção, que sáe cara ao paiz. Parto do principio de que os empregados devem saber do seu officip, e que não ha direito a sacrificar a agricultura, durante mais um anno ou mais, para pôr esses empregados ao facto das circumstancias, das condições da agricultura portugueza.
Mas ha mais: as representações, que têem sido dirigidas a esta camara, referem-se especialmente á questão dos cereaes, e ha muito que essa questão está estudada, principalmente com relação ao trigo, porque existe um inquerito perfeitamente bem feito, authentico, quasi legal, na companhia das lezirias do Tejo e Sado, e nos livros de escripturação de alguns lavradores.
Se s. exa. pedisse á companhia das, lezirias do, Tejo e Sado que lhe franqueasse toda a sua escripturação, e que pozesse á disposição do governo todos os dados estatisticos, levantamento de plantas, e todos os outros dados de cultura que ella possue, s. exa. encontraria em tudo isso os resultados de um verdadeiro inquerito.
Eu não sou, actualmente, accionista da companhia das lezirias do Tejo e Sado; já o fui e deixei de o ser, embora de uma quantia limitada, porque corri risco de ter de me occupar officialmente do modo de ser, da organisação d'essa companhia, e querendo fazel-o completamente livre, vendi o pequeno capital que a ella me ligava n'essa epocha.
Sei comtudo, sr. presidente; o sufficiente d'essa companhia, para poder affirmar que s. exa. encontraria n'essa companhia os dados de um inquerito imparcial e justo.
Esta minha argumentação colhe tanto mais, sr. presidente, quanto é certo que o sr. ministro das obras publicas, sendo, alguns dias atraz, arguido de o inquerito agricola, ou pelo menos o respectivo questionario, ser pouco minucioso na parte relativa a gados, s.º exa. defendeu a primeira commissão, de que eu fiz parte, e a outra que se seguiu, declarando, affirmando que o inquerito é principalmente destinado a constituir, uma synthese, e que para o conseguir é indispensável que não seja diffuso, que não seja minucioso de mais.
Essa aynthese, sr. presidente, lá existe também, na companhia das lezirias do Tejo e Sado, e tambem a synthese existe, de facto, feita nas representações dirigidas a esta camara, aos poderes publicos, porque todas ellas são feitas por individuos a quem doe, e que se vêem quasi reduzidos; e á miséria pela crise, agricola. Esses individuos não serão todos, capazes de discutir numa tribuna no parlamento, com numeros, com rhetorica, com elegancia; mas. todos sabem dizer, pela experiencia e pela pratica, que desde que um certo genero não tenha um preço de venda remunerador, e não encontre mercados, a industria agricola, que o produz, não se póde sustentar.
Eu conheço um viticultor importantissimo, um estrangeiro que comprou uma propriedade ao sul do Tejo, que é um homem conhecido e que se tem dedicado em França e em Portugal á viticultura. Este homem, quando se levantou em Lisboa a questão agricola, em 1886, e quando ella foi discutida em algumas associações, disse: Parece que estão todos com vendas nos olhos. Desde o momento em que o lavrador declara que não póde continuar a existir um certo, ramo da industrial agricola, porque não encontra preços remuneradores de venda, e tambem não tem saida facil para os seus productos nos mercados internos, e quando se dá a circumstancia de que entre, esses productos figura o trigo, o milho, o pão, é necessario que os poderes publicos se deixem de theorias, de calculos, e intervenham na questão, na crise, mas praticamente!
Sr. presidente, se eu procurasse, agora ser mau, que não o sou nem quero ser, se eu quizesae dar á discussão uma feição differente da que tenho procurado dar-lhe, eu poderia talvez, e com rasão, ir filiar o mau estar da agricultura portugueza á guerra que é movida contra os que estão interessados na existencia d'essa industria e que são os que mais pagam para o fisco, porque são elles os que têem a sua fazenda á vista; digo, eu poderia ir filiar todas, essas consequencias, é a difficulclade que ha em serem attendidás as queixas da agricultura, no chamado industrialismo, no espirito de ganhar muito em pouco tempo.
É preciso que se saiba, sr. presidente, que o lavrador se contenta em ganhar pouco, e o que ganha emprega-o na propria terra. O industrial, no seu campo de acção, não faz isso, porque segue geralmente uma outra ordem de idéas.
Não se comprehende que o governo, tendo dito no decreto de 4 de julho de 1886, que eram já então attendiveis as reclamações firmadas pela, real associação de agricultura, e tendo ainda ido mais longe do que essa associação fôra nas suas representações, porque foi o proprio.

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SESSÃO NOCTURNA DE 20 DE JULHO DE 1887 1949

governo que declarou que - «ha de facto, constituído um quasi monopolio por parte das fabricas de moagem», não se comprehende, repito, que o governo não tenha procurado attender em toda a sua extensão aos pedidos da agricultura portugueza!
Sr. presidente, foi o governo o proprio que veiu declarar que ha monopolio, ou pelo menos que está convencido de que ha monopolio por parte das fabricas de moagem, e n'estes termos, corria-lhe, corre-lhe, o dever de tomar medidas energicas, para diminuir quanto possível os effeitos d'esse mal, senão destruil-o.
Eu hei de logo mostrar, sr. presidente, que em qualquer, questão quem está de fóra póde ver as cousas de maneira differente do que quem está; de dentro, cada um na esphera da sua acção; mas quem está de fóra tem obrigação, de impellir quem está de dentro a que ande para diante, e principalmente no caso que estamos analysando, quando existe, a declaração da existencia de um monopolio nocivo para o paiz.
S. exa. não ignora nada d'isto, sabe até muito mais, porque ainda ha poucos dias, na sessão de 14 de julho corrente, quando o sr. ministro das obras, publicas respondeu ao sr. deputado Frederico de Gusmão Correia Arouca, e tambem indirectamente a mim com respeito a algumas considerações que, sobre as coudelarias, eu fiz na sessão de 6 de junho findo, s. exa. mostrou-se muito lido em assumptos agrícolas, e deu até conta das ultimas publicações estrangeiras sobre a fabricação do queijo, da manteiga, nos paizes em que esses dois productos são grande elemento da riqueza publica.
S. exa. sabe perfeitamente que a crise agrícola nos paizes estrangeiros tem sido determinada pelas mesmas causas que em Portugal a produzem.
N'esses paizes a crise não é por certo devida á falta de sciencia agrícola, de escolas praticas.
S. exa. não ignora que a nossa crise agrícola em grande parte é devida á concorrencia desleal dos cereaes estrangeiros, e por isso sou levado a crer que as difficuldades de s. exa. para proceder, provém, se não no todo, em grande parte pelo menos, da influencia da burocracia.
Os principios de liberdade de commercio são muito bons e muito maus.
São muito bons, nos livros e nas theorias, mas vae-se para a pratica e vê-se que os princípios, falham.
Succede isto principalmente com os monopolios, e desde que existe um monopolio que promove a crise dos cereaes, é necessario que o governo tome as medidas necessarias contra elle.
Falla-se muito na questão dos tabacos, affirma-se; que o sr. ministro da fazenda quer acabar, como monopolio que se dava com relação a essa mercadoria; e sendo isto assim sou levado a concluir que o governo, entende que deve acabar com os monopolios, estejam onde estiverem.
Póde ser, e já me referi a este ponto, que nos banquetes, e nas festas officiaes, que tem havido, em honra da agricultura portugueza, se não tenha fallado com esta franqueza, mas já declarei aqui hoje que não venho defender interesses de argentarios, e que pelo contrario procuro defender os interesses dos pequenos lavradores, que vivem em precarias circumstancias.
Se na nossa escala social, em Portugal, na sua totalidade, ha os dois extremos, grande riqueza, grande pobreza, é certo que tambem existe o meio termo.
Quem constitue esse meio termo é a massa da população agrícola, que está soffrendo hoje muito.
Mas ha outra cousa ainda.
As reclamações da agricultura portugueza, por quem são dirigidas ao governo?
São dirigidas pela massa da população, que paga sem reagir tudo quanto se lhe tem pedido em materia de impostos e de tributos.
Convem notar que qualquer reacção que se possa ter manifestado, em um ou outro ponto, não tem sido um facto geral, é uma excepção.
As reclamações, são dirigidas ao governo por quem paga e tem pago o tributo de sangue.
Estas reclamações, são dirigidas ao governo por quem paga todos os annos os impostos, á custa de grandes sacrificios e de grandes economias na vida domestica, evitando os desperdícios a que os jornaes ás vezes alludem em relação a outros industriaes e aos homens ricos.
As representações são feitas, por quem não tem ás vezes no parlamento quem esteja bem a par das suas difficuldades, das suas necessidades, das suas privações, sem que eu com isto queira dizer, que n'esta casa tem havido, ou ha, falta de boa vontade, seja da parte de quem for.
Attentando eu bem nas reclamações, a que me tenho referido, sou levado a chamar a attenção do sr. ministro das obras publicas para uma questão especial e sou tambem levado, a fazel-o por causa de uma declaração por s. exa. aqui feita no outro, dia, no dia 14.
S. exa. deu a perceber, que entende que é necessario imprimir na agricultura portugueza uma orientação differente d'aquella, que tem seguido até hoje, e que debaixo d'esse ponto de vista se deve appellar para a cultura vinicola.
Acrescentou s. exa., que o vinho tem sido, n'estes ultimos annos, o principal ramo da nossa exportação.
Respondo o seguinte:
S. exa. não póde ignorar que as vinbas têem diante de si um inimigo terrível, que as não larga de dia e de noite, que é a phylloxera.
S. exa. sabe tambem que o tratamento, pelo sulphureto de carbono é fallivel, porque s. exa. não desconhece de certo que esse tratamento, se tem dado bons resultados na região do Douro, tem dado tambem ultimamente resultados muito duvidosos na região de Torres.
Tambem, sabe que esse tratamento é muito dispendioso.
S. exa. sabe perfeitamente que o desenvolvimento da cultura da vinha não tem sido devido á sciencia, mas ao exemplo dos vizinhos e á existencia de preços remuneradores de venda, e não lhe é desconhecido de certo que tal desenvolvimento tem tido principalmente logar em terrenos relativamente pobres, que nada produziam, e que mais tarde, destruída a vinha, nada produzirão de prompto.
Dar-se-ha isto em regiões muito povoadas, em consequencia da pequena cultura muito multiplicada.
Tambem s. exa. não ignora, com certeza, que a cultura da vinha por meio da charrua, tão apregoada pela sciencia, como a ultima palavra, é muito fallivel desde o momento em que os terrenos não sejam arenosos.
O bom resultado da cultura da vinha depende em grande parte, de uma cousa, que não está na nossa mão; depende do clima.
Ora uma vez que venha uma primavera molhada, humida, que não permitta fazer certos grangeios na occasião propria, é possivel mais tarde ainda fazer esses grangeios á enxada, mas é impossível, fazel-os com a charrua, porque esta é cega e prejudica, se não destroe os rebentos e consequentemente a colheita.
Uma das grandes difficuldades, com que se lucta, é a inconstancia do clima, com o qual não se póde contar, e desde que se dá esta circumstancia, não é bom conselho apregoar, para todos os casos, a introducção da charrua na cultura da vinha.
Esta observação foi-me feita, ainda ha poucos dias, por um individuo, que começou a sua vida no mais humilde, dos trafegos, mas honrado, e que hoje e um dos mais, ricos e intelligentes lavradores das regiões do districto de Lisboa, em cultura de vinhas, e cereaes.
Fallando eu ha poucos dias com elle, sobre o emprego das charruas nas vinhas, respondeu-me que conhecia tudo isso, até por ter ido á quinta do Pinheiro, perto do Sado, ver os trabalhos que tinham sido feitos pelo sr. Bartissol,

