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SESSÃO DE 5 DE SETEMBRO DE 1871

Presidencia do ex.mo sr. Antonio Ayres de Gouveia

Secretarios — os srs.

D. Miguel Pereira Coutinho

Ricardo de Mello Gouveia

Summario

Apresentação de requerimentos e representações. — Ordem do dia: 1.ª parte, continuação da discussão e rejeição do parecer da commissão de verificação de poderes sobre a eleição do circulo de Macedo de Cavalleiros — 2.ª parte, continuação da discussão do projecto de resposta ao discurso da corôa.

Chamada — 48 srs. deputados.

Presentes á abertura da sessão — os srs.: Adriano Machado, Alfredo da Rocha Peixoto, Cerqueira Velloso, Ayres de Gouveia, Soares e Lencastre, Barros e Sá, A. J. Teixeira, Antonio Julio, Rodrigues Sampaio, Telles de Vasconcellos, Cau da Costa, Saraiva de Carvalho, Carlos Ribeiro, Claudio Nunes, Francisco de Albuquerque, Francisco Mendes, Correia de Mendonça, F. M. da Cunha, Van-Zeller, Gomes da Palma, Sant'Anna e Vasconcellos, Mártens Ferrão, Candido de Moraes, Assis Pereira de Mello, J. J. de Alcantara, Ribeiro dos Santos, Vasco Leão, Pinto de Magalhães, Lobo d'Avila, Bandeira Coelho, Cardoso Klerk, Dias de Oliveira, Figueiredo de Faria, Costa e Silva, Sá Vargas, Nogueira, Mexia Salema, Teixeira de Queiroz, José Tiberio, Affonseca, Pires de Lima, Manuel da Rocha Peixoto, Alves Passos, Mariano de Carvalho, Cunha Monteiro, D. Miguel Coutinho, Ricardo de Mello, Thomás Bastos, Visconde de Montariol, Visconde de Moreira de Rey, Visconde de Villa Nova da Rainha.

Entraram durante a sessão — os srs.: Agostinho da Rocha, Osorio de Vasconcellos, Albino Geraldes, Braamcamp, Pereira de Miranda, Teixeira de Vasconcellos, Correia Caldeira, Boavida, Arrobas, Barjona de Freitas, Falcão da Fonseca, Barão do Rio Zezere, Carlos Bento, Conde de Villa Real, Pinheiro Borges, Vieira das Neves, Francisco Costa, Camello Lampreia, Caldas Aulete, Guilherme de Abreu, Silveira da Mota, Perdigão, Jayme Moniz, Franco Frazão, Santos e Silva, Melicio, Barros e Cunha, J. A. Maia, Dias Ferreira, Rodrigues de Freitas, José Luciano, Moraes Rego, J. M. dos Santos, Mello Gouveia, Menezes Toste, Pinheiro Chagas, Paes Villas Boas, Thomás Lisboa, Pedro Roberto, Placido de Abreu, Thomás de Carvalho, Visconde dos Olivaes, Visconde de Valmór.

Não compareceram — os srs.: Eduardo Tavares, Silveira Vianna, Pinto Bessa, Baptista de Andrade, Lourenço de Carvalho, Luiz de Campos, Camara Leme.

Abertura — Aos tres quartos depois do meio dia.

Acta — Approvada.

EXPEDIENTE

A QUE SE DEU DESTINO PELA MESA

Officios

1.° Do ministerio da guerra, remettendo os esclarecimentos pedidos pelo sr. Alcantara ácerca de gratificações ou forragens pagas por aquelle ministerio.

Para a secretaria.

2.° Do mesmo ministerio, remettendo varios esclarecimentos pedidos pelo sr. F. M. da Cunha.

Para a secretaria.

3.° Do mesmo, ministerio, remettendo varios esclarecimentos pedidos pelo sr. Mariano de Carvalho.

Para a secretaria.

Representação

Da camara municipal do concelho de Ponte do Sôr, pedindo auctorisação para applicar a obras municipaes o dinheiro existente no cofre de viação.

Á commissão respectiva.

Declaração de voto

Declaro a v. ex.ª que não pude comparecer á camara por motivo justificado, e que se no sabbado estivesse na camara rejeitava o requerimento do sr. visconde de Valmór.

Sala das sessões, em 4 de setembro de 1871. = Antonio Telles Pereira de Vasconcellos Pimentel.

Inteirada.

SEGUNDAS LEITURAS

Projecto de lei

Senhores. — O decreto dictatorial de 22 de julho de 1870 confirmado por lei de 27 de dezembro do mesmo anno, dispõe no artigo 6.° o seguinte: é applicavel á cobrança de fóros, censos e pensões e de quaesquer outros rendimentos pertencentes á fazenda o processo administrativo estabelecido para a cobrança dos impostos. O processo administrativo a que se refere o decreto citado é o que consta dos artigos 36.° e seguintes do regulamento geral da administração de fazenda publica de 4 de janeiro de 1870.

Está já praticamente demonstrada a inconveniencia de se applicar á cobrança de fóros, censos e pensões o processo administrativo e executivo, estabelecido para a cobrança dos impostos.

Os individuos citados para pagamento de fóros, censos e pensões devidos á fazenda publica, ficam, segundo os termos de tal processo, privados do direito de allegarem as convenientes prescripções, de contestarem o dominio directo que muitas vezes a fazenda indevidamente se arroga e de produzirem qualquer outra materia de defeza.

A necessidade, que ha, de não tolher o uso de tão importantes direitos claramente se revela se attendermos: 1.°, a que a cobrança de fóros, censos e pensões pertencentes á fazenda nacional está em grande atrazo, havendo algumas pensões emphyteuticas e censiticas que se não cobram desde 1815, e outra desde 1830; 2.°, a que são desconhecidos, emquanto o grande numero de prasos, os actuaes emphyteutas, porque desde as epochas que acabâmos de mencionar o dominio util de muitos prazos tem sido objecto de frequentes transmissões já por successão, já por contrato; 3.°, a que se ignora a situação dos predios em que são impostas taes pensões, porque no longo periodo que tem decorrido desde a epocha da constituição dos respectivos prazos não só as localidades em que os predios são situados têem mudado de designação, sendo actualmente mui diversamente indicadas, mas tambem a apparencia e confrontações de taes predios se têem modificado consideravelmente já pela mudança de cultura, já pela encorporação em outros predios, já finalmente pela divisão d'elles.

Para se conhecerem os emphyteutas e os predios a que nos referimos, tem-se recorrido a informações, e por mais verdadeiras que sejam as pessoas de quem tenham sido colhidas, é facil de ver que muitas terão sido inexactas, attenta a difficuldade de averiguar o que o tempo e muitas outras circumstancias tem quasi completamente obscurecido.

N'estes termos estabelecer para a cobrança de pensões emphyteuticas e censiticas, ácerca das quaes se não póde affirmar com exactidão onde são impostas e quem as deve pagar, o processo applicavel á cobrança dos impostos que são lançados quasi á vista dos contribuintes e com audiencia sua, é dar occasião a violencias e vexames sem ao menos admittir recurso que possa proporcionar á sua reparação.

Senhores, a lei de 4 de junho de 1859, cujas disposições foram desenvolvidas pelo regulamento de 27 de setembro

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do dito anno, estabeleceu de um fórma sensata e justa um processo especial para a cobrança dos fóros, censos e pensões em divida á fazenda publica. Creou essa lei um processo summario em que se conciliam o respeito aos direitos individuaes e a imperiosa necessidade de se promover a facil arrecadação das pensões em divida ao thesouro.

Vigorou por espaço de onze annos tal fórma de arrecadação de fóros e pensões, com grande proveito do thesouro publico e contento dos povos.

Por todas estas rasões temos a honra de submetter á vossa illustrada apreciação o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° Fica em pleno vigor, desde a publicação da presente lei, a lei de 4 de junho de 1849, que diz respeito á fórma de arrecadação de fóros, censos e pensões pertencentes á fazenda nacional.

Art. 2.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Sala das sessões da camara, 4 de setembro de 1871. = Joaquim Thomás Lobo d'Avila, deputado por Faro = João Antonio Franco Frazão, deputado pelo circulo do Fundão = Francisco Correia de Mendonça, deputado pelo circulo de Lagos = Visconde de Montariol, deputado pelo circulo de Braga.

Foi admittido e enviado á commissão respectiva.

Proposta

Propomos que de accordo com o governo, se marque dia para se tratar em sessão secreta dos negocios de Macau. = Thomás Frederico Pereira Bastos, deputado por Angola = Antonio Augusto Pereira de Miranda = Mariano Cyrillo de Carvalho = Pires de Lima = João Gualberto de Barros e Cunha.

Foi admittida.

O sr. Mexia Salema: — Sr. presidente, por motivos para mim muito doloroso deixei de comparecer ás sessões que decorreram desde segunda feira até sabbado. V. ex.ª e a camara conhecem muito bem este justificadissimo motivo, e tanto que a camara, por causa d'elle, teve para commigo a benevola deferencia, que costuma ter em lances tão tristes, como o meu, dos seus membros, e pelo qual eu repito o meu agradecimento, que já lhe dirigi por intermedio dos seus dignissimos secretarios.

Durante essa minha ausencia, na sessão de 29 do mez passado, teve logar uma votação sobre um assumpto de alta transcendencia, e que só costuma apparecer de muitos em muitos annos nos parlamentos constitucionaes. Refiro-me á proposta da reforma da carta constitucional apresentada pelo illustre deputado por Tondella o meu respeitavel e sympathico amigo, o sr. Francisco Mendes

Entendo, sr. presidente, que em assumptos de tanta magnitude têem a camara e o paiz direito de conhecer a opinião, n'aquella dos seus membros, e este dos que o povo elegeu para esta casa advogar os seus interesses; e entendo que é uma obrigação indeclinavel para todo o deputado fazer conhecer á camara, em que se apresentam identicas propostas, a sua opinião n'esse importante ponto. Por isso peço licença a v. ex.ª e á camara para em poucas palavras cumprir com esse meu dever, que logo que voltei á camara na sessão de sabbado, e na de hontem desejei cumprir, mas não pude, por não me chegar a palavra.

Tenho intima convicção, que a carta constitucional modificada e additada pelo acto addicional, sendo bem executada, contém ainda em si as disposições convenientes para um governo justo e liberal, e muito conducentes para fazerem a felicidade do brioso povo a quem foi dado esse codigo fundamental.

