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Quanto ao primeiro ponto a vossa commissão, tendo ouvido o respectivo ministro, é de parecer que o praso concedido pelo § unico do artigo 1:023.° do codigo civil seja elevado a tres annos, não só porque o praso d'aquelle paragrapho é insufficiente, mas, e muito principalmente, porque o registo predial, a mais util e benefica instituição para a propriedade, deve ser executado por fórma que não seja uma lei vexatoria ou que não possa corresponder aos fins a que foi destinada.
O segundo ponto da proposta não parece admissivel. Além de ir alterar leis fiscaes por natureza genericas, em que as excepções seriam revoltantes, privaria o estado de um recurso já votado, e alem d'isso oppor-se-ia a disposições importantes da lei do registo predial que por fórma alguma devem ser alteradas. O registo predial é destinado a ser o tombo da propriedade e a prova unica dos direitos sobre ella. Os titulos admissiveis a registo devem e não podem deixar de ser revestidos de todas as formalidades legaes, e se por um lado parece onerosa a disposição de as obrigar ao sêllo, esse onus desapparece por outro lado, quando se considera que elles não eram admissiveis em juizo sem sêllo e que a disposição apenas antecipa uma formalidade, sem a qual elles seriam reputados sempre illegaes. A estas considerações acresce que a prorogação do praso attenua muito os inconvenientes a que a proposta pretende prover.
Por taes considerações é a vossa commissão de parecer que a proposta seja convertida no seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° No § unico do artigo 1:023.° do codigo civil as palavras «um anno» serão substituidas pelas palavras «tres annos».
Art. 3.° Fica revogada toda a legislação em contrario.
Sala da commissão da legislação, 10 de julho de 1868. = Antonio José da Rocha = José Maria Rodrigues de Carvalho == Carlos Vieira da Motta = Antonio Pequito Seixas de Andrade = Joaquim Antonio de Calça e Pina = Bernardo Francisco de Abranches = José Ildefonso Pereira de Carvalho = Annibal Alvares da Silva = Antonio Roberto de' Oliveira Lopes Branco = Antonio Augusto Ferreira de Mello, relator.
N.º 4-AB
Senhores. — A instituição do registo de hypothecas, direitos e encargos prediaes, estabelecida em todo o reino pela lei de 1 de julho de 1863 e regulada pelo decreto de 4 de agosto de 1864, foi sempre considerada inexequivel em muitas das suas disposições, principalmente na parte relativa ao artigo 197.° da citada lei, em que se estabeleceu o preceito de que os onus reaes não registados ao tempo da sua publicação só poderiam ser oppostos a terceiros durante o praso de um anno, a contar desde a publicação do regulamento geral que se fizesse para a sua execução.
A experiencia mostrou logo que a citada lei e regulamento tiveram principio de execução, que era materialmente impossivel registar dentro do praso de um anno milhares de onus reaes, que pesavam sobre a propriedade de todo o paiz, e n'este sentido muitas reclamações particulares e de diversas corporações o estabelecimentos de beneficencia foram dirigidas aos poderes publicos, pedindo a prorogação d'aquelle praso de tempo. Essas reclamações porém nunca tiveram logar para ser attendidas.
Veiu depois o codigo civil, que principiando a ter força de execução em 22 de março do corrente anno, acabou com o praso d'aquella lei, mas não removeu ainda a difficuldade ou antes a impossibilidade de effectuar o mesmo registo dentro do novo praso marcado pelo mesmo codigo no artigo 1:023.° § unico, onde se determina que os onus com registo posterior ao da hypotheca ou transmissão não acompanham o predio, excepto os constituidos antes da promulgação do codigo que forem registados dentro do praso de um anno, contado desde a mesma promulgação.
Esta disposição não fez mais do que prorogar o praso por outro anno, tempo este ainda insufficientissimo para poder levar-se a effeito o registo do milhares e milhares de onuos reaes, principalmente em emphyteuse e servidão, que affectam a propriedade, e com mais força na bella provincia do Minho, onde será difficil encontrar um predio que não esteja sujeito a um onus d'aquella natureza.