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mas que a pratica adoptada n'essa quinta não serve pára todos os casos da cultura da Vinha.
N'este ponto, preciso fazer uma profissão de fé.
É impossível que não se dê credito ás palavras de um indivíduo, que se dedica praticamente ás questões agrícolas, e que é lavrador, como aquelle cuja auctoridade acabo de invocar.
Pelo que me diz respeito, insisto em que do facto do lavrador usar chapeu desabado, e o vestuario, que lhe dá o cachei de lavrador, não se segue que outro que use sobrecasaca, chapeu alto e tenha sempre a barba feita, não seja tambem lavrador, e não possa, despida á sobrecasaca e tirado o chapou, atirar-se a um boi...
(Interrupção que não se ouviu.)
Seja como for, o que deixo referido, como conselho, foi-me affirmado por uma pessoa entendedora, e por conseguinte é para mim de todo o peso.
Antes de tirar a conclusão de tudo o que tenho exposto, acrescentarei, que o sr. ministro das obras publicas de certo não ignora, que se póde viver sem vinho, mas que não se póde viver sem pão.
Ora, desde o momento em que s. exa. sabe tudo isto, tiro eu a conclusão de que não posso admittir o principio de que s. exa., por sua vontade propria e livre, não queira satisfazer aos pedidos, que têem sido dirigidos aos poderes publicos por não saber. Deve haver uma outra rasão.
Mas se eu parto do principio de que s. exa. não ignora nada disto, sou levado á conclusão tambem de que s. exa. até certo ponto não quer satisfazer, ou mais propriamente quer demorar, a satisfação d'esses pedidos.
O sr. ministro das obras publicas affirma que é necessário, que é conveniente, desenvolver a cultura das vinhas, apesar de saber que existe a phylloxera, e apesar de saber a difficuldade que já se encontra na venda dos nossos vinhos!
S. exa. não ignora, que este anno, em certas localidades, o vinho branco não passou de 500 réis e o vinho tinto de 700 e 800 reis.
Em relação aos preços, que tinha havido, nos arinos passados, podem considerar-se aquelles preços de 500 e de 700 réis, como um verdadeiro desastre financeiro.
Em alguns pontos perto da Lisboa, como por exemplo em Bucellas, onde tenho relações com varios viticultores, sei eu que alguns delles, tendo o anno passado confiado, ou arrendado a longo praso, terreno para cultura da vinha, estão hoje arrependidos de o terem feito, porque na presença da marcha da doença, dá phylloxera, receiam arriscar os seus capitães no desenvolvimento da cultura da vinha.
Mas o sr. ministro das obras publicas valeu-se do inquerito na questão dos cereaes, e por isso eu digo que se s. exa., estribado no inquerito, tivesse motivos sufficientes para não attender aos queixumes dos lavradores de cereaes, s. exa. para ser coherente, não deveria dar conselhos com respeito á cultura da vinha, e deveria, pelo contrario, tambem cruzar os braços.
Desde o momento em que s. exa. ordenou o inquerito, e diz que o inquerito o hade elucidar sobre a crise agrícola, a conclusão logica é que s. exa. devia esperar pelo inquerito para tudo...
Mas ha ainda outra questão.
Sr. presidente, eu peço a v. exa. e á camara perdão por expor as minhas idéas devagar, mas a rasão d'isso é que desejo que todos; que o sr. ministro, fiquem bem compenetrados d'ellas, pois a verdade é que, se eu estiver em erro, terei muita satisfação em ser convencido do que estou em erro.
Por outro lado se me for possivel, não digo esclarecer s. exa. mas ao menos chamar a sua attenção para um campo differente d'aquelle para onde, por qualquer força que seja, tem sido levado, eu ficarei tambem muito contente.
S. exa., a par da circumstancia de manifestar o desejo do desenvolver em ponto grande a cultura vinícola em todo o paiz, patenteou tambem a intenção de querer desenvolver a industria fabril.
A este respeito pondera o o seguinte.
Será essa orientação devida á influencia do capital cosmopolita, que invade tudo por toda a parte; do capital cosmopolita, que hão tem patria, e anda sempre á procura do paiz onde, transitoriamente, possa implantar-se em melhores condições, para sugar o paiz, e depois levantar o voo!?
Não sei; mas o que eu digo é que as circumstancias em que se encontrou sir Robert Peel na Inglaterra, quando lançou ao exterminio a cultura de cereaes, e sacrificou a cultura á industria fabril, eram circumstancias completamente differentes das que se dão entre nós.
Para indicar que assim foi basta lembrar que a Inglaterra tem no seu territorio as riquíssimas minas de carvão de pedra, que lhe dão força e poder, o que nós não temos carvão de pedra para o nosso consumo, porque a mina de Buarcos, que é mina de carvão do pedra, e não de lenhite, como eu tive occasião de o demonstrar e affirmar, vae já em alguns annos não está em condições de exploração tal que possa abastecer o nosso mercado interno, e muito menos satisfazer de futuro a todas as nossas necessidades.
Mas quererão desenvolver a nossa industria fabril, porque se póde contar com o baixo preço, em Portugal, da mão de obra?
É certo, sr. presidente, que alguns industriaes estrangeiros vieram em tempo, não muito afastado de nós, estabelecer em Portugal algumas industrias fabris, e que o fizeram em consideração ao baixo preço da mão de obra em Portugal, mas tambem é certo que este argumento, essa rasão, já não colhe hoje.
A mão de obra tem encarecido em Portugal e tem tendencias para encarecer constantemente.
Admittindo que os salários são relativamente mais baixos em Portugal, é certo tambem que a quantidade de trabalho é relativamente menor em Portugal.
Hoje, que a industria fabril está luctando com grandes difficuldades na Inglaterra, já se reconhece que foi um erro, um grande erro, sacrificar a sua industria agrícola á industria fabril, e hoje, que a industria fabril está a braços em todos os paizes com uma crise gravissima, será n'estas condições que se ha de ir implantar e desenvolverem Portugal a industria fabril?
Eu farei uma pergunta, dirigida ao sr. ministro das obras publicas, e s. exa. a tomará na consideração que ella merecer.
Convirá, será prudente, para Portugal, nas circumstancias actuaes, dar grande desenvolvimento á industria fabril, não tendo nós carvão de pedra, nem a barateza de mão de obra, que tinhamos antigamente?
Ninguem ignora as difficuldades com que luctam as industrias fabris estrangeiras.
Ora, desde o momento em que a industria fabril estrangeira, que dispõe de outros meios, que dispõe de outros recursos, de outros capitães, que tem os seus mercados de consumo por assim dizer seguros, lucta com difficuldades, como e que as novas industrias fabris implantadas em Portugal, hão de concorrer com as industrias estrangeiras?
Não póde ser.
Não será mal feito promover a concorrencia ás escolas proprias para a industria fabril, quando essa industria não poderá mais tarde garantir trabalho a esses estudantes?
Volto outra vez, sr. presidente, á questão agrícola. Tem-se dito que o augmento dos direitos de importação sobre os cereaes estrangeiros não resolve a questão, e a esse respeito eu respondo o seguinte.
Eu entendo que o problema é complexo, como o entende o governo, que já assim o declarou.
Eu entendo que o problema é complexo, e por isso entendo que, para o resolver, ou pelo menos, para facilitar

