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Mas já que fallei em reconsiderações, permitta-me v. ex.ª que responda a uma observação feita hontem pelo nobre ministro do reino, que disse que = nem todas as reconsiderações são condemnaveis =.
Estou perfeitamente de accordo com s. ex.ª Um individuo póde reconsiderar, e este acto, longe de ser um acto reprehensivel, póde ser um acto digno de elogio. Agora as reconsiderações feitas por um corpo collectivo, não digo que sejam sempre actos condemnaveis, mas tambem não me parece que possam ser actos regulares e elogiáveis (apoiados).
Eu bem sei que a reconsideração de um corpo collectivo, como esta camara, póde ser filha de dois principios. Um d'elles o verdadeiro amor da patria, o desejo de que não haja no governo do estado uma perturbação, de que resultariam males muito mais consideraveis do que aquelles que podem resultar da não desamortisação obrigatoria e immediata dos passaes; mas a malevolencia póde dizer que a reconsideração é filha do desejo de não collocar o governo na alternativa de escolher entre a sua conservação, e a conservação da camara (apoiados).
Se a camara reconsiderar n'esta materia, hei de ser o primeiro a fazer justiça ás suas intenções, acreditando que reconsidera por motivos muito nobres e justos; mas os inimigos da camara, e creio que não irei muito longe, dizendo que ella os tem no seu proprio seio, porque do alto d'esta tribuna já se disseram cousas muito desagradaveis, que infelizmente vi apoiadas por dois ou tres collegas; esses inimigos podem dar á reconsideração da camara um motivo que realmente não é muito digno de elogio.
Mas, continuando, direi eu que n'esta questão dos passaes não me parece que haja senão duas opiniões definitivas e completamente distinctas; a do nobre ministro do reino e a minha.
O nobre ministro do reino disse — votemos o principio da desamortisação obrigatoria dos passaes, consinto n'isso; mas é um consentimento forçado. S. ex.ª passava muito bem sem esta ceremonia, e tanto que nos disse hontem, que desde o momento em que a minoria da commissão de fazenda votava a desamortisação dos passaes e suspendia a execução da lei era melhor não ter votado cousa alguma. Arrependendo-se porém d'esta sinceridade, disse que se conformava com o voto da minoria, e que tambem lhe parecia conveniente e necessario que a execução da lei ficasse suspensa até que o governo apresente a lei da dotação do clero; lei que elle havia de fazer toda a diligencia para apresentar em janeiro, mas que não podia comprometter-se a apresenta-la.
Depois de uma declaração d'estas, saída da bôca de homem tão franco e sincero, é para mim claro que não apresenta nenhuma lei de dotação do clero; porque se s. ex.ª tivesse a convicção de o poder fazer, affirmava-o. S. ex.ª não é homem d’estes expedientes de palavra para encobrir a verdade. Se tem algum defeito, na minha opinião, é de ser franco de mais. Basta a manifesta allusão que hontem fez ás inscripções, allusão que foi levantada por um illustre deputado, que eu não levantaria, porque se a phrase foi inconveniente na bôca do estadista, póde vir a ser uma grande verdade, se continuarmos n'este systema de vender inscripções, que me parece o systema do ministerio.
Como dizia, não ha senão duas opiniões. O nobre ministro do reino consente que se vote a desamortisação dos passaes, mas põe pedra sobre isso até quando se podér apresentar a lei da dotação do clero, que será em janeiro. Note v. ex.ª que estas promessas do governo vão-se parecendo com as promessas do governo transacto, a quem tive tambem a honra de fazer opposição.
Aqui ha oito ou quinze dias fallava-se muito em se reunirem as camaras em outubro, agora já se não falla senão em janeiro. Apresentar-se-ha pois em janeiro a lei para a dotação do clero, e se se apresentar, ou então quando estiver prompta. A minha opinião é que a desamortisação dos passaes se comece a realisar desde já, porque, quer ella sirva para a dotação do clero, quer sirva como expediente financeiro, como para ella se realisar são precisos trabalhos preparatorios que levam muito tempo, mais rasão ha para que fique obrigatorio desde já, o escusado é o adiamento que nos propõe a minoria da commissão de fazenda, o adiamento forçosamente ha de realisar-se pelos trabalhos preparatorios que é necessario fazer para a execução da lei. E este adiamento ha ser maior se o producto da desamortisação dos passaes para a dotação do clero, porque, como muito bem disse o sr. ministro do reino, é preciso fazer a circumscripção das freguezias, e só isso é trabalho para um anno. Mas se os bens desamortisados forem simplesmente para acudir ao nosso estado financeiro, basta sómente fazer a avaliação dos bens, mas para isso mesmo são precisos pelo menos seis mezes, que é exactamente o adiamento pedido.
