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1602 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

ORDEM DA NOITE

Continuação da discussão do projecto de lei n.° 154 que estabelece os premios de navegação

O sr. Presidente: - Tem a palavra, para continuar o seu discurso, o sr. Beirão.

O sr. Francisco Beirão: - Sr. presidente, foi-me extremamente desagradavel não ter concluido as breves considerações que me propunha fazer a respeito d'este projecto na sessão da tarde, e tanto mais quanto me restava pouco a dizer. Já a camara vê que não occuparei por muito tempo a sua attenção. E a impressão desagradavel de ter ficado com a palavra, aggravou-se-me com o sentimento que me causou o incidente occorrido depois de já ter sido forçado a suspender e reservar para agora o curso das minhas reflexões.

Não me proponho referir, nem sequer de leve, cousa alguma que se possa prender com a nossa pendente questão internacional, debaixo de qualquer dos aspectos por que se possa considerar; mas em todo o caso, devo dizer, que o incidente a que assistimos e a declaração que ouvimos por parto do governo, me collocaram, como de certo collocaram a todos os membros d'esta camara, n'uma situação pouco propria para podermos discutir desassombrada e serenamente qualquer projecto, sujeito á nossa deliberação. Que importa, porém, isso, se é força fallar agora? Cumprirei a minha obrigação, que é apresentar á camara as considerações que não tive tempo de expender na sessão da tarde.

Continuemos pois.

Reatando o fio do discurso - demos-lhe sem pretensões este nome á falta de outro-lembrarei haver eu exposto á camara a opinião de que julgando-se util proteger a marinha mercante nacional, se devia começar pelo principio, e que por isso, em vez de se conferirem só e exclusivamente premios á navegação, se devia, pelo menos parallelamente com estes, conceder tambem premios ás construcções de navios, feitas em Portugal. (Apoiados.)

Apoiei esta minha idéa, traduzida n'uma das propostas que mando para a mesa, e que aliás não é mais do que o transumpto das prospostas da commissão nomeada na conferencia maritima do Porto, e submettidas ao exame das associações commerciaes de Lisboa e Porto, com o que se tinha passado em França em relação a estas duas ordens de premios.

O sr. Oliveira Martins, fazendo notar á camara que nós hoje estamos, se não copiando, imitando no tocante a este assumpto, o que fizeram e praticaram, recentemente, nações mais adiantadas, que têem decretado premios á navegação e a construcção, disse que íamos buscar moldes ao estrangeiro, quando podiamos, e muito bem, procurar o original na nossa antiga legislação. E é verdade.

Na historia do nosso direito maritimo encontram-se bastantes diplomas, que mostram haver-se no nosso paiz tentado proteger a marinha nacional, conferindo-lhe premios. E apesar d'isso, o que acontece? Não se irem filiar as providencias que hoje se querem adoptar nas antigas origens nacionaes e invocarem-se em sua defeza leis estranhas, como as citadas no relatorio do governo! E com-tudo, sr. presidente, quem poderá esquecer que até em regulamentos publicados pelos habitantes de Setubal, Alcacer do Sal, Sines e Cezimbra, no XIV seculo se póde encontrar, com respeito a este assumpto, verdadeira sabedoria, como assevera um escriptor estrangeiro!

Ainda ha pouco eu proprio tive occasião de verificar num diploma bastante antigo, em que Portugal, já em tempos que lá vão, havia adoptado disposições protectoras, com respeito á marinha mercante, analogas ás que foram tomadas ultimamente em França.

Esse diploma, notavel por mais de um titulo, é um Regimento de fazenda, em que se trata de muitos assumptos, mais ou menos directamente ligados com a administração nacional.

Tem a data, se bem me lembro, de 17 de outubro de 1516. Esse documento mostra bem com quanta rasão o sr. Oliveira Martins avançou a proposição a que me referi.

N'esse regimento diz-se, por exemplo, o seguinte:

«Considerando Nós quanto cumpre ao nosso serviço e bem de nossos reinos haver n'elles muitas naus e navios ordenamos em favor e proveito d'aquelles que as quizerem fazer de novo ou as houverem comprado a extrangeiros, que todos aquelles que naus de novo fizerem que levarem cento e trinta tonelladas cada uma debaixo de telhado e entre telhado e cuberta hajam de Nós cem cruzados, e de quantas tonelladas mais levar que as cento e trinta, não chegando a trezentas, hajam por cada tonellada que passar das cento e trinta, meio cruzado de ouro, alem dos ditos cem cruzados que hão de haver pelas cento e trinta tonelladas; e quando chegar ás trezentas tonelladas e d'ahi para cima então hajam por cada tonellada que assim alojar debaixo do primeiro telhado e entre telhado e cuberta cem cruzados de ouro, e isto de quaesquer tonelladas que assim levar e alojar...»

(Interrompendo a leitura.})

Tantos cruzados-mais ou menos conforme a lotação - áquelles que naus de novo fizerem; aqui temos pois, sr. presidente, os premios de construcção.

Mais ainda. (Continúa lendo.)

«E os que naus a extrangeiros comprarem e a nossos reinos trouxerem que não sejam de mais tempo que de cinco annos pouco mais ou menos haverão ametade do que hão de haver os que as assim de novo fizerem sendo das tonelladas acima declaradas...»

Estes não são já premios á construcção, e bem se podem considerar como premios á navegação ou á bandeira nacional de naus originariamente estrangeiras. Mas note a camara, estes premios eram só ametade em valor dos que se conferiam á industria nacional das construcções navaes.

Mas a protecção não ficava só aqui, ía mais longe, para prova do que lerei ainda á camara, uma, alem de outras, notavel disposição.

«Ordenamos mais e mandamos em favor dos sobredictos que naus em nossos reinos quizerem fazer ou para elles de estrangeiros haver das tonelladas e tempo acima declarado, que, alem do dinheiro por nós ordenado, hajam estas liberdades e franquezas ao diante declaradas, convem a saber, não pagarão dizima nem portagem de nenhuns taboados, madeira, liame, apparelhos, fio lavrado nem por lavrar, breu, rezina, estopa, ferro, pregadura, panno para vellas, ancoras, bombardas, polvora, mastros, vergas, lanços de armas gorguzes e quaesquer outras cousas que sejam necessarias para o fabricamento das ditas naus...»

E isto alem de outros favores, privilegios e franquias concedidas no mesmo diploma á navegarão nacional, que eu não leio para não cansar a attenção da camara.

Já vê v. exa. que o nosso antigo direito maritimo conferia premios á construcção e não ficava exclusivamente na concessão de favores á navegação. E ainda mais do que isso, fazia inteira distincção para a conferencia dos premios entre navios construidos no reino e navios que, eram apenas adquiridos lá fóra, e por isso do construcção estrangeira. Aquelles gratificava-os com o dobro dos premios que conferia a estes.

Que differença entre este regimento e a proposta que discutimos! Quanto mais amplitude, quanta maior efficacia na protecção! Que cautela em distinguir entre a construcção feita no paiz e que constitue a nacionalidade de origem, e a simples acqnisição de navios feita no estrangeiro e que não é mais do que a nacionalização!

Já v. exa. vê que a disposição que se encontra na lei franceza e pela qual propugnei esta tarde, já se encon-