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A sua resolução, é indispensavel o concurso de um grande numero de medidas, tendentes a garantir preços, remuneradores; de venda, e a dar liberdade de acção á agricultura, reconhecendo tambem como o sr. ministro das obras publicas que, só com o tempo será possivel ir successivamente melhorando o estado da agricultura portugueza.
Entendo tambem que um dos factores mais importantes para haver preços remuneradores de venda está na pauta, e aqui se encontra a rasão de eu chamar, a respeito da pauta, a attenção do governo para a crise agricola. Nós, lavradores, portuguezes, pedimos um augmento de impostos pautaes, como o têem pedido as nações mais adiantadas.
A França e outros paizes têem pedido e têem conseguido augmento de impostos protectores para os seus productos agricolas.
Pergunto: Estão esses paizes em peiores condições que nós estamos?
Não estão.
N'esses paizes o ensino agricola está muito mais desenvolvido do que entre nós; dispõem os lavradores d'esses paizes, para auxiliar a força productiva da terra, de meios muito; mais poderosos do que aquelles de que dispõem os lavradores portuguezes; n'esses paizes ha industrias agricolas e fabris, que, permitta-se-me a expressão, são, vae em seculos, exercidas pelas mesmas familias; dão-se finalmente, n'esses outros paizes muitas outras condições mais, de ordem economica e administrativa, as quaes constituem, para assim dizer, uma garantia não só para a industria agricola, mas para a industria fabril, e essas condições, se não todas pelo menos em grande numero, na sua maioria, faltam em Portugal.
Sobre esse ponto já chamei a attenção do governo, quando disse que espero que o sr. ministro da justiça, de accordo com o sr. ministro da fazenda, attenda á remodelação de um certo numero de leis, que se prendem intimamente com a questão agricola.
Sr. presidente, desde o momento em que esses paizes, mais adiantados do que nós, recorrem ao augmento dos impostos pautaes para defender a sua industria agricola, não, é para admirar que igualmente recorra a esse augmento de impostos aduaneiros o nosso paiz, mais atrazado, e que para isso a industria agricola tenha recorrido aos poderes publicos!
De passagem lembrarei que um dos elementos, que mais actuam na agricultura portugueza, é o clima.
A maior parte da gente não calcula, ignora, o que póde o clima nas questões agricolas.
Uma das cousas que me admira é que as estações officiaes, sendo tão meticulosas, tão cuidadosas, e nomeadamente, e honra lhe seja por isso, o observatorio ao infante D. Luiz, em colligir um grande numero de dados estatisticos, não tenham publicado e devidamente organisado muitos d'esses dados com relação á agricultura do paiz, á sua lavoura.
Sr. presidente, uma publicação dessa natureza seria do maior alcance para o paiz.
Não ignoro que trabalhos de natureza analoga estão feitos, e são constantemente publicados, com respeito á navegação a que prestam diariamente grandes, serviços mas desejo que o mesmo se faça com respeito á agricultura nacional.
Desde o momento em que num grande numero de trabalhos agricolas não se empregam, em Portugal, as machinas como por exemplo, na debulha; desde que, no Ribatejo, e em muitas outras regiões do nosso paiz, as cheias se apresentam actualmente quasi de repente e devastadoras, ha toda a conveniencia em que todos os dados meteorologicos sejam bem estudados sob o ponto de vista da sua acção, mediata ou immediata, sobre a agricultura portugueza.
Aqui está, sr. presidente, um outro ponto, para que chamo a attenção do sr. ministro das obras publicas.
S. exa. tem, sob as suas ordens, um pessoal, numeroso, intelligente, trabalhador, e por isso será possível com boa vontade e em poucos mezes, publicar alguma cousa a este respeito.
Estou certo que s. exa. não desconhece a importancia d'este assumpto, e eu não faço senão lembrar-lhe.
Um dos argumentos, que se tem invocado contra o pedido dos lavradores portuguezes, é que nós pedimos um augmento desprositado o que não está em harmonia com o augmento de imposto, que houve em França; mas este argumento não colhe.
A rasão é simples: as circumstancias, o modo de ser da agricultura portugueza, não são às da França, e por isso o augmento de imposto que é protector para este paiz, póde não o ser, não o é, para Portugal.
O augmento de direito, que no caso em questão tem de se traduzir em protecção, varia com as nações.
Não póde haver, não ha, neste ponto, uma regra geral para todos os paizes.
Sr. presidente, o problema ainda n'esta parte é complexo, e na sua resolução deve attender-se a um grande numero de circumstancias; mas, em todo caso, o que é essencial aquillo a que se deve aspirar, é procurar attender á questão dos impostos pautaes, de maneira que haja, para as industrias do paiz preços remuneradores de venda.
Melhorada, regularisada a situação financeira da classe agricola, poderá ella ter algum dinheiro disponivel e então acompanhará de boa vontade o sr. ministro das obras publicas nos melhoramentos agricolas, compativeis com a natureza especial da agricultura portugueza, e com os seus meios.
A respeito da applicação de novos instrumentos, ou machinas, á agricultura portugueza tambem direi de passagem o seguinte.
A maior parte da gente está illudida, não ha reluctancia nem ha má vontade em recorrer ao emprego dos instrumentos mais aperçoados em uso nos paizes estrangeiros. O que ha muitas vezes, se não geralmente, é falta de dinheiro para os comprar, alem do que é preciso que se saiba que nem todos os instrumenttos lá de fora são applicaveis em Portugal.
Sinto não ver n'este momento presente um lavrador importante, o nosso collega, o sr. José Maria dos Santos, que melhor do que qualquer outra pessoa, póde, querendo, prestar informações valiosas a este respeito.
Consta-me que s. exa. quiz empregar em algumas das suas propriedades, em Portugal, charruas a vapor, para o que as mandou vir de fora, dando-se a circumstancias de se reconhecer, no trabalho que com ella se quiz fazer, que não serviam, taes quaes tinham vindo de fora. Foi preciso recorrer á fabricação de charruas a vapor, que se adaptassem às condições da lavoura para que eram destinadas e consta-me tambem que o mesmo lavrador teve ultimamente os seus trabalhos parados, porque não ha cá quem as concerte! O que se dá com este lavrador, o que se tem dado com outros lavradores em casos analogos, dá-se em relação a todo o paiz. Convem insistir em que uma das maiores dificuldades no emprego das machinas modernas na agricultura portugueza provem da dificuldade dos concertos, existe tambem a da falta de pessoal habilitado para trabalhar com essas machinas, mas não insisto n'esta difficuldade, porque é sabido que desde o momento em que um individuo, que exerce uma industria agricola, quer aproveitar o emprego das machinas e não tem pessoal habilitado, é elle próprio, quem vae dirigir, guiar e conduzir os trabalhos.
Estas idéas póde ser que não sejam agradaveis á primeira vista, e concordo em que effectivamente é mais bonito e mais agradavel encarar, por exemplo, a questão dos vinhos, recordando que ha adegas luxuosas, que ha garrafas de forma particular, com rotulos expressamente fabricados e que dão na vista, abstrahindo das dificuldades com que

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esse ramo de industria agricola lá lucta, mas nós, aqui, quando estamos tratando da administração do paiz, devemos procurar ver o bom e o mau, principalmente quando tambem receio, ou me persuado - não sei se bem ou mal - que essas apparencias deslumbrantes podem ter effeito de desviar; a attenção do sr. ministro, de pontos para os quaes desejo, pelo contrario, que seja chamada sua attenção.
Mas ha mais.
Disse ha pouco, que á população agricola tambem é toda ella consumidora, e por isso tambem devo insistir em que os capitães empregados em industrias fabris, de consumo interno, como por exemplo fabricas de lã, algodão, etc., dariam maior interesse, se a agricultura estivesse prospera; porque havia de augmentar necessariamente o consumo interno.
Ha um modo de encarar a questão, que reputo pessimo.
É de encarar a industria fabril em Portugal, como uma fonte de lucro, de ganho, para o capital comospolita, que não tem patria.
É o caso: - Vem um individuo do estrangeiro com dinheiro, chega a Portugal e diz: - o paiz tem tantas mil cabeças; deve consumir tanto de vestuario, deve consumir tanto de calçado, deve consumir tanto de camizas, tanto de botões, tanto de chapeus e por consequencia vamos a organisar differentes industrias, que monppolisem todos esses differentes ramos, de industrias e o seu consumo no paiz.
Não sei se o calculo se fez, também não posso affirmar que tenha ou não tenha dado logar á realisação pratica das aspirações do capital cosmopolita; mas sei que é possivel fazer-se, ou ter-se feito tudo isso, e que dahi se póde com facilidade chegar, ao monopolio, e isto, basta para tambem ver que ha toda a vantagem em fazer prosperar, e desenvolver a industria agricola em Portugal, para que possa garantir bons lucros ao capital nacional, e não cosmopolita, que se empregue na industria fabril, nacional.
Ninguem póde contestar que como já o affirmei, vem de fóra, do estrangeiro, uma massa enorme de trigo e de milho para o consumo dos portuguezes.
Tambem é certo que a industria da producção da lã se encontra em Portugal n'uma situação precaria, e como é tambem certo que em precarias condições existem em Portugal muitas outras industrias nacionaes, ligadas com a terra, ou d'ella dependentes; teria eu debaixo d'este ponto de vista, querido que, quando no seio da commissão de fazenda se discutiu a questão das pautas, o sr. ministro das obras publicas tivesse conseguido do seu collega da fazenda para que a commissão de fazenda fosse aggregada á commissão de agricultura d'esta casa do parlamento, para elle mais uma vez ter occasião de fazer ouvir no seio d'essa commissão oficial as queixas da agricultura portugueza.
Isto não se deu, e por consequencia mais um motivo para que eu, que sou humillissimo secretario da commissão de agricultura da camara dos senhores deputados da nação portugueza; não direi lavre o meu protesto, mas sustente agora n'este momento, as idéas que sempre tenho pretendido sustentar.
Já me referi á accusação, que tem sido feita, de que os lavradores portuguezes são ignorantes, não sabem; e agora cumpre-me tambem insistir em que os esforços que debaixo d'essa orientação, têm sido feitos pelo ensino official, nenhuns resultados praticos têem dado.
E eu, fallo n'isto tanto mais desassombradamente, quanto é, certo que o facto está reconhecido pelo sr. ministro das obras publicas, pelo governo, e por uma auctoridade insuspeita, como é o sr. conselheiro João Ignacio Ferreira Lapa, que foi por muitos annos director do instituto geral de agricultura; e que affirma que essa escola não deu os resultados, que eram para desejar!
N'este ponto cumpre-me pedir ao sr. ministro das obras publicas que procure impedir que vamos sair no mesmo erro com a nova organisação do ensino agricola isto é, que novamente, passados annos, tenhamos gasto dinheiro sem resultado.
Convem tambem ponderar que, só passados annos, se poderão sentir os effeitos do bom ensino agricola.
Eu já declarei que tenho sempre receio das influencias burocraticas, mas com relação á agricultura portugueza, começo a nutrir a esperança de que, dado o facto do sr. ministro das obras publicas, com as suas medidas, levar o funccionalismo a embrenhar-se, para assim dizer, n'esta questão da agricultura, esse funccionalismo publico, a burocracia, que estava alheia, por effeito de ighbi-ancia, á questão agricola, comprehenderá por sua vez que, para a sua propria salvação e existencia, é necessario, é indispensavel que a agricultura portugueza se levante.
Se assim for, esse outro estado que, ate agora, se me apresenta como tendo sido um mal para a agricultura portugueza, poderá ainda vir a ser um bem por isso que, desde o momento em que o funccionalismo se convence de que as queixas são verdadeiras e fundadas, e que isto não póde continuar, os lavradores terão mais um defensor não direi mais convicto, mas mais efficaz.
Sr. presidente, mas se assim acontecer, não deixo por isso, e desde já, de querer uma outra cousa para bem da agricultura portugueza.
Eu quero que no seio da representação nacional haja quem defenda, os interesses agricolas.
Quero que, debaixo d'este ponto de vista, o paiz tenha uma confiança completa nos seus mandatarios, nos seus representantes no parlamento portuguez.
Sr. presidente, debaixo do ponto de vista que indico a camara, eu quereria que a dictadura tivesse ido mais longe, que tivesse ido até ao ponto de reformar a actual lei eleitoral.
Tambem teria querido, como já, o declarei aqui na sessão de 18 de maio de 1887, que a dictadura tivesse até tendido a questão do municipio de Lisboa dando uma nova organisação a esse municipio, e tivesse resolvido a questão das incompatibilidades.
Sr. presidente, não desejo discutir agora à valer estes pontos, que á primeira vista parecem não estar ligados, com a crise agricola, e que de facto estão ligados com ella; como passo a mostrar muito resumidamente.
A actual lei eleitoral é uma arma, filha do accordo a qual, pela forma por que está, constituida, póde não dar, é não dá, os resultados que alguns esperavam da sua approvação e execução.
Eu, sr. presidente, ataquei n'esta casa essa lei eleitoral, tanto quanto pude, contra a opinião do sr. deputado Augusto Maria Fuschihi, que foi o relator do projecto, e o auctor da lei.
Disse-lhe, mais de uma vez, que a lei havia de apresentar grandes inconvenientes praticos, e um d'elles havia de ser o de acabarem as influencias locaes, e não me enganei, sr. presidente.
Dissolvida a camara, vieram as eleições sob o regimen da nova lei, filha do accordo; as influencias locaes encontraram-se na impossibilidade de luctar, e eu fui uma das primeiras victimas da nova lei.
Tinha-me dito o sr. Fuschini que não me inquietasse, porque as influencias locaes conservariam a sua força; e eu respondêra-lhe que s. exa. estava enganado ou illudido.
Quem tinha rasão era eu.
Fui das primeiras victimas, porque logo fui fuzilado por um outro lado, pelos dois campos oppostos, na primeira lucta eleitoral, que se travou sob o regimen da nova lei.
Desde o momento em que sei isto, desde que tenho a certeza que, sob o regimen da actual lei eleitoral, as influencias locaes só por si nada podem, a minha aspiração é que essa lei seja reformada, destruida.
Eu não gosto de questões politicas, já o tenho aqui declarado por mais de uma vez, mas não posso deixar de

