O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 1468

1468

CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS.

SESSÃO EM 9 DE MAIO DE 1864

PRESIDENCIA DO SR. CESARIO AUGUSTO DE AZEVEDO PEREIRA

Secretarios os srs.

Miguel Osorio Cabral

Antonio Carlos da Maia

Chamada — Presentes 60 srs. deputados.

Presentes á abertura da sessão — Os srs. Adriano Pequito, Annibal, Vidal, Abilio, Soares de Moraes, Ayres de Gouveia, Sá Nogueira, Quaresma, Brandão, Gouveia Osorio, Ferreira Pontes, A. Pinto de Magalhães, Pinheiro Osorio, A. de Serpa, Magalhães Aguiar, Palmeirim, Freitas Soares, Abranches, Almeida e Azevedo, Beirão, Bispo Eleito de Macau, Ferreri, Cesario, Cypriano da Costa, Poças Falcão, Abranches Homem, Diogo de Sá, Borges Fernandes, F. L. Gomes, F. M. da Costa, F. M. da Cunha, Pereira de Carvalho e Abreu, Medeiros, Mendes de Carvalho, J. A. de Sousa, Sepulveda Teixeira, Torres e Almeida, Mello e Mendonça, Neutel, Galvão, Alves Chaves, Figueiredo Faria, Costa e Silva, Frasão, Alvares da Guerra, José de Moraes, Gonçalves Correia, Julio do Carvalhal, Levy Maria Jordão, Martins de Moura, Alves do Rio, Manuel Firmino, Sousa Junior, Murta, Pereira Dias, Miguel Osorio, Modesto Borges, Ricardo Guimarães, R. Lobo d'Avila, Thomás Ribeiro e Visconde de Pindella.

Entraram durante a sessão — Os srs. Garcia de Lima, Braamcamp, Carlos da Maia, Eleutherio Dias, Seixas, Arrobas, Fontes Pereira de Mello, Mazziotti, Mello Breyner, Pinto de Albuquerque, Lopes Branco, A. V. Peixoto, Zeferino Rodrigues, Barão de Santos, Barão da Torre, Barão do Vallado, Barão do Rio Zezere, Garcez, Carlos Bento, Cyrillo Machado, Almeida Pessanha, Domingos de Barros, Fernando de Magalhães, Bivar, Barroso, Coelho do Amaral, Izidoro Vianna, Bicudo Correia, Cadabal, Gaspar Pereira, Gaspar Teixeira, Henrique de Castro, Blanc, Silveira da Mota, Sant'Anna e Vasconcellos, Gomes de Castro, Mártens Ferrão, J. J. de Azevedo, João Chrysostomo, Nepomuceno de Macedo, Aragão Mascarenhas, Albuquerque Caldeira, Calça e Pina, Joaquim Cabral, Matos Correia, Rodrigues Camara, J. P. de Magalhães, Faria Guimarães, Lobo d'Avila, Sette, Fernandes Vaz, Luciano de Castro, Sieuve de Menezes, Menezes Toste, Oliveira Baptista, Mendes Leal, Camara Leme, Freitas Branco, Rocha Peixoto, Mendes Leite, Pinto de Araujo, Monteiro Castello Branco, Placido de Abreu, Fernandes Thomás e Teixeira Pinto.

Não compareceram — Os srs. Affonso Botelho, A. B. Ferreira, Correia Caldeira, Gonçalves de Freitas, Lemos e Napoles, Antonio Pequito, Pereira da Cunha, David, Barão das Lages, Oliveira e Castro, Albuquerque e Amaral, Pinto Coelho, Claudio Nunes, Conde da Azambuja, Conde da Torre, Drago, F. F. de Mello, Fernandes Costa, Ignacio Lopes, Gavicho, Pulido, Chamiço, Guilhermino de Barros, Costa Xavier, Fonseca Coutinho, Ferreira de Mello, Coelho de Carvalho, Simas, Veiga, Gama, Infante Pessanha, D. José de Alarcão, Casal Ribeiro, Latino Coelho, Rojão, Batalhós, Camara Falcão, Affonseca, Alves Guerra, Sousa Feio, Charters, Moraes Soares, Simão de Almeida e Vicente de Seiça.

Abertura — Á uma hora da tarde.

Acta — Approvada.

EXPEDIENTE

1.º Uma declaração do sr. Sepulveda Teixeira, de que o sr. Affonso Botelho não comparece á sessão de hoje por motivo de doença. — Inteirada.

2. Do sr. Cyrillo Machado, de que não compareceu na sessão de sabbado por incommodo de saude. — Inteirada.

3.º Um officio do ministerio do reino, acompanhando a copia, pedida pelo sr. Ayres de Gouveia, da consulta do conselho geral de instrucção publica de 21 de julho do anno passado, sobre o programma do ensino na academia polytechnica do Porto. — Para a secretaria, e mandado publicar no Diario de Lisboa.

4.º Do mesmo ministerio, devolvendo, informado, o projecto de lei do sr. Almeida e Azevedo, para se conceder á camara municipal de S. Pedro do Sul o estabelecimento de banhos situados na villa do Banho do mesmo concelho. — Á commissão de fazenda.

5.º Uma representação da camara municipal da Guarda, pedindo a approvação do projecto de lei para a construcção do caminho de ferro da Beira. — Á commissão de obras publicas.

6.º Da camara municipal de Pinhel, no mesmo sentido que a antecedente. — Á mesma commissão.

7.º Da camara municipal de Almeida, no mesmo sentido que as antecedentes. — Á mesma commissão.

8.º Da camara municipal de Pinhel, pedindo a concessão de uma casa pertencente á fazenda nacional, para n'ella estabelecer a aula de primeiras letras. — Á commissão de fazenda.

9.º Da camara municipal de Satam, pedindo que a ex-villa do Tojal seja elevada a cabeça do concelho. — Á commissão de estatistica.

EXPEDIENTE

A QUE SE DEU DESTINO PELA MESA

REQUERIMENTOS

1.º Requeiro que, pela secretaria da guerra, seja enviado a esta camara o requerimento de Luiz de Albuquerque, de Fornos de Algodres, em que pedia ser reformado em alferes, e que na sessão do anno passado foi mandado informar á secretaria da guerra. = Fernandes Vaz.

2. Requeiro que, pela secretaria d'estado dos negocios do reino, se peça ao governo copia do relatorio e, parecer da commissão especial creada na cidade do Porto para estudar e propor o modo mais conveniente de continuar as obras da academia polytechnica daquella cidade, removendo os obstaculos que encontrasse. = Faria Guimarães = Ayres de Gouveia.

3.º Requeiro que, pelo ministerio da fazenda, se peçam governo a nota do numero de remissões requeridas pelos foreiros, a quem eram permittidas, em virtude da carta de lei de 4 de abril de 1861, e qual a importancia das effectuadas; e bem assim do numero total dos fóros remíveis pela mesma lei e da sua importancia, segundo as respectivas avaliações. = Faria Guimarães.

Foram remettidos ao governo.

O sr. /Secretario (Miguel Osorio): — Na ultima sessão mandou o sr. Faria Guimarães para a mesa um mappa da frequencia dos alumnos da escola industrial do Porto, desde o seu começo até hoje, requerendo que seja publicado no Diario de Lisboa. Vae votar se o requerimento do sr. deputado.

Resolveu-se que se publicasse no Diario de Lisboa.

E o seguinte:

Mappa de frequencia da escola industrial do Porto desde o seu começo até hoje

[Ver diário original]

O sr. Ayres de Gouveia: — Estimo que viesse finalmente á camara a consulta do conselho geral de instrucção publica ácerca da escola polytechnica do Porto, pedida por mim ha tantos mezes embora sinta que fosse enviada sómente quando um outro illustre deputado fez tambem um requerimento para ella vir.

O meu pedido tinha estado esquecido durante tres mezes, e não sei a que attribuir este esquecimento. Faço reparo apenas no facto que me parece um pouco singular, mas faço-o sem nenhum animo de censura, porque não posso nem devo censurar nesta casa individuo algum que não tenha aqui voz para defender-se.

O sr. José de Moraes: — Não foi por falta de consideração.

O Orador: — Tambem creio que não foi por falta de consideração commigo, como diz o illustre deputado por Arganil, mas foi um esquecimento ou descuido, que noto com certo menosprazer.

Quando foi pedida esta consulta ha tres mezes, tinha eu tanto empenho, sem duvida, como tenho hoje, em que ella viesse á camara, mas vejo que só foi enviada quando um outro sr. deputado a pediu; e é este facto um tanto singular, que eu não imagino a que deva attribuir.

O sr. Secretario (Miguel Osorio): — No officio diz-se que é remettida a pedido de v. ex.ª

O Orador: — Sei isso, não o nego, que ouvi muito bem a conta que v. ex.ª acabou de dar no expediente, mas releve-se-me pôr bem claro na memoria e com certa estranheza o facto de sómente vir quando um illustre deputado por Coimbra a pediu, não obstante have-la eu requerido ha tanto tempo, e instado por ella segunda vez.

Aproveito esta occasião para mandar para a mesa a nota do movimento do lyceu nacional do Porto, relativa ás matriculas e frequencia de alumnos n'aquelle lyceu, e ao seu rendimento annual, e peço para que v. ex.ª tenha a bondade de a mandar publicar no Diario de Lisboa. Com ella se podem confrontar os resultados de todos os outros lyceus do reino, e conhecer-se qual d'elles o mais benefico á instrucção publica.

A urgencia de construir-se o lyceu nacional do Porto acha-se cada vez em mais patente luz, e é necessario que os poderes publicos se incumbam de dar remedio ao presente estado, que é para lastimar-se.

Sei que o sr. ex ministro do reino, talvez porque viu com os seus olhos o estado quasi vergonhoso do antigo edificio consagrado ao lyceu, tinha já elaborado uma proposta para trazer a esta camara, a fim de ser contrahido um conveniente emprestimo com as mais justas condições para a edificação dos novos lyceus de Lisboa e Porto. Não assevero peremptoriamente, mas tenho boas rasões para presumir que o actual sr. ministro do reino concorda nas mesmas idéas, e seria muito para louvar que quanto antes se apresentasse a proposta n'esta casa, para poder ainda discutir-se e approvar se.

Não pedimos de modo algum que o lyceu do Porto esteja n'um vasto e grandioso edificio, mas queremos que seja o indispensavel e o necessario, para que não ande, como acontece actualmente, acantoado por casas particulares, alugadas por subido preço, sem as commodidades necessarias para completo aproveitamento dos estudos, mau grado o zêlo e incansavel dedicação do seu dignissimo reitor e dos seus collegas professores, que todos buscam rivalisar em desvelos na instrucção dos alumnos. Não tenho palavras condignas ao louvor que merecem, salvando o edificio em que professam com o seu muito fervor pelo progresso do ensino. Ao passo que em Aveiro avulta um bello lyceu, ao passo que em outras partes se gasta largamente com os edificios de instrucção publica, o Porto está completamente descurado. Parece que um mau fado o persegue, e que ha proposito firme e teima occulta de o desconsiderar.

Mando tambem uma nota dos alumnos que frequentaram a escola medico-cirurgica do Porto, e concluiram o seu curso nos ultimos annos n'ella indicados. E uma pequena nota que peço seja publicada no Diario de Lisboa, porque sente-se que esta guerra surda até agora feita aos estabelecimentos de instrucção superior do norte vae tomando mais vulto. Digo isto francamente e sem rebuço, porque não temo a luta ás claras, e porque neste assumpto me não importa com a politica.

Já outro dia tive o gosto de ouvir, com a muita consideração que me merece sempre, o illustre deputado que está presente, representante do circulo da Pesqueira, lamentando com alguma exageração as muitas faculdades que tinhamos para o estudo da medicina. Tres faculdades, disse elle, n'um paiz tão pequeno, e cuja facilidade de communicações vae crescendo de dia a dia.

Não sei se querem acabar com alguma d'estas tres facul-

Página 1469

1469

dades; mas o que sei é que a dever-se acabar alguma, deve com justiça ser aquella que é a menos frequentada e que menos individuos apresenta habilitados para o exercicio da profissão (apoiados).

Se nós hoje estamos com uma tendencia exagerada e nociva para a centralisação em todos os ramos administrativos, eu ainda sou de opinião contraria, e espero em Deus que o continuarei a ser, porque se nos citam em abono da sua opinião a França, eu cito-lhes a Inglaterra, que a todos os respeitos e em todos os progressos sociaes prefiro totalmente aquella. Quando nos vierem dizer que na capital do imperio francez estão accumulados todos os estabelecimentos de instrucção publica, para que sigamos a mesma organisação, lembrar-lhes-hei em contrario a Belgica, como todos sabem, e tambem que em Inglaterra é, em Edimbourg, em Oxford e em Cambridg, que se acham estes estabelecimentos superiores de instrucção, e não em Londres. Eu sou descentralisador (apoiados).