Não desconheço todavia que ha alguns artigos que carecem de ser reformados, uns porque não estão já muito conformes com os costumes do povo, outros porque estão um pouco atrás ou áquem dos bons principios da sciencia, e outros porque não podem já existir, por terem caducado as instituições em que se fundavam. Não quero, porém, com isto dizer que admittiria á discussão a proposta. O meu voto é antes em sentido contrario, por isso que n'essa proposta, aliás muito bem elaborada, e que eu apoiei para a estudar, se pretende a reforma de quasi toda a carta, e eu não vejo necessidade alguma de alteração da maior parte dos artigos n'ella indicados para reforma; e a julgo feita em sentido muito amplo e vago, e até me parece pouco conforme para proceder com o exigido nos artigos 140.° e 141.° da mesma carta. Alem de que não tenho por muito opportuna a occasião de se tratar da reforma da carta só para seu aperfeiçoamento no estado de agitação de espiritos, e quando a nossa principal necessidade é tratar das questões de fazenda, e de boa administração.

Deixando assim consignada a minha opinião sobre a importante proposta, aproveito a occasião para mandar para a mesa uma representação da junta de parochia do Sebal Grande, que pertence ao concelho de Soure, um dos concelhos que fórma o circulo que tenho a honra de representar n'esta casa, na qual se pede que se faça acabar a cultura dos arrozaes em umas terras que lhe são contiguas.

A respeito d'estas questões de arozaes, tenho a opinião de que ha terrenos em que esta cultura é prejudicial á saude, e ha outros que não é assim, por isso que não sendo estes terrenos aproveitados, ficariam pantanos, o que é muito mais prejudicial para a saude, e mesmo porque ali se observam todas as regras para que estas sementeiras não sejam prejudiciaes á saude. Não sai se os terrenos de que trata a representação estão no primeiro caso; não tenho conhecimentos a esse respeito, mas tratarei de os obter, para em occasião opportuna fundamentar este pedido.

Por agora limito-me a pedir a v. ex.ª que dê a esta representação o destino competente.

O sr. Mariano de Carvalho: — Os bancos dos srs. ministros estão desertos, e eu desejava fallar na presença do governo; por consequencia mando para a mesa um requerimento pedindo esclarecimentos ao governo, e peço a v. ex.ª que me reserve a palavra para quando estiver presente algum dos srs. ministros.

O sr. Barros e Cunha: — Mando para a mesa uma representação da camara municipal de Silves, que se refere ao projecto de lei apresentado pelo sr. deputado por Lagos, a fim de que seja impressa no Diario d'esta camara, e enviada á commissão que tem de dar parecer sobre o mesmo projecto de lei.

O sr. Adriano Machado: — Na ultima sessão da semana passada, o sr. Alfredo Peixoto, para mostrar a liberdade com que se fizeram as eleições no districto de Vianna, requereu que pelo ministerio da justiça fosse enviada a esta camara copia do processo instaurado em Monsão contra tres cidadãos, pelo crime de desobediencia e não sei se de resistencia.

Trazia eu commigo a certidão d'este processo, e pedi logo a palavra, para que podessem immediatamente ser cumpridos os desejos do sr. deputado.

Longe porém de confirmar a opinião que o sr. deputado emittiu ácerca do juiz de Monsão, a quem não conheço, com quem não tenho relações nenhumas directas nem indirectas, mas a quem respeito pelo prestigio do seu nome; longe, digo, de confirmar tal opinião, o que este processo mostra são as violencias das auctoridades administrativas, em virtude das quaes tres eleitores do conselho de Monsão estiveram presos desde 9 até 12 de julho.

Sinto que não esteja presente o sr. ministro do reino, cuja attenção eu desejava chamar para este facto. Não lhe dirijo por ora uma interpellação a este respeito; proponho-me só a dar-lhe conhecimento d'estas violencias, de que talvez s. ex.ª não tenha noticia.

O processo crime, de que se trata, reduz-se a um auto de corpo de delicto que o juiz de direito julgou improcedente. A este auto assistiu o delegado do procurador regio, funccionario que não é nada suspeito á parcialidade ministerial do concelho de Monsão. As testemunhas inquiridas tambem não podem, ser suspeitas a esta parcialidade, porque foram dadas em rol pelo administrador do concelho. Quanto

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ao juiz, é verdade que o sr. Alfredo Peixoto asseverou que elle interviera na eleição, mas o sr. deputado não póde ter ainda, para dispensar as provas de tal asserção, aquella auctoridade que só se adquire n'uma longa e irreprehensivel carreira publica. Creio que terá qualidades para a grangear com o tempo; mas por ora é muito novo.

Não ha pois nada que possa fazer duvidar da sinceridade d'este documento.

Vejamos o que dizem as testemunhas

Diz a primeira (leu).

Para bem se apreciar este e os mais depoimentos convem recordar um caso que ainda se não póde ter apagado da memoria dos deputados da camara ha pouco dissolvida.

Nas eleições de setembro de 1870 tinha-se feito na assembléa de Moreira uma acta que muitos deputados julgaram falsa. A maioria da camara decidiu que era verdadeira, para bem do candidato pertencente a essa maioria; mas lá no circulo toda a opposição ainda hoje insiste em que a acta era falsa, e já agora morrerá n'essa convicção. As cousas continuaram pouco mais ou menos como no tempo em que se fez aquella acta. D'aqui veiu a necessidade que a opposição teve de mandar á suspeita assembléa, a fim de vigiarem o processo eleitoral, tres cidadãos que, comquanto não tivessem voto n'aquella assembléa, eram eleitores no concelho.

São estes cidadãos os que o presidente da mesa obrigou a retirar da assembléa sem que elles offendessem ali pessoa alguma nem por obras, nem por palavras, nem por gestos, como dizem as testemunhas. São estes os que foram presos pelo delegado da auctoridade administrativa, porque não cederam a uma ordem arbitraria e não renunciaram ao seu direito de assistir a um acto publico.

Mas no fim do depoimento vem uma revelação importantissima. Note a camara que a revelação que vae ouvir, e que é confirmada por mais duas testemunhos, parte de individuos que foram designados pelo administrador do concelho para deporem n'este auto. Diz o final do depoimento (leu).

Os cidadãos foram presos no dia 9 de julho. O administrador fez a investigação administrativa no dia 11, e não muito cedo, porque uma testemunha depoz n'ella ao meio dia, outra ás duas e outra ás quatro horas da tarda; e o auto d'essa investigação é datado de 10 de julho! O administrador para se fingir diligente, e para lançar á conta da auctoridade judiciaria a culpa da demorada prisão de tres eleitores, datou o seu auto do dia 10; mas elle foi feito na tarde do dia 11. Assim ao abuso de poder reuniu aquelle funccionario o crime de falsidade. E com este processo é que o sr. Alfredo Peixoto quer culpar o juiz de Monsão e santificar o administrador do concelho?!

(Interrupção do sr. Alfredo Peixoto, que não se percebeu.)

Estes factos são graves, e na ausencia do sr. presidente do conselho peço ao sr. ministro da fazenda que tome nota d'elles para a communicar ao seu collega.

Continuam as testemunhas (leu).

Contra dois dos cidadãos presos, que estavam socegados e mudos espectadores do acto eleitoral, o presidente da mesa não teve que dizer senão que «suspeitava dos taes individuos por ter visou d'isso!» Foram, pois, arbitrariamente mandados retirar da assembléa. Annuiram. Passadas duas horas voltaram; e, estando quietos e silenciosos, foram de novo mandados retirar. Então disseram que aquelle acto era publico, e que não podiam ser inhibidos de assistir a elle sem darem causa alguma para tal violencia. Foram presos por este grande crime, e estiveram quatro dias na cadeia até se fazer o auto do corpo de delicto!

Que crime é este? O de resistencia não é, porque um dos elementos d'este crime é a violencia, da qual não ha o menor indicio. O mais que poderia ser era desobediencia, mas para a desobediencia não basta que a auctoridade tenha a faculdade legal de mandar fazer uma cousa; é preciso que a ordem da auctoridade não seja arbitraria com o unico fim de privar o cidadão de um direito. Ora, todo o cidadão tem direito de estar na igreja, ainda que não seja recenseado. Todo o cidadão, seja ou não seja eleitor, tem o direito de assistir aos actos eleitoraes. O presidente póde sim mandar retirar da assembléa os que não forem recenseados; mas isto é só quando assim convier á ordem publica, e a ordem não era nem remotamente ameaçada por aquelles cidadãos.

O sr. Presidente: — Permitta-me o sr. deputado por Penafiel que lhe faça a mesma observação que fiz hontem ao sr. deputado por Vianna, isto é, que esta eleição já foi approvada ha muito tempo. Parece-me por isso escusado dar maior largueza ás suas considerações. Entretanto, como o permitti ao sr. deputado por Vianna, torno a v. ex.ª juiz da conveniencia d'esta discussão.

O Orador: — Não quero discutir, nem estou discutindo a validade da eleição (apoiados). Estou mostrando como o sr. ministro do reino deve pôr os olhos no infeliz concelho de Monsão, onde os seus delegados têem tres cidadãos na cadeia durante quatro dias por mero arbitrio, e fazem autos falsos para acobertarem os seus abusos.

Todavia terminarei já, mandando para a mesa a certidão do processo a que me tenho referido. Mando ainda a certidão de uma acta da commissão do recenseamento de Monsão, em que tres membros d'esta commissão declararam que não haviam rubricado os cadernos que tinham de ser mandados para as assembléas eleitoraes, por terem uns eleitores de mais e outros de menos. Por esses cadernos se fez a eleição.

Tudo isto serve para documentar a desgraçada historia eleitoral do anno de 1871.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — Eu tenho por habito seguir, quanto posso, os bons exemplos; e os do sr. marquez d'Avila e de Bolama são, ao menos na sua opinião, sempre excellentes. Foi por isso que, seguindo os exemplos do sr. presidente do conselho de ministros, tive hoje o cuidado de procurar o jornal a que s. ex.ª aqui se referiu n'uma das sessões passadas, e que publica com mais minuciosidade os extractos das sessões d'esta casa. Venho declarar a v. ex.ª e á camara, que, apesar da minuciosidade de taes extractos, não encontro n'esse jornal as expressões que o sr. presidente do conselho aqui proferiu e repetiu na ultima sessão. Ellas são tão notaveis e tão edificantes, que todo o cuidado é pouco para assegurar a sua conservação nos annaes parlamentares.

Toda a camara está lembrada, e v. ex.ª especialmente, porque eu presenciei que v. ex.ª tinha sentido uma forte commoção o talvez um pequeno incommodo nervoso na occasião em que essas expressões se proferiam; todos estão perfeitamente lembrados de que o sr. presidente do conselho disse hontem e até repetiu, que eu vinha para esta casa metter os pés pelas mãos. A imprensa periodica refere-se hoje a esta nobre expressão, com que s. ex.ª exprimiu o seu elevadissimo conceito.