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SESSÃO NOCTURNA DE 20 DE JULHO DE 1887 1958

entrar n'ellas, n'uma ou n'outra occasião, e por isso farei agora mais.
Direi ao governo que deve tomar todo o cuidado com esta lei eleitoral, que nos rege actualmente, porque póde serque Venha, depois do actual,governo,um outro governo, que não queira, ou não possa proceder, como procedeu nas eleições, o actual governo, e poderão consequentemente dar-se circumnstancias graves para todos.
Eu ataquei a lei eleitoral; e quando penso n'isso cada vez mais me convenço, sr. presidente, que tive rasão para o fazer;
Custa-me a comprehender que um engenheiro esclarecido, como é o auctor da actual lei eleitoral portugueza, ignorasse ou deitasse ao desprezo as leis mais elementares da mechanica, porque é principio corrente n'essa sciencia que o choque de dois corpos têm necessariamente de dar logar a certos e determinados resultados.
Isto que se dá no mundo physico, dá-se tambem no mundo da vida pratica, na politica, é desde o momento em que há encontro entre dois corpos, quando não ha outro de permeio, os resultados são inevitaveis.
É impossivel reger-se normalmente o paiz com esta lei eleitoral.
É necessario attender a que n'este paiz ha differentes poderes: ha o poder moderador, o poder legislativo, o poder executivo e o poder judicial.
Para a vida do paiz em condições de paz, de progresso, de bem estar, é indispensavel que haja boa harmonia entre todos esses poderes, e que cada um funccione livremente dentro da sua esphera de acção, e, desde que não tenhamos uma lei eleitoral bem feita, que no parlamento não haja dois partidos extremos, que se gladiem com um partido intermediario, que em dadas occasiões possa evitar o choque entre os outros dois, desde que falte, o que alguem chamou pittorescamente o prato de meio, o poder moderador poderá por vezes encontrar-se em situação muito embaraçosa, com dificuldades quási insuperaveis.
Limito aqui as minhas considerações, porque não quero fazer quaesquer considerações mais, que não sejam as que me são permittidas pela carta constitucional, e dentro do respeito devido aos poderes do estado.
Sr. presidente, procurei mostrar em poucas palavras a necessidade para o paiz, a conveniencia para o governo, para a sua vida partidaria, de se tratar, sem demora, da reforma da lei eleitoral, e direi mais que com uma nova lei eleitoral, que garanta as influencias locaes, ganharão muito os verdadeiros interesses da agricultura portugueza.
Direi ainda uma outra cousa.
O falecido conselheiro Antonio Maria de Fontes Pereira de Mello defendeu, fez votar nas camaras portuguezas a actual lei eleitoral, de que é auctor o sr. Fuschipi, e que é filha do accodão, e por isso causa sempre espanto o facto de s. exas. terem achado bom e sustentado o principio da eleição indirecta para a eleição de parte da camara alta, e terem feito vigorar o outro principio da eleição directa, para a eleição dos srs. deputados da nação portugueza, mas tambem agora não me alargo em mais considerações a este respeito.
Ha outra questão, a que tambem me refiro por estar ligada com a questão agricola, e a do municipio de Lisboa. Toda a gente sabe que uma parte importante da classe agricola soffreu muito com as medidas adoptadas em relação ao modo de ser actual do municipio de Lisboa. O governo não o ignora, porque se lhe representou n'esse sentido.
Sem querer levantar a questão, porque não é opportuno fazel-o agora, direi só que me custa a comprehender que alguem podésse imaginar que se podia crear receita para o municipio de Lisboa, augmentando-se-lhe a área, como se fez!
O augmento, é grande, dos encargos é certo, mas o augmento da receita é necessariamente fallivel.
Acrescentarei que desejo que o governo, pela forma por que for possivel, trate de examinar ocaso e de procurar attender às circumstancias em que se encontra uma numerosa classe agricola, em virtude do alargamento da aréa do municipio de Lisboa.
Espero que o governo attenderá as reclamações que lhe foram dirigidas, e que o fará por uma fórma clara e terminante.
Sr. presidente, foi n'esta ordem de idéas que eu tambem pedi a v. exa. a palavra sobre o projectode lei,que ultimamente foi discutido e votado, n.º 138, relevando o governo da responsabilidade em que incorreu por ter assumido o exercicio de funcções legislativas.
Não julgue v. exa., sr. presidente, que eu me vou alongar muito em considerações a este respeito; mas não posso deixar de dizer que tambem pedi a palavra n'esse debate, porque houve n'elle uma affirmativa, uma proposição, apresentada pelo illustre deputado, a quem já hoje teci os meus encomios, o sr. Antonio Candido; digo proposição, que deu logar a que o sr. Zophimo Consiglieri Pedroso se aproveitasse dos principios consignados n'essa proposição, para tirar todo o partido que poude, ou soube em relação á ordem de idéas, que o mesmo sr. Zophimo Consiglieri Pedroso procura sustentar.
Fique pois sabido que eu não vou para as idéas consignadas na proposição do sr. Antonio Candido, nem tão pouco para as conclusões do sr. Zophimo Consiglieri Pedroso.
Entendo que hão se póde dizer, nem affirmar, que o regimen liberal não se adapta às raças latinas, e que o systema que se accommoda mais a essas raças, é o systema da dictadura.
Isto envolve a necessidade, a indispensabilidade, de um absolutismo permanente.
Não vou para ahi, sr. presidente, e passo a dar algumas das rasões disso.
A historia patria diz-me que em Portugal houve sempre, desde os primeiros tempos, um regimen liberal, no seu todo.
O que eram os tres estados?
Ha cousa mais liberal do que os factos, de que nos dá conta a historia, que se referem ao que os nossos antepassados diziam cara a cara ao Rei? (Apoiados.) Nos proprios conventos, com relação a escolha dos superiores, o regimen, que havia, era um regimen electivo liberal!
Desde que com esses, e outros factos historicos, que agora não cito, posso provar que em Portugal houve por dilatado numero de annos um regimen no sentido liberal, destruo, debaixo do meu ponto de vista, a these principal contestada pelo sr. Antonio Candido; de que o regimen liberal não se adapta ás raças latinas.
Agora n'um outro ponto melindroso, à que s. exa. se referiu, talvez eu, achando-lhe rasão, o podesse acompanhar; mas não quero, porque é um campo muito melindroso, e refere-se a uma questão, que não quero levantar aqui.
Direi unicamente que, pela minha parte, procuro cumprir o meu dever, e estou certo que todos os individuos, que estão n'esta camara, procuram igualmente cumprir o seu nos limites da sua politica partidaria e da sua consciencia.
Em relação ao sr. Consiglieri Pedroso, direi que s. exa. foi feliz na adaptação que fez da argumentação do sr. Antonio Candido para o seu modo de ver, mas que essa adaptação cáe pela base, desde o momento em que parto do principio que a these do sr. Antonio Candido, segundo o meu modo de ver, é insustentavel.
O outro ponto, a que alludi, e com o qual tambem se relaciona a crise agricola, é o da necessidade de uma lei de incompatibilidades; mas como a hora vae adiantada, deixarei esse ponto de parte e torno a ocupar-me da questão agricola.

