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1604 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

procurado estabelecer e aperfeiçoar um verdadeiro systema hypothecario sobre navios, e conseguiu em virtude dos respectivos contratos um verdadeiro progresso maritimo. Entre nós era até duvidoso ultimamente se a hypotheca de navios, embora existente em germen no antigo codigo commercial, ficára subsistindo depois da disposição do codigo civil, que só admitte hypothecaa sobre certos bens immobiliarios. Ainda antes, porém, da vigencia d'este ultimo codigo, o certo era que nunca a pratica se aproveitava da hypotheca naval, nos termos em que o devia ser, e apenas, segundo minha lembrança, em alguns contratos feitos com o governo, que vieram á sancção parlamentar, se declarava que os navios ficavam hypothecados, para o cumprimento das respectivas obrigações. Depois da publicação do codigo civil, então, repito, passou como axioma para muitos que tinha acabado a hypotheca naval. Veiu, porém, o novo codigo commercial e este clara e propositadamente a estabeleceu. E antes de mais direi, e posso acrescentar com verdadeira satisfação, que, segundo estou informado, alguns d'esses contratos se têem já celebrado. A hypotheca sobre navios veiu em grande parte substituir a letra de risco, titulo este que pelas circumstancias que n'elle se dão, pelas difficuldades da execução da quantia que representa, pela falta de publicidade obrigatoria, pela incerteza da ordem em que o pagamento se ha de fazer, pelo desconhecimento dos encargos anteriores, é um defeituoso instrumento de credito. E esta substituição, embora parcial, é tanto mais proveitosa quanto, pelas rasões indicadas, as letras de risco em todas as praças de commercio e por isso nas portuguezas, são negociadas com um excesso de juro, representativo dos riscos e difficuldades que acompanham taes contratos.

O novo codigo commercial acabou com o contrato do risco sobre navios, conservou-o apenas sobre a carga, ou sobre o freto vencido, quando outro meio não haja de prover, ao que for indispensavel para continuar a viagem.

É certo, sr. presidente, que outras nações ainda admittem as letras de risco sobre o navio, mas a innovacão do codigo portuguez, proficua como me parece, desde que se quiz organisar um verdadeiro systema hypothecario naval, nem por isso abre qualquer conflicto com a legislação estrangeira. Com effeito, o mesmo codigo, permittindo liberalmente a applicação da lei estrangeira quando as partes assim o convencionarem, salvas certas excepções, nada obsta a que possam ser applicados os principios que admittem a letra de risco sobre o navio, quando se tratar de embarcações estrangeiras, embora ancoradas em aguas territoriaes portuguezas.

E a hypotheca naval, como ficou constituida no codigo commercial, não é só, como instrumento de credito, auxiliar poderoso á navegação, senão que tambem o é para a construcção de navios. Este ultimo o aspecto que n'este momento mais nos deve importar.

Com effeito, o artigo 087.° do codigo commercial, permitte a hypotheca sobre navios em construcção ou a construir para pagamento das respectivas despezas de construcção, nos termos ali preceituados. Lembro-me até que este artigo teve discussão na camara dos dignos pares, por parecer novidade juridica que a hypotheca naval podesse ser constituida não só sobre navios já construidos, ancorados ou em viagem, sendo n'esse caso um instrumento de credito para a navegação e desenvolvimento do commercio, mas tambem sobre navios, que se estivessem ainda construindo e até sobre navios a construir. Argumentava-se que, não existindo nem em começo, o navio a construir, a garantia hypothecaria era illusoria. O codigo, porém, tomou as providencias para que essa caução fosse real e effectiva, e portanto, desde que se satisfaçam esses preceitos, e que se possa precisar qual foi o navio a que foi appli-cado o credito, nenhuma duvida haverá em por elle ou pelo seu valor, depois de construido, se poder operar o pagamento. Não ha, pois, inconveniente e antes vantagens para o desenvolvimento da navegação e para a construcção de navios, na adopção e pratica do principio da hypotheca naval nos termos em que foi estabelecida. Pois não se preceitua exactamente o mesmo no codigo civil com respeito a hypothecas sobre bens immobiliarios? Não se permitte ali, alem da hypotheca sobre predios construidos, a hypotheca estipulada para pagamento de despezas de construcção, comtanto que se especifique o immovel a que estes hão de ser applicaveis? De certo. Assim se fez, pois, na lei commercial.

Tratando-se, pois, agora, de se concederem premios á navegação, parece-me poder-se aproveitar o ensejo de sem augmentar a despeza publica, fazer com que os actos por meio dos quaes tem de funccionar a hypotheca naval, especialmente sobre navios em construcção ou a construir, sejam dispensados dos impostos que pesam sobre esses actos, quer para a constituição da hypotheca, quer para o seu registo. E isto não é senão a applicação á hypotheca naval de principios, já de ha muito vigentes no nosso direito fiscal. Com effeito, a camara sabe, que, por exemplo, os terrenos novamente reduzidos á cultura, ficam dispensados de imposto predial durante um certo tempo, como tambem sabe que a companhia geral de credito predial portuguez formula os seus titulos de constituição de hypothecas por um modo especial, sendo os emprestimos respectivos dispensados de certos impostos, como é, por exemplo, o da decima de juros, embora sejam sujeitos ao manifesto.

Ora, visto que se entendeu dever beneficiar, por exemplo, a nova cultura de terrenos, dispensando-os do pagamento do imposto predial, não me parece que o thesouro possa ser de tal prejudicado com a dispensa do pagamento de impostos que oneram os actos constituitivos da hypotheca naval, que se possa, justamente negar este favor.

Estimaria muito que a camara acceitasse a minha proposta, que, directamente, vae beneficiar a construcção de navios portuguezes, conferindo os premios do construcção, mas, se tiver duvida em a acceitar, nenhuma duvida haverá, me parece, para que se acceite uma simples dispensa dos impostos que incidirem sobre a constituição e registo de hypothecas em navios em construcção ou a construir. O desfalque para o thesouro será diminuto, e é pelo menos um favor que vamos conceder á industria da construcção de navios.

N'este sentido, pois, formulei uma proposta que mando para a mesa.

Em obediencia á mesma ordem de idéas foi redigida outra proposta relativa á isenção de direitos de importação de certos materiaes de construcção. O regimento, a que já me referi, dispensava do dizima e portagem a importação de certos materiaes para a construcção do navios; a commissão maritima do Porto tambem fazia proposta n'este sentido, e por isso eu entendi que tambem havia alguma proposta n'este sentido ainda a fazer.

Passarei agora a demonstrar um ponto a que já tive occasião de mo referir, qual e quanto importa, a meu juizo, fazer distincção no projecto que nos occupa, no tocante a navios nacionaes, entre os que o são de origem e os que só o são pela nacionalisação.

V. exa. sabe perfeitamente que nas nossas leis avultam as disposições que prescrevem os termos para quaesquer embarcações serem havidas como nacionaes, e sabe tambem que nacionaes podem ser não só os navios construidos em Portugal, como os não construidos em Portugal, desde que satisfaçam a certas e determinadas condições.

Não me referirei a todas essas disposições, nem até ás do codigo de 1833, em que se estabeleciam certos preceitos com relação ao registo de navios como portuguezes, mas não posso deixar de me reportar a um documento muito notavel que ha na nossa legislação, conhecido pelo nome de Acto geral de navegação; e de lembrar á camara as suas principaes disposições com relação ás condições em que os navios podem ser considerados nacionaes.