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APPENDICE A SESSÃO DE 19 DE MAIO DE 1888 1636-A

0 sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Barros Gomes): - Começo por dizer, que folgo com a maneira levantada, patriotica e digna, com que o nobre deputado acaba de tratar esta questão, quando, no uso pleno do seu direito, se dirige ao governo a pedir-lhe explicações sobre assumpto tão grave. Não era de esperar outra cousa de s. exa., cuja illustração é por todos respeitada e que tendo a experiencia do que seja a responsabilidade do exercício dos mais altos cargos do poder, conhece perfeitamente a importancia que póde ter a forma por que um assumpto d'esta ordem é tratado n'um parlamento, quando para elle podem naturalmente estar voltadas as attenções, senão de muitas, de alguma ou algumas das grandes potencias europêas.

Na resposta que vou dar a s. exa., e que procurarei tornar tão clara quanto em mim caiba fazel-o, não contestarei por fórma alguma ao que sir James Fergusson, subsecretario d'estado do governo inglez, possa ter dito na camara dos communs, sob fórma de uma qualquer declaração ácerca de assumptos coloniaes; não tendo por emquanto a tal respeito outras informações, que não sejam as de um telegramma de uma agencia particular, não posso, pois, nem devo fazer obra pelas affirmações feitas n'esse telegramma, para contestal-as por qualquer modo.

Espero que uma informação official, que de certo não tardará em chegar-me ás mãos,que confirme ou não a importancia e caracter das asserções que esse telegramma declara terem sido proferidas na camara dos communs de Inglaterra, por parte de um dos membros do governo d'aquella nação; e mais tarde e no logar competente, ou aqui, ou junto d'esse mesmo governo, eu direi qual é o modo de ver, qual é a apreciação que o governo portuguezs entende dever fazer d'essas asserções concernentes a direitos legítimos da corôa de Portugal, e que foram proferidas, se o foram, de encontro a esses direitos; o que posso, porém, desde já, e devo fazel-o, é aproveitar esta occasião para esclarecer a camara sobre o que o governo pensa em assumpto tão importante, e para accentuar aqui, de um modo claro e franco, qual é o direito de Portugal, direito que este governo procurará manter firme e briosamente, como procuraria mantel-o qualquer governo, de qualquer das fracções políticas de que a camara se compõe, que estivessn occupando n'este momento as eminencias do poder. (Apoiados.)

O illustre deputado perguntou-me, e isto sempre fóra da affirmação por minha parte de que tivesse sido feita qualquer asserção d'esta natureza, perguntou-me, repito, se de facto o governo de Sua Magestade Fidelíssima dirigira qualquer especie de pedido ao governo da Gran Bertanha sobre assumptos coloniaes nossos, pedido que podesse importar uma recusa.

O governo portuguez nunca podia nem devia dirigir pedidos a um governo qualquer estrangeiro sobre assumptos que nos dissessem propriamente respeito, por maior que fosse a estima que tivesse por esse governo, por maior que fosse a deferencia que elle lhe merecesse; o que o governo portuguez póde fazer, e terá feito, é diligenciar estabelecer bases de negociação com esse governo, e formular quaes são as suas idéas e quaes as suas aspirações; procurando ver em que termos se poderá chegar a um accordo com esse governo sobre assumptos que nos interessam a nós e a elle, quer na delimitação das respectivas possessões, quer na amplitude das espheras de influencia em que se exerça respectivamente o nosso e o seu poder, a nossa e a sua livre expansão colonial; pedidos, porém, sobre tal assumpto, nunca Portugal os dirigiu á Inglaterra, nem póde dirigil-os.

Creio que a este respeito as minhas declarações não podem ser mais categoricas.

lludiu em seguida o illustre deputado ao que havia de muito grave na declaração attribuida a sir James Fergusson, de que não se poderia reconhecer hoje a uma potencia qualquer europêa o seu direito em determinado territorio em Africa, sem que esse direito fosse affirmado pela occupação effectiva, politicamente considerada, de todo esse territorio.

Ora, esta doutrina é em verdade extraordinaria, e não póde de modo algum admittir-se.

Aquelle paiz respeita inteiramente os direitos alheios, e tem de respeitar n'este assumpto o direito internacional vigente; parece-me mesmo que tal declaração, a ter-se feito, vae de encontro aos factos que a propria Inglaterra, por seu lado, tem affirmado em recentes documentos diplomaticos e em convenios por ella celebrados com outras nações.

Pois então não está ahi para o attestar o estado livre do Congo, em condições naturalmente precarias, e creio que, dizendo isto, não offendo o governo d'aquelle estado, com uma constituição política embrionaria, com uma organisação que ainda se conserva em grande parte em germen? Pois não foi reconhecida ao estado livre do Congo uma enormissima extensão pela Africa dentro, até ao coração d'aquelle continente, ás regiões dos Lagos, ás origens do Congo, e quasi até ao Zambeze? Não vimos nós affirmada, em muitos convenios celebrados com differentes nações europêas, a soberania do estado do Congo n'essas valissimas regiões?

Poder-se-ha dizer que elle tem ali occupação effectiva?

Não a tem; e no entanto, por convenios, internacionaes foi reconhecida e attribuida áquelle estado, até pela propria Inglaterra, uma enorme região africana, onde elle não tem, com toda a certeza, vestígio algum de soberania, occupação ou sequer influencia. Nas regiões hoje pertencentes á Allemanha ou dependentes da sua influencia no territorio ao sul de Angola, no Ovampo, no paiz dos Damaras e dos Namaquas, poderá dizer se porventura que em toda essa enorme extensão do territorio exista já uma organisação política, administrativa, militar, ou de outra qualquer ordem denotando occupação?

Não existe nada; e no entanto, por um convenio feito comnosco e de certo respeitado, pelo menos n'essa parte, pela Inglaterra, a Allemanha attribuiu a si a posse d'estes terrenos, e reservou para o exercício da sua influencia toda essa vasta região que não está por fórma alguma occupada por ella.

Mas a propria Inglaterra e a Allamanha, nas convenções com o sultão de Zanzibar, não delimitaram uma enorme região, onde não existe vestígio de occupação, quer ingleza quer allemã, pelo menos em grandíssima parte d'essa area, e não as reservaram para exercício da sua esphera de acção e expansão colonia!? Reservaram essa região, com applauso de toda a Europa, que não protestou, contra o facto.

Portanto, se a propria Inglaterra reconhece que é possivel reservar para um paiz a acção e o exercicio livre da sua expansão colonial, através de enormes regiões não occupadas, poderemos nós acceitar o principio de que, se não exercermos occupação effectiva, não poderemos ter soberania, nem poderemos reservar para a nossa futura acção o direito, a occupação e o desenvolvimento colonial?
Com certeza que Portugal, que celebrou com a França e com a Allemanha as convenções que toda a camara conhece, nunca poderia acceitar esse principio, dando-se, alem d'isso, para elle, o caso, que se não dá para outros, de poder argumentar com factos, sustentando que os territorios portuguezes em Africa, ou dependentes da nossa influencia, não se restringem unicamente áquelles pontos onde exercemos, occupação effectiva, mas sim tambem onde mantemos influencia tradicional, e na actualidade exercida por intermedio dos chefes indígenas, ou ainda por outros meios de acção, que Portugal possue, e que são o resultado de um contacto secular com áquelles povos, contacto a que nenhuma outra nação europêa póde contrapor outro igual, e que justifica o reconhecimento por duas de entre ellas so-

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