Portanto a questão para mim é politica, e só politica. Assim como tambem o é para o sr. ministro do reino. Elle não quer a desamortisação dos passaes; mas tolerante, conciliador e habil politico, como é, não arrosta com esta opinião, não a combate, e concede á camara que a inscreva como artigo d'esta lei. Mas em seguida, note v. ex.ª que o caso é novo, diz o nobre ministro, façam a lei, mas ponham-lhe um artigo que diga = fica suspensa a lei =. Parece-me que uma lei não se póde suspender senão por outra lei; mas decretar na mesma lei a suspensão d'ella, é caso novo (apoiados).
Portanto s. ex.ª não quer a desamortisação dos passaes (apoiados).
Não entro nas questões caseiras da maioria e da minoria da commissão; lá estão os seus illustrados membros, que todos elles são muito competentes para deslindarem esses negocios.
Se o governo não quiz esta auctorisação dada pela camara para a desamortisação dos passaes, para melhorar o estado das finanças, eu folgo muito com isso; porque vejo que o nosso estado não é tão precario como se dizia a principio. Suspeito que o ministerio tem grandes recursos, que as praças estrangeiras lhe abrem as suas bolsas, e que o nosso governo tem hoje n'essas praças mais credito do que tinha hontem. E são tão importantes os recursos que o governo nos esconde, que até prescinde de uma receita tão consideravel como seria esta da desamortisação dos passaes; porque logo que a lei passasse e se soubesse emquanto estavam avaliados os bens, como no artigo da lei primitiva se auctorisaram quaesquer operações hypothecarias sobre esses mesmos bens, é certo que a receita para o governo era immediata (apoiados).
As nossas opiniões, a do illustre ministro do reino e a minha, são tanto mais distinctas que elle pareceu-me ser partidario da dotação do clero; e declarou que era partidario d'essa dotação, não só porque a religião catholica apostolica romana era a religião do estado, mas porque era mais alguma cousa; era a religião do povo portuguez.
Ora, eu que sou exactamente da mesma opinião do sr. ministro, que tambem entendo que a religião catholica apostolica romana é mais do que a religião do estado, é a religião do povo portuguez; sou por isso mesmo partidario de que não haja religião do estado, e por consequencia de que não haja dotação do clero; que a dotação do clero seja feita pelo povo, que por isso mesmo que é catholico apostolico romano sustente a sua religião (apoiados). O estado não deve sustentar religião alguma, mas tolerar e proteger todas. Estes é que são os meus principios liberaes; e posso fallar n'elles, apesar da carta constitucional determinar que a religião do estado é a religião catholica apostolica romana, porque este sentimento em mim é uma aspiração, e as aspirações no systema liberal podem manifestar-se neste logar (muitos apoiados).
Portanto insisto na minha primitiva e unica opinião, em votar que a desamortisação dos passaes seja obrigatoria, e comece desde já a ter execução; isto é, que comecem desde já a fazer-se os trabalhos necessarios e preparatorios para a sua execução. E este meu voto que é perfeitamente politico, desejo que fique muito bem explicado, porque logo na votação dos pareceres da maioria e minoria da commissão, V. ex.ª verá a trovoada que ahi se levanta. Verá V. ex.ª quantas pessoas lhe pedem a palavra sobre o modo de propor, porque isto realmente esta muitissimo confuso para quem quizer ser ministerial aqui e patriota no campanario.
O que diz o parecer da maioria da commissão no artigo que eu apresentei na sessão de 6 do corrente e que ella admittiu? Diz o seguinte (leu).
Mas o artigo da minoria da commissão e os seus §§ dizem o seguinte (leu).