Elevar-se pois aquelle praso ao de cinco annos, pelo me nos, é uma necessidade palpitante e reconhecida por todos, a fim de que se torne exequivel o preceito da lei salutares 03 seus effeitos, e é essa providencia q"ue tenho a honra de propor-vos, convencido de que será ella de uma manifesta utilidade publica.
Mas alem d'isto a lei de 1 de julho de 1863 e seu regulamento de 4 de agosto de 1864 tornou o registo excessivamente vexatorio, porque estabeleceu um pesado tributo lançado sobre todo o paiz. Este grande mal, que tem impossibilitado o registo e concorrido poderosamente para um geral desgosto, foi em parte attenuado pelo regulamento de 14 do corrente mez e anno, mas não alliviou o registante do pesadissimo tributo do sêllo, a que esta obrigado pelos titulos admittidos a registo provisorio e definitivo, e nem podia fazer, porque um regulamento não póde alterar uma disposição legislativa qual é na questão sujeita, a lei do sêllo de 1 de julho de 1867.
No regulamento de 4 de setembro do mesmo anno tabella n.° 1, classe 9.ª e n.° 8; auctorisado por aquella lei determina-se que todos os documentos que não tenham sido sellados, ou que não foram escriptos, impressos lithographados ou estampados em papel sellado que tenham de se juntar n requerimentos' que' se dirijam a tribunaes ou repartições publicas de qualquer ordem que sejam, pagarão de sêllo em cada meia folha 60 réis, é quando tenham sêllo inferior pagarão a differença.
Esta disposição obriga portanto a sellar todos os titulos que podem ser admittidos ao registo provisorio ou definitivo, e que tenham sido celebrados em papel sem sêllo ou sêllo inferior anteriormente áquella lei. Estes titulos designados pelos artigos 967.° e 978.° do codigo civil, taes como cartas de sentença, autos de conciliação, certidões de deliberações do conselho de familia, escripturas, testamentos, titulos de estabelecimentos descredito predial, etc.. são por sua natureza volumosos, e alguns d'elles, como escripturas de emprazamentos, volumosissimos. Obrigar pois a sellar cada meia folha de papel d'estes documentos com o sêllo de 60 réis, é lançar em todo o paiz um pesado tributo, o difficultar senão impossibilitar para muitos a execução da lei do registo.
Para obviar pois a estes inconvenientes tenho a honra de submetter á vossa illustrada apreciação o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° Fica elevado a cinco annos o praso marcado no § unico do artigo 1:023.° do codigo civil, para os effeitos consignados no mesmo paragrapho.
Art. 2.° Ficam isentos do pagamento do sêllo estabelecido na tabella n.° 1, classe 9.*, n.° 8 do regulamento da lei de 1 de julho de 1867 todos os titulos que podem ser admittidos ao registo provisorio e definitivo, na fórma dos artigos 967.° e 978.° do mesmo codigo, e que tenham sido escriptos ou celebrados em papel sem sêllo ou sêllo inferior anteriormente áquella lei.
Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario. Sala das sessões da camara, 22 de maio de 1868. = O deputado pelo 1.° circulo de Guimarães, Antonio Alves Carneiro.
O sr. Barros e Sá: — Não tenho reflexões a fazer contra o artigo 1.°, antes pela contrario approvo-o e adopto-o; mas peço licença para em brevissimas palavras dizer o que penso a respeito do artigo 2.° do projecto primitivo do illustre deputado, o sr. Alves Carneiro, que a commissão entendeu não dever approvar.
O artigo 2.° do projecto do sr. Alves Carneiro, que sinto não ver presente, tinha por fim poderem ser admittidos a registo os documentos que foram inscriptos em papel sem sêllo na epocha em que o sêllo não era lei obrigatoria, em que não havia este imposto, ou que foram escriptos no tempo em que o sêllo era inferior em custo ao actual.
A commissão rejeitou o artigo 2.°, e eu não posso conformar-me com a rejeição d'esse artigo do projecto primitivo. Vou dar as rasões.
Em primeiro logar ha um principio de eterna justiça e equidade consignado em todas as legislações, de que as leis não têem effeito retroactivo. Querer, por exemplo, que eu, que tenho um documento escripto em papel com o sêllo de 40 réis, ou uma carta de sentença, que o vá sellar com um sêllo de 60 réis, é dar effeito retroactivo a lei até ao dia em que esse papel foi escripto.