Mando a nota para a mesa, a fim de ser impressa no Diario de Lisboa, para que a frequencia da escola medico-cirurgica do Porto se confronte com a de Lisboa, e depois digam se os professores da escola do Porto são menos dignos do que os da escola de Lisboa, e se se deve ir convidar os estudantes da escola do Porto para irem frequentar a de Lisboa.

O sr. José de Moraes: — Dispensando-se-lhes os exames.

O Orador: — O Porto é tranquillo e digno, como acaba de mostrar nas suas representações, porque está sempre cuidando da industria, do commercio e das artes que são proficuas ao paiz; mas não quer de modo algum ser defraudado, e sobretudo no ramo da instrucção publica (apoiados).

Faço apenas estas breves considerações á camara para não tomar muito tempo. Não vale a pena de estar com grandes discursos quando a materia é de si clarissima. Cuidado com aquella liberal cidade!

Sobre a construcção do edificio para a escola medico-cirurgica, que anda acantoada por um hospital sem os indispensaveis laboratorios, sem a conveniente capacidade nas diversas aulas e no respectivo theatro anatómico; emfim sem nenhuma das mais indispensaveis condições para a boa regularidade do estudo, é mister que o governo cuide quanto antes. Já é tempo de remediar todos estes desleixos.

O que muito vale no meio de tudo isto, e cumpre redize-lo sempre, é a muita solicitude e summo zêlo de todos os illustres professores tanto no lyceu como na escola polytechnica e na escola medico-cirurgica; e só a sua infatigabilidade é que faz com que no serviço publico tenha havido o aproveitamento que felizmente tem havido, e com o que folgam todas as provincias do norte.

Por agora nada mais acrescentarei ácerca dos edificios de instrucção no Porto.

Mando por esta occasião para a mesa uma nota da commissão de instrucção publica, para que uma representação, dirigida a esta camara pelos substitutos extraordinarios das faculdades academicas da universidade de Coimbra, vá á illustre commissão de fazenda, a fim de interpor o seu esclarecido parecer.

Finalmente desejava dever a algum dos membros da illustre commissão de guerra, que estivesse presente, o favor de me dizer qual o andamento que tem tido na respectiva commissão uma representação mandada ao parlamento na legislatura de 1860 pelos officiaes dos extinctos batalhões nacionaes, moveis e fixos organisados no Porto em 1832. A representação no principio deu um grande resultado, que foi a carta de lei de 14 de agosto de 1860; mas desejava saber a rasão por que tinham ficado de parte estes dignos officiaes que têem tanto ou mais direito do que os outros, aos quaes aquella lei aproveitou; e qual o andamento que tem tido na commissão a justa pretensão d'estes. Noto que a lei beneficiou aquelles que tinham tido praça em 1833, emquanto que estes já em 1832 estavam com as armas na mão defendendo no Porto as nossas liberdades.

Não cansarei por mais tempo a camara.

Os mappas a que se referiu o sr. deputado são os seguintes:

[Ver Diário original]

O sr. Presidente: — Vae passar se á primeira parte da ordem do dia; os srs. deputados que quizerem mandar para a mesa algum requerimento ou representação podem faze-lo.

O sr. Beirão: — Mando para a mesa um projecto de lei, a fim de se concederem graus academicos aos filhos das escolas medico-cirurgicas de Lisboa e Porto.

Não direi por agora mais nada, reservando-me para quando entrar em discussão fazer as observações opportunas, pedindo comtudo a v. ex.ª que queira consultar a camara se permitte que elle seja impresso no Diario de Lisboa.

O sr. M. Firmino: — Mando para a mesa uma representação que fui encarregado de apresentar aqui. O signatario d'ella é um homem gasto no serviço da patria, um dos bravos do Mindello, um dos mais valentes soldados do senhor D. Pedro IV, sempre seu companheiro e amigo, e hoje, por força de circumstancias, senão pela in justiça dos homens, reduzido á mais precaria situação. Fallo do sr. José Moreira Barreirinha, meu patricio e meu amigo.

Pede elle que se melhore a classe a que pertence — veteranos da liberdade, e pede pouco quem tem incontestavel direito para pedir mais.

Na sessão que corre, e que está proxima a terminar, não será já possivel dar expediente a este negocio. Na futura creio que ha de fazer-se justiça completa a quem com tanto direito a reclama.

É esta uma divida a pagar, um credito a solver; e quem como nós tem pago e solvido tantas, não se ha de negar á satisfação de mais uma.

Creio-o piamente. V. ex.ª dignar se ha dar á representação, que mando para a mesa, o destino conveniente.

O Sr. Thomás Ribeiro: — Mando para a mesa o seguinte requerimento (leu).

O sr. ministro do reino, quando fez favor de responder a uma nota de interpellação que sobre este mesmo motivo eu tinha apresentado, disse que havia de mandar proceder

á syndicancia pelos actos praticados pelo administrador do concelho de Castello de Paiva.

Consta-me agora extra-officialmente, mas por boa via, que essa syndicancia chegou á secretaria, e por isso julgo que da parte do sr. ministro não haverá duvida alguma em a mandar á camara, e eu pedirei depois para ser publicada no Diario de Lisboa.

Aproveito esta occasião para mandar para a mesa mais uma representação a respeito da conveniencia de se fazer o mais breve possivel o caminho de ferro da Beira.

Já tenho mandado outras representações de camaras municipaes daquella provincia, e acaba de me chegar mais outra representação da camara municipal do concelho de Ceia.

Escuso de acrescentar o que já tenho dito por mais de uma vez, a respeito da justiça de se attender a este pedido, e por isso limito-me a rogar a v. ex.ª que mande dar a esta representação, assim como ás outras, o destino conveniente.

O sr. Barão do Vallado: — Mando para a mesa um projecto da lei.

O sr. Presidente: — Vae ter logar a interpellação que foi annunciada ha tempo, pelo sr. Francisco Luiz Gomes, ao sr. ministro da marinha; e para esse fim tem a palavra o sr. deputado.

O sr. F. L. Gomes: — Agradeço ao nobre ministro da marinha a bondade que teve de vir responder á minha interpellação; s. ex.ª deu n'isto uma prova de respeito aos verdadeiros principios constitucionaes, e de quanto é exemplar em concorrer, pela parte que lhe toca, para que a responsabilidade ministerial seja uma realidade, e a acção dos deputados se exerça efficazmente. Folgo com essas homenagens prestadas aos bons principios, venham ellas d'onde vierem.

Não costumo ser violento nas minhas interpellações nunca o tenho sido, e muito menos o posso ser n'esta em que tenho de me referir a um cavalheiro, o nobre visconde de Torres Novas, que se acha ausente do paiz, e por quem tenho o respeito que merecem os seus longos serviços; não farei mais do que citar os factos e as leis que, na minha opinião, foram evidentemente violados, e sujeitarei todas as apreciações á imparcialidade e esclarecido discernimento da camara.

Vê-se portanto que a minha tarefa é facil é simples. Ha muito tempo que a imprensa de Goa accusa a junta de fazenda e o nobre conde de Torres Novas de abusos de poder e arbitrariedade. Confesso á camara e aos meus constituintes que fui difficil em acredita-los, porque me parecia impossivel que aquelle cavalheiro se desviasse tanto dos bons principios.

Infelizmente hoje as provas são tão claras, os documentos que possuo são tão authenticos, que não posso hesitar em affirmar á camara que é irregular o modo por que os negocios publicos estão correndo na India portugueza, de maneira que me vejo obrigado a levantar a minha voz n'esta casa, e pedir ao nobre ministro da marinha que trate de pôr termo a essas irregularidades que vão crescendo todos os dias.

A minha interpellação, como foi annunciada, divide se em duas partes; na primeira trato das despezas illegaes auctorisadas pela junta de fazenda de Goa, e na segunda dos arrendamentos da provincia de Satary.

A junta de fazenda de Goa, por uma simples acta de 31 de dezembro de 1863, augmentou os vencimentos dos officiaes militares de Goa.

E facil de ver que isto é um acto legislativo, e tanto assim que o sr. ministro da marinha, que tambem pretendeu fazer estes augmentos, trouxe a esta casa uma proposta n'este sentido, que está pendente.

E verdade que os governadores das provincias ultramarinas podem, em casos urgentes, legislar na conformidade com o acto addicional, mas o decreto} com força de lei, de 14 de agosto de 1856, especificou quaes eram os casos urgentes, em que os governadores podiam legislar, e quaes o não eram, e entre estes está classificado o augmento de vencimentos. Está portanto fechada a porta ao arbitrio e ás interpretações latas.

Quando mesmo porém o governador entendesse que os augmentos de vencimentos de que se trata era um caso urgente, não eram aquellas as formas a seguir; era o conselho do governo, e não á junta de fazenda, que é um corpo inteiramente diverso, quem devia adoptar as providencias, discutir primeiro a urgencia d'ellas, e depois a sua conveniencia ou inconveniencia.

Nada d'isto se fez, nenhumas formas se guardaram, houve invasão completa das attribuições do poder legislativo. Não posso acreditar que essa acta fosse feita unicamente para ser publicada, e sem nenhum mais effeito. Este artificio é improprio de uma junta.

Por outra acta de 28 de dezembro de 1861, a junta de fazenda deu gratificações a todos os militares residentes na capital, a titulo de renda de casas.

Este augmento não estava nem foi auctorisado pelos orçamentos ultimamente approvados, nem por alguma lei feita depois d'estes.

Inda houve mais.

No anno passado o poder legislativo reprovou este augmento, e parece-me, não o afianço, que a junta continuou a fazer este abono, ainda depois de lhe constar officialmente a reprovação; por consequencia houve não só infracção, mas escarneo dos poderes publicos.

O decreto de 28 de setembro de 1838 declara, e n'esta parte não está revogado, que = a junta de fazenda não póde mandar fazer nenhuma despeza não auctorisada, e quando se veja obrigada a fazer despezas extraordinarias são estas votadas pelo conselho do governo e depois pela junta de fazenda =.

Em 1859 o governador geral da India foi visitar as praças de Damão e Diu, e por esta occasião demorou se, não sei se dois ou tres dias em Bombaim.

O decreto, com força de lei, de 17 de dezembro de 1856, (vejo-me obrigado a citar leia a cada passo) dá aos governadores geraes de Goa, quando estiverem n'essa visita, 12$000 réis fortes por dia, porém a junta de fazenda, apesar d'esta terminante disposição da lei, abonou mais de 27$000 réis fortes.

Ora o vapor era que o nobre conde tinha feito a sua viagem para Bombaim, fôra offerecido por lord Elphinstone, governador geral da India ingleza; mas depois da viagem declarou o ar. conde que = apesar d'aquelle offerecimento tinha sido obrigado a fazer algumas despezas =; e a junta de fazenda entendeu, e entendeu bem, que devia s. ex.ª ser indemnisado d'essas despezas, e pagou lhe por este titulo 530 rupias, quantia que o mesmo governador affirmára então ser pequena comparada com as grandes vantagens que da sua visita a Bombaim resultaram para o estado. Um ou dois annos depois o sr. conde solicitou do ministerio da marinha e ultramar, que fosse indemnisado das despezas feitas na sua viagem para Bombaim e daquellas feitas em hospedar ha estrangeiros, principalmente por occasião da exposição do corpo de S. Francisco Xavier; e pelo ministerio da marinha foi expedida a portaria de 30 de janeiro de 1863, mandando pagar ao nobre conde de Torres Novas 2:4000000 réis fortes pelos motivos por elle allegados.

D'esta simples exposição se vê que na primeira parte (aquillo que diz respeito á indemnisação das despezas em visitas ás possessões inglezas), parece que houve um equivoco, do qual resultou uma duplicação do pagamento (apoiados). Não se podia dizer que as 530 rupias eram poucas, comparadas com as vantagens que da alludida visita colheu a nação portugueza, sem estar esta conta completamente saldada (apoiados).

Quanto á segunda parte, que diz respeito ás despezas de hospedar os estrangeiros, devo dizer á camara que é um pagamento novo na India portugueza.

Durante o governo do nobre conde de Torres Novas não tem ido á India mais estrangeiros, que foram no tempo de seus predecessores, nem mesmo por occasião da exposição do corpo de S. Francisco Xavier, em que eu estava na India e tambem o meu collega o sr. Mendonça, que foi até membro da commissão preparatoria dos trabalhos da exposição.

Página 1470

1470

O sr. conselheiro Pestana viu-se obrigado a hospedar o ministro francez Lagrenè, o general Outran, com toda a sua comitiva, e por este titulo não pediu cousa alguma; porque aquelle conselheiro entendeu, honra lhe seja, que no seu ordenado, taxado em 4:800$000 réis fortes, muito mais do que recebe um ministro da corôa, haviam já sido tomadas em conta estas despezas. Assim como fez o sr. Pestana, fizeram tambem os seus predecessores.