O sr. marquez d'Avila disse tambem, referindo-se á comparação que eu tinha feito do systema seguido por elle com os systemas que os romances attribuem a Mazarin e Richelieu, que, se eu comprehendia taes factos, é porque era capaz de os praticar; porque só é capaz de se referir a assassinatos quem os comprehende, e só os comprehende quem é capaz de os praticar.

N'esta occasião, levantando-se na camara algum susurro para exigir, como era natural, a explicação de taes expressões, eu ergui-me immediatamente para pedir a v. ex.ª que mantivesse ao sr. presidente do conselho de ministros a mais ampla liberdade de palavra e de expressão. As maravilhas da eloquencia devem ser respeitadas.

A epocha não corre muito propicia a elogios; sobretudo para mim não tem elles sido muito frequentes n'estes ultimos tempos. Por isso v. ex.ª e a camara facilmente comprehendem a minha insistencia, para que tanto os srs. tachygraphos, co-

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mo o sr. presidente do conselho, me não privem de encontrar na sessão, que ha de ser publicada ámanhã, textualmente repetidas as expressões a que me referi, as quaes, se muito honram a eloquencia do sr. marquez d'Avila e de Bolama, não são desagradaveis para mim, que as considero como elogio superior aos meus merecimentos, mesmo exagerados pela conhecida generosidade e excessiva delicadeza de s. ex.ª

Tenho dito, ao menos por emquanto.

O sr. Candido de Moraes: — Pedi a palavra a v. ex.ª para mandar para a mesa alguns requerimentos e umas notas de interpellação ao sr. ministro das obras publicas, relativas a negocios que dizem respeito ao circulo por onde tive a honra de ser eleito.

Desejava tambem dirigir ao governo algumas perguntas relativas a negocios que dizem respeito ao ministerio da guerra, e sinto ter que abster-me de as fazer, por isso que não está presente o sr. ministro da repartição competente, e porque s. ex.ª é a unica pessoa que póde dar-me informações ácerca dos negocios de que desejo tratar. Não posso porém deixar de exprimir o receio de que s. ex.ª nunca me dê occasião de lhe fazer directamente aquellas perguntas, porque a camara sabe perfeitamente que nunca pessoa alguma conseguiu que o sr. ministro da guerra aqui estivesse para tratar quaesquer negocios antes da ordem do dia.

O governo descura ou parece descurar aquelle importantissimo ramo da administração publica, e eu lamento isto tanto mais quanto é certo que todos os governos antes do actual têem reconhecido que aquelle ramo do serviço publico carece de profundas e grandes alterações.

Custa-nos o exercito uma avultada quantia, e não me parece que seja para ter pouco em attenção a maneira de o tornar proveitoso, especialmente na actual conjunctura em que parece que todos os esforços convergem para tornar menos graves as difficuldades das circumstancias em que se encontra o thesouro publico. Emfim, o governo por tal fórma desattendeu os negocios da guerra que nem ao menos fez uma referencia ligeira, como era costume nos annos precedentes, no discurso da corôa, ás reformas que incessantemente exige a força publica.

Sinto que não tenha occasião, porque não é crivel que me chegue a palavra já na altura em que vae o debate, na ordem do dia a respeito d'aquelle documento, de fallar em relação aquelle assumpto, para fazer algumas considerações a respeito dos negocios da guerra, e mandar para a mesa uma proposta tendente a fazer lembrar ao governo a necessidade que ha em attender á reorganisação da força publica.

Aproveito a occasião de estar presente o sr. ministro da fazenda para, com permissão de v. ex.ª, dar noticia a s. ex.ª de um facto que vejo referido n'um jornal do circulo que tenho a honra de representar.

Diz um jornal que se publica na Horta (leu).

Toda a gente que tem conhecimento das circumstancias do districto que represento, sabe perfeitamente que uma das origens de riqueza d'aquelle districto, especialmente da cidade da Horta, provém da ida e volta dos navios balieiros, que d'antes ali affluiam muito numerosos no verão, e cujo numero tende sensivelmente a diminuir por causas, umas estranhas ás circumstancias locaes, outras sendo relativas a essas circumstancias; e sendo uma d'estas especialmente o pagamento de certos direitos, deve ser remediado pela revogação d'elles.

O caso a que me refiro e que proponho á consideração do sr. ministro da fazenda, é nem mais nem menos do que fazer executar uniformemente uma lei que não póde admittir senão uma interpretação. É como s. ex.ª vê das suas attribuições, e s. ex.ª deve fazer interpretar a lei pela fórma que deve ser interpretada, mas de um modo unico em ambos os districtos.

Ha abusos em alguma das alfandegas; não é possivel a lei ter duas interpretações: n'uma parte pagando-se o imposto de 1 por cento sobre este azeite, em outro deixando-se de pagar.

Terminando por aqui estas considerações a este respeito, porque a hora vae já adiantada, permitta-me v. ex.ª que antes de concluir peça a algum dos illustres membros da commissão de guerra que me diga alguma cousa com relação aos projectos do governo, relativos a assumptos militares.

Ha muito tempo que foram apresentados aqui. Uns tendentes a melhorar a situação de certa classe de officiaes, outros relativos a armamento.

Todos esses projectos são de alta importancia, e admira-me que ainda não fossem apresentados os pareceres respectivos. Por certo ha alguma rasão que produz este resultado.

Se algum dos illustres membros da commissão de guerra me quizer elucidar a este respeito, agradecer-lh'o-ía especialmente.

O sr. Ministro da Fazenda (Carlos Bento): — Em primeiro logar, pelo que diz respeito á minha repartição, não posso responder circumstanciadamente ao illustre deputado em relação ao objecto sobre que me interpellou; mas tenho idéa de que me occupei d'esse negocio.

Não posso dar uma explicação precisa, mas posso assegurar do illustre deputado que a esse respeito tomei alguma providencia.

Confesso a v. ex.ª e á camara que entendi ainda mais necessario pedir a palavra para outro facto, do que para responder á parte que tocava ao meu ministerio.

O illustre deputado disse que se tinha dado tão pouca importancia ao aliás importantissimo serviço prestado pelo exercito, que nem no discurso da corôa havia a menor allusão a esse ramo de serviço publico. Posso assegurar ao illustre deputado que isto não é exacto.

Na resposta ao discurso da corôa diz-se o seguinte (leu).

De certo que quem falla na independencia do paiz não esquece o exercito, que me parece que é criado para ser a manifestação armada da decidida vontade do paiz de manter a sua independencia.

Agora em relação ao meu collega, o sr. ministro da guerra, permitta-me o illustre deputado, em quem reconheço os desejos mais sinceros de fazer justiça a todos os individuos que prestam serviços ao paiz, que lhe diga que não foi sufficientemente justo, quando disse que o meu collega descurava os negocios da repartição a seu cargo, e que nas circumstancias em que estavamos, quando era necessario toda a consideração por este ramo de serviço, debaixo do ponto de vista de não augmentar a despeza, sentia que se descurasse de tão importante ramo de serviço. Como ministro da fazenda, tenho toda a satisfação de poder assegurar com toda a verdade a esta camara que ainda não vi ninguem mais interessado que o meu collega da guerra em que se reduzam as despezas do ministerio a seu cargo.

(Os srs. deputados Alcantara, Cunha, Candido de Moraes, Osorio de Vasconcellos e Lampreia, pedem a palavra.)

Parece-me que a defeza de meu collega não contém a menor idéa de censura a nenhum dos cavalheiros que pediram a palavra (apoiados); e essa defeza parece-me muito explicavel da minha parte em relação ao meu collega ausente.

(Interrupção.)

Mas os illustres deputados que pediram a palavra não podem estar tão bem informados como está o ministro da fazenda da diligencias que este meu dignisssimo collega tem feito, para que as despezas provenientes do ramo de serviço, que administra, sem compromettimento da efficacia d'esse mesmo serviço, se reduzam ao menos a que se póde reduzir.

Posso assegurar á camara que o sr. ministro da guerra quando a força do exercito subia a mais de 2:000 homens de que aquella que estava marcada no orçamento...

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O sr. Visconde de Moreira de Rey: — Peço a palavra.

O Orador: — Não exigiu maior somma do que a dotação que no orçamento estava destinada simplesmente para 18:000 homens...

O sr. Alcantara: — É um milagre.

O Orador: — Não é milagre; mas os illustres deputados que são tão distinctos militares hão de conhecer que o talento de administração, que muitas vezes não é apparentemente mais brilhante, é o mais util para um paiz (apoiados).

(Interrupção.)

Peço perdão aos illustres deputados que estão a interromper-me; vejam a posição em que estou collocado. Não me parece que possa ferir a susceptibilidade de alguem d'esta casa, se eu n'este logar, na ausencia do meu collega, lhe estou prestando um serviço justo, defendendo-o. Declaro de um modo terminante que tenho encontrado da parte do meu collega a melhor vontade a este respeito.

O meu collega não quiz tomar compromettimento algum sobre a diminuição de despeza senão quando podesse contar com o effeito real das promessas a que se compromettesse.

Posso assegurar á camara que o meu collega, o sr. ministro da guerra, tomou todas as informações, desceu ao exame de todos os pormenores que constituem a administração militar e póde conseguir, e ha de realisar, importantes economias no ministerio da guerra, economias que estão enunciadas ou já estão comprehendidas no orçamento que hoje se deve discutir n'esta casa, sem compromettimento dos legitimos interesses de uma classe que elle tem algum direito de representar officialmente, por isso que, quando se tratava dos perigos, quando havia combates, quando se defendia a liberdade, n'essas occasiões não estava ausente; e se o está hoje, quando é accusado, posso assegurar aos illustres deputados que, quando se defendia a liberdade, não estava ausente (apoiados).

Conserva ainda hoje os vestigos da sua presença n'essas lutas; e não me parece que seja isso uma circumstancia que deixe de o tornar recommendavel (apoiados).

Limitando-me a justificar a ausencia do meu collega, direi, como testemunho do exame dos factos, que eu entendo como uma garantia da boa administração do meu collega, factos que são depoimento eloquente do zêlo com que tem procurado desempenhar as funcções de que se incumbiu.

Parece-me que, como ministro da fazenda, estou muito no caso de avaliar os serviços que o meu collega tem podido prestar sem compromettimento da responsabilidade das funcções que exerce.