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Sr. presidente, as propostas, que vou tomar a liberdade de mandar para a mesa, de emenda às taxas da nova pauta, são com pequena alteração, a representação de 31 de março de 1887 da real associação central de agricultura portugueza.
N'essa representação, que constitue o parecer enviado ao conselho superior das alfandegas pela mesma real associação, sobre a reforma da pauta aduaneira, ponderou essa associação:
1.° Que o direito de importação do trigo estrangeiro em grão não deve ser inferior a 20 réis por kilogramma.
2.° Que a proporção entre os direitos de importação dos cereaes em grão e em farinhas tem uma grande influencia sobre a industria agricola, porque, sendo a differença de direitos grande, a procura dos trigos nacionaes diminue e a crise agricola manifesta-se, aggravando-se.
Por esta forma deixou a indicação da taxa dos direitos de importação das farinhas ao governo, esperando que elle resolva no sentido da maior conveniencia publica.
3.° Que o direito de importação do milho estrangeiro pão deve ser inferior a 15 réis em kilogramma, e que um direito igual deve ser imposto em cada kilogramma de cevada estrangeira importada em grão, mesmo fermentada.
4.º Que se deve impor á fava estrangeira, alem dos direitos de importação, o imposto de consumo em Lisboa, que actualmente paga a fava nacional.
5.° Que devem ser reduzidos, senão completamente abolidos, os direitos de entrada da palha nacional em Lisboa.
6.° Que devem, pelo menos, ser mantidos os direitos de importação, que então pagava o azeite de oliveira estrangeiro.
7.° Que deve ser prohibida a importação da margarina, da manteiga artificial ou de qualquer outra substancia gordurosa, destinada a falsificar as manteigas naturaes.
8.° Que o governo deve tomar as medidas necessarias para evitar que o óleo de semente do algodão, ou outro qualquer, seja empregado na falsificação do azeite, e que deve ser prohibida a sua entrada em mistura com o azeite.
9.° Que a lã estrangeira lavada, ou em rama, deve ser imposto o direito aduaneiro de 60 réis em kilogramma, e que se deve impor á lã da mesma origem, suja, cardada, ou penteada, o direito, que se julgar proporcional ao grau de impureza ou de manipulação já recebida.
10.° Que o sebo estrangeiro em bruto, corado ou em residuos, deve pagar 120 réis por kilogramma, e que ao manipulado se deve lançar um imposto proporcional.
11.° Que todos os productos agricolas estrangeiros, em simples transito pelo paiz, destinados a sairem d'elle, sejam ou hão baldeados, devem receber uma marca especial para estarem sujeitos a uma rigorosa fiscalisação, para que se distingam bem dos productos similares nacionaes.
12.° Que os elevados direitos de consumo, pagos nas barreiras pelos vinhos nacionaes, favorecem a industria da cerveja, diminuem a venda d'esses vinhos, promovem as falsificações, com prejuizo da viticultura nacional e grave detrimento da saude publica.
13.° Que é de urgencia adoptar providencias que defendam a nossa industria agricola nacional da concorrencia ruinosa, que lhe estão fazendo os productos similares estrangeiros, especialmente as cereaes.
14.° Que devem ser adoptadas providencias energicas e promptas contra a concorrencia feita aos productos agricolas nacionaes pelos productos imitados, misturados, e por diversas fórmas falsificados, que difficultam a venda e desacreditam os generos de origem nacional, trazendo graves consequencias e prejudicando a saude publica.
15.° Que na reforma das tarifas francezas se tem como necessario impor aos productos de origem extra-europêa importados de depositos da Europa, direitos que para alguns cereaes chegam a ser mais de tres vezes superiores aos dos productos de origem europêa, ou importados exactamente dos paizes de fora da Europa.
Com relação a marca especial dos productos em transito, nada proponho, e faço apenas a indicação da sua necessidade. O poder executivo fará o mais.
Esta questão foi debatida largamente na legislatura que findou em 1884, quando era ministro o sr. conselheiro Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro, e à attenção de s. exa. foi chamada para este ponto assim como chamo tambem agora para ella a attenção do governo.
As propostas que vou mandar para a mesa são as que passo a indicar.
A do trigo diz:
(Leu.)
Para a justificar, tão rapidamente quanto me seja possivel, farei as declarações seguintes:
Na real associação central de agricultura portugueza houve todo o cuidado de discutir largamente o parecer a que acima me referi.
N'essa discussão foram invocados os algarismos, as estatisticas, os preços de venda, de transporte, etc., como calculo que terá succedido na discussão no seio da commissão de fazenda d'esta camara, do projecto pendente.
No seu parecer a real associação central de agricultura portugueza procurou indicar o que entende que se deve fazer, em relação aos productos enunciados no mesmo parecer, ou para lhes serem garantidos os preços de venda remuneradores, ou para estabelecer igualdade de condições na concorrencia para a venda em Lisboa, que é o caso para a fava, ou para generalisar o consumo de um dado producto, como a palha, tambem na mesma capital, ou ainda para evitar a falsificação de alguns productos.
Da apreciação do exame de todos os dados de que foi possivel dispor na real associação central de agricultura portugueza, chegou-se á conclusão que para obter para o trigo nacional um preço de venda remunerador, isto é, o preço de 600 réis, e necessario que o direito de importação do trigo estrangeiro em grão não seja inferior a 20 réis por kilogramma.
A respeito do trigo occorre naturalmente a questão da farinha. A real associação central de agricultura portugueza não apontou no seu parecer a taxa do imposto para as farinhas estrangeiras.
Sabia, o que foi tambem affirmado officialmente pelo governo no relatorio de 4 de junho de 1886, que existe o monopolio das fabricas de moagem, mas entendeu que não se devia intrometter nos negocios d'essas fabricas.
A real associação central da agricultura entendia e entende que todos os industriaes fabris ou agricolas devem zelar os seus interesses:
Não se julgue, porém, que na real associação central de agricultura portugueza não se tratou de apurar, não se sabe, qual a taxa aduaneira que devia competir á farinha estrangeira.
Está calculado que a uma dada taxa aduaneira, para o trigo estrangeiro deverá corresponder nas farinhas estrangeiras um direito ou taxa que tenha um quinto a mais do direito do trigo em grão, de maneira que se o direito do trigo passasse a ser do 20 réis, o da farinha deveria ser 24 réis. (Apoiados.)
Em relação ao milho a minha proposta é esta:
(Leu.)
A base que me leva a pedir esse direito é a de que se deve considerar como preço de venda remunerador para o milho, o preço de 400 réis.
Em relação á fava, diz o artigo 194.° da pauta que está em discussão, que o total do direito em réis será de 13 1/2, e eu proponho para a fava, à fim de que sejam iguaes em Lisboa as condições de venda da fava nacional e da fava estrangeira, uma de duas cousas: ou que a fava estrangeira, alem dos direitos de importação pague mais o imposto

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SESSÃO NOCTURNA DE 20 DE JULHO DE 1887 1955