Longe de mim, pugnando para que a junta de fazenda cumpra a lei, duvidar da honestidade dos membros d'ella (apoiados); e do seu presidente, o sr. conde de Torres Novas, sobre quem principalmente recáe a responsabilidade dos actos que acabo de referir; não posso porém admittir que algumas despezas, a que s. ex.ª é obrigado na qualidade de governador geral da India, sejam pagas pela fazenda de Goa, nem posso acompanhar a junta no caminho errado, em que está, de auctorisar despezas illegaes.

Ora estas quantias parece-me bem pequenas, e na verdade o são; mas a questão é da infracção da lei (apoiados); e a infracção é sempre condemnavel, quer diga respeito a 1:000$000 réis como a 20:000$000 réis. Mas diga-se: réis 2:400$000 fortes para a riqueza europea não é muito; mas para a pobreza indiana é alguma cousa.

Com 2:400$000 réis sustentam-se em Goa sessenta professores de instrucção primaria; vê portanto a camara com esse dinheiro quantas intelligencias se podiam allumiar, e quanto se poderia adiantar na civilisação!

Mas não são só estes factos, não são só estas illegalidades commettidas pela junta de fazenda. Basta ver os documentos, que acompanharam o orçamento ultimo da India portugueza, para fazer idéa da anarchia em que estão as finanças d'aquelle paiz. Estes documentos constituem um processo completamente instruido contra a junta de fazenda.

Eu tirei uma nota desde 1861. Não é completa, nem fatigarei a camara com a leitura d'ella; mas lerei algumas verbas, e com a leitura d'ellas e com o conhecimento de todos os factos, que tenho apontado, habilitarei a camara para pronunciar ácerca d'este assumpto o seu juizo seguro e imparcial (leu). Nota das infracções do lei praticadas pela junta de fazenda de Goa

Augmentou as forragens dos officiaes montados (acta de 7 de novembro de 1860).

Augmentou os vencimentos do escrivão da imprensa (acta de 6 de agosto de 1862).

No orçamento estavam votados 240 réis como gratificação para quatro amanuenses da secretaria.

A junta permittiu que um amanuense accumulasse tres gratificações, porque com isso não havia augmento de despeza (acta de 18 de maio de 1861).

Abonou ao sr. arcebispo 16:000 xerafins por uma simples affirmativa d'este prelado, de que o sr. ministro da marinha lhe assegurava que havia ter o mesmo ordenado que tiveram os seus antecessores.

Augmentou as congruas aos missionarios, dizendo-se auctorisado para isso por portarias regias (actas de 14 de fevereiro de 1863 e 28 de novembro de 1860).

Deu gratificação forte aos capitães da guarda municipal, quando mesmo pertencessem ao exercito da India (acta de 16 de janeiro de 1861).

Deu uma forragem ao commandante da gente do sonodo (acta de 20 de outubro de 1862).

Creou ordenado para o hortelão do Cabo (acta de 7 de março de 1860).

Augmentou os vencimentos do praticante do hospital de Damão (acta de 17 de setembro de 1862).

Elevou a despeza votada para o correio de Diu (portaria da junta de 13 de agosto de 1859).

Augmentou os vencimentos do servente da alfandega de Assoluá (acta de 29 de março de 1862).

Creou um porteiro para a casa da relação (acta de 18 de junho de 1861).

Deu gratificações aos interpretes que servem nos juizos de Goa (acta de 19 de fevereiro de 1862).

Mandou pagar soldos de 1.ª linha aos officiaes da 4.ª secção (actas de 13 de dezembro de 1862 e 3 de maio do mesmo anno).

Deu forragens aos officiaes superiores collocados na 2.ª secção (acta de 22 de setembro de 1860).

Abonou uma gratificação mensal de 100 xerafins ao brigadeiro (acta de 22 de novembro de 1862).

Augmentou o ordenado do porteiro da escola mathematica (acta de 26 de julho de 1862).

Mandou abonar ás praças europeas, pertencentes ao deposito disciplinar e aos degradados, 20 réis fortes diarios (acta de 10 de maio de 1862).

No orçamento estão votadas tres gratificações a tres praticantes da secretaria do governo. Aconteceu que dois praticantes foram promovidos a amanuenses; o que fez a junta? Quiz que o terceiro accumulasse as gratificações dos outros, e a rasão que a junta dá é curiosa; é porque não augmenta a despeza, nem ha alteração no orçamento. Por este modo se houvesse a infelicidade de desapparecer o exercito e ficar só o capitão, este venceria toda a somma votada para o exercito inteiro, porque não havia augmento de despeza.

Uma voz: — Muito feliz devia ser este capitão.

O Orador: — De certo, por sobreviver á mortandade geral e por arrecadar tão grande espolio.

Abonou tambem a junta 600$000 réis fortes ao sr. arcebispo de Goa. Ora, o sr. arcebispo quando chegou á India devia vencer apenas 2:000$000 réis, e os seus antecessores 2:600$000 réis. Declarou s. ex.ª que, quando deixou Portugal, o sr. ministro da marinha lhe assegurou que havia de vencer o mesmo ordenado que os seus antecessores; e a junta não quiz esperar mais. Resolveu que se lhe pagasse immediatamente o ordenado de 2:600$000 réis, dizendo que B. ex.ª não era capaz de faltar á verdade.

Na realidade 2:000$000 réis era muito pouco para o sr. arcebispo de Goa; e eu fui um dos membros da commissão do ultramar que mais concorreram para que se lhe desse este augmento, porque grandes despezas tem a fazer este prelado, mas a junta é que não estava auctorisada para lh'os dar sem haver uma lei.

Augmentou tambem as congruas aos missionarios, dizendo-se auctorisada para isso por uma portaria. O sr. ministro da marinha quiz este anno augmentar, com uma insignificante quantia, a verba destinada para os missionarios do Singapura, trazendo uma proposta á camara para este fim; e a junta de fazenda de Goa augmentou as congruas aos missionarios que ella entendeu que eram dignos d'isso.

Deu tambem gratificações em moeda forte aos capitães do exercito da India, que serviram na guarda municipal. Esta guarda municipal é composta de praças europeas, que vencem os seus soldos em moeda forte. Entendeu pois a junta que, vencendo os soldados os seus soldos em moeda forte e os officiaes em moeda fraca, haveria desharmonia, e portanto mandou pagar as gratificações aos officiaes em moeda forte.

Esta nota é muito extensa; não leio toda, mandala-hei ao Diario. O que tenho lido é bastante para provar como anda a gerencia da fazenda publica no estado da India. Passo pois á segunda parte, que é tambem um acto da junta de fazenda.

Em 1862 apresentaram-se a junta de fazenda de Goa alguns estrangeiros, pretendendo terrenos para ensaiarem a cultura do algodão. A junta concedeu-lhes immediatamente sessenta milhas quadradas. Ora sessenta milhas quadradas é quasi a decima sétima parte do territorio total da India; de maneira que a junta, de seu motu proprio, e em contravenção da lei, alheou uma tão consideravel parte de territorio portuguez.

Eu tenho na minha mão os termos do arrendamento, e tambem a lei. Basta comparar as condições desse arrendamento com a lei, para se ver quantas vezes ella foi violada e infringida. Estes termos vieram remettidos a esta camara, a requerimento meu, no fim da sessão passada; não pude então verificar a minha interpellação, porque era tarde, e não o fiz no principio d'esta sessão, porque ouvi dizer que este negocio ía ser trazido á camara. Esperei em vão.

As condições do arrendamento são estas:

Arrendaram-se aquellas terras por cem annos, e a lei de 21 de agosto de 1856 só permitte vendas e emprasamentos. A concessão foi feita pela junta, e a mesma lei determina que as concessões devam ser feitas pelo governador e conselho. Não houve hasta publica, quando uma das condições essenciaes exigidas pela lei é que estes aforamentos sejam feitos em hasta publica. Não houve medição, e a lei é previdentíssima a este respeito, pois manda que vá um engenheiro, que este engenheiro faça um auto, que n'este auto se marquem os limites e as confrontações, que de uma e outras se dê conhecimento aos interessados por meio de annuncios publicos para irem allegar o que tiverem que oppor no acto da medição.

Ora, nos arrendamentos de que se trata não houve isto. Tanto as confrontações como os limites são marcados por um modo singular e novo.

Concedeu tambem a junta aos arrendatarios o privilegio de não pagarem renda por espaço de cinco annos, clausula esta que tambem é opposta á letra da lei.

Nem a junta de fazenda nem o governador podem alienar aos estrangeiros senão até cem hectares; e quando as pretensões excedam a cem hectares, só podem ser resolvidas pelo governo, ouvido o conselho ultramarino.

Ficou tambem obrigado o governo a ter em bom estado a estrada que vae das terras arrendadas a Lanquelim. Ora, eu fallo n'esta condição, porque ella é exactamente o contrario do que a lei determina. A lei obriga os donos dos terrenos aforados a terem, em bom estado as estradas vicinaes, e no caso sujeito o governo é quem ficou obrigado a um encargo similhante.

Entre as condições do contrato vem uma, que deve ter graves e tristes consequencias para o futuro. Prometteu-se solemnemente a segurança da propriedade. Ora, os estrangeiros devem contar com a mesma segurança que a carta constitucional permitte aos nacionaes; e esta condição do contrato, posta de proposito, é um direito á creação de longas e grossas indemnisações, o que é muito importante n'uma provincia habitada por gente de indole sediciosa, que se tem revoltado n'este seculo muitas vezes, e que começam sempre as suas insurreições talando os campos e queimando as casas. Uma condição d'esta ordem, n'uma provincia d'esta indole, é o pretexto ou direito para grossas indemnisações que muitas vezes, não tendo força propria, se vão acobertar com o manto das nacionalidades para se tornarem mais imponentes. Sobejos exemplos havemos tido.

Deu-se immediatamente posse dos terrenos arrendados, não se esperou pela approvação. Não tenho expressões para qualificar este procedimento.

Ora, a falta de medição era facil de conceber á priori que devia dar logar a contestações. Não passaram seis mezes que as contestações surgissem, e o governador geral viu-se obrigado a ir com força armada para as suffocar. Elle mesmo confessa e diz que = póde sem o uso da força acalmar os animos e acabar com as contestações =. Mas se houvesse uma medição, como manda a lei, ter-se iam evitado estas contestações que em toda a parte são funestas, e que principalmente n'aquella provincia se deviam evitar.

Um dos ajudantes de ordens do governador tambem arrendou um vasto terreno, e depois vendeu, segundo ouvi, o seu contrato a um estrangeiro.

Ora, a lei de 1856 dá certa preferencia aos europeus quando querem aforar ou comprar baldios nas provincias ultramarinas, com o fim de promover a colonisação; o que não póde ali querer nunca é que aquelles que requeressem os terrenos e os conseguissem favorecidos pela lei, depois os alheassem aos estrangeiros (apoiados).

Está terminada a minha interpellação: eu faço as seguintes perguntas ao sr. ministro da marinha:

1.ª Qual é a sua opinião ácerca d'estas arbitrariedades ou excessos das attribuições commettidas pela junta de fazenda da India?

2.ª Qual é a lei em que s. ex.ª se fundou para mandar pagar ao governador geral 2:400$000 réis como indemnisação das despezas feitas em visitar Bombaim, e em hospedar os estrangeiros por occasião da exposição do corpo do venerando S. Francisco Xavier?

3.ª Qual é a opinião de s. ex.ª em relação aos arrendamentos de Satary, quaes as providencias que tem tomado a este respeito?

Espero a resposta de s. ex.ª, e então pedirei a palavra se entender que é preciso.

O sr. Ministro da Marinha (Mendes Leal): — Começarei diligenciando dar prompta e categorica resposta ás perguntas com que s. ex.ª terminou a sua interpellação.

No que toca á abonação feita de uma quantia limitada, e por uma só vez, ao governador geral dos estados da India, em consequencia das despezas extraordinarias a que fôra obrigado aquelle magistrado, por occasião da exposição do corpo do venerando S. Francisco Xavier, já apresentando-se como cumpria em tal occasião, já hospedando estrangeiros notaveis, entre os quaes o governador geral de Bombaim, entendo que estava o governo no direito de fazer tal abonação sem recorrer a lei especial, porque não se tratava de despeza permanente, mas de uma somma excepcional e extraordinariamente applicada, achando-se o governo auctorisado legalmente a abonar ajudas de custo aos governadores do ultramar em circumstancias extraordinarias.

Se os antecessores do actual governador julgaram poder prescindir dessa ajuda de custo, e é facto que falta averiguar em todos, deve se reflectir que é hoje na India muito maior a carestia de todos os generos; e a economia da vida, sobretudo da vida official do primeiro magistrado que representa o paiz, não póde ser já a mesma.

O governo portuguez não ha de regatear aos seus delegados, collocados em tal categoria e situação, os meios de figurarem condignamente, sobretudo quando apparecem em face dos representantes de outras nações, largamente retribuidos, e por isso proporcionalmente avantajados. Seria humilhar o paiz, seria até prejudicar os seus interesses. É uma necessidade do decoro, e uma necessidade de economia.