É claro que a camara comprehende os motivos que me levaram a tomar a palavra n'estas circumstancias para defender um collega ausente.

Quanto ás interpellações, o sr. presidente já declarou na sessão anterior que haviam de ser dadas para ordem do dia; e os illustres deputados creio que têem uma garantia n'esse annuncio da presidencia, de que terão occasião de as poder realisar.

PRIMEIRA PARTE DA ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do parecer da commissão de verificação de poderes sobre o processo eleitoral do circulo de Macedo de Cavalleiros

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — Principiarei por dar os parabens a mim mesmo pela feliz chegada do sr. presidente do conselho de ministros, ao qual eu tenho principalmente de responder.

S. ex.ª chegou tanto a tempo, que eu vou repetir as palavras que ha pouco proferi, quando s. ex.ª estava ausente.

A reclamação que já dirigi aos srs. tachygraphos, dirijo-a tambem a s. ex.ª, para que no discurso que hontem proferiu e que ámanhã deve apparecer publicado, não sejam alteradas as expressões, e muito menos eliminadas, ou omittidas as palavras, que s. ex.ª aqui empregou.

Espero que no discurso de s. ex.ª apparecerá textualmente a expressão que eu venho para esta casa metter os pés pelas mãos.

Espero tambem que s. ex.ª não disfarce a significação que deu ás suas palavras, quando, alludindo á comparação que eu fizera do systema seguido por s. ex.ª com o systema que os romances attribuem a Richelieu e Mazarin, s. ex.ª disse que taes crimes não os comprehendia elle; só os comprehendia quem era capaz de os praticar; e só podia referir-se a elles quem os comprehendia.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Peço a palavra. Não disse tal.

O Orador: — Pedi n'essa occasião a v. ex.ª que mantivesse ao sr. presidente do conselho a mais ampla liberdade de palavra e de expressão.

Parece-me que s. ex.ª fez agora um áparte que não pude ouvir. Eu julgo do meu dever declarar-lhe que me faz muito obsequio em me interromper, e póde faze-lo quantas vezes quizer, porque eu tambem o interrompo ás vezes. O que eu desejava era ouvir a interrupção.

Tenho provado constantemente n'esta casa que, se não sou, quando uma impressão muito forte me domina, dos mais comedidos no emprego das minhas expressões, sou pelo menos o mais independente em ouvir dizer a todos os meus collegas e ao governo tudo que entendem necessario ou conveniente dizer-me, e pela minha parte nunca reclamei contra uma unica palavra, contra qualquer expressão empregada por qualquer dos meus collegas n'esta casa.

Não é difficil, antes é agradavel e facil a todos, usarem da palavra para dizerem quanto queiram, e como queiram. É, porém, difficil, e ás vezes pouco agradavel, conservar a necessaria independencia para ouvir tranquillamente o que se não deseja ouvir.

Eu, sr. presidente, nunca reclamo contra o que me dizem.

O sr. presidente do conselho, referindo-se ás accusações que ainda não foram julgadas, deu as como já decididas, ou antes decidiu-as a seu favor, e considerou-se ampla e plenamente absolvido, considerando tambem os seus accusadores condemnados pela camara, pela opinião publica e pelo paiz. Todavia a decisão da camara não está proferida ainda.

S. ex.ª declarou que eu vinha para esta casa dirigir-lhe injurias, e que não podia apresentar provas dos factos de que o arguo e accuso.

Eu não tenho culpa se a simples e verdadeira exposição dos factos praticados pelo nobre ministro do reino, constitue injuria a tal ponto intoleravel, que o systema nervoso de s. ex.ª não lhe póde resistir. A culpa não é minha.

Eu exponho simplesmente os factos praticados pelo governo, pelos seus delegados de confiança. Se ha injuria, são os factos que injuriam; se ha offensa, é a verdade d'esses factos que offende. A culpa é de quem os praticou, não é de quem os expõe. Queixe se de si mesmo o sr. marquez d'Avila e de Bolama.

Ninguem duvida que os delegados de confiança administrativa do sr. marquez d'Avila e de Bolama praticaram certos e determinados actos que incontestavelmente são abusos, são prepotencias e são crimes. Eu limito-me á simples exposição dos factos, mostro a responsabilidade do governo, responsabilidade que a lei e todos os principios consideram inherente aos factos praticados. Então o sr. ministro do reino levanta se irado, não nega os factos criminosos, reconhece, lamenta a sua existencia, diz que os reprova, e declara logo: vem injuriar-me, vem insultar-me, vem metter os pés pelas mãos!

Se s. ex.ª não desejava estas injurias dos factos, não praticasse esses actos, não escolhesse, não nomeasse ou não conservasse como delegados da sua confiança, pelos quaes tem obrigação de responder, individuos que os praticaram (apoiados).

S. ex.ª tem a mais ampla e absoluta liberdade para a

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nomeação dos seus delegados de confiança, escolhe os como quer, conserva-os como quer e demitte-os livremente. Mas desde que os escolhe ou os conserva como seus delegados, quer esses individuos tivessem sido nomeados por ministros anteriores, quer fossem nomeados por s. ex.ª, tanto o facto da nomeação como o da conservação, e tanto um como o outro, provam igualmente que s. ex.ª depositou n'esses individuos plena confiança e que os julgou aptos para continuarem no exercicio das funcções de auctoridades administrativas.

Desde que se dá a um ministro a mais ampla liberdade para escolher e nomear os seus delegados de confiança, não é nada para estranhar que se lhe imponha a responsabilidade rigorosa e absoluta, pelos actos d'esses empregados.

Esta doutrina nunca foi objecto de duvida em paiz nenhum. D'este ponto ninguem discordou; ninguem se atreveu nunca a nega-lo; passou tanto n'este paiz, como em todos os outros, como axioma; sempre assim se praticou; e foi necessario apparecer no ministerio do reino, o sr. marquez d'Avila e de Bolama, para que n'esta casa se ousasse expor e proclamar a doutrina contraria.

Diz s. ex.ª «embora os actos sejam praticados pelos meus delegados de confiança, eu só sou responsavel por elles quando me provarem que ordenei ou approvei esses actos.»

O sr. Presidente: — Permitta-me o sr. deputado uma observação. Nós estamos discutindo, não as eleições em geral, mas simplesmente a eleição de Macedo de Cavalleiros; se n'essa eleição de Macedo de Cavalleiros, ha actos da natureza que o sr. deputado por Fafe apresenta, tenha a bondade de os discutir largamente; mas generalisar a discussão parece-me um pouco inconveniente.

O Orador: — Eu não generaliso; e faço notar á camara, e tomo a liberdade de fazer notar tambem a v. ex.ª, que a auctoridade administrativa n'aquelle circulo, prendeu na vespera e no dia da eleição, influentes da opposição.

A theoria da responsabilidade, em cujo desenvolvimento entro, é necessario sustenta-la, porque na minha opinião, o sr. ministro do reino, que nomeou ou conservou aquelle administrado do concelho, é responsavel por essas prisões, como se fosse o sr. marquez d'Avila e de Bolama, que as tivesse feito ou ordenado. Sem a doutrina levada a este rigor, não é possivel realisar-se a responsabilidade ministerial, nem comprehender-se o systema parlamentar (apoiados).

Quando hontem me referi aqui ao conde de Strafford, ministro inglez accusado e condemnado, deixei de referir uma circumstancia que completamente esclarece a doutrina que sustento. O conde de Strafford, n'uma defeza habil, contra uma accusação habil tambem, fez notar á camara alta, em Inglaterra, os inconvenientes que havia em o parlamento olhar tão de perto para os actos dos ministros; e dizia que a inauguração de tal systema poderia perder a patria, porque impedia no futuro os ministros de poderem servir o Rei e o paiz, visto que difficilmente poderia qualquer ministro resistir innocente a um exame tão severo e tão rigoroso dos actos da sua administração.

Este ministro inglez defendeu-se com uma habilidade superior e sempre com uma dignidade irreprehensivel. Nunca desceu a dizer aos que o accusavam, que mettiam os pés pelas mãos. Defendeu-se com uma habilidade superior, habilidade que só poderia ser excedida, se o sr. marquez d'Avila e de Bolama, encontrando-se, como eu desejo, na mesma posição, tentasse defender-se a si proprio. Porem, apesar de toda a defeza, este ministro foi condemnado, e desde então, a responsabilidade ministerial em Inglaterra tornou-se uma cousa seria. Os ministros não negoceiam com as leis de administração nas eleições; não faltam aos seus deveres, e a differença é tal que ninguem póde rasoavelmente comparar a nossa administração á administração ingleza.

Admittida a singular theoria do sr. ministro do reino, não ha violencia eleitoral que se não pratique, e não ha meio possivel de tornar effectiva ao governo a responsabilidade pelas suas violencias.

Todos nós sabemos que se nomeiam auctoridades, e algumas foram nomeadas pelo sr. marquez d'Avila e de Bolama, unica e exclusivamente para dirigir as eleições (apoiados).

Essas auctoridades, no systema que seguimos, podem saber e podem até estipular que as suas funcções terminarão no mesmo dia em que termine a eleição geral, e que hão de vir occupar o seu logar no parlamento ou desempenhar quaesquer outras funcções.

É muito possivel e é muito facil nomear para os differentes districtos e concelhos pessoas que se prestem a ser auctoridades unicamente durante a epocha eleitoral. E um ministro póde até escolher, individuos que não possam ou não queiram exercer estas funcções permanentemente, mas que se prestam a fazer sómente durante a eleição este serviço ao governo, e que vão praticar não só todas as violencias que d'esta vez se praticaram, mas outras ainda maiores, se for possivel inventa-las, e todas ellas serão aproveitadas para o resultado eleitoral.

O sr. marquez d'Avila e de Bolama, inventor d'este novo systema de responsabilidade, vencia assim a eleição em todos os circulos; e depois, fingindo-se indignado com os mesmos empregados que só por estes meios lhe davam a victoria, demittia os seus delegados de confiança, que já tinham sido nomeados para serem demittidos; declarava que os tinha punido, quando só lhes tinha feito a vontade; affirmava que já não lhe pertencia responsabilidade nenhuma pelas violencias que elles tinham exercido, porquanto lhes havia dado a demissão; e vinha para o parlamento e dizia: «Eu não tenho responsabilidade nenhuma. Essas auctoridades praticaram esses abusos e esses erros, mas eu não sabia nada. Eu só tive conhecimento d'isso depois da eleição, e demittia-as logo todas. Querem tornar-me responsavel a mim? Não póde ser. Não tenho responsabilidade nenhuma. Tragam as provas. A mim só me pertence gosar em paz e com a consciencia tranquilla o resultado dos crimes commettidos.»