Em segundo logar ha outro principio que determina que em todas as solemnidades extremas em documentos publicos devem ser feitos, segundo a legislação do paiz em que foram feitas. N'estas solemnidades ha de cumprir-se a lei que vigorava n'essa epocha, e bem assim no logar em que foram feitos os documentos. Por exemplo, um documento escripto ou lavrado em Portugal ha de ser feito com as solemnidades da legislação portugueza, e não com as da franceza.
Um documento escripto deve-o ser e authenticado tambem com as solemnidades que vigoraram n'essa epocha, e não com as de hoje. As solemnidades do dia de hontem va tem por esse dia e por todos os que se seguirem até á eternidade dos seculos. Querer o contrario é querer contrariar não só o principio da não retroactividade das leis, mas inaugurar um outro tão injusto como este de que os documentos devam ser feitos com as solemnidades de uma lei que não existia. Isto importa tambem uma lei tributaria.
Portanto cuido que annunciei claramente as minhas idéas, e não posso dar a ellas uma grande amplitude, porque estorvava o fim a que nos propomos; mas tomo a iniciativa do artigo 2.º do projecto primitivo, e proponho que, do pois de approvado o artigo 1.°, com o qual concordo, seja substituido ao artigo 2.° do projecto pelo artigo 2.° do sr. Alves Carneiro.
O sr. B. F. de Abranches: — As reflexões que acabou de fazer o sr. Barros e Sá são justas, e até certo ponto legaes.
A commissão não deixou de reconhecer o principio de que as leis não devem ter o effeito retroactivo, e por consequencia não deixou de reconhecer as rasões ponderadas por s. ex.ª; porém, considerando que o regulamento da lei de 1 de julho de 1867 teve por fim augmentar o imposto do sêllo, decretando a retroactividade, tanto assim que ordenou que nos documentos de sêllo inferior, quando fôssem apresentados, se pagasse o sêllo addicional, não podia, sem alterar aquelle regulamento, aceitar a disposição do artigo 2.° do projecto de lei apresentado pelo sr. deputado Alves Carneiro, renovada agora pelo sr. Barros e Sá, sem primeiro ouvir a illustre commissão de fazenda.
Sem esse parecer não podia, a commissão de legislação adoptar um. principio contrario ao que já se achava estabelecido, e que o estava não só com relação aos documentos que não tinham sêllo na epocha em que foram feitos, como tambem com relação aos documentos de sêllo inferior.
Por consequencia a camara póde votar como quizer, mas se o illustre deputado insistir em que subsista o artigo 2.° do projecto de lei apresentado pelo sr. Alves Carneiro, declaro que, por parte da commissão, requeiro que essa proposta seja remettida á commissão de fazenda, de modo que a camara não haja de emittir o seu voto sem que ai commissão de fazenda seja primeiro ouvida.
O sr. Barros e Sá: — Eu não vejo destruidos os principios em que firmei a minha opinião, porque são indestructiveis.
Não ha nada mais santo e mais justo do que o principio da não retroactividade das leis.
A rasão que apresentou o sr. Abranches é para mim incomprehensivel. Admittir o principio e ficar parado diante d'elle, porque ha um regulamento que o contraria, não é logico.
O sr. Abranches: — Não ha um regulamento, ha uma lei.
O Orador: — Não ha lei, ha um regulamento, e este póde ter a força de lei, mas foi feito em virtude de um voto. de auctorisação, o que nos deve levar a ser mais parcos em dar votos de confiança.
Em todo o caso o principio da não retroactividade é santo, justo e incontestavel, bem como o outro principio de que os documentos devem ser feitos com as solemnidades legaes que vigoram nos dias em que são feitos. O contra* rio d'isto não só é injusto, mas inconstitucional.
Admittir um principio que se reconhece santo e justo, e dizer que é necessario ouvir a commissão de fazenda é o mesmo que dizer que para dar cumprimento á constituição é preciso o voto da commissão de fazenda.
Requeiro a v. ex.ª que proponha á votação o artigo 2.°' do projecto do sr. Alves Carneiro, e a camara resolverá como entender.