Os povos e os estados precisam muitas vezes d'estas ostentações que são uma parte da sua representação e constituem o seu esplendor. A solemnidade da exposição do corpo do grande apostolo das Indias atrahe á capital d'aquelle esta do uma grande affluencia; numerosos são os concorrentes nacionaes o estrangeiros; é portanto occasião do maior movimento commercial. Por este modo a economia local e a dignidade nacional têem um interesse commum.

Todos reconhecem tambem a conveniencia de se conservar o governador geral da India portugueza em boas relações com os seus convizinhos. Estes motivos reunidos justificam a auctorisação, que, segundo penso, não está fóra das attribuições legaes do executivo.

Quanto ás excepções feitas ao direito e á lei commum pela junta de fazenda de Goa, devo francamente dizer á camara que não as approva o governo, nem póde approva-las nenhum governo. Não é possivel consentir que se levante um estado no estado (apoiados). Não póde haver em Portugal mais de um soberano! (Apoiados.) Não ha ninguem superior ás leis, a começar pelo proprio governo, que é apenas o seu fiel executor. Nenhuma corporação por consequencia se póde collocar acima da acção legal. Estes são os principios do governo; estas as normas do seu procedimento em qualquer caso (apoiados).

Pelo que respeita aos arrendamentos de Satary, foi negocio effectuado na India, mas não approvado até agora pelo governo. Resumirei as causas inevitaveis da delonga na resolução de tão complicado assumpto. Recebendo a communicação, foi immediatamente consultado o conselho ultramarino, como devia ser, como não podia deixar de ser. Uma consulta d'este genero devia necessariamente exigir estudo e exame. Depois de tal consulta me ser presente, no intuito de conciliar quanto possivel a severa manutenção das leis com os interesses que da cultura da provincia lhe podiam resultar, como o illustrado governador geral recommendava, propuz ao conselho ultramarino uma solução formulada n'este proposito. Foi esta novamente consultada, e por consequencia novo despendio de tempo, já porque era indispensavel a devida analyse e observação, já por que muitos outros negocios occupam a attenção do conselho. Expedindo segunda consulta, o conselho apresentou objecções graves contra a solução proposta, e eu não hesito em declarar, que, medindo a valia d'essas objecções, as achei prudentes e de muito peso.

Consequentemente, subsistindo sempre a mesma difficuldade e alternativa, por um lado a necessidade de acatar as leis, pelo outro a de não inutilisar as melhorias que podessem estar effectuadas, deliberei formular uma proposta de lei, cujas bases são: substituir aos contratos de arrendamento a concessão accorde com as novas leis respectivas; limitar estas concessões ás áreas de terreno que se acham em effectiva cultura.

Esta proposta percorre tambem as estações consultivas, como é essencial, e legal, para ser apresentada ao parlamento.

Pelo que respeita ás condições dos arrendamentos effectuados, passo a expo-las, e, segundo presumo, hão de concordar com as que descreveu o illustre deputado.

Página 1471

1471

Os arrendatarios são:

Thiago Barnwell Hayne, subdito inglez.

Carlos Maddox, subdito americano.

Eduardo Gassett, subdito americano.

João Barreto, natural de Bombaim.

D. Jorge Augusto de Mello, subdito portuguez.

As condições são as seguintes:

1.ª Adjudica ao contratante o terreno por cincoenta annos, com excepção das matas do estado, onde houver madeiras de construcção, e estabelece o preço de 1 rupia por cada are inglez, pago aos semestres, depois de findos os primeiros cinco annos.

2.ª Estabelece que os trabalhos de cultura devem começar um anno depois do contrato.

3.ª Permitte a renovação do arrendamento por outros cincoenta annos.

4.ª Declara que ficam os arrendatarios sem direito a indemnisação quando por qualquer motivo abandonem os terrenos (Não têem indemnisações, elles, quando, elles, abandonem!)

5.ª Declara o que fica sendo propriedade dos arrematantes.

6.ª Obriga se o governo (o governador) á boa conservação da estrada que das terras arrendadas se dirige a Sanquelim.

7.ª Affiança toda a protecção do governo a favor da segurança da propriedade arrendada.

8.ª Estabelece os casos em que se poderão considerar dissolvidos os contratos.

9.ª Renunciam os contratantes todos os casos fortuitos, cogitados e não cogitados, etc. para que em tempo algum se possam d'elles valer para qualquer effeito.

Nos contratos feitos com João Barreto, de Bombaim, e com o subdito portuguez D. Jorge de Mello, ha uma alteração na condição 3.ª, que é não terem direito á renovação dos arrendamentos se não em concorrencia publica.

Em tres d'estes contratos ha tambem uma condição 10.º, declarando que o contrato é extensivo aos herdeiros do contratante.

D'esta summaria exposição vê a camara que era impossivel ao governo ceder ás instancias do governador geral, por muito que as tenha em consideração, e que devia em tudo isto proceder com a circumspecção que todas as circumstancias aconselham. Approvar taes condições não era aceitavel. Oppor difficuldades invenciveis á colonisação e cultura de uma provincia tal como Satary, não era prudente e devia ser meditado. Restava unicamente sanar no parlamento o que é susceptivel de sanação legislativa, e tornar impossivel a repetição de taes irregularidades. E do que trato.

Na communicação feita ha uma falta principal. Falta uma demarcação que não seja uma simples designação de confins, demasiadamente vaga e por isso opta dar logar a graves contestações de propriedade.

Resumindo, entre os augmentos de despeza decididos pela junta, avulta principalmente o de 25 por cento ao exercito. O governo não teve participação official d'este grave facto, e apenas achou no Boletim a copia de uma parte da acta da sessão da junta de fazenda, a qual, estabelecendo as condições d'esta especie de adiantamento, diz o seguinte:

«Sendo novamente presentes as representações que ultimamente dirigiram a s. ex.ª, o sr. governador geral do estado os commandantes dos corpos do exercito do mesmo estado, em as quaes expondo o miseravel estado a que se acham reduzidos os officiaes dos seus corpos, e a impossibilidade de continuarem a viver n'essa degradante miseria, pediam que esta junta mandasse elevar quanto coubesse nas suas forças os soldos que percebem, com a clausula de pagarem o augmento que se lhes concedesse com os dois mezes em divida, ou pelo desconto da sexta parte nos seus soldos, quando Sua Magestade não houvesse por bem de approvar o augmento que se lhes concedesse; e tomando esta junta em consideração tão attendiveis supplicas, em vista da carestia geral que tem obrigado, assim na metropole, em Bombaim e em outros pontos circumvisinhos a augmentar os vencimentos dos servidores publicos, e a garantia que os mesmos officiaes offerecem para responder pelo augmento que se lhes desse, foi de opinião em additamento á resolução de 28 do mez passado, que se abonasse desde 1 de janeiro em diante uma gratificação mensal como supprimento alimenticio de 25 por cento a todos os officiaes arregimentados, e aos da 2.º secção desde alferes até capitão, em relação aos soldados que percebem, e isto tão sómente aquelles que não percebem gratificação alguma, não fallando a de commando de companhia por ter uma determinada applicação.»

Assignados, os srs. Conde de Torres Novas = Sequeira Pinto = Conde de Sarzedas = Serra e Moura = Araujo.

A lei n'este caso e quaesquer outros analogos, a lei expressa e clara, é o § 5.° do artigo 4.° do decreto com força de lei de 14 de agosto de 1856. A obrigação do governo é faze-la respeitar, e ha de ser devidamente respeitada (apoiados).

Tendo em consideração os longos serviços do sr. conde de Torres Novas ao paiz, e não menos os que prestou á India, espera o governo que este magistrado explique satisfactoriamente as rasões, necessariamente muito extraordinarias, muito ponderosas, absolutamente improrogaveis, que o levaram a auctorisar tal procedimento da junta de fazenda. Espera mais o governo que a respeito de quaesquer outras despezas feitas e não communicadas ao mesmo governo se dêem iguaes explicações.

Esta defferencia deve-se aos meritos da pessoa do magistrado superior da India, e é o ultimo, mas justo limite, a que pôde ser levada a attenção compativel com o dever (apoiados).

Deve se tambem esperar que os actos de que se trata, dado que se achem em circumstancias justificaveis, tenham tido logar com todas as formalidades legaes, entre as quaes avulta principalmente a indispensavel convocação do conselho de governo.

Para concluir, o governo pôde affiançar á camara que fará o seu dever. E o seu dever é, repito, não consentir que ninguem se julgue superior ás instituições, porque no dia em que terminasse, o imperio da legalidade começaria o da anarchia (apoiados)!

O sr. F. L. Gomes: — Folguei com as explicações que o nobre ministro deu em relação ao procedimento da junta da fazenda de Goa. Disse s. ex.ª que = o reprovava formalmente, e que não podia consentir um segundo soberano =. Esperarei que á profundeza das convicções, tão francamente exprimidas, corresponda a firmeza da resolução e da acção. Então, e só então, a justiça ficará vingada, e os habitantes da India portugueza satisfeitos. Aguardarei os factos; por ora só tenho a applaudir a homenagem que o nobre ministro acaba de prestar a verdade. Digo nobre ministro...

O sr. Sant'Anna e Vasconcellos: — É bom lembrar que este cavalheiro tem feito grandes serviços ao seu paiz.

O Orador: — Não queiram pagar estes serviços com o sacrificio da justiça e dos povos da India. Não se faça dos serviços um direito para infringir as leis. Não ha nada peior do que a justiça dos nomes proprios. A verdadeira é cega, é superior a todas as deferencias, e surda a todas as considerações que não sáiam d'ella mesma (apoiados). Nunca deixei de reconhecer os serviços prestados ao meu paiz pelo sr. conde de Torres Novas.

O sr. Sant'Anna e Vasconcellos: — As paixões pessoaes ás vezes cegam.

O Orador: — Paixões pessoaes contra o sr. conde de Torres Nova. Não as sinto, nunca as senti; posso afiança-lo á camara. Ha aqui apenas o sincero desejo de pugnar pelos meus constituintes e pela verdade. A primeira vez que me levantei n'esta casa para combater os actos do sr. conde de Torres Novas foi quando a minha eleição não havia sido por ninguem combatida. Estavamos na melhor harmonia, e aquelle cavalheiro honrava-me com a sua amisade.

Achei-me portanto n'uma collisão dura, entre a amisade e o dever. Vacilei; mas emfim, procurando forças na minha propria consciencia, vim a esta casa combater aquelles actos.

Desde então s. ex.ª retirou-me a estima com que me honrava. Agora a minha eleição foi combatida pelos amigos mais devotados de s. ex.ª, e pelo seu ajudante de ordens. Não lhes quero mal por isso, porque os vencedores são propensos ás amnistias, e os vencidos ás reservas dos rancores da luta.

Eu só tenho a agradecer, aos que combateram a minha eleição, o prazer da victoria que saboreei, e a occasião que me proporcionaram para eu apreciar de quanto era capaz a benevolencia dos meus constituintes, que soube d'esta vez elevar-se acima de todas as seducções para honrar e sustentar um individuo que tinha a consciencia de que havia sido fiel ao seu mandato (apoiados). Vozes: — Muito bem.

O Orador: — Perdoe me a camara esta divagação, a que deu logar o áparte inesperado do meu nobre amigo.

Diz o nobre ministro da marinha e ultramar que = nem do augmento dos vencimentos concedidos aos officiaes militares, nem dos outros actos praticados pela junta de fazenda de Goa teve participação alguma directa e official =. Esta revelação é importante, e prova que a junta de fazenda de Goa se julga superior a todas as leis, e independente de todos os poderes. Acontece provavelmente com ella o que diz a um antigo vice rei do Mexico — Deus está alto, o rei está muito longe, aqui sou eu quem manda. A declaração do nobre ministro é mais uma prova do modo irregular por que procede a junta de Goa.

Diz o nobre ministro que = espera que a junta dirá as rasões que a levaram para proceder contra a lei =. Devo observar que os factos a que me referi datam de tres annos e mais, e a junta não carecia de ser accusada para se justificar. Os decretos, com força de lei, de 28 de setembro de 1838, de 21 de dezembro de 1854 e de 12 de outubro de 1852 obrigam as juntas a enviarem as contas da sua gerencia, e o primeiro d'estes decretos, e o de 14 de agosto de 1856 mandam que se dê conhecimento circumstanciado das providencias extraordinarias que se adoptarem. Se o conselho ultramarino julgasse as contas da junta da fazenda de Goa pelos documentos que até aqui têem sido remettidos por ella, quem é que ousaria arguir este tribunal de leviano? Quem é que pediria para ser ouvida a junta? A defeza está apresentada. Não tem a dar outra.

Ora depois de quatro annos, quando dos proprios documentos se deprehende este excesso das attribuições, parece-me que, por mais respeito que se tenha pelos serviços do nobre conde de Torres Novas, não póde este levar-nos a negar o assentimento á evidencia. E principio incontestavel que os gerentes sejam julgados pelas contas que dão, e pelos documentos que subministram.

