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APPENDICE Á SESSÃO DE 29 DE JULHO DE 1890 1600-A

O sr. Francisco Machado: - Sr. presidente, eu não tinha tenção de pedir a palavra, mas fui obrigado a isso quando notei o desprimor com que o sr. ministro da fazenda tratou o nosso collega o sr. Roberto Alves, quando s. exa. relatou á camara os factos graves succedidos n'algumas terras do seu circulo, em virtude da fome que ali começa a apparecer por causa da carestia do milho.

S. exa. referiu-se a factos graves, que se deram em Oliveira de Azemeis, S. João da Madeira e Estarreja, factos que prendem com uma das cousas mais serias, que é a ordem publica, e o sr. ministro da fazenda, unico que está presente, não se dignou responder áquelle illustre deputado.

As observações feitas pelo sr. Roberto Alves careciam de uma resposta, para a camara e o paiz saberem quaes as providencias que o governo tinha tomado sobre o assumpto e aquellas que ía tomar se porventura não estivessem sido ainda aplacadas aquellas desordens.

O silencio do sr. ministro da fazenda impressionou-me e maguou-me, assim como maguou outros collegas meus por vermos o desprimor com que o sr. ministro da fazenda tratou o ar. Roberto Alves, e foi este facto que me obrigou a pedir a palavra.

S. exa., porém, creio que, notando a magua, que nos tinha causado o seu pouco correcto procedimento já deu algumas explicações ao sr. Roberto Alves quando respondeu ao sr. Marcellino de Mesquita. Aproveitou este ensejo para remediar a falta que commetteu.

Em vista d'isto não prosigo n'este assumpto. Só direi que os srs. ministros esqueceram por completo tudo o que diziam quando se sentavam d'este lado da camara.

S. exas. quando não obtinham logo respostas completas ás perguntas muitas vezes insignificantes que dirigiam aos ministros, ficavam zangados, e por esse motivo os ministros de então ouviam as mais atrozes descomposturas que ainda se deram no parlamento.

Agora, devo ainda dizer mais alguma cousa. Os fructos do addicional de 6 por cento hão de ír apparecendo, porque o paiz não póde pagar mais.

Eu bem disse, que o resultado havia ser este, e ainda a procissão vae na praça.

Por mais que espremam este limão dos impostos elle não produzirá mais, não dará nem mais uma pinga.

Podem espremel-o quanto quizerem, que elle nada mais dará. O povo não póde pagar mais; os proprietarios não tiram das suas terras para derramarem nos cofres publicos nem mais um vintém para ser gasto por estes ministros em esbanjamentos e em favores aos amigos.

Não se tributa assim a esmo, á vontade dos ministros, para depois se gastar em esbanjamentos. (Apoiados.)

Lançarem-se novos tributos, fazerem-se esbanjamentos e esperar-se depois que o povo se conserve socegado não póde ser. Faz elle muito bem em se revoltar, porque quando o governo pratica violencias e arbitrariedades, o povo deve responder-lhe do mesmo modo.

Perante a fome não ha lei, não ha nada que contente o povo. Já os antigos diziam «quando a fome entra pela porta, a virtude sae pela janella». E eu direi «quando a fome entra pela porta, a prudencia deve sair pela janella».

Na occasião em que o povo tiver de pagar é que hão de apparecer as difficuldades. Eu dou-lhe de conselho que não pague; e se todo o paiz estiver disposto a tomar o meu conselho, esteja certo de que não ha governo que se atreva a cobrar nem mais um vintem.

Foi assim, como disse o sr. Cancella, que appareceu a Maria da Fonte. Foi a fome no Minho que deu causa áquelles acontecimentos. Oxalá que viesse outro movimento analogo, porque só assim os ministros teriam medo e póde ser até que tivessem o justo castigo dos actos que têem praticado.

Parece-me que os acontecimentos se hão de repetir, porque é preciso que v. exa. saiba que, se ainda ha dois annos entravam no paiz 13:000 contos de réis pela exportação dos nossos vinhos, este anno, dizem os lavradores que talvez não haja vinho para o consumo interno, e portanto comprehende v. exa. e a camara que a falta de 12:000 ou 13:000 contos de réis espalhados pelos proprietarios e lavradores do paiz, se torna bastante sensivel.