Ora, eu que me contentava com o artigo da minoria da commissão, vendo este, quero já este (apoiados); gosto mais d'elle, porque é mais largo; apesar de alguem dizer que os outros bens e direitos prediaes que fazem parte da dotação do clero, já estavam desamortisados pela lei de 1861. Se já estavam desamortisados é uma sobejidão apresenta los aqui para so desamortisarem; se não estavam ficam agora tambem desamortisados. Em todo o caso é sempre bom prevenir esta hypothese e votar o artigo; se a votação do artigo se fizer em separado da votação dos §§, eu não voto o § 1.º nem o 2.° d'este parecer da minoria.
O meu illustre amigo, o sr. ministro da marinha, sabe perfeitamente que não votei ao ministerio passado este § 1.°, porque vejo n'elle uma arma eleitoral, como disse então, porque diz o seguinte (leu).
Ora, eu que me opponho a que no § se determine quaes são os bens que não ficam sujeitos á desamortisação, não quero todavia que se dê ao governo o arbitrio de julgar quaes são os bens indispensaveis o quaes os bens que o não são. Se isto assim passar é uma arma eleitoral que se colloca na máo do governo de que elle póde abusar. Não digo que o faça o governo actual, mas elle não ha de estar sempre naquellas cadeiras (as dos ministros), ao que eu não me oppunha, mas póde acontecer que sáia o que sáia muito breve e muito por sua livre vontade, desde o momento que não póde cumprir o seu programma; eu sei que o sr. ministro do reino é homem para isso. Póde portanto vir um ministerio que se sirva d'esta lei como arma eleitoral. Póde a respeito do parocho A dizer-se = basta-lhe uma casinha e uma horta para sua habitação =, emquanto que um parocho B que tenha maior influencia nos seus freguezes e que os leve arregimentados não só ao culto divino mas tambem ao culto ministerial, esse, em logar de casa, fique com um palacio, em logar de horta, fique com uma quinta (apoiados). Isto é que eu quero prevenir (apoiados).
Resumindo, direi que se me demonstrassem que viria um cataclysmo social da execução d'esta lei, isto é, da desamortisação immediata dos passaes, não teria duvida nenhuma em votar, não um paragrapho da mesma lei, mas outra lei que dissesse == fica suspensa a execução de tal lei, porque n'este momento é perigosa a sua execução =; mas como não julgo que se verifique esse cataclysmo, como não tenho medo dos padres de Braga, e não tenho medo delles, porque n'esse ponto, confio muito na energia, na rectidão e no zêlo patriotico do sr. ministro do reino, entendo que a desamortisação dos passaes póde ter logar desde já.
Pois um padre de Braga ou de qualquer provincia do reino havia de revoltar-se contra uma lei do estado? Havia de abusar da religião e do Evangelho e prégar ao povo a desobediencia ás leis do paiz? Era impossivel; confio plenamente em que o sr. ministro do reino, se algum padre assim procedesse, havia de castiga-lo e custar-lhe-ia cara esta intervenção no poder temporal (riso). Por consequencia não tenho medo nenhum da tão fallada influencia dos padres que gosam ricos passaes.
"Não quero cansar mais a camara; prometti ser breve, quero cumprir a minha palavra. Mas como provavelmente será esta a ultima occasião de eu fatigar a camara com as minhas palavras n'esta sessão, não quero despedir-me d'este logar sem dizer duas palavras a meu respeito.
Peço desculpa á camara de lhe occupar dois minutos com assumpto de tão pouco valor.
Eu fiz opposição ao ministerio passado. Estão presentes na camara quatro illustres ministros d'essa administração, que podem certificar se fiz opposição áquelle ministerio por despeito pessoal ou por interesse particular offendido. A nenhum dos anteriores ministros eu importunei com as minhas solicitações (apoiados).