do consumo que actualmente paga a fava nacional; ou então que a fava nacional não pague imposto do consumo.
Para o artigo 182.° da nova pauta: a manteiga natural, manteiga de Mouriers, ou qualquer outra imitação de manteiga ou artificial", proponho que fiquem sómente as palavras "manteiga natural".
(Leu.)
Tambem a este respeito proponho que seja prohibida a importação de margarina, de manteiga artificial, ou de qualquer outra substancia gordurosa, destinada a falsificar as manteigas naturaes.
(Leu.)
N'isto não faço mais do que caminhar de accordo com as aspirações indicadas pelo sr. ministro das obras publicas, em resposta ao sr. deputado o sr. Frederico de Gusmão Correia Arouca, na sessão de 14 de julho corrente.
Já o dei a entender hoje, e agora o repito, que não tive tempo para ler com toda a minuciosidade, em todos os seus pontos, o projecto que está em discussão, e isso leva-me a declarar que não posso indicar qual o numero do artigo da nova pauta que corresponde ao óleo de semente de algodão.
Não impede isso que eu mande para a mesa a proposta que passo a ler
(Leu.)
O meu fim é obstar á entrada do óleo de semente de algodão, ou de qualquer outro, que possa servir para falsificar o azeite de oliveira.
Poderia, agora apresentar algumas considerações sobre os graves damnos, que para a sociedade podem resultar da falsificação do azeite de oliveira com o óleo de semente de algodão, mas não o farei.
Se não me engano na nova pauta está marcado o direito de 700 réis para o azeite de oliveira, e esse direito é superior ao da proposta actual, 500 réis, que era tambem o da proposta de 1886. Melhorarão por conseguinte os preços da venda do azeite de oliveira nacional.
Relativamente á lã estrangeira em rama, lavada ou por lavar, e a simplesmente cardada ou penteada, diz o projecto a fl. 39 que é um artigo da pauta de importação, livre de direito de importação, mas sujeito ao imposto estabelecido no artigo 1.°, § 3.° da lei de 26 de junho de 1883, e na classe 2.ª artigo 24.°, figura a lã em rama, tinta, com o direito de 35 réis.
A minha proposta é a seguinte:
(Leu.)
Desejo que, quando seja possivel, se attenda á necessidade que indico na proposta, que acabo de ler, e na qual está exarada a opinião de gente entendida no assumpto, a fim de que seja garantido um preço de venda remunerador para a lã nacional.
O sr. Matoso Santos (relator): - V. exa., examinando a pauta, vê logo que é um artigo convencional, em que se não póde tocar.
O Orador: - Por isso disse no principio da sessão que a questão da pauta é uma questão complicada, não só em relação á pauta em si, mas tambem com respeito aos contratos em vigor, ou tratadas de commercio com outras nações, e sou consequente quando affirmo que, se s. exa. me responde que não póde ser attendida a minha proposta, em vista d'esses tratados, eu mantenho a minha proposta na esperança de que mais tarde seja attendida, quando caducarem esses tratados.
Ha uma outra questão importantissima, que é a questão do sebo.
Já me referi aqui, noutra occasião, a esta questão; fiz então ver qual a importancia, que tem sobre os preços das carnes, e, para não repetir agora o que disse n'esta sala, nas sessões de 7 e de 31 de maio ultimo, limito me a declarar que o meu desejo seria que se resolvesse em harmonia com o pedido da real associação central de agricultura portuguesa.
A minha proposta é a que vou ler.
Quereria por ultimo, que os direitos de entrada da palha nacional em Lisboa fossem abolidos; e para este ponto chamo especialmente a attenção do sr. ministro das obras publicas.
Esta questão dos direitos da palha, questão que parece á primeira vista de pequena importancia, tem uma grande importancia até debaixo do ponto de vista hygienico.
S. exa. sabe perfeitamente, que uma das maiores dificuldades, que encontram os delegados do conselho de saude em Lisboa, é conseguir que as casas onde se guarda gado, estejam em boas condições de limpeza. Também é sabido que um dos maiores desinfectantes, ou, pelo menos, um dos maiores absorventes dos dejectos liquidos do gado, é a palha, e, debaixo d'esse ponto de vista, entendo que ha uma grande vantagem em facultar a entrada livre da palha em Lisboa, porque será o meio de proporcionar melhores camas ao gado e de facilitar é aceio, á limpeza, das casas n'essas condições.
Tenho dito tanto quanto me parece sufficiente para justificar as propostas que mando para a mesa em relação á questão da agricultura, e conjuntamente em relação á questão das farinhas, assumpto este sobre o qual não havia, nem há, no meu espirito, como defensor dos interesses da agricultura, o menor desejo de ferir de morte as fabricas portuguesas de moagem.
Ninguem interessado na industria fabril, póde levar a mal que os lavradores peçam protecção para a nossa industria agricola.
Todas as nossas industrias pedem protecção pautal, para não morrerem com a concorrencia desleal das industrias similares estrangeiras.
Sr. presidente, declarei no principio da minha oração que havia de chamar a attenção do illustre relator da commissão para outros dois pontos importantes, aos quaes vou agora referir-me.
Fallo em primeiro logar da industria de gravura em madeira, industria que está completamente indefeza, segundo se observa no artigo 65.° da tabella B da nova pauta.
A minha proposta, segundo os meus desejos, é a seguinte:
(Leu.)
Têem aqui cabimento as reflexões há pouco apresentadas com relação á lã, o que quer dizer que a minha proposta é uma aspiração.
Escuso de desenvolver muito a justificação d'esta aspiração, porque ella consta de um impresso, ou memoria, que foi largamente distribuida por conta e ordem da associação typographica lisbonense e artes correlativas e da qual necessariamente o illustre relator tem conhecimento, como tambem o terá da representação, que a este parlamento foi dirigida pela mesma associação e por intermedio do nosso collega o sr. Joaquim Pedro de Oliveira Martins.
O outro ponto diz respeito á educação e á instrução primaria e secundaria.
Não tive tempo, sr. presidente, para formular o meu pedido circumstanciadamente com relação aos respectivos artigos da nova pauta, e por isso formulei uma proposta nos termos seguintes:
(Leu.)
A outra proposta, que mando tambem para a mesa, diz:
(Leu.)
É contradictorio estar-se à promover o desenvolvimento da instrucção e do ensino, por todos os modos possiveis, e ao mesmo tempo em estar a tributar, com impostos excessivos, alguns dos elementos indispensaveis para se ministrar este ensino, essa instrucção.
Não alongarei as minhas considerações a este respeito.
A minha ultima proposta talvez alguem a queira classi-

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ficar de menos seria, mas não o é, porque os paes de familia sabem que os brinquedos para as creanças, não são uma cousa de pouco valor, indifferente, como podem parecer, á primeira vista.
Quando mais não seja, é preciso não esquecer que os brinquedos são um meio efficaz para ter as creanças entretidas, quietas e socegadas. (Apoiados.)
Portanto eu desejaria que entrassem livres de direito todos os objectos classificados como brinquedos.
Limito aqui às minhas considerações e agradeço a v. exa. e á camara a attenção com que me escutaram.
Vozes: - Muito bem.
Leram-se na mesa as seguintes:

Propostas

Proponho que no artigo do projecto de lei - Trigo em grão, n.º 189, onde se lê "Total dos direitos em réis, 15" se escreva 20 (vinte) réis";
Que no artigo do projecto de lei - Cereaes em grão não especificados, n.º 190, onde se lê "Total dos direitos em réis 13,5" se exclua o milho, constituindo-se um artigo povo, com a respectiva numeração, e com os dizeres, "Milho".... Total dos direitos em réis 15;
Que no artigo do projecto de lei - Favas, n.°194, onde se lê "Total dos direitos em réis 13,5", ou em outro qualquer logar, mais conveniente, se declare uma de duas cousas: A, que a fava estrangeira, alem dos direitos de importação, pagará o imposto de consumo que actualmente paga a fava nacional; ou B, que a fava nacional não pagará imposto de consumo";
Que no artigo do projecto de lei - Manteiga natural, manteiga de Mouriers, ou qualquer outra imitação de manteiga ou artificial, n.º 182 - se diga sómente "Manteiga natural";
Que seja prohibida a importação de margarina, de manteiga artificial, ou de qualquer outra substancia gordurosa, destinada a falsificar as manteigas naturaes.
Que o governo tome as medidas necessarias exequiveis, a fim de obstar que o oleo de semente de algodão ou outro qualquer, seja empregado na falsificação do azeite, ou que a sua entrada, em mistura com o azeite, seja prohibida;
Que á lã estrangeira lavada e em rama se imponha o direito aduaneiro de 60 réis em kilogramma e á lã da mesma origem, suja, cardada ou penteada, se imponha o direito que se julgar proporcional ao grau de impureza ou de manipulação já recebida, e que neste sentido seja modificado o direito total do artigo 24.°;
Que ao sebo estrangeiro em bruto, corado ou em residuoa, se imponha o direito de 120 réis por kilogramma, e ao manipulado se lance um imposto proporcional;
Que os direitos de entrada da palha nacional, em Lisboa, sejam abolidos. - José de Saldanha Oliveira e Sousa.
Foram admittidas.

Proponho que sobre a reproducção de gravuras originaes em madeira por meio de clichés estereotypicos ou galvanicos, recaia um imposto de 15 ou 20 réis por centímetro quadrado, incluindo o desenho e a madeira;
Que sejam livres de direitos de importação os instrumentos e apparelhos destinados ao estudo, no ensino da instrucção primaria e secundaria;
Que igualmente entrem sem pagamento de direitos todos os objectos classificados como brinquedos para creanças. =José de Saldanha Oliveira e Sousa.
Foi admittida.
O sr. Fuschini: - Começo por ler a minha moção de ordem! É a seguinte: "Considerando que o parecer da commissão respectiva sobre a proposta da reforma dos direitos aduaneiros foi apresentado no sabbado passado, e o seu annexo posteriormente, sendo ambos estes documentos extensos, e a materia, que elles estudam e desenvolvem, da maior importancia;.
"Considerando que a discussão, sobre a medida de maior alcance economico e financeiro de todas as que podem ser submettidas á severa critica e apreciação do parlamento não deve fazer-se precipitadamente no fim de uma epocha legislativa muito trabalhosa, em sessões diurnas e nocturnas que não dão tempo para o estudo, dos deputados, nem para o pleno, conhecimento da opinião do paiz;
"Considerando que o estado nada perde em ser addiada esta discussão, porquanto cobra os direitos da nova pauta, e pelo contrario, muito lucrará porque a experiencia demonstrará, como em parte já demonstrou, as imperfeições da nova pauta:
"Proponho que seja adiada a discussão d'este projecto para a futura legislatura, ou, pelo menos, se fixem quinze dias para estudo de tão importante assumpto.
Sr. presidente, póde parecer singular que, depois de ter sido iniciada esta discussão, venha eu com uma proposta que é simplesmente a questão previa de addiamento; mas não deve admirar isto, quando se dá o singularissimo facto de se apresentar uma proposta de transformação completa dos direitos aduaneiros, isto é, uma nova pauta, sendo aberta quarenta e oito horas antes a discussão em sessões diurnas e nocturnas. (Apoiados.)
Diziam os antigos que a mulher de César, quando não fosse honesta, o devia parecer.
Trazendo este proloquio para a actualidade, entendo que as discussões parlamentares, quando não sejam graves e serias, ao menos o devem parecer; assim, perguntarei: como é possivel em quarenta e oito horas ler o extenso relatorio que foi apresentado pelo illustre relator, e o annexo que bem se fez em juntar a este documento? Ler e estudar, porque o estudo de uma questão d'esta ordem não se faz em uma simples leitura; sim, perguntarei francamente a todos que se deram ao trabalho de ler este parecer, se conseguiram fazer um estudo aproveitavel - e uma critica scientifica do projecto em discussão?
Appello para todos os lados da camara; exactamente porque este trabalho tem importancia e não póde ser apreciado com uma rapida leitura, como se aprecia um romance. (Apoiados.)
Pois o governo apresentou á camara as suas propostas de fazenda no mesmo dia em que se constituiu a camara; a commissão de fazenda trabalhou durante tres mezes sobre a proposta da pauta, e vem agora exigir-se da camara que estude em quarenta e oito horas a mesma questão, em que homens competentes despenderam tanto tempo?
É preciso que as questões tratadas na camara pareçam, ao menos, que são seriamente estudadas, principalmente quando a discussão versar sobre documentos d'esta ordem. (Apoiados.)
Não sei que pressa é esta, depois da declaração formal do sr. Marianno de Carvalho, em resposta á pergunta que noutra sessão lhe dirigi: "tenha o illustre deputado a certeza de que ha de ter tempo sufficiente para estudar a questão da pauta".
Pareceme, até, que fixou o praso de oito dias, o que aliás não seria exagerado.
Uma voz: - É engano.
O Orador: - V. exa. póde dizer que não, eu digo que sim, e como os srs. ministros não publicam os seus discursos, não se sabe, infelizmente, quem tem rasão.
O systema usado pelo actual governo, realmente, não me agrada, e por isso condemno-o, como outrora condemnei igualmente erros praticados pelo governo regenerador, que apoiei e sustentei.
(Interrupção do sr. Marçal Pacheco.)
Diz-me o sr. Marçal Pacheco que este governo veiu para fazer o mesmo que fizeram os passados governos regeneradores; pois, se veiu só para isso, para pouco nasceu e não valia a pena mudar de seca.

