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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Discurso do sr. ministro da marinha (Mello Gouveia), proforido na sessão de 4 de setembro, e que devia ter sido publicado a pag. 507 d'este Diario

O sr. Ministro da Marinha (Mello Gouveia): — Eu estimo muito que fosse o illustre deputado por Macau, que viesse pedir ao governo informações do que sabe sobre os recentes acontecimentos d'aquella colonia, que deram origem ás noticias desagradaveis que ha algumas semanas se espalharam na capital, e que em tanto susto pozeram as pessoas menos reflectidas sobre a segurança da colonia, porque o testemunho do illustre deputado, como digno representante d'aquella parte dos dominios portuguezes, ha de, creio eu, juntar-se ás informações do governo para serenar os espiritos dos que podem ter ainda algumas duvidas sobre a natureza e importancia d'aquelles suecessos.

E conveniente receber sempre com toda a reserva as noticias que nos vem aqui do ultramar, sem o cunho official, porque a immensa distancia a que nos achâmos do theatro dos acontecimentos, demorando consideravelmente a verificação dos factos, favorece de molde tanto as más paixões como os erros innocentes dos que mandam no longe o echo das suas falsas apreciações, que podem dar logar a resoluções precipitadas e funestas dos que sem mais reparo se deixarem seduzir por estas impressões. E esta prevenção que é salutar, a respeito de todas as nossas provincias ultramarinas, é sobretudo necessaria a respeito de Macau, aonde não faltam interesses que nem sempre podem viver em paz com a auctoridade publica.

Não ha ainda muitos dias que correu no publico a noticia de que haviamos sido intimados para evacuar Macau. Esta novidade veiu a Lisboa expedida da colonia por conducto particular. O que ella tinha em vista não o sei ao certo, nem é preciso dizer o que conjecturo dos seus fins. As pessoas reflectidas viram logo que a intimação tinha tanto de descortez como de peremptoria, e que os astuciosos chinas não costumam a ser tão incivis com os seus amigos, nem tão attenciosos com os seus inimigos. Quando querem ser violentos degolam sem intimação prévia, e quando querem conquistar por seducção vão mais devagar, e ninguem os excede em paciencia. Mas nem toda a gente é reflectida, e as massas populares não raciocinam, sentem, não discutem a rasão de ordem de taes noticias, deixam-se levar do terror que ellas lhe inspiram, e sem embargo da sua falta de fundamento, podem por este modo fazer-se causa de funestissimos effeitos.

Felizmente o caso que deu origem a estes boatos está longe de assumir o caracter assustador que se lhe attribuiu, o com quanto seja ainda uma questão pendente, que o governo espera ver resolvida satisfactoriamente, já possue sobre elle as noticias e documentos necessarios para mostrar á camara que não tem em si nenhuma condição de hostilidade ou aggressão ao nosso dominio, e que não passa de uma discussão de interesses fiscaes dos chinas, que o governador de Macau está firme e prudentemente disputando para a conduzir á solução mais conveniente á dignidade do paiz e aos interesses da colonia, que tivermos rasão de sustentar.

Para que a camara possa fazer juizo perfeito da questão, eu peço licença para lhe ter alguns documentos, que todavia são anteriores a communicações telegraphicas de que logo darei conta, e que nos deixam esperar que este negocio se resolverá sem innovações que alterem a presente situação do commercio de Macau, em relação á fiscalisação china. Mas para verdadeira apreciação d'estes documentos convem que se chame a attenção da camara para a situação actual da fiscalisação chineza nas proximidades de Macau, consentida ha tres annos, approvada pelo governo, e mantida até agora com o voto da junta consultiva do ultramar.

Sabe a camara que o opio é o artigo de commercio mais importante que sae das colonias portugueza e ingleza de Macau e Hon-Kong para os portos da China. Esta mercadoria está ha muito sujeita n'aquelle imperio ao direito aduaneiro de 30 taeis por caixa (direito imperial), e ao de transito do 16 taeis por caixa, direito local de Cantâo, applicado para as despezas da provincia. É bom que a camara saiba que o taeil vale proximamente 1$200 réis, e que a caixa de opio tem o valor de 600$000 réis, e portanto que a somma total d'estes direitos não passa de 1 por cento do valor da mercadoria, e não poderá ser fundamento para arguir os chinas de serem demasiado exigentes com uma droga que os envenena e que os mata.

Estes direitos eram anteriormente cobrados nos logares da importação, tanto o direito imperial, como o direito provincial de Cantão, a que se dá o nome do likin, mas o extenso litoral da China, a desordem proverbial dos seus serviços publicos e a indole astuciosa e avara dos seus naturaes, especialmente dos mercadores do opio, concorreram para dar tal vulto ao contrabando e assignalaram uma tal diminuição nas receitas publicas procedentes d'este imposto, que o governo local da provincia de Cantão viu-se obrigado a compor novos regulamentos fiscaes para a cobrança dos seus direitos provinciaes de transito, ou do likin, estabelecendo postos fiscaes no territorio chinez, em que considera ter dominio e posse, mais proximo das colonias estrangeiras de Macau e Hong-Kong, d'onde se faz a maior exportação do opio, auxiliados por cruzeiros de canhoneiras a vapor e outros barcos de vela que obrigam as embarcações costeiras chinas, que sáem das colonias ingleza e portugueza com carga de opio para a China, a pagar n'aquelles postos fiscaes os direitos d'esta mercadoria que transportam.

Os postos fiscaes que se estabeleceram nas proximidades do Macau era territorio chinez, que nós não occupâmos, foram dois na ilha da Lapa, fronteira ao porto interior de Macau, e mais tres alem da porta do cerco, no caminho da Casa Branca e do Ca-thai. Estes postos fiscaes foram consentidos pelo governo portuguez, provavelmente porque entendeu que não podia disputar aos chinas o direito de tributar como entendessem as mercadorias importadas no seu paiz, nem a faculdade de estabelecer no seu territorio e nas suas aguas as formas de fiscalisação que lhes aprouvesse, sem aggravo dos direitos naturaes ou convencionaes dos estrangeiros seus vizinhos.

O acto do consentimento do governo está expresso, entre outros documentos, na portaria que vou ler á camara:

«Sua Magestade El-Rei, a quem foi presente o officio reservado n.º 236, do governador de Macau e Timor, de 29 de setembro ultimo, dando conhecimento dos pontos em que effectivamente têem sido estabelecidos os postos fiscaes chinezes, a que se referem os seus anteriores officios, e dos meios que tem empregado para que os mandarins não excedam, como alguns têem pretendido, os limites que lhes têem sido marcados para o estabelecimento d'aquellas casas fiscaes; manda, pela secretaria d'estado dos negocios da marinha e ultramar, participar ao mesmo governador, que ha por bem approvar o piocedimento que, pelo seu citado officio mostra haver tido sobre tal assumpto, o qual novamente muito lhe recommenda, a fim de que, empregando todos os esforços para que os ditos postos fiscaes se não estabeleçam