Basta ler os documentos que acompanharam o orçamento e vieram da propria junta de fazenda, trabalhos sobre cuja authenticidade não pôde haver a menor duvida, e examinar as actas da junta, na qual ella expõe todas as rasões do seu procedimento, para conhecer que a lei foi infringida não só no seu espirito, mas na sua letra.

Eu tenho muito respeito, repito, pelos serviços do nobre conde de Torres Novas. Se houvesse um ou dois d'estes actos apenas, hesitaria em exprimir o meu juizo; mas são tantos e tão incontestaveis, que a duvida agora seria uma obstinação. Repito, para provar os factos allegados ha sobejos documentos, e para critica d'elles abundam leis.

Nada mais direi sobre este assumpto senão que espero que o sr. ministro da marinha procure ouvir o nobre conde de Torres Novas e a junta ácerca das rasões que os levaram a procederem contra a lei, se entende que isso é necessario, não obstante o que acabo de dizer e sustentar, e os faça depois entrar na orbita legal de que tão afastados andam.

Quanto á portaria, pela qual o nobre ministro mandou pagar 2:400$000 réis, devo dizer que nunca foi intenção minha duvidar da justeza dos motivos que levaram o nobre ministro a fazer este abono; mas o que s. ex.ª me ha de permittir que diga é que não era aquella a fórma que devia seguir-se, porque era uma despeza nova e não auctorisada por lei. Não havia no orçamento verba para ella, ou não era sufficiente a que estava votada para as despezas eventuaes. Era necessario abrir um credito. Se a despeza de que se trata era extraordinaria e urgente, podia s. ex.ª paga-la abrindo um credito de que devia dar conta ás côrtes; se era despeza extraordinaria e não urgente, podia trazer a proposta ao poder legislativo, para elle resolver.

O paiz admira a elevação da intelligencia do nobre ministro, e eu admiro tambem o seu espirito liberal. O nobre ministro, melhor do que eu, póde apreciar pois as consequencias que se podem tirar de se sustentar em principio que o governo póde, por uma portaria, mandar pagar aquelas despezas que entender. Uma tal doutrina seria a mutilação das mais altas funcções d'esta camara, e a impossibilidade da fiscalisação.

Emquanto ao arrendamentos de Satary disse s. ex.ª que = tencionava trazer uma proposta a esta camara =.

Depois d'essa promessa não me demorarei em fazer largas considerações sobre o assumpto, e limitar-me hei unicamente a dizer que o meio conciliatorio que occorre a s. ex.ª para remediar as muitas illegalidades d'este negocio como s. ex.ª as classificou, talvez não seja o mais proprio.

Póde ser que eu não tenha comprehendido todo o alcance da providencia que s. ex.ª pretende adoptar—sujeitar os terrenos que estiverem já cultivados ás condições da lei; taes foram as palavras que eu ouvi a s. ex.ª. Para isso não é necessaria a intervenção do poder legislativo, é o cumprimento da lei. Mas perguntarei eu como é possivel sujeitar terrenos já cultivados á hasta publica? Os actuaes arrendatarios ficam arriscados a perderem as suas culturas.

O sr. Ministro da Marinha: — Não ha hasta, porque é uma concessão nova.

O Orador: — Mas disse s. ex.ª que = era para sujeitar o contrato a todas as condições da lei =.

O sr. Ministro da Marinha: — Pretende-se tornar extensiva á India uma lei que ha em relação a Angola.

O Orador: — Isto é uma nova lei para novo contrato.

(Interrupção.)

O Orador: — Parece-me que s. ex.ª tratava do contrato já feito.

(Interrupção.)

O Orador: — O acto é contra lei, e se é contra lei está. nullo, e se está nullo volta ao seu estado primitivo, e se é nova concessão faça se como nova. Fazer leis para justificar abusos é tornar valido o que é nullo. Mas não é nulla a cultura.

(Interrupção.)

O Orador: — Nulla, mas completamente nulla, para dar direito aos individuos que arrendarem os terrenos e os tiverem cultivado para continuarem a conserva-los (apoiados). A responsabilidade vá a quem toca...

Nada mais digo a este respeito, porque não quero cansar a camara, e espero para quando vier a proposta fazer aquellas considerações que entender, porque a gravidade do assumpto assim o pede e assim o exige. E necessario lembrar que esta lei de 26 de agosto de 1856 foi referendada pelo sr. marquez de Sá, e ninguem póde suppor que aquelle cavalheiro fosse ou seja capaz de seguir uma politica mesquinha e tacanha para com os estrangeiros, mas entendeu elle que os interesses d'estes não estavam tão intimamente ligados com os do paiz, como os dos nacionaes, e por isso inseriu na lei algumas condições mais favoraveis a estes.

Eu já n'esta casa sustentei uma proposta, em que se concedia alguma facilidade na concessão dos terrenos aos estrangeiros, mas não fui alem nem podia ir, porque não podia deixar de estimar o espirito de nacionalidade, assim como estimo o espirito de familia. Vejo no primeiro a base da independencia de um paiz, no segundo a belleza e a força do lar domestico.

A legislação sobre os estrangeiros foi antigamente barbara e atroz, e hoje tem-se tornado cada vez mais suave e fraternal. Póde ella desapparecer de todo? Não. Emquanto houver nacionalidades distinctas ha de haver estas differenças na legislação.

Termino pedindo ao nobre ministro da marinha a justiça a que os habitantes da India têem direito; justiça prompta e efficaz. De que serve a solicitude do nobre ministro, de que serve o esclarecido e patriotico apoio que a camara tem prestado a todas as medidas apresentadas por s. ex.ª, se ellas vão sumir-se na immensidade dos precipicios que o despotismo está abrindo na India? Se a acção benefica dos poderes legislativos corresponde á reacção cega e intolerante dos caprichos? É esta a minha moção. Não a mando para a mesa. Basta que a camara a sinta, e que a consciencia do nobre ministro a aceite (apoiados).

Tenho dito.

O sr. Ministro da Marinha: — Em nome exactamente dos principios da justiça, que o illustre deputado invocou, deve o governo proceder como declarei. Se entendesse que tinha já as informações necessarias para proceder, não haveria hesitado, nem esperaria nenhum estimulo parlamentar. Informações, como n'este caso são indispensaveis, fal-

Página 1472

1472

tam ainda. O primeiro cuidado deve ser insistir por ellas Os principios de verdadeira justiça mandam que todos sejam ouvidos (apoiados). Esta a norma do que ao governo cumpre fazer. Preterir esses principios seria prejudicar a propria justiça (apoiados). Depois de ter ouvido quem lhe incumbe ouvir, o governo estará duplicadamente previnido, com as armas da prudencia e da rasão, com o inteiro esclarecimento dos factos. Esta é, esta será a sua força (apoiados).

Quanto á proposta de lei respectiva aos arrendamentos de Satary, ponderarei a s. ex.ª que, não estando presente essa proposta, seria prematura e sem base qualquer discussão. Observarei unicamente que se não trata de conservar condições a que as leis anteriores se oppõem, mas de substitui-las por outras de accordo com as que regulam a concessão de terrenos em Africa, leis que podem convenientemente ser applicadas a uma provincia inculta, como a de Satary, justamente para atalhar os costumes de depredação e vagabundagem dos seus habitantes meio selváticos, justamente para os attrahir e policiar pelo trabalho (apoiados).

Quanto á auctorisação de uma somma para despezas extraordinarias ao governador geral da India por occasião da selemnidade da exposição do corpo do veneravel S. Francisco Xavier, penso ainda que se conservou o governo dentro nos limites legaes, em presença do decreto com força de lei de 1 de setembro de 1854. Achando-se regularmente auctorisada a abonação de ajudas de custo aos governadores do ultramar, esta abonação devia considerar-se n'esse caso, sobretudo tendo sido reconhecida já a justiça e conveniencia d'ella. S. ex.ª, tão altamente illustrado como é, reconhece de certo o perigo que ha em restringir, alem do limite legal e justo, as faculdades do governo na administração do ultramar. Lembremo-nos de que não pôde haver responsabilidade sem correspondente acção. Onde portanto faltar toda a liberdade, desapparecerá toda a responsabilidade (apoiados).

SEGUNDA PARTE DA ORDEM DO DIA

O sr. Presidente: — Continua a discussão do artigo 1.° do projecto n.° 84, e tem a palavra o sr. José de Moraes.

O sr. José de Moraes: — Aproveito a palavra, que v. ex.ª me concede, para chamar a attenção do sr. ministro das obras publicas, ácerca de umas perguntas que dirigi a s. ex.ª sobre um objecto que tem intima relação com o projecto, e a que s. ex.ª não respondeu talvez porque, tendo de responder a outros oradores, se não lembrou das perguntas que eu lhe havia feito.

Faço as pois novamente, porque entendo que é conveniente que s. ex.ª responda a ellas. Primeira, desejo saber se as juntas geraes dos districtos de Evora e Beja cumpriram a promessa que fizeram, uma de dar 3:000$000 réis, e outra 2:000$000 ou 1:200$000 réis por cada kilometro de caminho de ferro que se construísse e que passasse pelos seus districtos. A segunda pergunta é — se este dinheiro entrou nos cofres do estado; e finalmente, se não tendo entrado, s. ex.ª faz tenção, pelos meios que tem nas leis, e ouvindo as auctoridades competentes, de fazer com que se verifique este donativo.

Parece-me que o nobre ministro deve necessariamente fazer com que as juntas geraes cumpram a promessa que fizeram. S. ex.ª sabe que muitas camaras municipaes se têem prestado a concorrer para diversas obras, caso o governo as mandasse fazer, e que se lhe tem exigido rigorosamente o cumprimento das suas promessas.

Cito, por exemplo, a camara municipal de Coimbra, que está pagando os juros e amortisação de dois não pequenos emprestimos que foram applicados para diversas obras, que talvez não pertencessem á camara municipal, mas ao estado faze-las, sendo uma d'ellas o alargamento da rua de Coruche, hoje rua do Visconde da Luz; e no entretanto o municipio tem pago pontualmente 10 por cento de amortisação e o juro de 6 por cento, como consta do orçamento. Por consequencia, uma vez que a lei deve ser igual para todos, peço que a mesma disposição se applique ás juntas geraes dos districtos de Evora e Beja; n'isto não faço tambem senão pedir que se cumpra a promessa de cavalheiros tão respeitaveis como eram os que as compunham, e não hão de ser elles que hão de vir negar actualmente o que os seus representantes aqui declararam.

O sr. Ministro das Obras Publicas (João Chrysostomo): — Como este debate ainda não estava fechado, reservei-me para mais tarde dar as explicações que o illustre deputado desejava, porque tinha tambem que responder a outras perguntas, do sr. visconde de Pindella, e a algumas considerações feitas por outro illustre deputado, ácerca da viação na provincia de Trás os Montes.

Mas visto que o illustre deputado está tão desejoso de que eu diga desde já o que o governo pretende fazer, e bem assim o estado em que se acha a questão a que se referiu, para informação do nobre deputado devo dizer que a realisação do auxilio promettido pelai juntas geraes dos districtos de Evora e Beja, para ajuda da subvenção do contrato do caminho de ferro de sueste, depende de uma liquidação que está seguindo os tramites competentes, e o governo não tem duvida alguma de exigir o cumprimento da promessa feita por aquellas juntas geraes logo que essa liquidação esteja concluida.

O sr. José de Moraes: — Muito bem, estou satisfeito.

O Orador: — Quanto ás considerações feitas pelo illustre deputado, o sr. visconde de Pindella, que não sei se está presente, devo declarar que o governo não tem duvida em aceitar a auctorisação que s. ex.ª quer que se lhe vote, e já em outra occasião o tinha aqui expressado, quanto á construcção do caminho de ferro do Porto a Braga. Portanto creio que o nobre deputado se considerará satisfeito com a repetição d'esta declaração; assim como não tenho duvida em declarar que concordo em que, logo que acabe esta discussão, se passe á discussão do outro projecto (apoiados).

Tambem o illustre deputado por Trás os Montes, o sr. Pinto de Araujo, desejou saber o que se projectava fazer a respeito do caminho de ferro do Porto á Regua, e se a estrada entre Penafiel e Peso da Regua ficaria adiada indefinidamente ou se se levaria á execução.

Quanto aos estudos d'esse caminho tenho informações de que se não farão esperar muito. O engenheiro encarregado d'elles asseguro-me que = antes de tres mezes podiam estar terminados estes trabalhos, que se acham em grande adiantamento =; e eu espero que o governo esteja habilitado dentro de pouco tempo para os avaliar.