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O problema, aliás complexo, da pauta envolve questões importantes, a dos cereaes, por exemplo; e talvez que n'este ponto esteja a rasão da pressa com que se deu para a discussão este projecto.
É sabido como na actual sessão se tem apresentado esta questão. Levantou-se um dia, se bem me recordo, o meu amigo, o sr. D: José de Saldanha e pediu protecção para a agricultura; Estava no seu papel, estava nas suas idéas e nas suas doutrinas, porque nunca fez outra cousa n'esta casa se não pedir protecção para a agricultura.
Levantou-se irado, mas não facundo n'esse momento, o sr. ministro das obras publicas e disse nunca!
Nunca! porque a protecção, como se pede, seria o sacrificio das classes consumidoras. Eu apoiei.
Passados dias apresentou-se novamente a questão dos cereaes. Então já o sr. ministro estava mais brando, e fazendo, quasi, amende honorable, disse suavemente, que o governo precisava meditar sobre o assumpto porque os consumidores podiam ser lesados.

ma voz: - Fallou só por si.
O Orador: - Como não ha o discurso publicado póde ser tudo quanto quizerem.
Mas attenda o illustre deputado a que dos ministros são solidarios, e a que em assumptos fundamentaes não é licito defender-se o ministro com as suas opiniões individuaes.
Depois surgiu o sr. ministro da fazenda, que manifestou idéas ainda mais brandas e suaves, porque nos fallou quasi a medo da escala movel.
O que, porém, agora apparece, não é nada disto, mas um simples augmento de direitos de importação no trigo em grão e, credite posteri, nas farinhas!
A camara deve lembrar-se de que, durante a larga dictadura que fez este governo, se fallou no augmento do direito dos cereaes, e então se disse tambem que se procurava combinar com os fabricantes de moagens, mediante concessões que eram desconhecidas, não levantarem elles o preço das farinhas durante os cinco ou seis mezes depois de decretado o augmento dos direitos protectores sobre o trigo. Ceio que até se fixava a epocha de outubro ou novembro do passado anno.
Disse-se mais que, por os fabricantes de moagens não quererem chegar a este accordo, o governo não se atreveu a decretar em dictadura o augmento do direito do trigo.
Quer v. exa. ver como agora apparece este imposto?
Levanta se o direito sobre o trigo, mas tambem se eleva sobre as farinhas, devendo notar v. exa. e a camara que a una você se affirma no paiz, que são largos os proventos dos fabricantes de farinhas.
Póde dizer-se que o direito actual sobre as farinhas importadas é prohibitivo; pois, sobrecarrega-se ainda esse direito; e contenta-se a commissão com auctorisar o governo a baixar os direitos, agora indicados, se assim o exigirem os conveniencias da alimentação publica, isto é, se encarecer o pão, mas só propõe esta auctorisação até 31 de janeiro de 1888!!
Do dia 31 de janeiro de 1888 em diante os direitos não poderão soffrer a menor alteração; e se daqui até lá, se não elevar o preço do pão, n'esse dia os augmentos agora votados serão factos consumados.
Não será isto uma segunda encarnação, um novo avatar da habilidade do sr. ministro da fazenda, que falhou em fevereiro ou março d'este anno?
É de crer que sim.
E não é de admirar.
Talvez seja esta a rasão, por que se quer discutir atrapalhadamente este projecto.
(Aparte do sr. Matoso Santos.) Ora, s. exa., o sr. relator, ha de dizer que sim?
S. exa. viu-se obrigado até a intercallar em parte do seu relatorio argumentos que contrariam outra parte, e nos quaes condemna clara e eloquentemente os direitos protectores.
Hei de ler á camara alguns trechos do seu relatorio para demonstrar esta asserção.
(Interrupção do sr. Matoso Santos.)
S. exa., como muito mais habil e muito mais intelligente do que eu, poderá conseguir superar os meus argumentos. Mas creia s. exa. que as cousas são o que são, e que a opinião se ha de agrupar em volta das asserções verdadeiras, muito embora a dialectica habil de s. exa. e a sua incontestavel superioridade sobre mim, consiga vencer-me.
Entraria agora n'outras considerações, mas, realmente não vejo presente o sr. ministro da fazenda; e parece-me, portanto, muito mais acertado aguardar a presença de s. exa., ou então mandal-o chamar, visto que me consta achar-se no edificio.
(Interrupção do Simões Ferreira que se não percebeu.)
Bem, n'esse caso, sr. presidente, supponho, por esta maneira, ter fundamentado a minha proposta, que corresponde a opinião minha já manifestada n'esta camara.
Espero que a camara sustentará igualmente a opinião outrora expressa pelo sr. ministro da fazenda.
S. exa. respondeu-me condemnando o adiamento, mas garantindo-me tempo para estudar a questão.
Não posso de forma nenhuma corroborar o que affirmo com o discurso de s. exa., porque s. exa., tambem não costuma publicar os discursos; podendo, talvez, explicar-se este facto com o de haver sempre sessões nocturnas e diurnas, com descanso apenas do domingo.
Effectivãmente, sr. presidente, v. exa. que, antes de ser presidente da camara, foi n'outras legislaturas simples deputado, sabe que há um trabalho muito mais difficil para nós, do que o de fallar, e o de rever as provas tachygraphicas.
Eu pelo menos, sem offensa a alguem, entendo que a revisão das provas tachygraphicas é uma correcção dos abusos de linguagem e dos excessos da... vis discendi.
O lembrar-se a gente que um discurso de uma hora leva por vezes dez e doze horas a rever, é circumstancia de sobra para evitar largos discursos.
Pois os srs. ministros não se dão a esse trabalho, e portanto são, por vezes, os menos sobrios de palavras.
Ha, porém, mais alguma cousa, sr. presidente. O discurso, pronunciado nesta casa, deixa de pertencer ao deputado, e pertence ao paiz. (Apoiados.)
A ninguem é licito deixar de publicar as idéas apresentadas, sejam, ellas quaes forem, porque quem as expõe deve tomar a responsabilidade d'ellas, por um lado; e por outro o paiz tem direito, para não dizer necessidade, de as conhecer e de as apreciar. (Apoiados.)
Sr. presidente, se esta obrigação se impõe aos simples deputados, muito mais deve pesar sobre os srs. ministros pela posição excepcional que têem n'esta casa, e pela funcção superior que desempenham no organismo politico e administrativo do paiz.
Por esta maneira discute-se facilmente. Uns empregam o seu trabalho e o seu tempo e consomem os seus esforços, fallando e publicando os seus discursos; os ministros respondem, e não publicam os discursos. Por esta fórma é facil haver sessões nocturnas e sessões diurnas.
Temos o prazer de nos encontrar aqui; e os srs. ministros quando fallam, sem a menor responsabilidade perante o paiz, têem o prazer de ouvir um côro de apoiados; porque é sabido que sempre que fallam os ministros, digam o que disserem, são cobertos de apoiados. (Apoiados. Riso.)
Ora, sr. presidente, este systema de discutir não é serio e tem inconvenientes.
Em primeiro logar, porque não ha tempo de estudar as questões; ora, eu supponho que o parlamento não se inventou senão para o estudo das questões mais ou menos graves da administração publica. Sim, realmente, o parlamento não se fez para exhibir rhetorica, nem para fazer conferencias, nem cursos de pbilosophia optimista ou pes-

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sisimista, o que tudo se póde e deve fazer em logar mais adecuado.
Em segundo logar, porque com o systema que estamos adoptando, desacreditaremos mais o regimen parlamentar; e são precisamente aquelles que se levantam n'esta camara com voz austera e pbrase ampla e sonora, são exactamente aquelles que mais applaudem phrases, que podem nascer do estado de duvida e de incerteza de um espirito, mas que hão são certamente convenientes, para fortalecer a fé e a crença, sem as quaes nada se cria, e, nada se produz n'este mundo; são exactamente todos estes, os que vem por esta forma dar o exemplo mais pernicioso e mais contrario às boas praxes parlamentares.
Sr. presidente, a hora vae muito adiantada e por isso termino aqui as minhas observações.
Vozes: - Muito bem.
Foi lida na mesa a seguinte

Proposta

Considerando que o parecer da commissão respectiva sobre a proposta de reforma dos direitos aduaneiros, foi apresentado no sabbado passado, e o seu annexo posteriormente, sendo ambos estes documentos extensos e a materia que elles estudam e desenvolvem da maior importancia;
Considerando que a discussão, sobre a medida de maior alcance economico e financeiro de todas as que podem ser submettidas á severa critica e apreciação do parlamento, não deve fazer-se precipitadamente no fim de uma epocha legislativa: muito trabalhosa, em sessões diurnas e nocturnas, que não dão tempo para o estudo dos deputados, nem para o pleno conhecimento da opinião do paiz;
Considerando que o estado nada perde em ser adiada esta discussão, porquanto cobra os direitos da nova pauta, e, pelo contrario, muito lucrará porque a experiencia demonstrara, como em parte já demonstrou; as imperfeições da nova pauta:
Proponho que seja adiada a discussão d'este projecto para a futura legislatura, ou, pelo menos, se fixem quinze dias para estudo de tão importante assumpto. = Augusto Fuschini.
Foi admittida.
O sr. Albano de Mello: - Por parte da commissão de administração publica, mando para a mesa um parecer da mesma commissão, sobre um projecto de lei que auctorisa a camara municipal de S. João da Pesqueira a desviar do fundo especial de viação a quantia de 1:500$000 réis para ser applicada a obras e reparos no edificio dos paços do concelho.
Mandou-se imprimir.