No Alemtejo não ha cereaes; a maior parte das terras não produziram para as sementes do anno proximo; n'estas circumstancias encareceu o milho e os outros cereaes, e sobre tudo isto o governo lança-lhes agora mais 6 por cento de imposto; o que hão de elles fazer, se não têem meios de occorrer á sua subsistencia? É possivel que reajam e que se revoltem, e se o fizerem o governo é o unico culpado.

Foi para isto unicamente que pedi a palavra para ver se podia conseguir que o sr. ministro da fazenda dissesse quaes as providencias que tinha adoptado com relação aos acontecimentos que tiveram logar em Oliveira de Azemeis, S. João da Madeira, e Estarreja.

Ora eu já disse aqui em tempo a s. exa., que não esperasse tirar do imposto gravoso que ia lançar sobre o paiz, os resultados que calculava; mas independentemente d'isso; o que vejo com grande magua, é que ainda mesmo que todo o dinheiro com que s. exa. conta, dos impostos que lança agora sobre o paiz, entrasse nos cofres publicos elle de nada servia para beneficio do thesouro, porque o governo tem apresentado propostas de tal ordem, que votadas como já estão, absorvem o dobro ou o triplo do valor que os impostos produzirão; porque não se vê senão uma quantidade enorme de projectos, todos tendentes a augmentar a despeza fabulosamente.

Veja v. exa., portanto, o que é que o povo ha de fazer. Pois elle ha de fazer um sacrificio, para ver que o seu dinheiro em vez de ser para as urgencias do estado, é malbaratado, esbanjado, sem se procurar fazer uma economia?!

O esbanjamento é a norma de proceder deste governo; para amigos mãos rotas.

Vejo com magua que os dinheiros publicos são esbanjados de uma maneira verdadeiramente phenomenal; parece incrivel como estes ministros se apresentam a administrar os bens da nação e a disporem d'elles, como se fossem inglezes. (Riso.)

Uma voz: - Roupa de francezes.

O Orador: - Já não se diz roupa de francezes, agora diz-se roupa de inglezes, porque é mais larga. (Riso.) Os amigos inglezes levam-nos o que os francezes nunca se lembraram de levar.

Tambem com magua digo a v. exa., que sinto não ver n'aquellas cadeiras o sr. ministro das obras publicas, no emtanto vou cumprindo o meu dever. S. exa. não vem cá, mas eu vou fallar para o paiz e o paiz fará justiça a nós todos; elle dirá quem anda bem e quem anda mal. (Apoiados.)

É realmente notavel a ausencia de s. exa., principalmente se ligarmos este facto com o procedimento de s. exa. e dos seus collegas, quando opposição n'esta casa.

Lembram-se certamente a maior parte dos membros d'esta camara e principalmente os srs. ministros, que quando Sua Magestade El-Rei o sr. D. Luiz foi viajar ao Alemtejo e foi acompanhado do sr. José Luciano de Castro, então presidente do conselho de ministros, s. exas. disseram aqui cousas estupendas por causa de não estar presente ás sessões o sr. presidente do conselho, que se sabia que tinha ído officialmente e por virtude da sua posição, acompanhar El-Rei n'aquella visita a uma parte do paiz.

Pois o sr. Frederico Arouca, actual ministro das obras publicas foi passeiar em viagem de receio, em comboio expresso, em vez de vir para o parlamento cumprir com os seus deveres respondendo e dando explicações dos seus actos, áquelles que lh'as exigem, como estão no seu direito.

Aprecie a camara os factos, e veja a paridade do procedimento de hontem e do procedimento de hoje. É bom que

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1600-B DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

estou factos só registem para em occasião opportuna só porem em evidencia. Venho aqui todos os dias, e isso faz com que conheça a historia politica contemporanea.

É necessario que os homens publicos sejam coherentes com os actos que praticam, é necessario que o paiz acredite que estamos a proceder aqui com sinceridade e não a representar uma comedia. S. exas. querem transformar o parlamento n'um theatro; mas isto não é theatro, deve ser uma cousa seria.

Não tinha tenção de usar tão largamente da palavra, mas v. exas. provocam-me constantemente; imaginam que não ha de haver quem lhes responda e quem tenha a energia e coragem necessaria para corrigir as suas demasias.