Nós não precisâmos apresentar aqui outra prova que não seja a existencia de factos criminosos.

Desde que elles se, praticaram, e foram praticados pelos delegados de confiança do sr. marquez d'Avila e de Bolama, nós não precisâmos apresentar outras provas; temos o direito de exigir a s. ex.ª, não só a responsabilidade politica, mas a criminal.

E permitta-me a camara que eu dê uma pequena explicação.

Disse-se aqui que os ministros não têem responsabilidade criminal senão pelos actos que elles praticaram ou mandaram praticar; e que nos actos praticados por um seu delegado de confiança, mas contra a vontade manifesta e provada dos ministros, a responsabilidade criminal não póde chegar aos ministros.

Eu estou de accordo, mas com restricções positivas e muito expressas. N'esse caso e o ministro que tem de fazer a prova de que a auctoridade inferior contrariou as ordens ou as instrucções que tinha anteriormente recebido, e não é perante esta camara que tem de fazer essa prova. Assim como no processo criminal ordinario ha o processo preparatorio ou summario e o processo plenario e de julgamento, tambem nos processos criminaes contra os ministros da corôa, ha a parte previa ou summaria, que pertence a esta camara e que é a simples declaração da existencia do delicto, declarando-se que tem logar a accusação do ministro, e ha depois o processo plenario e de julgamento, que pertence á camara dos pares. A camara electiva não tem a fazer mais do que, depois de reconhecer a existencia de um facto criminoso, declarar que em virtude d'esse facto, tem logar a accusação, do ministro, e encarregar algum dos seus membros de fundamentar essa accusação: isto é o que se fez em Inglaterra. Perante a camara alta é que

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tem logar o conhecimento da criminalidade ou não criminalidade do ministro accusado, e é ahi que elle tem de provar se fui completamente estranho ao crime commettido, mas esta prova só ao ministro pertence, e emquanto a não fizer amplamente, emquanto não for absolvido, ha de carregar com a responsabilidade que lhe resulta de terem sido os factos criminosos praticados pelos seus delegados de confiança, que, perante o parlamento, são tomados como unica e exclusivamente praticados pelo ministro responsavel. Desenvolverei melhor estas idéas n'um pequeno relatorio, que hei de apresentar á camara quando propozer n'esta casa a accusação do sr. marquez d'Avila e de Bolama.

S. ex.ª já hontem disse «que eu não tinha coragem para apresentar esta accusação!» Mais de uma vez tenho repetido n'esta casa, que me reservo para apresentar a accusação do sr. ministro, depois de terem logar as interpellações sobre a estrada da Covilhã e sobre as conferencias do casino.

S. ex.ª tambem disse «que estava absolvido pela eleição de Arganil!» Engana-se (apoiados), e ainda havemos de fallar a esse respeito.

S. ex.ª julga, que em relação á estrada da Covilhã, não tem criminalidade alguma: havemos de discutir esse ponto; juntar-se-lhe ha este que se discute da eleição de Macedo de Cavalleiros; preciso e quero reunir todos os pontos de accusação, e então estimarei muito ter de admirar os conhecimentos vastissimos e respeitaveis que em jurisprudencia possue o nobre marquez d'Avila e de Bolama! Desejo ver como s. ex.ª confunde e enterra os seus adversarios, e como os obriga a metter os pés pelas mãos! Foram estas as expressões de ex.ª!!

Finalmente ninguem resiste ao nobre marquez d'Avila e de Bolama! Apenas eu ás vezes finjo que resisto á omnipotencia de s. ex.ª, mas isso mesmo é um ultimo esforço, porque já me vou sentindo disposto a entrar no numero dos seus admiradores, e a alistar-me entre aquelles que de noite e de dia cantam e exaltam os altos merecimentos do nobre presidente do conselho!

O nobre presidente do conselho foi sempre conhecido pela grande infelicidade com que, argumentando, confunde todas, as idas, e finalmente responde quasi sempre a uma cousa diversa d'aquella a que devia responder; porém agora parece que esta infelicidade do nobre presidente do conselho se, ampliou e vae muito mais longe, por isso que a confusão está já no ouvido e na percepção ou modo de entender as cousas que se lhe dizem.

Disse eu, que ha reponsabilidade do ministro por todos os actos praticados pelos seus delegados de confiança; o que não quero nem preciso indagar se o ministio os aucto-risnn, nem se o ministro os desapprovou, porque a responsabilidade existe sempre igual e a mesma.

Aq mesmo tempo affirmei que combatia como anli-liberal e blasphéma a singular e subversiva doutrina, apresentada aqui por s. ex.ª, de que só respondia pelos actos dus seus delegados de confiança no caso unico de se lhe provar que os tinha auctorisado ou que cs tinha approvado.

Levantou-se s. ex.ª, e para começar dignamente o seu discurso disse «o sr. deputado ha de retirar o que disse». Eu respondi logo — não é meu costume retirar o que digo.

Esperei com alguma anciedade os poderosos argumentos com que o sr. marquez d'Avila ía obrigar me á retractação. Mas, com grande surpreza minha, s. ex.ª em uma larga exposição veiu repetir exactamente o mesmo que eu tinha dito; isto é, veiu affirmar outra vez a doutrina, que eu lhe tinha attribuido, sustentando a sua idéa de que só respondia pelos actos que tivesse approvado ou mandado praticar. Eu disse que isto era a mesma cousa, e o sr. ministro respondeu-me «ora já o sr. deputado retira, já mette os pés pelas mãos». Não sei quantas vezes repetiu esta phrase elevada e urbana, mas, — devo fazer esta justiça ao sr. marquez d'Avila e de Bolama, — creio que não foram ainda tantas quantas

s. ex.ª desejaria. É este o seu principal, talvez o seu unico argumento.

Eu insisto na minha idéa para deixar claramente exposta e precisamente definida a minha theoria. Eu sustento que o ministro responsavel responde por todos os actos praticados pelos seus delegados de confiança, e responde como se elle mesmo os tivesse praticado. É o ministro o unico responsavel perante o parlamento por todos esses actos, sem necessidade do parlamento investigar, se os auctorisou, ou não.

O sr. Alves Passos: — O governo castiga quando o delegado excede as suas attribuições.

O Orador: — Oh! sr. presidente, venha mais esta blasphemia! Deve-se á interrupção de um deputado, cujo nome declaro para que se lhe não questione o direito de propriedade; é o sr. Alves Passos! Faltava-me ouvir aqui mais esta doutrina nova. Pois o governo castiga? (Apoiados.) Pois o governo n'um paiz livre póde castigar alguem? Pois comprehendem-se taes attribuições no governo, em regimen liberal, quando o primeiro dogma da liberdade é que só aos tribunaes judiciaes compete impor penas por desobediencia ás leis? Como ousa dizer-se aqui o governo castiga?

O sr. Alves Passos: — O que é a demissão?

O Orador: — A demissão n'este caso, como em outros muitos, longe de ser um castigo, póde ser um favor. O illustre deputado sabe, e já o sabia antes de eu o dizer, que ha nomeações especiaes, em epochas eleitoraes, de individuos que por cousa nenhuma se sujeitariam a ser auctoridades administrativas permanentes; e que esses aceitam as nomeações já com a certeza de que, passada a epocha eleitoral, serão demittidos, ou darão a sua demissão, que lhes será aceita, dando-se-lhes por outra fórma a recompensa dos seus serviços.

Portanto, quando o governo os demitte, longe de os castigar, é um favor que lhes faz, quando muitas vezes não é o cumprimento de um compromisso previamente estipulado.

N'estes casos a demissão aos empregados de confiança, longe de ser castigo, é favor, e eu escuso de dar maior desenvolvimento a um ponto, cujo alcance todos comprehendem pela simples observação dos factos muitas vezes praticados.

É, portanto, da primeira evidencia que, quando se estipula a condição de que um empregado só exercerá as suas funcções durante a epocha eleitoral, é favor dar lhe a demissão, e castigo seria conserva-lo no logar de confiança que elle só aceitou por um praso previamente determinado.

Isto assina é commodo para qualquer governo vencer eleições, e não só eleições, mas todas as leis, toda a logica e todos os principios; e eu só quero que a camara sanccione esta illegal e subversiva doutrina; porque se ella o fizer, eu accusarei o governo perante o paiz, e prescindirei de o fazer perante a camara.

Não nos illudamos, porque toda a illusão é impossivel.

Quem defender esta doutrina, dá e quer dar ao governo meio seguro de praticar todos os crimes, prepotencias e illegalidades durante o acto eleitoral, e assegura a impossibilidade de todo o procedimento legal.

Admittido tal systema, nunca póde ser accusado o governo, nunca podem ser punidos os seus delegados de confiança, porque o governo, livre, ufano e triumphante pelo facil meio de declinar a responsabilidade sobre os seus delegados, fica habilitado para responder e responde com uma amnistia ás accusações particulares que porventura se intentem contra esses seus empregados do confiança. É isto o que nós temos visto constantemente.

Portanto estimo que haja quem sustente esta doutrina que eu combato. Desejo até que appareça um partido politico tão audaz que levante esta bandeira. A significação de taes theorias é manifesta; representam um aviso ao paiz de que querem repetir, quando forem governo e dirigirem eleições, as mesmas scenas, os mesmos abusos e o mesmo systema do sr. marquez d'Avila e de Bolama. O paiz lhes

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responderá mais tarde ou mais cedo, estejam certos d'isso. Ha grande perigo em abusar da paciencia de uma nação.

(Pausa.)

O sr. Presidente: — O sr. deputado concluiu?

O Orador: — Não, senhor. Eu sou, como todos sabem, alguma cousa fraco do peito, e não seria de estranhar que precisasse de descansar um pouco (riso).

Alem d'isso v. ex.ª ouviu hontem que eu estou já enterrado pelo sr. presidente de conselho. Mas a verdadeira rasão é que eu estava a procurar entre os antigos discursos do sr. marquez d'Avila e de Bolama alguns periodos applicaveis á questão que se debate.

Eu encontro aqui documentos authenticos, que o sr. ministro do reino talvez negue. Na sessão de 1853 a opinião de s. ex.ª sobre a liberdade eleitoral e sobre a responsabilidade que pertence ás auctoridades era a seguinte (leu).

S. ex.ª offerecia uma substituição ao parecer da commissão assignada por s. ex.ª, pelo sr. Antonio Correia Caldeira e pelo sr. Antonio da Cunha Souto Maior, na qual se lê o seguinte (leu).

