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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

merecimento, que eu consinta ver desprestigiado um dos mais distinctos, e dos que maiores serviços tem prestado a esta terra.

Não posso crer que haja um homem que venha aqui dizer, que o nobre marquez d'Avila e de Bolama desceu até ao ponto de aceitar a camaradagem com homens que rebaixariam o poder fazendo um tal pedido humilde e supplicante (apoiados). Eu senti profundamente ouvir esta phrase no parlamento (apoiados). Quem está encarregado de organisar um ministerio procura as pessoas que julga mais no caso de entrarem em determinada organisação ministerial. E eu devo dar aqui uma explicação. Alguns dos meus collegas têem dito que não têem responsabilidade na entrada do sr. marquez d'Avila e de Bolama no ministerio d'aquella epocha. Eu não fui chamado nem ouvido n'esta questão, e nem isso admira, porque não são chamados os soldados ás tendas dos generaes, quando se prepara o plano das batalhas; sou um simples e obscuro soldado no meu partido, e, como tal, marcho pelo caminho que me é traçado.

Se eu fosse ouvido n'aquella occasião, declaro a v. ex.ª e á camara que não tinha duvida em aceitar a entrada do sr. marquez d'Avila e de Bolama no ministerio que então se organisou por tres rasões. Primeira, o partido reformista tinha sido accusado, até ali, de uma certa intolerancia e egoismo por se recusar a umas conciliações, que creio já passaram de moda. Com a entrada do nobre marquez d'Avila mostrava esse partido que não tinha a ambição do poder só para si, e que não recusava a conciliação, quando ella era possivel. As conciliações que então se propunham não as podiamos nós aceitar.

Segunda, porque o partido reformista, composto, em grande parte, de homens novos, podia, entrando só no poder, levantar receios, embora injustificados, e que nenhum precedente auctorisava, n'uma parte da opinião, a qual ficaria, por certo, satisfeita, vendo associar-se ao governo um homem de larga experiencia dos negocios, e antigo parlamentar.

Terceira rasão por que eu não conhecia completamente, e tão bem como hoje, o sr. marquez d'Avila e de Bolama (apoiados).

Mas humilde e supplicante pedir o digno prelado de Vizeu a s. ex.ª, que salvasse o partido reformista, não admitto, nem era preciso. (Apoiados.) Pois os acontecimentos de todos os dias não estão dizendo, que realmente não é preciso pedir humilde e supplicante ao sr. marquez d'Avila e de Bolama para entrar em qualquer ministerio? Pois não o vemos nós continuar no governo contra todas as indicações parlamentares e contra todos os principios constitucionaes? Vemos que s. ex.ª conserva-se n'aquellas cadeiras com toda a tenacidade, tenacidade que só póde ser equiparada á tenacidade do naufrago que entre o céu e o mar, com a recordação saudosa da familia, implora o seu Deus, já em face da morte e se agarra com uma tenacidade incrivel ao primeiro madeiro que lhe apparece, como se n'elle achasse a salvação. (Apoiados. Vozes: — Muito bem.) Aquelles mesmos que têem auxiliado o actual governo dizem-lhe diariamente, que não confiam n'elle; e elle conserva-se ali, e quem se mantem assim no poder não póde dizer que seja necessario pedir-lhe humilde e supplicante para entrar no governo (apoiados).

Já o disse aqui bem alto o partido que por mais tempo tem mostrado a sua benevolencia para com o governo. Disse o illustre deputado e meu amigo o sr. Barjona de Freitas, que «o governar não é perpetuar-se n'aquellas cadeiras»; e eu sem querer affectar erudição que não possuo lembrarei ao sr. presidente do conselho, que é tambem presidente da academia real das sciencias, que se for buscar ao grego a origem do termo achará que governar é dirigir um navio, e não dirige o navio o piloto que adormece no meio das tormentas.

Vou terminar.

Eu entendo que é preciso termos governo, que é preciso tratarmos da questão de fazenda e de outras questões que são igualmente graves e serias, e sobretudo que é preciso animar, o espirito publico para que desperte d'esta indifferença tão perigosa em que o vemos.

Quando eu attento bem na situação do paiz, eu comparo-o a um novo Prometheu, cravado de cravos n'este Caucaso immenso que se póde chamar a descrença, vendo, tormento de cada dia, tormento de cada hora, tormento de cada instante, o abutre da indifferença a espicaçar-lhe as entranhas, e divisando um vulto sombrio que poderá ser a morte talvez, e por sobre tudo isto agitando-se, tristemente, essa bandeira das quinas que foi outr'ora pendão glorioso que guiava um povo grande em aspirações a tentar os mais arrojados commettimentos, e que hoje está ali para ser (e só de nós isso depende) ou o estandarte glorioso que marque o nosso logar de honra na vanguarda das nações que, no esplendor da paz, se immortalisam pelo progresso no trabalho, ou a mortalha em que se terá de envolver este corpo immenso que se chama Portugal, para conter o qual, talvez seja acanhada esta terra da patria, e que se deva pedir ás immensidades do oceano, do oceano que foi o theatro das suas melhores e mais brilhantes acções, um abysmo insondavel, onde possa sepultar-se, a um tempo, as glorias de sete seculos, o assombro de mil conquistas, e o arrojo de mil victorias.

Tenho concluido.

Vozes: — Muito bem, muito bem.

(O orador foi comprimentado por muitos srs. deputados.)