Quanto a propostas para a construcção de caminhos de ferro devo dizer que, se verdadeiramente não recebi ainda propostas definidas para a construcção de caminhos de ferro no norte, comtudo têem-me escripto e fallado differentes cavalheiros, tanto nacionaes como estrangeiros, declarando-me que não teriam duvida de organisar emprezas para a construcção destes caminhos de ferro. Portanto espero que quando chegue occasião opportuna não deixaremos de encontrar capitães, que se virão offerecer para os levar á realisação.

Quanto á estrada entre Penafiel e a Regua, devo declarar ao illustre deputado, que se referiu a ella, que tenho mandado proseguir na continuação dos estudos dessa estrada. Uma parte dos estudos está no conselho de obras publicas, e outra parte está-se effectuando sobre o terreno. Mandei apressar a conclusão d'esses estudos, e de certo que a construcção dessa estrada não ha de esperar indefinidamente pela construcção do caminho de ferro. Mas tambem convem não tomar desde já uma resolução, sem se conhecer se haverá que effectuar uma outra linha (apoiados), para que não aconteça ter a estrada exactamente a directriz do caminho de ferro. O illustre deputado citou outros exemplos, mas parece-me que não são inteiramente analogos. Existe já uma estrada de primeira ordem entre Penafiel e Peso da Regua, que é transitada até por diligencias, não muito commodamente, bem o sei, com difficuldade, mas é certo que aquella localidade não está no mesmo caso de outras, onde não ha estrada nenhuma de primeira ordem (apoiados). Existe já uma que póde ser melhorada, mas o que não convem é estarmos a duplicar meios de viação em algumas localidades, emquanto outras não têem nenhum (apoiados).

O illustre deputado, o sr. Quaresma, recommendou tambem ao governo os ramaes das estradas para as estações dos caminhos de ferro, e desejou saber se com effeito o governo pretendia dar impulso á construcção d'esses ramaes.

Devo declarar, e o illustre deputado deve estar certo, que não ha muitos dias apresentei uma proposta de lei n'esta camara, precisamente para satisfazer os fins que o illustre deputado deseja que sejam satisfeitos.

Por essa proposta de lei facilita-se a execução de todas as estradas que, mais ou menos directamente, communicam com os caminhos de ferro, e que com elles ligam povoações de certa importancia.

O que nós não podemos é destruir o principio da lei de 15 de junho de 1862, que estabeleceu que as estradas de primeira ordem sejam a cargo do thesouro, e que as estradas municipaes e districtaes sejam a cargo das localidades, porque se formos destruir este principio, estabeleceremos realmente a anarchia na execução das obras (apoiados). O thesouro deve executar as obras de interesse geral e as localidades devem executar as obras de interesse local; entretanto, attendendo á falta de meios que por ora assiste a essas localidades, devem ser subsidiadas mais largamente para se levar isso a effeito (apoiados).

Mas não se diga que os concelhos que estão proximos aos caminhos de ferro têem direito a ser subsidiados pelo governo mais efficazmente para a construcção dos seus ramaes, do que os outros concelhos que estão distantes dos caminhos de ferro (apoiados). Parece-me que deve ser o contrario, porque os concelhos por onde atravessa uma linha ferrea recebem já esse grande beneficio, e portanto aquelles pelos quaes nem atravessou uma linha ferrea, nem têem uma estrada, têem mais direito a serem subsidiados pelo governo. É conveniente alimentar os caminhos de ferro, mas convem tambem não estarmos a executar por conta do estado não só as linhas ferreas, não só as estradas de 1.ª ordem, mas os mais pequenos ramaes para a mais pequena e insignificante povoação...

O sr. Quaresma: — As estradas geraes.

O Orador: — As estradas geraes todas ellas estão em construcção actualmente, ou estão construidas, communicando com os caminhos de ferro. Passando um rapido exame pela carta em relação a este ponto de vista, ver-se-ha que desde o Porto até Beja e Evora, todas as estradas de 1.ª ordem ou estão construidas ou em construcção. A estrada de Vizeu, a de Albergaria, a de Celorico, a de Thomar, a de Leiria, a de Castello Branco, finalmente todas as estradas de 1.ª ordem que estão designadas na lei de 13 de junho de 1862, e que communicam com os caminhos de ferro, estão em construcção ou estão construidas.

Emquanto ás povoações importantes que ficam á direita ou á esquerda dos caminhos de ferro e que com elles não tiverem communicação, o governo fará todos os esforços para que a tenham o mais promptamente possivel. E a isso que tende a proposta de lei que apresentei a esta camara.

Parece-me ter dado as explicações que principalmente foram pedidas por alguns illustres deputados no decurso d'esta discussão; mas, se algumas faltarem, com muito gosto tomarei a palavra para satisfazer ao pedido dos meus illustres collegas.

Não entrarei novamente no debate do caminho de ferro, porque elle está encerrado, por isso não responderei a alguns argumentos que posteriormente se apresentaram. Julgo desnecessario n'este momento responder ao que se disse com relação á conveniencia de construir differentes linhas ferreas, e ás vantagens comparativas dos caminhos de ferro com as das vias aquaticas e com algumas estradas; mas se esse assumpto se offerecer de novo á discussão, peço a v. ex.ª que me reserve a palavra para responder em occasião opportuna.

O sr. J. A. de Sousa (sobre a ordem): — A minha moção de ordem é a seguinte (leu).

Trata se de discutir o contrato da venda de um caminho de ferro e da construcção de outros, entre estes o que ha de ligar a provincia do Algarve com a do Alemtejo. Não me chegou a palavra na discussão da generalidade, e só agora é que a pude obter; ainda assim farei algumas considerações, posto que breves, sobre este importante assumpto.

Encetou esta discussão o sr. Thomás Ribeiro, illustre deputado, cujos talentos admiro e cujas qualidades aprecio. S. ex.ª pareceu censurar o sr. ministro da fazenda por ter incluido no orçamento a importancia da venda do caminho de ferro para attenuar o deficit, e o sr. ministro das obras publicas por ter dado outro destino á importancia dessa venda.

Ambos os srs. ministros creio que tiveram rasão.

O sr. ministro da fazenda contava vender o caminho a dinheiro e applicar essa somma para attenuação do deficit, não aconteceu porém assim; e o sr. ministro das obras publicas, para attenuar um encargo ainda maior, entendeu que devia fazer a venda do caminho, applicando a sua importancia á subvenção das novas linhas contratadas.

Mas não se assuste o sr. Thomás Ribeiro com o deficit. Eu peço a s. ex.ª que, quando acabar os seus trabalhos parlamentares e que regresse a sua casa, aconselhe os seus patricios que paguem as contribuições ao estado, porque a importancia das contribuições existentes, juntamente com o rendimento progressivo das nossas alfandegas, fará com que o deficit acabe; tenha s. ex.ª a certeza d'isso.

O sr. Pinto de Araujo fez tambem algumas considerações tendentes a combater a construcção de caminhos de ferro no Alemtejo e no Algarve, e um dos seus argumentos foi que a provincia do Alemtejo não tinha população nem mesmo a do Algarve.

Emquanto á provincia do Alemtejo, os illustres deputados por essa provincia têem a palavra, e elles defenderão, com o talento que eu lhes reconheço e admiro, a causa daquella provincia, refutando as rasões menos fundadas que s. ex.ª teve para combater o construírem-se ali caminhos de ferro. Mas permitta-me o illustre deputado que lhe observe, que se se desse ao incommodo de ir ao outro lado do Tejo, e visse, como muito bem notou o nosso collega, o sr. Almeida Bivar, na sessão de sabbado, a colonisação que lá se acha estabelecida desde o Barreiro até ao Pinhal Novo, devida ao caminho de ferro; se visse matos incultos, charnecas inhospitas reduzidas hoje a campos magnificos, produzindo bello trigo, batatas e toda a qualidade de cereaes (apoiados); se visse em logar de ermos, duzentos casaes ou mais, com bellas casas, tudo devido ao caminho de ferro, talvez se não animasse a vir combater a construcção d'elles n'aquella provincia (muitos apoiados).

Ainda mais. Disse o illustre deputado que =tendo se desvinculado os bens dos morgados na provincia do Alemtejo, como em todo o paiz, elle não acreditava que nenhuns saíssem das mãos dos actuaes proprietarios, e que por conseguinte haviam de continuar como vinculados. Eu digo que não é assim, e temos o exemplo do sr. conde das Alcaçovas, que se diz que, desde a publicação d'essa lei, já fez 250 aforamentos; e isto o que é senão a progressiva desamortisação da propriedade, quer dizer, são outros tantos proprietarios que se crearam, e assim ha de ir acontecendo successivamente (apoiados).

Portanto parece-me que não teve rasão o illustre deputado nas apreciações que fez com relação á provincia do Alemtejo. Estou persuadido de que com os caminhos de ferro ha de casa provincia ir em augmento progressivo, e ha de vir a compensar largamente os sacrificios que com ella se fazem.

Emquanto á provincia do Algarve, ella tem população mais que sufficiente. Basta notar que é a terceira provincia do paiz em população: tem talvez 400 almas por milha quadrada, porque a sua população é proximamente de 200:000 almas, sem contar 10:000 ou 12:000 que estão fóra da provincia, nas outras do reino, em Lisboa e que andam na navegação. Não se diga portanto que o caminho de ferro para a provincia do Algarve é para a povoar, porque ella está povoada, e bem.

O sr. Quaresma disse que = queria estradas para as estações dos caminhos de ferro =. Eu tambem as quero, quero muitas estradas, e quero todos os caminhos de ferro, os do Algarve, os do Alemtejo, os do Minho, os das Beiras, o do Porto a Braga, o do Porto a Villa Real, quero todos; e tenho pena de que não se façam todos de uma vez, porque acredito que hão de ser os caminhos de ferro o que ha de regenerar este paiz e as suas finanças; estou completamente persuadido d'isto, e se assim não for, eu não vejo outro geito e outros meios de regenerar esta terra. Com isto respondo tambem ás apprehensões do meu amigo, o sr. Coelho do Amaral, caracter respeitavel, e cujas apreciações eu respeito pela consideração que o digno deputado me merece; mas permitta-me que lhe observe, que os caminhos de ferro é que hão de regularisar as nossas finanças, e dos caminhos de ferro é que ha de vir a prosperidade d'este paiz.

Em relação ao contrato que se discute, elle é de tal sorte vantajoso para o paiz, que nem precisava de que pedissemos a palavra para o demonstrar. E nós devemos estes caminhos de ferro ás felizes circumstancias de se ter construi

Página 1473

1473

do e de se ter comprado o caminho de ferro do Barreiro! Se nao fosse isto, a provincia do Alemtejo e a do Algarve não tinham tão depressa estes caminhos de ferro. Haviam de te-los, porque não era possivel que o paiz podesse desconsiderar essas duas provincias até ao ponto de lhes negar estes melhoramentos, mas havia de ser mais tarde.

E estes caminhos de ferro não dão os encargos que se dizem. O caminho de ferro do Barreiro está vendido n'este contrato por 1.008:000$000 réis, e diz o sr. ministro das obras publicas, e eu creio, que seriam precisos 600:000$000 réis para elle se reparar: agora 200 kilometros de estrada que estão já decretados, e que seria preciso construir na rasão de 4:000$000 réis o kilometro, são 800:000$000 réis; somma tudo 2.408:000$000 réis que, reduzidos a fundos publicos na rasão de 48 por cento, daria 5.016:666$000 réis proximamente, ou um encargo annual de juro para o thesouro de 153:500$000 réis. A conservação d'estes 200 kilometros de estrada custaria 10:000$000 réis annuaes. Logo teriamos encargo annual para o thesouro 163:500$000 réis. E este o encargo annual que o thesouro teria se se não vendesse o caminho de ferro como se vendeu.

Ora, nós temos 200 kilometros de caminho de ferro contratados a rasão de 18:000$000 réis por kilometro, total 3.600:000$000 réis que, reduzidos a 48 por cento, daria um capital em fundos publicos de 7.500:000$000 réis, e um encargo annual para o thesouro de 225:000$000 réis; deduzindo 163:000$000 réis, ficam 61:500$000 réis. Esta é proximamente a cifra com que fica onerado o thesouro, mas que nem assim fica; pelo contrario, estou persuadido que o thesouro com este contrato lucra, e lucra muito (apoiados) pela seguinte fórma:

Não se vendendo o caminho de ferro nós teriamos réis 1.608:000$000, pelo menos, de capital morto. Esses réis 1.603:000$000 são iguaes a 3.350:000$000 réis em fundos, reduzidos a 48 por cento, o que traria para o thesouro um encargo annual de 100:5000000 réis que, deduzidos ou abatidos os 61:500$000 réis, ainda teremos 39:000$000 réis que o thesouro deixa de pagar por se ter effectuado este contrato. Esta é a conta que garanto, e não me parece que alguem a possa contestar.