Como disse, a substituição está assignada pelo sr. Antonio José d'Avila, que creio que é o actual sr. marquez d'Avila e de Bolama, e pelos srs. Correia Caldeira e Cunha Souto Maior.

N'esse tempo o sr. marquez d'Avila estudava as garantias individuaes e zelava o direito eleitoral; mas é talvez porque n'esse tempo entrava n'esta casa por virtude de uma eleição, e agora é membro permanente do poder legislativo, independentemente da vontade dos eleitores de qualquer circulo do paiz, ou mesmo contra a vontade manifesta de todos os circulos eleitoraes do reino, ilhas adjacentes e ultramar. Agora o sr. marquez d'Avila não só sustenta e segue, mas pratica e manda executar, doutrinas diametralmente oppostas ás que em 1853 sustentava n'esta casa.

O digno par do reino pensa que não tornará a precisar do suffragio popular, e por isso mostra-se superior á necessidade da simples coherencia de opinião.

Eu fiz aqui hontem uma offensa involuntaria á memoria de Richelieu, Mazarin e Strafford, na comparação que com estes homens illustres eu fiz do sr. marquez d'Avila e de Bolama. O nobre presidente do conselho é muito illustre, mas está muito distante ainda d'estes distinctos estadistas, muito embora não seja essa a sua opinião.

Hontem quando eu receiava e quasi estremecia que as sombras d'estes estadistas eminentes surgissem n'esta casa para reclamar contra a comparação, apparece com grande pasmo meu o sr. marquez d'Avila a reclamar contra a injuria que eu lhe tinha feito a elle pelo comparar a estes homens eminentes!

(Interrupção que não se percebeu.)

Isto é principalmente para minha defeza, porque não quero sobre mim a responsabilidade de ter comparado a serio o sr. marquez d'Avila a Richelieu e a Mazarin. Eu já hontem muito de proposito aqui disse que recorria ao romance, não á historia, e d'ahi facilmente se concluia que a comparação não era inteiramente séria, assim como nunca podia ser rigorosamente exacta.

Eu não disse que o sr. marquez d'Avila e de Bolama tivesse, como Richelieu e Mazarin, mandado matar alguem, mandando depois tambem assassinar o assassino; o que eu disse foi que em factos differentes o systema é o mesmo. Embora os factos sejam muito distinctos na criminalidade e na essencia, a theoria é a mesma (apoiados). Tanto importa como systema politico de um homem d'estado servir-se de um instrumento e manda-lo assassinar depois, como servir-se d'elle e demitti-lo em seguida. Os factos são inteiramente diversos; mas é o mesmo systema; é sempre aproveitar para fins prejudiciaes, e ás vezes criminosos, certos e determinados instrumentos, que depois se castigam ou inutilisam para se occultar quem é o auctor principal ou unico dos crimes praticados. Antigamente os que assim procediam mandavam assassinar os que lhes serviam de instrumentos; o sr. marquez d'Avila limita-se a demitti-los. Tambem não precisa de mais.

Não havia n'isto injuria nenhuma; e a respeito de comparações s. ex.ª devia ser um pouco generoso e talvez mais benevolo para commigo, que não me posso elevar a comparações de gosto tão apurado como a de metter os pés pelas mãos (riso). Se um dia eu instruido pela experiencia, pela longa pratica dos negocios e especialmente pelas lições e exemplos do nobre marquez d'Avila e de Bolama, chegar á elevação de phrase e de caracter precisa para usar figuras de rhetorica tão sublimes como a de metter os pés pelas mãos, póde então s. ex.ª ser rigoroso para commigo, porque já tem para me condemnar, como circumstancias aggravantes, a experiencia, a longa pratica e os exemplos de s. ex.ª que me devem elevar a alma e apurar a intelligencia, a ponto de me serem familiares tão sublimes comparações.

É facto confessado, reconhecido e lamentado pela illustre commissão, que a auctoridade administrativa, ou o delegado de confiança do sr. ministro do reino, prendeu na vespera e no dia da eleição influentes eleitoraes da opposição. Sabe v. ex.ª até onde chegam os recursos parlamentares do sr. ministro do reino? Como não póde negar os factos, volta-se para o meu illustre collega o sr. Mariano de Carvalho e para mim e diz — prisões em Macedo de Cavalleiros! Houve-as na Chamusca? Houve as em Fafe? Então para que se falla em prisões? —

Isto chegou onde podia chegar, adiante não póde ir! Como em Fafe não houve prisões, como não as houve na Chamusca, como eu e o sr. Mariano de Carvalho não fomos presos para indagações, não podemos dizer que o delegado de confiança do sr. ministro do reino fizera prisões arbitrarias em Macedo de Cavalleiros! (Apoiados.)

E como é que s. ex.ª se defende d'esta accusação? Dizendo que o administrador foi nomeado pelo sr. bispo de Vizeu. Mas por quem foi conservado, pergunto eu? De quem era representante aquelle delegado de confiança no momento em que fez estas prisões arbitrarias? Era do sr. bispo de Vizeu ou do sr. marquez d'Avila e de Bolama? No dia 8 e 9 de julho podia o sr. bispo de Vizeu retirar aquelle funccionario as funcções de que se achava revestido? Não.

Quem as podia retirar, quem o conservou como delegado de confiança, quem lhe deu as instrucções para fazer o que fez ou pelo menos quem lhe deixou os meios de praticar o que praticou, foi unica e exclusivamente o sr. marquez d'Avila e de Bolama.

É preciso não fugir á responsabilidade quando ella está claramente demonstrada. É preciso que s. ex.ª tenha, ao menos, a coragem de 1845, e que responda pelos meios que os seus delegados de confiança empregam quando s. ex.ª é ministro do reino.

Disse o sr. ministro do reino — o administrador já está em processo.

Não sei, não tenho conhecimento d'isto; mas desejava muito saber se o processo foi requerido pelo representante do governo n'aquella comarca, isto é, pelo ministerio publico, ou se foi a requerimento de particular. Seja de quem for, eu estou convencido, se é licito julgar do futuro pelo passado, que em breve uma amnistia completa pelos crimes eleitoraes e politicos virá inutilisar a acção do poder judicial. Tem sido essa a pratica constante. É assim que se propagam os principios de moralidade politica.

Prendem-se os eleitores; faz-se mudar completamente a vontade dos povos n'uma eleição qualquer; commettem-se crimes que são severamente punidos pela nossa legislação; temos perante nós um ministro responsavel; o ministro declina a responsabilidade nos seus agentes, e ao mesmo tempo exime da responsabilidade esses seus agentes, fazendo applicar-lhes uma amnistia. Este meio é seguro e infallivel, mas é tambem sufficiente para corromper uma nação inteira (apoiados).

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Uma voz: — Muito boa gente tem applicado a amnistia.

O Orador: — Ouço que muito boa gente tem applicado a amnistia, mas o que não sei perceber é a força de tal argumento. A minha questão não é de quem tem applicado amnistia, nem de todos que no governo têem commettido abusos eleitoraes. Só trato do presente, e só pretendo ver se é possivel conseguir para o futuro a emenda dos partidos politicos e dos homens publicos. Se esse resultado podesse conseguir-se, esquecendo o passado e mesmo o presente, eu facilmente desistiria logo de propor a accusação, porque não tenho empenho nenhum pessoal em fazer condemnar o sr. marquez d'Avila e de Bolama, a não ser para evitar a repetição de crimes similhantes. Porém isto chegou já a tal estado, que sem um exemplo severo, o systema não muda. Não tentem desculpar os crimes presentes com os crimes anteriormente praticados, porque com isso parecem exigir, a pretexto de coherencia, a pratica constante dos mesmos crimes, e só conseguem que de futuro esses crimes sejam cada vez peiores.

Se querem, accusemo-los todos, mas não consintamos por mais tempo a impunidade. O meu voto não ha de fazer excepções.

Desenganem-se os partidos, e ha muito tempo deviam estar desenganados. Pouco importa que um proclame a resolução da questão de fazenda de preferencia á questão politica, ou que outro escolha esta de preferencia aquella. A questão toda, a unica questão, é de moralidade e de seriedade no poder (apoiados).

N'este paiz ninguem se exime, creio eu, aos sacrificios que lhe exigirem, logo que acredite na efficacia d'esses sacrificios. Mas emquanto virem lá em baixo perante os tribunaes os simples cidadãos serem condemnados invariavelmente por culpas incomparavelmente leves, e cá em cima o governo constantemente absolvido por culpas mais graves e algumas vezes revoltantes, ninguem acredita na seriedade dos poderes constituidos, e ninguem se presta a fazer sacrificios, que reputa inuteis, mal applicados e completamente perdidos.

Continuem os governos a eleger por fórma que o paiz não seja genuinamente representado; consigam fazer votar impostos pelo parlamento; nunca conseguem a execução das leis que os estabelecem; o paiz reage, como tem reagido, e o resultado é que não se executa a lei, apesar de votada e sanccionada.

Deixo estas considerações e vou terminar.

O sr. marquez d'Avila e de Bolama mandou-me estudar a historia dos homens importantes, a de Richelieu, de Mazarin e especialmente a sua. A de Richelieu e de Mazarin já eu estudei ha muito, mas não tenho tido tempo ainda para estudar a fundo a historia de s. ex.ª que é de certo a mais notavel e instructiva. Vou, porém, occupar-me incessantemente d'este trabalho util e interessante, e quando estiver completamente habilitado, poderei facilmente tratar e resolver todas as questões politicas e sociaes pela simples lição dos factos da vida de s. ex.ª, tão notavel sempre, e sobretudo tão proveitosa á patria n'estes ultimos annos.

Conclui.

O sr. Presidente: — Tem a palavra o sr. presidente do conselho.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Marquez d'Avila e de Bolama): — Cedo da palavra.

O sr. Presidente: — Então tem a palavra o sr. relator da commissão.

O sr. Sampaio: — Parece-me que o que está em discussão é a responsabilidade ministerial, e parece que estamos n'um auditorio da Boa Hora e não no parlamento.

Eu comprehendo a responsabilidade ministerial, não a comprehendo porém do modo por que os illustres deputados a entendem. Se fosse assim, assentar-se-íam nos bancos dos réus estadistas illustres.

Ainda ha pouco a camara ouviu a leitura de uma circular do administrador do concelho de Castello Branco, mandado levar presos á sua presença todos os individuos que dissessem mal do illustre marechal Saldanha. O ministro que presidia então aos negocios do reino, perguntou com muita rasão a data d'essa circular; disse-se lhe que era de 26 de agosto, e por esta data mostrou-se que elle não tinha tido tempo para não deixar impune esse attentado, dando a entender que de certo o cohibiria.

