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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Discurso do sr. ministro da marinha (Mello Gouveia), proferido na sessão de 4 de setembro, e que devia ter sido publicado a pag. 507 d'este Diario

O sr. Ministro da Marinha (Mello Gouveia): — Permitta me v. ex.ª que eu diga ainda duas palavras respondendo mui succintamente a algumas observações que o sr. deputado fez na sua replica e reparando no modo por que commentou os factos de que nos occupamos por inspiração das noticias que teve nas suas correspondencias particulares.

O sr. Presidente: — Peço perdão ao sr. ministro de o interromper.

Peço aos srs. deputados que estão entre a banqueta dos srs. ministros e a dos srs tachygraphos que occupem os seus logares, não por estarem voltados de costas para mim, mas porque o decoro da sala assim o exige.

O Orador: — Dizia eu que ía responder muito succintamente ao sr. deputado sobre os commentarios, em que s. ex.ª insistiu, dos factos que se deram em Macau e que persiste em apreciar sob o ponto de vista e pelo modo em que os narram as suas correspondencias. As apreciações de s. ex.ª estão em opposição manifesta com o teor e a natural intelligencia dos documentos que eu li á camara, relativos ao negocio de que se trata.

O governo não póde deixar de manter a verdade das declarações que acaba de fazer sobre a natureza e importancia da questão, declarações authenticadas pelo testemunho escripto dos responsaveis, e que não podem ser impugnadas pelos juizos arbitrarios dos que raciocinam com isenção de toda a responsabilidade. O que todavia o não impede de assegurar á camara que da sua parte tem empregado e ha de empregar todos os esforços, todos os recursos moraes e materiaes de que dispõe, para manter illeza a dignidade do paiz.

Como a camara viu, esta questão está pendente, ha n'ella esperança de uma solução satisfactoria que seria pena prejudicar com actos menos reflectidos. Tenhamos a paciencia de esperar saber a que accordo podemos chegar com os chinas e então deliberaremos o que convier.

Eu já declarei, se me não engano, que o governo nas instrucções que mandou ao governador de Macau e que não podiam ser senão concisas como as permittem os telegrammas, prevenia-o terminantemente para não consentir a nova alfandega que se quiz levantar na Ribeira Grande.

Mas o illustre deputado quer mais e insiste em condemnar os postos fiscaes chinezes que ali se têem consentido até agora, quer talvez que os ataquemos á mão armada, admirando-se s. ex.ª que o governo não apresentasse a este respeito opinião sua e que não estudasse a materia. Estudar o que, sr. presidente? Pois o governo precisa estudar alguma cousa para saber que era muito commodo aos moradores de Macau viverem desaffrontados de toda a fiscalisação chineza e que quanto mais livre de vigias fosse o seu commercio com a China mais concorrido seria o porto e mais dinheiro lá iria? Toda a gente sabe isso, assim como ninguem ignora que todas as nações têem o direito de guardar o seu litoral como entenderem necessario para o proteger contra visitas suspeitas.

Não ha duas opiniões a este respeito. É um negocio tão simples que todos o encaram do mesmo modo, mas a questão é o modo pratico de chegar aos resultados desejados.

O illustre deputado até estranha que nós observemos o que faz a Inglaterra, nação poderosa que soffre do mesmo mal de que nos queixâmos, e que apesar de ter nos mares da China forças navaes respeitaveis, que póde reforçar a toda a hora, não se recusa a reconhecer o direito que têem os chinas de estabelecer as taxas fiscaes que lhes convem nos generos das suas importações, nem lhes nega a faculdade de as fiscalisar como julgam acertado.

Ora eu acompanho o illustre deputado nos louvaveis desejos de ver o porto franco de Macau livre, da vizinhança dos postos fiscaes e dos cruzeiros, que dão caça ao contrabando nas aguas da costa da China. Era bom, muito bom, que esse mal já tolerado e consentido fosse debellado, mas como?

Bem sabe o illustre deputado que para feito de armas é cousa bem facil. Meia duzia de soldados bastam para ir destruir os postos fiscaes e expulsar os empregados chinas que la estão; e qualquer dos nossos anspeçadas é capaz de commandar essa façanha. E depois?! Eu tenho bastante confiança no bom senso do illustre deputado para duvidar, como duvido, de que s. ex.ª fosse capaz de tomar sobre si essa responsabilidade.

Creio que é este um negocio que se deve ter muito em vista para se tratar por outro modo e n'outros termos e não se levantando mão d'elle; tratando-o diplomaticamente com perseverança e habilidade, é de esperar que chegue a uma conveniente solução em que mutuamente se respeitem os direitos e os interesses da China e da colonia; porque eu estou ha muito convencido do que disse o illustre deputado (com apoio dos ápartes de outros membros d'esta camara) — os chinas nem querem expulsar-nos de Macau, nem desejam que de lá saíamos; mas afigura-se-me que não é isto uma rasão para os tratarmos mal!

Recorda o illustre deputado,á memoria da assembléa varios pontos de administração que entende precisam de ser attendidos com reformas, que melhor concorram para o bom governo do estabelecimento de Macau, e entre esses lembrou o regulamento da emigração chineza, que reclamou mais liberal! Confesso que não comprehendi essa liberdade que o illustre deputado quer nos regulamentos da emigração chineza; ou antes tenho medo de comprehender!

Como, sr. presidente, pois apesar das restricções que temos posto nos alludidos regulamentos, todas tendentes a verificar bem a espontaneidade da emigração, a reprimir as astucias, seducções e coacções que para illudir os emigrantes põem em jogo os corretores d'esse ignobil commercio e para arrancar das suas garras os chinas que se encontram illudidos ou se arrependem até ao momento de largar o nosso porto, não temos podido impedir essas tragedias lamentaveis, recentemente repetidas, e successivamente representadas no alto mar com as revoltas dos coolis, incendios e naufragios dos navios, assassinatos das suas tripulações, factos que começam a chamar a attenção da Europa, e trazem já ao gabinete de Lisboa prevenções e avisos de nações amigas e poderosas; e pede-nos o illustre deputado regulamentos mais liberaes e portanto menos cautelosos!

Ainda bem, sr. presidente, ainda bem, que as restricções e cautelas dos nossos regulamentos nos habilitam a dizer á Europa e nomeadamente á Inglaterra: — Olhae que nós não somos cumplices directa nem indirectamente n'esses attentados. Nós temos tomado mais cuidadosas prevenções do que vós usaes em Hong-Kong com a emigração chineza, e temos acautelado quanto humanamente póde ser previsto para impedir os malvados de abusarem d'esta triste miseria das populações chinas. E é realmente uma grande consolação, sr. presidente, ter a consciencia limpa de cumplicidade n'estes crimes, e pela minha parte, sr. presidente, declaro que me não sinto disposto a dar mais largas a esse commercio hediondo, mas antes a vigia-lo com implacavel severidade.

Pelo que toca aos outros pontos da administração de Macau, sobre que s. ex.ª tambem tocou de passagem, a reorganisação mais efficaz e mais economica da força publica, especialmente do corpo de policia, e a reforma da procuratura dos negocios sinicos e outros assumptos importantes, o illustre deputado sabe melhor do que ninguem, que o governo se occupa d'elles incessantemente, porque s. ex.ª tem a este respeito sido ouvido; e sabe muito bem que são estudos que vão muito adiantados e estão proximos a serem convertidos em disposições praticas. E pelo que respeita á estação naval estou inteiramente de accordo com s. ex.ª em a querer mais forte do que está hoje, não de quatro navios, como o illustre deputado lembra, o que me parece exces-