Se os srs. ministros soubessem como são odiados do paiz, já tinham largado essas cadeiras.

Mas os srs. ministros não se importam com o paiz: o que elles querem é esmagal-o, é exploral-o!

Os srs. ministros entendem, que têem feito uma grande figura e por isso estão muito contentes comsigo mesmo. Julgam-se muito seguros, e suppõem que o paiz é d'elles. Pois vão vivendo n'essa doce illusão que hão de ver o que lhes succede.

Posso afiançar-lhes que, desde os Cabraes, ainda não veiu cá um ministerio mais odiado.

O sr. ministro da fazenda não se importa só com os negocios do sen partido, quer tratar dos negocios do partido contrario; não trata só de se sustentar no seu logar, nem de resolver as difficuldades que encontra na sua pasta; quer governar o seu partido, o que elle lhe não permitte e quer tambem governar o partido progressista!

S. exa. governe-se lá a si, o que não é pouco, e, se souber governar-se, já não anda mal.

O sr. ministro da fazenda já se permitte fazer ministros no partido progressista. Não se contenta em se ter feito ministro a si, quer já fazer os outros ministros. Governe s. exa. a sua vida, não queira metter-se onde não é chamado.

Os cavalheiros, que no partido progressista estão indigitados para ministros têem o talento e as qualidades precisas, para lá chegarem pelos seus merecimentos proprios, não necessitam ír pela mão do sr. Franco. O que eu admiro é a immodedtia de s. exa.; mas emquanto que o sr. ministro da fazenda quer governar este mundo e o outro o sr. ministro das obras publicas não vem cá, não apparace!

Vou ler uma nota das suas magnificas economias, para que o paiz seja constantemente edificado da maneira como o illustre ministro das obras publicas zela os dinheiros publicos, que lhe estão confiados.

Li n'um jornal, que foi arrematada a concessão de uma mala do correio para a Merceana por 4$500 réis, por dias, quando estava arrematada até agora por 900 réis! Veja v. exa. como se faz favor aos amigos do sr. ministro das obras publicas, que me consta que na Merceana e suas redondezas estão debaixo da direcção politica de s. exa.

Apresento este facto parti que a camara e o paiz vejam a maneira como se administram os dinheiros publicos, e para que os illustres deputados lhe tomem strictas contas dos seus actos.

Ha muito tempo, que aquelle serviço era feito por 900 réis diarios; pois agora, como o ministro é amigo, combinaram-se todos e lá vamos pagar 4$500 réis por dia o que até agora se pagava por 900 réis.

Parece, que não estamos n'um governo constitucional; isto é uma pura ficção; os ministros fogem das suas cadeiras e não dão explicação dos seus actos.

Tenho muitos assumptos a tratar n'esta camara, mas não desejo alongar hoje as minhas considerações. A hora está adiantada e não desejo descontentar o sr. presidente nem os meus illustres collegas da maioria, se bem que s. exas. não sejam muito amaveis para commigo. Tenho notado, que s. exas. são pessoalmente muito meus amigos, mas collectivamente não podem ser peiores! (Riso.)

Tenho requerido varias vezes a v. exa., sr. presidente, que consulte a camara se permitte, que eu falle segunda vez para responder a qualquer replica de algum dos srs. ministros, e s. exas. nem uma só vez têem dado licença para eu fallar, ao passo que a têem dado aos meus collegas! S. exas. particularmente têem todos muito desejo de me ser agradaveis, mas collectivamente vejo que me são desagradaveis o mais que podem; mas amor com amor se paga. (Riso.)

Portanto veja o paiz, que os actuaes ministros, quando se sentavam n'estas cadeiras, faziam certas affirmações, mas ha seis mezes para cá, depois que passaram para aquelle lado, as suas affirmações não têem sido cumpridas n'um mantidas. A obrigação do homem publico é ser coherente. (Apoiados.)

Pergunto, como ha de o paiz acreditar os homens publicos?

Chegam ás eminencias do poder e não vão cumprir o que promettiam! E o paiz deve exigir, que s. exas. saiam, visto que não cumpriram aquillo a que se comprometteram! (Apoiados.)

Tenho dito.

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