O sr. Faria Barbosa: — Estou de accordo com as rasões apresentadas pelo sr. Barros e Sá, e admira-me os escrupulos do sr. relator da commissão. O sr. Abranches: — Não sou relator. O Orador: — Ou do membro da commissão, por isso. mesmo que tem um exemplo.
No judiciario ha processos ainda do primeiro sêllo, e apesar de haver uma lei que augmenta o preço do sêllo, o processo esta valido.
Já por duas ou mais vezes tem augmentado o preço do sêllo, e o processo sellado com o sêllo mais barato não deixou de continuar a valer, por consequencia apresenta-se agora uma injustiça.
Eu reconheço que é da maior justiça que a lei do sêllo novo não tenha effeito retroactivo e que se não obrigue a sellar novamente os documentos que uma lei julga legaes, e que como taes passaram em juizo.
Portanto n'esta conformidade não tenho duvida alguma em approvar o artigo 2.° do projecto do sr. Alves Carneiro.
O sr. Presidente: — Devo lembrar á camara que ha uma resolução antiga para que se não vote projecto de lei algum que possa influir na receita publica, sem que seja sobre elle ouvida a commissão de fazenda.
Portanto, se o sr. Barros e Sá insiste no seu requerimento, eu ponho á votação o requerimento do sr. Abranches para que o projecto vá á commissão de fazenda.
O sr. José de Moraes: — Eu entendo que v. ex.ª deve propor á votação o requerimento do sr. Abranches, para que o artigo 2.° do projecto do sr. Alves Carneiro vá á commissão de fazenda. Se a camara decidir affirmativamente, entendo comtudo que devemos votar este projecto tal qual esta, porque é de alta conveniencia publica, embora fique dependente, como deve ficar, da resolução da camara, o artigo 2.° do projecto do sr. Alves Carneiro;
O sr. Barros e Sá: — Eu desisto do meu requerimento, para não complicar a questão mais (apoiados).
Posto a votos o projecto, foi approvado em todos os seus artigos.
O sr. Santos e Silva (por parte da commissão de redacção): — Foi-me agora entregue uma proposta do sr. Rodrigues de Azevedo a respeito do projecto n.° 1, cujas emendas nós já discutimos, tendo sido rejeitados hontem os pareceres da maioria e da minoria.
Vejo-me embaraçado sobre se devo ou não dar collocação no projecto de lei a este additamento, porque effectivamente não sei se á vista das votações, que hontem tiveram logar, caducou ou não similhante proposta.
O paragrapho do sr. Rodrigues de Azevedo diz o seguinte (leu).
V. ex.ª e a camara reconhecem, que a commissão de redacção não tem outra cousa a fazer senão inserir convenientemente nos projectos de lei todas as propostas, que forem approvadas, áparte algum lapso grammatical, que possa haver n'ellas.
A commissão não cumpre acrescentar idéas, nem tirar idéas ás emendas, votadas pela camara. Eu desejo, como decerto todos desejam, que as leis sáiam das nossas mãos o mais perfeitas que for possivel; e que n'ellas não haja redundancias nem contradicções. Portanto entro em duvida, se, depois das votações que hontem tiveram logar, devo ou não incorporar na lei a proposta do sr. Rodrigues de Azevedo, proposta que ha dias foi approvada;
Pedia pois a v. ex.ª tivesse a bondade de provocar da camara um voto qualquer, ou uma resolução sobre isto. A commissão de redacção ha de immediatamente cumprir com o seu dever, em harmonia com as resoluções da camara.
Nada mais tenho a dizer.
O sr. Presidente: — Eu não posso dizer qual é a minha opinião; mas o que é verdade é que a commissão; sob responsabilidade sua, tem obrigação de dar um parecer para ser submettido discussão, podendo n'essa occasião apresentasse qualquer duvida que a camara tenha Mas esta discussão só póde ter por base o parecer da commissão de redacção.
O sr. Santos e Silva: — A commissão de redacção, sem ouvir o voto ou a opinião da camara sobre esta moção, - não esta habilitada para podér redigir um parecer a este respeito. Se v. ex.ª não quer consultar a camara n'este sentido, ou não quer provocar uma resolução; eu desde já declaro que não posso tomar conta da emenda, e v. ex.ª tem de nomear outra commissão de redacção para dar um pa-