O illustre deputado, o sr. Quaresma, disse que = a provincia do Algarve era uma provincia toda cheia de portos de mar, que não devia ter caminhos de ferro, porque ella possuia bastantes barras por onde podia fazer as exportações mais baratas que pelo caminho de ferro =. Em primeiro logar devo dizer que s. ex.ª esteve em manifesta contradicção, como muito bem notou o sr. Bivar, comsigo mesmo; porquanto e. ex.ª disse n'essa occasião que = não foram da Figueira mercadorias para Coimbra, a fim de irem d'ali para o Porto, porque não havia uma estrada da Figueira para Coimbra =. Pergunto eu, pois porventura o porto da Figueira não será muito melhor que qualquer porto do Algarve? Que portos temos nós no Algarve? Temos apenas o de Sagres, Villa Nova de Portimão, que tem as barras meias destruidas, o de Olhão, Tavira, que estão completamente inutilisados; não temos rios, não temos portos, não temos nada (apoiados).

Ora, se o illustre deputado julgou que era precisa uma estrada para conduzir as mercadorias da Figueira para Coimbra, como agora foram conduzidas indo primeiro a Coimbra; se julga precisa essa estrada em relação á Figueira, que tem o melhor porto de mar, porque não ha de julgar tambem preciso e conveniente que o Algarve, que não tem nem um só porto de mar igual ao da Figueira, mande as suas mercadorias pelo caminho de ferro? (Apoiados.) E isto muito mais se o caminho de ferro atravessar S. Bartholomeu de Messines, apanhando o centro da provincia e parte de Silves e Loulé, donde podem vir mercadorias tão baratas pelo caminho de ferro como se d'ali ellas viessem pelo mar (apoiados). Já se vê que o illustre deputado não tinha rasão (apoiados).

Tambem o illustre deputado, o Sr. Faria Guimarães, apresentou um mappa, para com elle contestar que na provincia do Minho se tivessem absorvido tantos contos de réis em estudos, como se dizia; e disse que, relativamente, se tinha gasto menos.

E o illustre deputado disse que = o seu mappa era official =; pois eu vou dar conta á camara de um outro mappa das despezas feitas em estradas nas diversas provincias do reino, e esse mappa tambem é official, pois que foi extraindo de um documento publicado pelo ministerio das obras publicas no mez de janeiro do corrente anno.

Deste mappa se vê que se gastaram em obras publicas, desde 1849 até 30 de setembro de 1863, na provincia do Minho, 1.464:949$484 réis; na de Trás os Montes réis 752:177$372; na da Beira (na querida Beira do sr. Coelho do Amaral, e tambem minha querida Beira, porque meu pae nasceu na Beira); digo, na querida Beira do sr. Coelho do Amaral, e minha tambem, gastaram-se 3.071:290$932 réis; na da Estremadura 1.502:762$115 réis; na do Alemtejo 1.533:665$225 réis; e na desgraçada provincia do Algarve 419:573$372 réis! Ora vejam os illustres deputados que igualdade ha aqui (Apoiados.) A provincia do Algarve parece que nos não pertence, ou que nunca pertenceu a este para (apoiados).

A provincia do Algarve não tem aqui talher n'esta grande mesa, pois é preciso que o tenha (apoiados). É preciso não dizer só = a minha Beira = se, tambem se deve dizer = e o nosso Algarve =(apoiados). Digam muito embora = a minha Beira =; mas venha alguma cousa para nós (apoiados), porque o Algarve faz parte integrante d'este paiz (apoiados). O Algarve paga os teus tributos pontualmente (apoiados); não deve um vintem ao thesouro (apoiados), este é o facto (apoiados); por consequencia nós temos tambem direito a ser attendidos (apoiados). A provincia do Algarve tem sido sempre desconsiderada (apoiados).

E eu por esta occasião devo praticar um acto de justiça. Vi n'um jornal um artigo pouco favoravel aos illustres deputados do Algarve que pertencem á opposição; em primeiro logar declaro que não tive parte alguma n'esse artigo, nem o meu collega e amigo, o sr. Silveira da Mota; e em segundo logar devo dizer que realmente ss. ex.ª têem feito quanto possivel para pugnarem pelos interesses materiaes do Algarve (apoiados). Faço lhe essa justiça, esta é a verdade (apoiados); e comprazo-me de ter esta occasião para poder dizer na camara, e diante do paiz, que esta é a verdade (apoiados), porque a minha paixão partidaria não me leva até ao ponto de negar os serviços que ss. ex.ª têem feito ao Algarve (apoiados).

Vozes: — Muito bem.

O Orador: — Poucas mais considerações tenho a fazer; direi apenas que se a provincia do Algarve vae ter caminho de ferro, o que entendo é que é um acto de justiça, e nada mais, que se lhe faz (apoiados); porque a provincia do Algarve não podia ser excluida d'este grande melhoramento, não o devia ser (apoiados).

A provincia do Algarve é muito rica em productos, estou persuadido que o caminho de ferro ha de trazer aqui muitas mercadorias e passageiros, porque a sua população é muito importante. Estou persuadido ainda mais, de que o melhor barometro que os illustres deputados podem ter n'esta linha ferrea do Algarve é o mesmo contratador (apoiados). Pois o contratador ía contratar um caminho de ferro d'aquelles na provincia do Algarve, sem ter a certeza mathematica que lhe daria lucro? Elle sabe melhor que nós quanto vale este caminho de ferro; e se não soubesse o valor que tinha, não impunha ao governo a obrigação de se fazer este caminho (apoiados). O anno passado foi encarregado pelo sr. Northon um amigo meu para a compra do caminho de ferro que se contratou agora, e na sala está um cavalheiro que podia dar d'isto testemunho; n'aquella occasião não se pôde obter a compra, mas já então entrava como condição sine que non que houvesse a linha ferrea para o Algarve e o entroncamento, como uma cousa de grande utilidade publica e de grande utilidade para elle (apoiados).

Termino aqui as minhas pequenas observações, e agradeço á camara a benevolencia com que me ouviu (apoiados).

Vozes: — Muito bem. Leu-se na mesa a seguinte

PROPOSTA

Proponho que esta camara resolva, por votação nominal, que se recommende ao governo de não mandar construir quaesquer estradas ou obras de arte, em nenhum districto do reino, sem que previamente esses districtos, aonde essas obras se houverem de executar, se mostrem quites para com a fazenda publica, pelas contribuições que lhes tiverem sido repartidas, sejam de que natureza forem, incluindo a contribuição de sangue. = O deputado por Loulé, João Antonio de Sousa.

Não foi admittida.

Entrou em discussão o

Artigo 2.°

O sr. Abilio Costa: — Sr. presidente, tendo assignado um projecto que auctorisava o governo a estudar e construir o caminho de ferro da Beira de preferencia a outro qualquer, e tendo votado o projecto n.° 84, na generalidade, entendi que devia dar algumas explicações para não parecer contradictorio.

Tinha o nobre ministro confessado que o Minho, e a Beira eram as provincias em que havia mais população, actividade e laboriedade, e que por isso mereciam ser dotadas com caminhos de ferro. Era pois de esperar que s. ex.ª prefereria a construcção d'estes caminhos á dos das outras provincias. Todavia começou a correr que se achava assignado o contrato para a construcção de outras linhas no Alemtejo e no Algarve. Pareceu-me então e a alguns signatarios do referido projecto, ver n'isto pouca coherencia dos factos com a doutrina, e até uma injustiça feita á Beira e seus habitantes. Assignâmos então um projecto, como testemunho do nosso desejo de ver construido o caminho da Beira, e do nosso desgosto de o ver preterido por outras linhas.

O projecto era tambem um protesto contra a supposta injustiça que se nos fazia. Mas nunca tivemos a intenção de nos oppor ao caminho do Minho ou a qualquer outro contrato de caminhos de ferro que viesse á camara.

Passados dias trouxe o sr. ministro das obras publicas á camara o contrato para a construcção de novas linhas ferreas no Alemtejo e no Algarve, não digo bem, um contrato para a venda do caminho de ferro do sul, de que era condição a concessão e construcção de novas linhas nas referidas provincias.

O nobre ministro justificou-se. A venda era uma necessidade para libertar o thesouro de novos encargos, e não se podia fazer tão vantajosamente, sem que ao comprador se concedesse a construcção das novas linhas. A necessidade imperiosa está acima de todas as leis. Resolvi, pois, votar o contrato logo que o ouvi ler.

Dou estas explicações para mostrar que não fui contradictorio, e aproveito a occasião para mandar para a mesa a proposta que vou ler (leu).

Mandando esta proposta para a mesa julgo-me constituido na obrigação de votar o caminho de ferro do Minho e do Douro, e para a fundamentar não careço de fazer uma dissertação sobre as excellencias e vantagens dos caminhos de ferro.

A locomotiva com o carril é a machina mais perfeita, -mais poderosa, mais proveitosa e prodigiosa que a physica e o espirito humano tem produzido. Poupa forças, tempo e despezas e anima as industrias; cria valores e augmenta

por isso a materia tributavel. Facilitando as viagens cria novas relações, estreita as existentes, e augmenta o cabedal da instrucção; auxilia a prevenção e repressão dos crimes, de maneira que sendo um instrumento de progresso material, intellectual e moral, é igualmente elemento e garantia de ordem social. Todos estão concordes n'isto, e só ha alguma discussão sobre o quantum dos beneficios, lucros e proveitos, que estes devem produzir, e que nunca ninguem calculou nem approximadamente.

Comparando a despeza com o seu producto, dizem uns que = este é incalculavel e, que excede a 100 por 1 =. Outros receiam que o producto não cubra as despezas. Votando-as temem onerar as gerações presentes e futuras com impostos que definham e matam as industrias. São receios nobres e que não foram destruidos pelo illustre deputado, o sr. Placido, quando disse que = as receitas publicas tinham quasi duplicado em consequencia do desenvolvimento das estradas e caminhos de ferro =; dando a entender que calculava o augmento da riqueza pelo augmento da receita.

N'esta parte peço licença ao nobre deputado para discordar da sua opinião. As receitas subiram porque o paiz foi mais tributado, sem que a materia tributavel tivesse comtudo augmentado na mesma proporção. Por este meio é muito facil augmentar as receitas.

Mas deixando essa questão, parece-me que a verdade está no meio dos dois extremos. Não julgo que os caminhos de ferro produzam tanto como pretendem os primeiros, nem tão pouco como querem os segundos.

Os caminhos de ferro augmentam o valor dos productos nos focos da producção, e diminuem o custo nos mercados, o só por si não me parece que elles criem productos, e a sociedade precisa da abundancia e barateza nos productos de primeira necessidade, sem o que mal podem viver as classes laboriosas e menos abastadas.

Os caminhos de ferro concorrerão para uma producção valiosa e incalculavel quando nós tivermos domado os elementos da natureza, e os convertermos de agentes destruidores era instrumentos de conservação, melhoramento e producção.

Quando por meio da arborisação da nossa costa resistirmos á invasão progressiva das areias no continente, e por meio das camadas de húmus que as arvores annualmente precipitam sobre a terra transformarmos areaes estereis em terrenos ferteis;

Quando dividindo as nossas montanhas em duas zonas, uma superior e outra inferior, transformarmos pela arborisação rochas escalvadas em terrenos productivos, evitarmos pelo mesmo meio que as tempestades arrastem para os valles os terrenos das collinas, e que estes obstruam os rios e semeiem suas margens de pantanos pestiferos;

Quando com os arvoredos das montanhas moderarmos os ímpetos das aguas, e impedirmos que destruam e esterilisem com areias e cascalhos as ferteis veigas das margens dos rios e ribeiras;

Quando finalmente por obras de irrigação apropriadas ás localidades na zona inferior das montanhas aproveitarmos as aguas e as applicarmos com muito proveito á irrigação dos campos inferiores, e transformarmos as costas dos mesmos montes era ricos prados, que sustentem, innumeraveis cabeças de gado.

Porque, diga-se aqui de passagem, as montanhas íngremes não podem ser applicadas senão á sylvicultura ou praticultura. Para não me tornar muito prolixo deixo de fallar na exploração das minas e no deseccamento e aproveitamento dos pantanos, elementos de riqueza publica, que por emquanto pouco se têem aproveitado.

Por fim lembrarei aos mais apaixonados pelos caminhos de ferro, que um areal ou uma rocha escalvada, ainda que dotados com uma estrada excellente ou caminho, de ferro, nunca deixará de ser esteril, sem a applicação de outros agentes de melhoramento e producção.

Sr. presidente, pelo que deixo, dito parece-me ter mostrado que sou pela continuação da nossa rede dos caminhos de ferro, mas não levo o meu enthusiasmo a ponto de esperar tudo d'elles, nem tambem creio que as suas tarifas possam descer até poderem despojar os rios e os mares dos officios de transporte que prestam á industria e ao commercio. As leis naturaes as mais das vezes zombam das intimações e calculos dos homens.