O sr. Ministro das Obras Publicas (Emygdio Navarro): - Responde ao sr. Fuschini.
(O discurso será publicado quando s. exa. o restituir.
O sr. Fuschini: - Apesar do adiantado da hora não posso deixar de responder, em breves palavras, às considerações feitas pelo sr. ministro das obras publicas.
Em primeiro logar devo dizer a s. exa. que se os seus raciocinios podem ser verdadeiros para a elevação do direito de importação sobre o trigo não o são para o das farinhas.
Na sessão de ámanhã hei de demonstrar este principio não com raciocinios temerosos, mas claros e concludentes.
Emquanto á harmonia de opinião do governo alegro-me que exista, o que ella não tem sido, é sempre a mesma, e por variar de opinião não lhe quero mal.
A questão é de apresentar os fundamentos e as rasões da mudança; eis o que o governo não apresenta.
(Interrupção.)
Não mudou de opinião? Qual era, pois, a do sr. Emygdio Navarro, quando dizia
claramente que seria contra o augmento dos direitos protectores?
Não continuarei n'esta affirmativa, porque não existem documentos comprovativos, os discursos de s. exa., cada um que se regule pela auctoridade que attribuiu aos contendores.
Convem experimentar um direito modico, diz. s. exa.?
Devo observar ao illustre ministro, que numa questão d'esta ordem não se fazem experiencias, quando d'ella póde resultar a fome, ou pelo menos, os sacrificios das classes mais pobres, porque hei de ámanhã demonstrar á camara que a elevação dos direitos do trigo produzirá, segundo todas as probabilidades, o augmente do preço do pão na ultima moeda divisivel, que é 10 réis por kilograma.
E sabe v. exa. quanto custará essa experiencia? A elevação de 10 réis em kilograma dá em Lisboa por anno mais de 400:000$00 réis.
Não será para fazer pensar o facto de arrancar às classes pobres da capital, principalmente, 400:000$000 réis para experimentar aquillo que se póde experimentar por outro meio, porque por este o condemna o raciocinio?
Querem entrar n'esse campo, entremos.
Se s. exa. diz que é fácil ter, a ousadia de opiniões n'este paiz, ninguem terá mais do que eu essa coragem; hei de dizer á camara o que entendo a este respeito sem procurar intimidar alguem com as minhas palavras, como ninguem me intimidará tambem com a sua auctoridade, com a sua palavra, ou com a sua força social.
A experiencia com os estomagos dos desgraçados das classes pobres, para que servirá?
Para proteger a agricultura não será para proteger os intermediarios ricos, e para engrossar com as mealhas da pobreza aquelles que possuem fortunas enormes formadas rapidamente por uma industria, o que ninguem até hoje se lembrou de lamentar, senão o sr. ministro das obras publicas.
Só o sr. ministro das obras publicas, se póde lembrar do dizer que a industria das farinhas, um verdadeiro monopolio, não tem sido a origem de fortunas collossaes, feitas em meia duzia de annos pela exploração consentida dos consumidores pobres de todo o paiz;
Criticou-me s. exa. a, porque tenho produzido pouco, em relação, ao muito, que sobre a questão se póde desenvolver? Eis uma liberdade na discussão, que desculpo a s. exa. Descanse s. exa. que hei de demonstrar o, que acabo de expor com valiosos e solidos argumentos. Tenho-os aqui reunidos cuidadosamente, porque sabia que isto havia de vir a lume.
Sim, sr. ministro, são exactamente as classes pobres que vão ser sacrificadas, são aquellas que v. exa. disse que não têem aqui representante, não lêem jornaes, não sabem discutir, não se sabem impor e apenas se queixam, quando têem fome; são essas classes, emfim, para as quaes os governos têem apenas um argumento valioso, como me aconselhava, haverá dias, um futuro ministro indicado o sabre da guarda municipal!...
São exactamente essas classes que deviam encontrar em s. exa. o melhor defensor e protector, e não o encontram.
Sr. presidente, a luva está lançada entre os que se alcunham de protectores da agricultura e aquelles que não querem essa protecção, não porque efectivamente uma classe agricola não seja merecedora d'ella, mas porque é inutil e não dá resultado, tal como a propõe a commissão de fazenda de accordo com o governo.
Sr. presidente, ha de ver-se que isto foi estudado, e os meus eleitores verão que procuro, cumprir os meus deveres. Sou responsavel perante o paiz e não, felizmente, perante o sr. ministro das obras publicas; a elle não tenho que dar conta dos meus actos.
A fóra esta responsabilidade, não reconheço outra para

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SESSÃO NOCTURNA DE 20 DE JULHO DE 1887 1959

actos que são completamente do meu livre arbitrio e da minha livre vontade.
Não tenho vindo discutir nada a esta camara?!
Engana-se, tenho discutido questões graves e serias, é cada uma d'estas questões, têem-me custado muitas horas de trabalho; leiam o que está publicado, porque eu publico, como devo, o que digo no parlamento, e ver-ser-ha se aquillo se faz simplesmente com declamações rhetoricas.
E que o não fizesse? Que direito tem v. ex. para me increpar?
Systema detestavel este de pôr em relevo os defeitos dos outros para defender os nossos proprios!
Pois se eu erro, se não cumpro com o meu dever, para que vem o sr. ministro escudar-se com as minhas faltas, para assim cobrir as suas fraquezas?
A minha responsabilidade não é igual á de s. exa., alguma cousa ha de pezar o ser grande neste mundo; se a grandeza tem faces brilhantes que a fazem apreciar, envolve tambem deveres supremos que lhe trazem graves responsabilidades (Apoiados.)
Não se é impunemente ministro das obras publicas, não se é impunemente conselheiro da côroa, o primeiro na ordem hierarchica de um dos altos poderes do estado, não se póde fazer ahi, o que se póde fazer aqui. (Apoiados.) Sobre tudo o que se não póde é defender com os erros ou defeitos das modestas personalidades politicas, os erros e os defeitos dos homens altamente collocados, na politica e na administração do paiz, cujas responsabilidades, portanto, são de outra ordem. (Apoiados.)
É inacreditavel, sr. ministro, que nos venha dizer, a nós deputados da opposição, que não discutimos os projectos do governo.
Discutimos, discutimos; acontece, porém, que quando discutimos os srs. ministros fallam, conversam e não respondem. (Apoiados.)
Devo observar-lhe que para mim é completamente indifferente, absolutamente indifferente que s. exa. me attendam ou não. Fallo quando quero, digo o que quero, porque tomo a responsabilidade das minhas palavras, e do meu comportamento, sem me importar por forma alguma com as opiniões individuaes de s. exa. por maior valor, que ellas possam ter.
Mas esteja s. exa. descansado que ácerca da questão dos cereaes, em occasião opportuna, desenvolverei as minhas idéas e demonstrarei, que são monstruosas, note-se bem a palavra monstruosas - as medidas apresentadas de accordo com o governo, porque encarecerão o preço do pão, sem levarem, um ceitil sequer para a algibeira dos agricultores. (Apoiados.)
Em quanto á questão das moagens o systema que o governo devia ter seguido, de accordo com a camara municipal de Lisboa, era de organisar as moagens dos trigos rijos nacionaes para fornecer padarias municipaes em Lisboa. Seria isto bem mais productivo e importante para os agricultores nacionaes. (Apoiados.)
Porque o não fez? (Apoiados.)
(Interrupção.)
Lisboa, não é o paiz, mas paga relativamente mais que o paiz. (Apoiados.)
Fique sabendo o meu illustre amigo, que o contribuinte morador na rua do Oiro paga sete vezes mais do que o que habita fora de portas.
Uma voz: - Mas ganha mais.
O Orador.: - Ganha mais?!
Mas gasta mais também. Se tem os beneficios de uma civilisação mais adiantada á sua custa os compra. E não obstante o fisco cáe sobre Lisboa despiedadamente, como demonstrei n'outro discurso, que o sr. ministro das obras publicas não ouviu.
Foram os ataques da opposição que entibiaram o governo a proseguir n'este caminho, diz o illustre ministro, mera desculpa se esta fosse a rasão, teriam recuado na questão dos tabacos e em outras questões ainda.
A rasão foi outra, sabe v. exa. qual foi? Foi o colosso dos fabricantes de farinhas...
(Interrupção do sr. Matoso Santos.)
Ha de desculpar-me s. exa., mas desde que se disse n'esta casa, que a opposição tinha impedido o governo de fazer o que devia, estou no meu direito pleno de dizer perante o parlamento, qual foi a rasão provavel d'este entibiamento.
Nunca empreguei n'esta camara o systema de insinuações, nunca; mas quando for empregado commigo, hei de dizer então, claramente, as rasões que provavelmente motivaram o procedimento, que se quer cohonestar.
Quem se tem opposto mais n'este paiz, á elevação dos direitos sobre cereaes? Os fabricantes de moagens. Porque? Porque o encarecimento do trigo lhes póde diminuir os proventos. Qual era a fórma de lhes garantir esses proventos? Augmentar cummulativamente os direitos sobre a farinha. O que fizeram? Augmentaram exactamente os direitos da farinha e os farinadores emmudeceram!
Quem não quer ser lobo não lhe veste a pelle.
Já deu a hora e eu termino por aqui, pedindo a v. exa. que me reserve a palavra para a seguinte sessão.
O sr. Presidente: - Ámanhã não ha sessão de dia, mas ha sessão nocturna, e a ordem da noite é, na primeira parte, a discussão do projecto n.º 166, e na segunda parte a continuação da discussão sobre o projecto das pautas.
Está levantada a sessão.

Era meia noite.

Redactor = S. Rego.

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