1624 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
A Allemanha e a Inglaterra, que tomaram parte com outros paizes na conferencia de Berlim, tiraram lhe tudo aquillo que sir James Fergusson diz, segundo o telegramma, que nos devem tirar completamente tudo, deixando-lhe apenas uma pequena linha de costa, onde havia occupação effectiva, e em relação ao resto disseram-lhe: "não é seu, é nosso", o tomaram-lhe posse d'elle.
É justamente o que o sir James Fergusson diz hoje, se é verdadeiro o telegramma. Não é occasião de discutir sem saber se é ou não verdade, e por isso repetirei apenas o que disse ha pouco. Se a minha voz n'este ponto se póde ouvir mais longe do que n'esta sala, digo a v. exa. é preciso que ella se ouça e que o paiz comprehenda a gravidade d'este facto.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem.
ORDEM DO DIA.
Leu-se na mesa o projecto de lei n.° 45.
É o seguinte:
PROJECTO DE LEI N.° 45
Senhores. - Á vossa commissão de marinha foi presente a proposta de lei n.° 27-A.
Interessa ella uma classe dos servidores do estado, que bom merece do paiz, que mais do que nenhuma outra tem tido occasião de affirmar o seu desinteresse e dedicação sempre que a sua intervenção tem sido precisa para manter o nosso domínio no ultramar.
No longo periodo de paz que felizmente temos gosado no continente do reino, a marinha portugueza tem repetidas vezes sustentado pelas armas os nossos interesses coloniaes, e sem rememorar antigos feitos desde a occupação do Ambriz até a tomada do Tungue; na Guiné, Angola, Moçambique e Timor, temos visto sempre a marinha, isolada ou acompanhada das forças do ultramar, combater o gentio rebelde, sem pôr preço aos seus serviços, sem nunca os fazer valer em relatorios pomposos.
Se a proposta de lei que hoje apreciâmos tivesse como unico fim, galardoar os serviços prestados, a vossa commissão não hesitaria em a recommendar como justa á vossa approvação; mas não mira ella tão alto, nem as condições financeiras da fazenda publica estão ainda bastante desafogadas, para nos permittir impulsos de generosidade, embora bem merecidos; a proposta de lei modifica apenas uma verba dos vencimentos dos officiaes das differentes classes que compõem a corporação da armada, de modo que o serviço de mar e das estações navaes já de si penoso, não seja aggravado pela insufficiencia do vencimento n'aquella situação.
O abono, que sob o nome de comedorias, percebem ainda hoje os referidos officiaes nos mares da Europa, e para concorrerem dignamente com as marinhas estrangeiras, nos portos das nações mais civilisadas, é o que foi decretado ha quasi um seculo! Basta esta circumstancia para afastar qualquer duvida sobre a urgencia de o modificar.
Em outros ramos do serviço publico se julgou tambem necessario o augmento das verbas que por sua natureza mais se assemelham ás comedorias dos officiaes de marinha; assim, os officiaes de engenharia e outros em commissão das obras publicas, nos trabalhos de campo ou equivalentes, vencem ajudas de custo, que successivamente modificadas, passaram de 600 réis, que eram primitivamente, a 1$500 réis, e 4$000 réis diários, que hoje vencem aquelles officiaes, conforme a sua graduação.
Sendo pois inutil demonstrar a necessidade de modificar a tabella, de comedorias, decretada em 1793, resta estudar a fórma por que está elaborada a presente proposta do lei.
Segundo a legislação anterior, vencem os officiaes das differentes classes da corporação da armada, quando de guarnição, 400 réis diarios de comedorias e o decreto de 1858 dispoz que nas estações navaes fossem augmentadas em 50 por cento, estabelecendo assim uma differença entre o vencimento em viagem e o nas estações navaes, distincção que em verdade não tinha grande alcance porque a quasi totalidade do serviço de marinha era nas estações navaes; as viagens a Inglaterra eram mais raras do que hoje, porque apenas possuiamos então, como navios a vapor, a corveta Bartholomeu Dias e o vapor Mindello.
O desenvolvimento progressivo da nossa marinha, a acquisição de transportes a vapor, com viagens frequentes para as nossas colonias mais distantes, a exiguidade cada vez mais pronunciada da verba destinada á manutenção da mesa dos officiaes, obrigaram os governos a modificarem a disposição existente e a tornar extensiva aos transportes o augmento de 50 por cento por concessões especiaes em cada viagem.
Alem das viagens dos transportes, a unica navegação na Eupora é, póde-se dizer, nos navios que vão a Inglaterra por motivos de fabrico. N'aquelle paiz, onde a vida é cara, ainda mais frisante se torna a insuficiencia das comedorias.
A differença entre as comedorias. de estação e noa mares da Europa, tende a desapparecer pela força das circumstancias, e de facto não tem rasão de ser.
Se nas colonias a vida é cara e o serviço penoso, nos portos da Europa são os officiaes obrigados a despezas de representação no convivio de officiaes do marinhas estrangeiras.
Se o abono feito aos officiaes para estas despezas fosse maior que o indispensavel, e se nos mares da Europa os nossos navios tivessem cruzeiros permanentes, nenhuma duvida haveria sobre a conveniencia de offerecer maiores vantagens para os officiaes que servissem nas colonias, mas não ha navegação na Europa que o official possa preferir ao serviço colonial, nem a verba hoje proposta permitte fazer differença que se possa considerar compensação sufficiente de um serviço mais ingrato.
A vossa commissão concorda, portanto, com a fórma da proposta que estabelece uma só verba para o serviço no ultramar e na Europa, fazendo apenas uma restricção, aliás muito justa, para os navios que navegam nos rios e entre os portos do continente do reino, porque para estes não militam as circumstancias que apresentámos, para justificar a igualdade de abono feito aos navios que surgem nos portos estrangeiros.
O quantum da base proposta parece rasoavel, e, se o compararmos com o abono igual concedido aos passageiros do estado, forçoso é concluir que a desvantagem é ainda para os officiaes de marinha, por quanto, representando as comedorias uma verba exclusivamente destinada ás despezas de mesa nos passageiros, nos officiaes, é o unico augmento de vencimento que percebem para no serviço do mar fazer face ao excesso de despeza, representar condignamente o seu paiz, manter sem desaire as relações com officiaes estrangeiros, e retribuir os obsequios recebidos nos diversos portos.
Este multiplice fim de tal abono, não significa a satisfação de prazer ou de vaidade para o official, mas uma necessidade imprescriptivel que o paiz tem obrigação de proteger, porquanto, em muitos portos, são os officiaes da nossa marinha, os unicos representantes da nossa nacionalidade, o do bom ou mau nome que elles ahi deixarem, resultará a apreciação mais ou menos favoravel a respeito dos seus compatriotas.
Mas se as despezas de representação são até certo ponto facultativas para o official quando de guarnição, não o são para o official commandando, que se nào póde eximir a ellas.
O commandante de um navio de guerra não póde recusar os convites que lho fizerem, não póde deixar de os retribuir. Representante do seu paiz não tem a liberdade de