Faço tambem opposição a este ministerio, não por despeito pessoal, porque de todos os srs. ministros tenho obtido favor e immerecida distincção e consideração, nem tambem por interesse particular. Os meus requerimentos não têem de certo A minha opposição a este ministerio para quem me leva o coração, assenta n'um só motivo, e perdoe-me o membro amigo, o sr. ministro do reino, a franqueza com que o declaro. Os meus sentimentos liberaes, vendo na pasta politica um ministro da igreja (e note-se que não vejo incompatibilidade em que um ministro da igreja seja um ministro da liberdade, porque para mim o Evangelho é o primeiro codigo das liberdades publicas) não digo que se encrespem, que se irritem; não ha phrase propria em portuguez para exprimir o meu sentimento; só os francezes no seu verbo agacer, têem um derivativo que exprime bem o sentimento que me inspira, vendo na administração politica do meu paiz entregue a um principe da igreja, que no meu entender obedece sempre a dois réis. E desde o momento em que as liberdades publicas estão á mercê da direcção de dois reis são réis de mais, temo por ellas e por isso não posso dar a este ministerio o meu fraco e leal apoio como desejava, ainda que tenho pelas pessoas dos srs. ministros a maior sympathia, a maior consideração e o maior respeito. Vozes: — Muito bem, muito bem. (O orador foi comprimentado pelos srs. deputados do lado esquerdo da camara.) O sr. Secretario, J. Tiberio: — A commissão de redação não fez alteração nos projectos n.ºs 16 e 2. O sr. Presidente: — -Tem a palavra para uma questão previa o sr. Motta Veiga. O sr. Lobo d'Avila: — Então V. ex.ª, quando estamos quasi no fim d'esta discussão, vae conceder a palavra a um sr. deputado que já fallou sobre esta questão, impedindo que outros srs. deputados, que ainda não fallaram sobre o assumpto que se debate, apresentem a sua opinião?! O sr. Presidente: — O regimento é explicito a este respeito. O sr. Motta Veiga pediu a palavra para uma questão previa, e por consequencia tem a preferencia a qualquer outro sr. deputado. O sr. Motta Veiga: — Não pedi a palavra para uma questão previa com o fim de tirar a outrem o direito de fallar, ou, como costuma dizer-se, com o fim do escalar a palavra, sr. presidente; pedi a palavra para effectivamente apresentar a questão previa que vou ler á camara (leu). E sabe v. ex.ª a rasão por que eu apresento esta questão previa? E pelas considerações que hontem aqui fez o sr. ministro do reino. O sr. ministro do reino, dignando-se hontem responder ás considerações que fiz aqui d'esta tribuna, pareceu magoar-se um pouco por eu ter procurado o latet anguis e por dizer que me parecia haver n'este projecto do lei um pensamento reservado. Mas foi s. ex.ª mesmo que demonstrou que esse latet anguis effectivamente existiu. Eu me explico. Eu disse: «Não comprehendo bem o parecer da minoria da commissão, por isso que ha aqui um quid que não concebo.» Depois veiu s. ex.ª e disse: «Aqui não ha latet anguis; e se houve pensamento reservado foi da parte do nobre deputado, do governo, não.» E quando eu concluia, dizendo que fazia votos para que a camara na sua alta sabedoria fosse coherente e logica na sua votação sobre o projecto, disse s. ex.ª: «Se a censura é feita á camara, a camara que lh'a agradeça, mas deve rejeita-la; se a censura é dirigida ao governo, o governo tambem a rejeita.» Mas s. ex.ª disse pouco depois: «O governo é que não aceita nem póde aceitar a votação que esta camara fez na sessão de 6 de agosto!» Pergunto eu agora: se a questão volta hoje á camara para ser votada, e se o governo declara que não aceita a votação que se fez em 6 de agosto, como é, e o que é que o governo quer que se vote? O mesmo que na sessão de 6 do corrente? Não, visto que o sr. ministro do reino declara que o governo o não aceita. Uma cousa differente do que então se votou? Mas então quem é que quer fazer reconsiderar a camara? Eu entendo que é o governo, e vou dar a rasão d'isso. O governo estava aqui representado pelo nobre ministro da fazenda, quando a emenda do sr. Rodrigues de Azevedo foi mandada para a mesa; e s. ex.ª não disse uma palavra a respeito da conveniencia ou inconveniencia d'ella ser admittida á discussão. Na sessão de 6 d'este mez a emenda foi votada, e s. ex.ª tambem não disse uma só palavra sobre a conveniencia de ser approvada ou rejeitada. Quem é pois que não póde aceitar a votação do dia 6, é o governo do sr. ministro do reino ou o governo do sr. ministro da fazenda? Eu sinto que o sr. ministro do reino declarasse que não aceitava nem podia aceitar a votação de 6 d'este mez! Tem aqui todo o cabimento, e vem a proposito, as palavras do