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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Cantão respondido ao officio de 20 de junho do governador de Macau, mas havia-lhe expedido um mandarim para lhe lhe dar explicações sobre a falta de prevenção de que elle se queixava, relativa ás disposições fiscaes recentemente tomadas.

Este mandarim foi o infausto percursor d'aquella frota de canhoneiras e mais barcos armados, que tanto sobressaltaram os leaes e honrados habitantes de Macau, e que, segundo a correspondencia do Macaense, que o illustre deputado leu á camara, veiu bloquear a cidade para arrancar á força ao seu governador o consentimento para o estabelecimento de novas alfandegas.

Sinto não poder poupar á camara a fadiga de ouvir ainda a leitura do officio do governador de Macau, de 4 de julho, que dá conta d'estes successos, mas parece-me necessario que o conheça na sua integra, para saber como as cousas se passaram, e apreciar o valor dos fundamentos com que se tomaram os barcos chinezes de fiscalisação por inimigos, e a descripção com que se propalou que foram violar a independencia do dominio portuguez, coagindo o governo da colonia a fazer concessões tão indecorosas como desvantajosas, segundo o juizo da alludida correspondencia.

«Ill.m0 e ex.mo sr. — Na mala anterior preveni a v. ex.ª das intenções que tinha o governo chinez de fazer cobrar nos postos fiscaes de Macau e Hong-Kong os direitos que o opio pagava nas alfandegas maritimas dos logares da importação.

«Tenho agora a honra de informar a v. ex.ª que effectivamente recebi uma communicação official do vice-rei de Cantão a tal respeito (documento n.º 1), e pelo documento n.º 2 v. ex.ª se dignará ver qual a resposta que lhe dei.

«Se eu não tivesse apprehensões de que para o futuro se tente tambem cobrar nos mesmos postos fiscaes direitos sobre outros mais generos, não teria feito impugnação, visto que em Hong-Kong o governo se não importou com similhante cousa, como se vê dos documentos n.ºs 3 e 4; mas sendo o posto fiscal aqui mui perto, em rasão de circumstancias topographicas, e tendo em vista a recommendação que me foi feita em portaria do ministerio a mui digno cargo de v. ex.ª, n.º 129, de 28 de novembro de 1868, insisti para que taes direitos fossem cobrados a maior distancia.

«O vice-rei não respondeu ainda ao meu officio, mas mandou-me um mandarim dar explicações sobre a falta de prevenção, dizendo que eram ordens do governo de Pekin, e que elle não podia adiar como tinha feito a respeito dos direitos de transito provisorio cobrados nos postos fiscaes; mas que indicasse eu o logar em que as embarcações que deviam receber os direitos podiam fundear.

«Em seguida começaram a apparecer canhoneiras de guerra chinezas e hontem contavam-se seis no ancoradouro em frente da fortaleza da barra. O mandarim queria fundear as embarcações do registo, e com difficuldade se póde encontrar um logar apropriado no canal do Bogao quasi a tres milhas de distancia da fortaleza da barra, logar aonde eu disse que podia o mandarim estabelecer a sua estação aduaneira, até que eu recebesse instrucções de v. ex.ª

«Hontem reuni conselho do governo e para o qual convidei dez pessoas estranhas a elle e de maior respeitabilidade para ouvir a suà opinião sobre o assumpto, e quasi todas foram conformes em que, não se podendo negar o direito que assiste ao governo chinez de receber os seus impostos em qualquer parte do seu litoral, devia tentar-se que o actual posto fiscal fosse para lá igualmente, a fim de ficar mais distante.

«Encontro difficuldade em que possa tal conseguir, porque no ponto aonde agora se quer estabelecer a estação aduaneira, para receber direitos do opio, é menos proprio para as embarcações de commercio ali irem pagar direitos, não só pelo pouco fundo, como pela difficuldade da navegação.

«Na mala seguinte mandarei á presença de v. ex.ª as actas do conselho do governo a tal respeito, e mais alguns documentos, e hoje mando communicar a v. ex.ª pelo telegrapho este incidente. Como a apparição de seis canhoneiras chinas, e uma de maior porte, produzisse certa agitação nos animos, eu mandei hoje dizer ao mandarim que não dava a minha resposta sobre o assumpto emquanto as canhoneiras estivessem no porto interior.

«O mandarim deu logo ordem para ellas saírem e mandou-me dizer que ámanhã ás duas horas da tarde viria fallar-me, não devendo estar no porto mais do que a sua canhoneira e outra que tinha vindo de Ning-pó (a maior) que precisava demorar-se alguns dias para uns concertos.

«Faço d'isto menção a v. ex.ª porque talvez ahi cheguem noticias exageradas a similhante respeito.

«Deus guarde a v. ex.ª Macau, 4 de julho de 1871. — Ill.mo e ex.mo sr. ministro e secretario d'estado dos negocios da marinha e ultramar. = Antonio Sergio de Sousa.»

Ouviram, o illustre deputado e a camara, o que conta o governador, das exigencias e violencias que lhe fizeram os sete mandarins, dos quaes elle não vê senão o enviado do vice-rei de Cantão com os barcos do cruzeiro fiscal, que entram no porto de Macau como podem entrar em qualquer outro de nação amiga, e que vão saír para se occupar no seu officio de dar caça ao contrabando; sabem já s. ex.ªs o que se passou n'aquellas conferencias, que a correspondencia de Macaença pretende insinuar como affrontosas para nós, e todos estamos inteirados, pelos documentos que tenho lido, da natureza da questão, e habilitados para apreciar a sua importancia e alcance.

As noticias da mala não vão mais longe, mas sabemos por communicações telegraphicas, que o governador de Macau mandou o secretario do governo a Cantão tratar com o vice-rei este negocio, e em 2 de agosto expediu elle ao governo o seguinte telegramma:

«Tudo está socegado; só alguns soldados merecem ser punidos por excitarem desordens. Eu espero arranjar satisfactoriamente o negocio das alfandegas.»

Temos, pois, este negocio pendente, e esperançado em boa solução, de que eu não duvido, porque confio no patriotismo, na prudencia, na coragem pessoal e no bom juizo do governador de Macau, e acredito que elle é incapaz de tolerar a minima affronta á dignidade nacional, que a honra e brios dos leaes habitantes de Macau tambem não soffrem, como mil vezes têem mostrado, e ainda agora manifestaram, na diligencia e espontaneidade com que tudo o que é considerado e consideravel em Macau se acercou do governador para o ajudar a manter a ordem e a defender a bandeira da patria.

O governador tem instrucções do governo n'este sentido, e a resolução que elle nos assegura do seu animo sobre este ponto, é conforme ao seu dever.

Não nos inquieta, porém, muito a gravidade dos conflictos que podem surgir d'este negocio, se formos justos e prudentes como devemos ser.

Esta questão é uma questão velha, de interesses fiscaes, que nunca tomou o caracter de aggressão ao dominio portuguez, que já teve uma solução sanccionada por nós, que se foi menos conforme ás conveniencias do porto de Macau, como alguns dizem, foi havida por outros como justa satisfação de direitos alheios a que o governo não podia recusar o accordo que lhe deu.

Querem voltar atrás? Querem reconsiderar a resolução que tomaram em 1868, e atacar os novos e os velhos postos fiscaes dos chinas estabelecidos no que elles chamam seu territorio e suas aguas?

Podem faze-lo, mas reparem que é uma questão que tem de ser resolvida por considerações de direito e de força, e que se não póde discutir aqui em sessão publica (apoiados.)