Mas diz-se que os ministros são responsaveis pelo facto da nomeação e conservação dos empregados, e que por isso é que têem de se justificar. N'esse caso a accusação procede sempre, porque o illustre deputado não é obrigado senão a allegar, os ministros é que são obrigados a provar.

Mas os illustres deputados quando accusam são uns entes infalliveis, cada um se declara papa, e todos mais de que um concilio, e desde que dizem que se deu tal facto, isso mesmo é já prova.

Estamos discutindo uma eleição, e ainda não ouvi fallar senão na responsabilidade ministerial.

Responsabilidade ministerial na resposta ao discurso da corôa.

Responsabilidade ministerial na eleição de Arganil.

Responsabilidade ministerial na eleição de Macedo de Cavalleiros; e responsabilidade ministerial em tudo.

Mas discutamos a eleição, e acabemos por uma vez a questão da responsabilidade ministerial. Os ministros não fogem, não emigram, não é necessario seguralos; delimitemos estas questões, e não estejamos continuamente a fallar na mesma cousa, a proposito:

De cansado chá que ferve Com esta a decima vez.

Macedo de Cavalleiros dividiu-se em tres assembléas. N'uma d'ellas quem venceu foi o candidato da opposição, e os illustres deputados são capazes de tornarem até o governo responsavel de ter triumphado a opposição n'aquella assembléa. Aquelle administrador do concelho, aquelle tyranno que não foi nomeado pelo sr. marquez d'Avila, mas sim pelo sr. bispo de Vizeu, de certo porque o julgou um homem capaz, não recebeu a demissão senão do sr. marquez d'Avila, desde que se mostrou que aquelle individuo era incompetente para aquelle cargo, desde que o chefe superior do districto propoz a sua demissão.

Eu lamento os factos como os lamenta o illustre deputado, como todos nós lamentâmos, factos que podem affectar a liberdade; mas estava instaurado processo contra alguns d'aquelles individuos que estavam querelados pelo ministerio publico. Foi uma coincidencia deploravel que elles fossem n'aquelle dia.

Mas a agitação em Macedo de Cavalleiros foi toda contra a auctoridade. Se nos Cortiços não houve eleição, foi porque os inimigos da auctoridade não a quizeram fazer, foi porque julgaram muito melhor insultar essa auctoridade do que proceder ao acto eleitoral, quando julgavam pedida a eleição.

Se a commissão levando o seu escrupulo até onde muitas vezes aqui se não tem levado, julgou que se devia annullar aquella eleição, não é isto prova de que a auctoridade influisse. As paixões ali são fortes, são violentas, tanto mais violentas quanto se dão em pessoas que foram amigas e são parentes. Por isso devem desculpar-se estas paixões, e pela historia nós vemos que não são de agora sómente.

Para que estamos aqui a discutir mais contra o systema parlamentar do que contra os ministros?

(Áparte do sr. visconde de Moreira de Rey.)

A sua opinião é contra todos, mas nunca teve essa opinião quando era desfavoravel aos seus amigos. Nunca o vi condemnar os excessos d'essas auctoridades, quando esses excessos podiam prejudicar o gabinete.

Os excessos devem ser condemnados em todos. A responsabilidade não é só para o ministerio actual, é para todos os ministros, e quando se estabeleça uma proposição geral não se deve exceptuar os amigos, principalmente

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aquelles amigos que nós amâmos com todas as véras do coração.

Pois não viu o illustre deputado ha pouco perguntar esse seu amigo a data de uma circular de um administrador de concelho, que mandava prender toda a gente, não viu perguntar essa data para declinar a responsabilidade?

Pela doutrina do illustre deputado, esse amigo não tinha que declinar responsabilidade, devia sentar-se no banco dos réus para provar que não tinha sabido nem consentido a circular, e quando fosse convencido de que a tinha mandado fazer, por isso que o forte da censura era provar, esse amigo havia de responder que não tinha tido intenção de o fazer, porque até se invocam as intenções.

Ora desde que contra uma eleição não ha senão protestos improvados, protestos que não foram feitos na occasião da eleição, protestos contra a eleição de Miranda, feitos em Macedo de Cavalleiros, protesto de uma mesa que, fazendo socegadamente, ou simulando que fazia socegadamente uma acta da sua constituição, lavrou depois um protesto da acta da eleição em que dizia que não a podia fazer, porque estava coacta, o que era uma injuria á auctoridade; e protesto por consequencia que se invalida por si mesmo, porque, se ella estava coacta, a propria coacção devia impedi-la de injuriar a auctoridade.

A outra eleição que se fez menos legalmente a commissão julga-a nulla, e não a conta para o resultado final; e, se se contarem todos os protestantes a favor da minoria, que fizeram as suas assignaturas, uns por extenso e outros de cruz, ainda assim mesmo não póde ser vencido o deputado eleito.

Por consequencia, sendo esta questão restricta, não á responsabilidade ministerial, porque ha outro logar em que alla se póde pedir, mas á verificação dos poderes de um deputado eleito, a commissão sustenta e a camara não póde deixar de sustentar tambem, na minha opinião, que esta eleição está valida e que os protestos são inteiramente improcedentes.

O sr. Mariano de Carvalho: —... (O sr. deputado não restituiu o seu discurso a tempo de ser publicado neste logar.)

O sr. Ministro da Marinha (Mello Gouveia): — Mando para a mesa duas propostas de lei: a primeira, pedindo auctorisação para o governo contratar a navegação a vapor para a Africa occidental e para a Africa oriental, subsidiando este serviço; e a segunda creando os impostos que devem habilitar o thesouro a occorrer a esse subsidio.

Leram-se na mesa e foram enviadas ás commissões respectivas as seguintes propostas de lei:

Proposta de lei n.º 20-E

Senhores. — As communicações regulares por navegação a vapor dentro de Lisboa e as nossas possessões da Africa occidental, são uma necessidade que, ainda por algum tempo, deverá ser attendida com subsidio directo do thesouro.

Não se póde contestar a poderosa influencia que tem exercido no desenvolvimento da industria agricola e commercial das nossas provincias do occidente africano o estabelecimento das carreiras de barcos movidos a vapor que ha annos saem da capital do reino e a ella voltam, tendo percorrido os portos do archipelago de Cabo Verde, das ilhas de S. Thomé e Principe, e da provincia de Angola; e os interesses das colonias e da metropole que esta navegação tem enlaçado, têem hoje tal importancia, que seria um erro pouco desculpavel abandona los ás incertezas de um futuro desconhecido, pela suspensão d'aquellas communicações regulares e promptas que lhes crearam a situação em que se encontram.

Por inducção logica dos resultados experimentados com a navegação a vapor para a Africa occidental, persuade-se o governo de que dará grande impulso á exploração de todas as riquezas de cultura e extractivas que encerra na Africa a nossa provincia de Moçambique, ligando-a ao continente do reino pelo mesmo genero de communicações certas no tempo, e abreviadas no espaço.

No mar, como na terra, a facilidade de communicações e de trato será sempre um dos agentes mais activos do desenvolvimento da riqueza das nações.

Se as theorias economicas não tivessem ha muito demonstrado esta these, os factos resultantes de navegação regular de S. Thomé e Loanda, seriam bastantes para a dar como resolvida.

Assentou n'estas considerações a resolução tomada pelo governo em 7 de janeiro d'este anno, de pôr a concurso as emprezas de navegação regular por barcos de vapor para a Africa occidental e oriental e para o archipelago dos Açores. Só esta teve concorrentes que proporcionaram a adjudicação já approvada pelas côrtes o convertida em lei. As emprezas africanas não tiveram offerta em condições definidas, e a praça fechou-se sem redução sobre este importante assumpto. Foram depois apresentadas ao governo varias propostas que poderão servir de base a uma convenção sobre a navegação regular entre a metropole e os seus dominios africanos de oriente e occidente, se o governo alcançar dos proponentes acquiescencia ás alterações que deverão soffrer as suas offertas para se fazerem aceitaveis aos poderes publicos.

Como porém se tenha passado o tempo sem que este negocio haja obtido devida solução e seja necessario resolve-lo talvez na ausencia do parlamento, vista a brevidade com que nos approximâmos do termo do actual contrato de navegação para a Africa occidental, tenho a honra de submetter á vossa approvação a seguinte proposta de lei:

Artigo 1.° É o governo auctorisado a conceder um subsidio annual até á somma de 135:000$000 réis, e por qualquer praso de tempo não excedente a dez annos, á empreza que se obrigar a estabelecer carreiras regulares de navegação a vapor entre Lisboa e as ilhas da Madeira, Cabo Verde, S. Thomé e Principe e os portos de Africa occidental é oriental, que forem designados pelo governo.

§ unico. O serviço de Africa oriental poderá ser continuado ou separado do de Africa occidental.

Art. 2.° Havendo duas emprezas concensionaes, uma de serviço de Africa oriental, e outra do de Africa occidental, o subsidio auctorisado no artigo 1.°, será por ellas dividido como for convencionado.

Art. 3.° A sede da empreza ou emprezas será em Lisboa e esta o ponto de partida e do regresso para ambas as linhas de navegação; e os navios empregados nas carreiras navegarão com a bandeira portugueza.

Art. 4.º É o governo auctorisado a conceder á empreza ou emprezas concessionarias das linhas de navegação africana as vantagens designadas nos artigos 32.° a 35.° do programma do concurso para aquellas linhas, publicado no Diario do governo, n.° 7, de 10 de janeiro ultimo.

Art. 5.° As carreiras de navegação para a africa occidental serão uma em cada mez, de partida e regresso; não excedendo a viagem a vinte e oito dias na ida e trinta dias na volta. E as carreiras para a Africa oriental serão, pelo menos, uma de dois em dois mezes, da partida e regresso; não excedendo a viagem a cincoenta e quatro dias, tanto na ida como na volta.

§ 1.° Se forem seis as carreiras contratadas para a Africa oriental, o subsidio, auctorisado para as duas linhas de Africa Occidental, com doze viagens redondas annuaes, e para a Africa oriental com seis viagens redondas annuaes, não passará de 100:000$000 réis.

§ 2.º O subsidio auctorisado no artigo 1.° d'esta lei, nunca poderá ser despendido por inteiro senão com doze viagens redondas annuaes para a Africa occidental, e outras tantas para a Africa oriental.

Art. 6.° O governo conservará em os novos contratos as condições uteis para o estado que se contêem no contrato actual de navegação para a Africa occidental, e estipulará

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todas as mais que forem vantajosas á nação e melhor concorrerem para o bom serviço, das emprezas.

Art. 7.° O governo dará conta ás côrtes do uso que fizer d'esta auctorisação.

Art. 8.° Fica revogada a legislação em contrario.

Secretaria d'estado dos negocios da marinha e ultramar, 22 de agosto de 1871. = José de Mello Gouveia.

Proposta de lei n.º 20-F

Na proposta, que acabo de ter a honra de vos apresentar, peço-vos um subsidio pecuniario para manter a continuação das communicações regulares por navegação a vapor com as nossas possessões de Africa occidental e para ampliar este beneficio aos nossos dominios de Africa oriental. Ahi vos digo como esta providencia se me afigura de interesse commum e momentoso para as colonias e para a metropole, e só me falta ponderar vos que na situação em que temos as nossas finanças, que tanto cuidado nos mereci, é dever de todos nós não só alliviar o thesouro nacional de encargos inuteis e menos necessarios, e ainda dos que lhe não competem, mas principalmente habilita-lo com receitas novas, que não comprimam as industrias, para attender ás obrigações que o estado não póde preterir sem inquietar o presente e comprometter o futuro em nome de principios e doutrinas que talvez tenham hoje apologistas, mas que a rasão publica ha de com certeza condemnar ámanhã como erros de descuidados e imprevidentes,

Dando a este pensamento uma applicação pratica, creio que devemos procurar em nossas relações coloniaes algum auxilio directo para o encargo que vos proponho lanceis sobre o thesouro nacional com o subsidio das carreiras regulares de navegação a vapor para a Africa occidental e oriental, repartindo equitativamente o sacrificio que nos custa este melhoramento pelos interesses que elle favorece.

É visivel que a regularidade das communicações com as nossas colonias africanas satisfaz a um interesse politico e a um interesse economico. No primeiro é principalmente empenhado o corpo politico da nação, e fóra de duvida é que esta não póde hesitar em attender ao que este interesse lhe exige; e no segundo é o commercio colonial que lhe colhe as vantagens immediatas de mais vulto, sendo por isso de rasão que concorra para sustentar uma navegação que tanto lhe aproveita, mormente estando como está excepcionalmente favorecido nas imposições aduaneiras.

Proponho portanto que se cobre nas alfandegas do continente do reino e das ilhas adjacentes 1 por cento ad valorem sobre todas as mercadorias importadas, exportadas e reexportadas das possessões e para as possessões portuguezas de Africa, e que nas alfandegas das mesmas possessões se cobrem 5 por cento addicionaes aos direitos n'ellas arrecadados, e que se eleve tambem convenientemente a muito pequena taxa postal que actualmente se paga da correspondencia da metropole com as suas provincias ultramarinas; ficando o producto d'estes impostos applicado ao subsidio das carreiras de navegação de que se trata.

Estes impostos calculados pelos ultimos dados estatisticos conhecidos, devem chegar a 50:00$000 réis, e contratando o governo as carteiras para a Africa occidental com doze viagens, e para a Africa oriental com seis viagens por 100:000$000 réis, na fórma da auctorisação que vos pedi, o encargo das actuaes receitas do thesouro fica reduzido a 50:000$000 réis, o que ha de ser reconhecido como um grande progresso de gerencia economico comparado o serviço em projecto para a Africa occidental e oriental e para a ilha da Madeira com o serviço similhante que actualmente se faz para esta ilha, e para a Africa occidental, e que nos custa hoje 179:500$000 réis.

Se os novos contratos chegarem a comprehender doze viagens para a Africa oriental, o que não parece indispensavel para o começo d'esta carreira, e for despendido o subsidio total de 135:000$000 réis proposto para esta hypothese, subirá o encargo a pagar, pelos actuaes recursos do thesouro até 85:000$000 réis, emquanto o commercio colonial não toma o incremento que todos lhe auguram, elevando o algarismo calculado agora como producto d'estes impostos, e attenuando parallelamente os presumidos sacrificios do thesouro nacional, que em todo o caso terão sempre para encontrar os beneficios directos da diminuição dos preços de transporte, de cousas e pessoas do serviço do estado, que montam em sommas importantes, como na discussão se mostrará.

Por estes fundamentos, tenho a honra de propor á vossa approvação a seguinte proposta de lei:

Artigo 1.° Pagarão nas alfandegas do continente do reino e das ilhas adjacentes mais 1 por cento ad valorem os generos importados das possessões portuguezas de Africa e para as mesmas possessões, exportados ou reexportados.

Art. 2.° Nas alfandegas das provincias de Cabo Verde, S. Thomé e Principe, Angola e Moçambique, serão addicionados 5 por cento dos direitos que ellas arrecadam.

Art. 3.° As correspondencias originarias do continente do reino e das ilhas adjacentes, com destino para as provincias ultramarinas e vice-versa, d'estas para o reino e ilhas, conduzidas por navios portuguezes ou por navios estrangeiros pertencentes a companhias subsidiadas pelo governo portuguez, ficam sujeitas aos portes marcados na tabella junta, que faz parte da presente lei.

Art. 4.º As novas receitas procedentes d'estes impostos serão applicadas ao subsidio da navegação regular de barcos movidos a vapor entre a metropole e os seus dominios africanos.

Art. 5.° O governo fará os regulamentos necessarios para a execução d'esta lei.

Art. 6.° Fica revogada a legislação em contrario.

Secretaria d'estado dos negocios da marinha e ultramar, em 22 de agosto de 1871. = José de Mello Gouveia.

Tabella dos portes das correspondencias a que se refere o artigo 4.º da proposta de lei de 22 de agosto de 1871

Cartas

Até 10 grammas inclusivamente............. 100 réis.

Até 20 grammas inclusivamente............. 200 »

Até 30 grammas inclusivamente............. 300 »

E assim por diante, subindo 100 réis por cada 10 grammas ou fracção de 10 grammas que acrescerem.

Jornaes e outras publicações periodicas, cintados

Até 40 grammas inclusivamente............. 10 réis.

Até 80 grammas inclusivamente............. 20 »

Até 120 grammas inclusivamente............ 30 »

E assim por diante, subindo 10 réis por cada 40 grammas ou fracção de 40 grammas que acrescerem.

Impressos, lithographias, ou gravuras, cintados 1

Até 40 grammas inclusivamente............. 20 réis.

Até 80 grammas inclusivamente............. 40 »

Até 120 grammas inclusivamente............ 60 »

E assim por diante, subindo 20 réis por cada 40 grammas ou fracção de 40 grammas que acrescerem.

Manuscriptos que não tenham natureza de cartas, e amostras de fazendas, cintados2

Até 40 grammas inclusivamente............. 40 réis.

Até 80 grammas inclusivamente............. 80 »

Até 120 grammas inclusivamente............ 120 »

E assim por diante, subindo 40 réis por cada 40 grammas ou fracção de 40 grammas que acrescerem.

Correspondencias registadas

Por cada carta - Premio fixo do registo 100 réis.

Porte – o correspondente ao peso.

Notas

1 Comprehendem-se debaixo d'esta designação os impressos que não sejam publicações periodicas ou jornaes, os livros brochados ou encadernados, catalogos, provas de imprensa com correcções feitas á mão, circulares, preços correntes, annuncios e avisos diversos, estampas, mappas, papeis de musica, e outras quaesquer lithographias, gravuras ou photographias, e bem assim as participações de nascimento, casamento ou fallecimento e os bilhetes de visita incluidos em sobrescritos abertos.

2 Comprehendem-se debaixo d'esta denominação quaesquer papeis

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impressos ou lithographados, contendo espaços em branco que tenham de ser preenchidos com letras ou algarismos escriptos á mão, uma vez que sejam para completar o texto dos mesmos papeis.

Secretaria d'estado dos negocios da marinha e ultramar, 22 de agosto de 1871. = José de Mello Gouveia.

O sr. Francisco Mendes: — Peço a palavra para antes de se encerrar a sessão, se estiver presente o sr. ministro da marinha.

O sr. Presidente: — Ainda ha muitos srs. deputados inscriptos para tomarem parte na discussão do parecer relativo á eleição de Macedo de Cavalleiros. Fica pois essa questão para a sessão seguinte, e vae entrar-se na discussão do orçamento.

O sr. Falcão da Fonseca (para um requerimento): — Requeiro a v. ex.ª que consulte a camara sobre se julga, ou não, sufficientemente discutida a materia do parecer ácerca da eleição de Macedo de Cavalleiros.

O sr. Osorio de Vasconcellos (sobre o modo de propor): — Já se havia passado á outra parte da ordem do dia, e portanto o requerimento do sr. deputado não póde ter logar.

O sr. Presidente: — Não se havia passado ainda a outra discussão, apenas eu estava indicando que se ía passar.

Consulto a camara.

Consultada a camara, julgou se a materia discutida.

O sr. Presidente: — Vae votar-se o parecer.

Como se refere a uma eleição impugnada, vota-se, segundo o regimento, por espheras (apoiados).

(Pausa.)

Fez-se a chamada.

Concluida a votação, verificou-se ter sido rejeitado o parecer por 46 espheras pretas contra 45 brancas.

SEGUNDA PARTE DA ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do projecto de resposta ao discurso da corôa

O sr. Presidente: — Tem a palavra o sr. deputado por Paredes.

O sr. Mártens Ferrão: —... (O sr. deputado não restituiu o seu discurso a tempo de ser publicado n'este logar.)

Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

Como substituição, proponho que na resposta ao discurso da corôa seja considerada com igual importancia a questão de fazenda, e como seu complemento a reforma da administração e da fazenda local; e a generalisação da instrucção popular.

Sala das sessões, em 5 de setembro de 1871. = João Baptista da Silva Ferrão de Carvalho Mártens.

Foi admittida.

O sr. Presidente: — O sr. deputado por Tondella pediu a palavra para um requerimento para antes de se fechar a sessão.

Tem a palavra.

O sr. Francisco Mendes: — Tinha pedido a palavra a v. ex.ª para quando estivesse presente o sr. ministro da marinha. S. ex.ª está presente, mas como a sala está deserta e a hora muito adiantada, reservo-me para usar da palavra ámanhã antes da ordem do dia, e por isso peço a v. ex.ª que convide o sr. ministro a comparecer mais cedo ámanhã.

O sr. Presidente: — O sr. ministro ouviu o convite feito pelo sr. deputado, e ámanhã comparecerá á hora conveniente.

A ordem do dia para ámanhã é na primeira parte o orçamento, e na segunda a continuação d'este debate.

Está levantada a sessão.

Eram quasi cinco horas e meia da tarde.

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