Restringindo-me, porém, á minha proposta; tendo o nobre ministro e toda a camara reconhecido que os paizes populosos e laboriosos mereciam caminhos de ferro, conto já com os seus votos em favor d'elles. Conto com os votos dos illustres deputados das provincias do sul, porque ss. ex.ª disseram que = um caminho de ferro e uma estrada de qualquer provincia aproveitavam a todo o paiz? =, e n'esse caso está o caminho de ferro da Beira, e se, como dizem o nobre ministro e os mesmos illustres deputados, os caminhos de ferro são colonisadores, a Beira e as provincias do norte que têem algumas montanhas por povoar, ainda assim merecem o caminho de ferro.

Mas eu comquanto me aproveite deste argumento dos nobres deputados, devo todavia declarar com a franqueza que me é propria que confio pouco na acção colonisadora das vias de communicação, tem comtudo lh'a negar absolutamente. Se a facilidade das communicações só por si desenvolvesse a colonisação, o Alemtejo, cujo terreno é pouco accidentado, e que por isso tem sempre communicações mais faceis que as provincias do norte e nascente, deveria estar muito mais povoado do que as referidas provincias.

Espero porém que a divisão da propriedade, consequencia da desvinculação e desamortisação da terra, a reducção da importancia a uma só especie que evitará despezas e pleits, o credito predial e agricola, que fornecerá capitaes á agrocultura, e a deseccação dos pantanos, que melhorará

Página 1474

1474

as condições hygienicas, hão de concorrer muito mais para a colonisação do que os caminhos de ferro.

Como noto que a camara está fatigada e não quero abusar da sua paciencia, termino aqui as minhas considerações, que foram mais longas do que eu esperava.

Leu-se na mesa a seguinte

PROPOSTA

Proponho que entre os artigos 1.° e 2.° do projecto n.° 84 se inclua ou insira o seguinte paragrapho ou artigo:

O governo, no futuro anno economico, procederá aos estudos do caminho de ferro da Beira, com dois ramaes; um dirigido á raia a entroncar com a linha ferrea hespanhola de Valhadolid; outro a tocar no ponto apropriado para de futuro se prolongar á provincia de Trás os Montes, e para se entroncar com o projectado caminho de ferro do Porto á Regua, quando seja prolongado. = A. Abilio Gomes Costa.

Foi admittida.

O sr. Camara Leme: — Mando para a mesa dois pareceres da commissão de guerra.

A imprimir.

O sr. Castro Ferreri: — Segundo o regimento passo a ler a minha moção de ordem (leu).

Eu tinha pedido a palavra na generalidade do projecto, e depois na discussão do artigo 1.°, porém não foi possivel tocar-me a palavra. Agora serei breve, porque vejo a camara cansada com o debate, e pouco propensa a prestar attenção.

Independentemente da proposta que vou mandar para a mesa eu tomei a palavra para motivar o meu voto n'esta questão, que considero importante, expondo muito succintamente as rasões que me levaram a votar por ella. A camara não desconhece que o caminho de ferro do Barreiro era um grande onus nas mãos do governo, deteriorando-se de dia para dia; a sua exploração era uma pura perda. A camara por vezes tenho significado a necessidade da sua venda, e a grande inconveniencia da sua exploração por conta do estado. A passagem d'este caminho para uma empreza eram as vistas do governo; mas como obte-la? Ninguem se offerecia sem que a concessão de outras linhas ferreas lhe fosse garantida. Appareceu uma companhia que fez a proposta constante do contrato que se discute; o governo não perdeu esta occasião de dotar aquella provincia com mais algumas communicações importantes, estendendo o seu prolongamento até ao Algarve e á fronteira, desembaraçando-se por esta fórma do caminho do Barreiro com vantagem para o thesouro. A não ser esta imperiosa circumstancia de certo o governo não iria bem se, não consultando os interesses do paiz, não fosse assentar os carris de ferro nos pontos mais populosos e productivos das outras provincias.

O meu amigo, o sr. Coelho do Amaral, em these apresentou rasões que se não podem combater de frente; viu a sua provincia, abundante de braços e rica de productos, como esquecida, emquanto que o Alemtejo, em circumstancias diversas, é favorecido em todas as direcções com estradas de movimento accelerado; mas s. ex.ª, na hypothese ou no caso sujeito, devia ceder. E claro que nas provincias de mais movimento é que o governo deve esforçar-se por estabelecer as linhas ferreas...

O sr. Dias: — É caso de preferencia.

O Orador: — Não é a preferencia é a conveniencia. Na França e Inglaterra, aonde se fazem caminhos de ferro sem subvenção nem juro, não se dá licença ás companhias para esse fim, sem que primeiramente o governo trate de indagar escrupulosamente qual é o movimento, qual a producção, e quaes os lucros provaveis para conhecer se os capitães empregados não são compromettidos, e mesmo se podem prejudicar outros interesses já estabelecidos.

Não é á despeza simplesmente da factura dos caminhos de ferro que se deve attender, é á sua exploração, e esta a considero ainda a mais importante, porque se não der lucros rasoaveis, pôde ser abandonada pelos concessionarios, e ficar a cargo do estado. Não é por certo nos primeiros tempos que, por descampados e terrenos incultos, se hão de alimentar as vias ferreas se não houver outro objecto em vista. É preciso pois sermos cautelosos, porém não pararmos, e attendermos sem reserva aos interesses do paiz, procurando o governo influir para que os capitaes se não illudam, e tomem uma direcção conveniente.

Estou convencido que não basta que demos auctorisações ao governo para contratar caminhos de ferro para as Beiras ou para o Minho, ou para Trás os Montes, é preciso que as companhias appareçam, e que as suas propostas sejam rasoaveis e justas. Estou seguro de que o governo não deixará de apresentar qualquer ensejo favoravel para contratar um caminho de ferro para a Beira. Se o Algarve foi preferido deve-o á sorte, foi uma antecipação e nada mais.

Por ultimo direi, que o governo andou bem n'este negocio, e merece ser elogiado, porque attendeu quanto possivel aos interesses do estado. E verdade que nós estamos sempre a emendar erros de administração, pois que a compra d'aquelle caminho foi uma falta, mas ella feita, era forçoso repara-la. A minha moção é para que se contrate um ramal do Barreiro para Cacilhas, aonde deve ser a ponte de partida d'aquella linha. Parece-me que este é de reconhecida importancia e utilidade.

PROPOSTA

Proponho que o governo contrate com a mesma companhia o ramal do Barreiro a Cacilhas, aonde se deve estabelecer a estação principal de toda a linha ferrea de sueste. = Ferreri.

Foi admittida.

O sr. Pereira Dias: — Peço a v. ex.ª que consulte a camara sobre se a materia está sufficientemente discutida. Julgou-se discutida, e posto a votos o

Artigo 2.° — foi approvado.

Artigo 3.°

O sr. Neutel: — Pedi a palavra na discussão da generalidade d'este projecto, assim como na do artigo 1.°, e não me tendo chegado em nenhuma d'estas occasiões, e havendo-se referido a mim o meu illustre amigo o sr. Abilio Costa, vejo-me na necessidade de dar agora algumas explicações relativamente á assignatura que prestei ao projecto do caminho de ferro para a Beira, com preferencia a outras linhas que de futuro possam a vir construir-se no nosso paiz.

Reconheço a necessidade que tem a Beira de se construir uma linha ferrea que vá do prolongamento do caminho de ferro de Coimbra para Almeida; mas tendo o sr. ministro das obras publicas declarado n'esta camara que já estava contratado o caminho de ferro para o Algarve, e que portanto esta era a primeira linha que se havia de construir, e tendo dito mais que em consequencia de ter que fazer a venda do caminho de ferro do sul estava nas suas vistas, ser o producto d'esta venda applicado para a linha do Algarve, eu que não sou só deputado do Algarve, mas deputado da nação, com o que me honro muito, e por conseguinte o meu campanario não é, tão pequeno que soe só no Algarve, e desejando que os melhoramentos se estendam a toda a parte, por isso prestei o meu voto e assignei o projecto, em que se pedia que se fizessem os estudos para o caminho de ferro da Beira.

Por consequencia, tendo assignado este projecto vime na necessidade de dar esta satisfação não só ao meu amigo, o sr. Abilio, mas aquelles que n'esta casa represento, porque de certo não me esquecerei nunca dos interesses da provincia do Algarve, nem de cousa alguma que possa concorrer para o seu bem estar (apoiados). Nunca me esqueci e honro-me muito de ser representante por aquella provincia (apoiados).

Mas entendo que depois de feitos uns caminhos devem-se ir fazendo outros, á proporção que os nossos meios o forem permittindo, e por isso estimo e folgo de ver que todos os meus collegas pugnam por que aos districtos que representam chegue este grande beneficio e partilhem d'este grande melhoramento; tanto com relação á Beira, como ao Minho, como a Traz os Montes. Desejo muito que possamos levar este grande meio de civilisação a toda a parte.

Portanto, pedindo que o governo mande proceder aos estudos para o caminho de ferro da Beira, não vim de maneira alguma combater o caminho de ferro do Algarve, porque esse estava para assim dizer determinado e resolvido que seria o primeiro a construir-se.

Dadas estas pequenas explicações não tenho mais nada a dizer.

E posto a votos o

Artigo 3.° — foi approvado.

O sr. Bivar: — Requeiro que todas estas propostas vão á commissão, sem prejuizo do andamento do projecto.

O sr. Visconde de Pindella (sobre a ordem): — Quero lembrar a v. ex.ª que a minha proposta não está no caso d'aquellas a que se refere o illustre deputado. Pedi explicações ao nobre ministro, que teve a bondade de m'as dar, e então retiro a minha proposta, e pedirei a palavra a v. ex.ª, logo que finde a discussão d'este projecto.

Foi retirada, e enviadas á commissão todas as outras propostas, sem prejuizo do andamento do projecto.

Artigo 4.° — approvado.

O sr. Visconde de Pindella (para um requerimento): — Não motivo o meu requerimento, porque o não posso fazer; digo unicamente que requeiro a v. ex.ª o cumprimento de uma resolução tomada pela camara. Alem d'isso o nobre ministro annuiu a que, logo que se votasse este projecto, se passasse ao n.° 146 (apoiados), que é o projecto do Sr. Sá Nogueira, para o caminho de ferro do Porto a Braga (muitos apoiados). Creio que não tem discussão, e não posso deixar de pugnar pelo cumprimento da resolução que a camara tomou.

O sr. Presidente: — O sr. visconde de Pindella requereu que depois do projecto que se acaba de votar se passe á discussão do projecto n.° 146; mas para isso ter logar deve haver a annuencia do sr. ministro das obras publicas.

Agora seguia-se passarmos á discussão do orçamento; no entretanto a camara resolverá o que melhor entender.

O sr. Ministro das Obras Publicas: — Eu já disse que não havia duvida por parte do governo (apoiados).

O sr. Presidente: — Fica por consequencia interrompida a discussão do orçamento.

O sr. Ministro da Fazenda (Lobo d'Avila): — Fica até se votar este projecto. Mas eu peço á camara que depois se occupe com urgencia do orçamento (apoiados).

Entrou em discussão na generalidade o projecto de lei n.º 146.

É o seguinte:

PROJECTO DE LEI N.° 146

Senhores. — A commissão de obras publicas vem desempenhar-se da honrosa missão que lhe incumbistes a respeito do projecto de lei n.° 106-A.

O dito projecto foi apresentado á consideração da camara pelo sr. deputado Antonio Cabral de Sá Nogueira, e tem por fim auctorisar o governo para mandar proceder á feitura do caminho de ferro do Porto a Braga.

A commissão de obras publicas ouviu a de fazenda ácerca d'este importante assumpto, e o seu parecer é favoravel ao principio contido no dito projecto.

N'estes termos a commissão de obras publicas, concordando nas considerações expostas pela de fazenda, e tendo em vista que é de conveniencia publica levar a linha de ferro do norte com a possivel urgencia até á cidade de Braga, é por isso de parecer, de accordo com o sr. ministro respectivo, que o dito projecto seja convertido no seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° É o governo auctorisado a contratar a construcção da parte do caminho de ferro do norte comprehendida. entre as cidades do Porto e de Braga, garantindo á respectiva empreza um juro certo do capital que ella empregar na sua construcção.

Art. 2.° O juro mencionado no artigo antecedente não deverá exceder 6 por cento.

Art. 3.° Os preços da tarifa dos transportes de passageiros e mercadorias não devem exceder os do caminho de ferro do norte.

Art. 4.° A construcção da via ferrea, mencionada no artigo 1.°, não deverá começar antes do governo ter approvado o respectivo projecto definitivo.

Art. 5.° Fica derogada a legislação em contrario.

Sala da commissão, 16 de junho de 1863. = Thiago Augusto Velloso de Horta = Fernando de Magalhães Villas Boas = Belchior José Garcez (com declarações) = Julio do Carvalhal de Sousa Telles = Placido Antonio da Cunha e Abreu.

A commissão de fazenda examinou o projecto de lei n.° 106-A, apresentado pelo sr. deputado Antonio Cabral de Sá Nogueira, a fim de se mandar proceder á construcção do caminho de ferro do Porto a Braga.

É fóra de duvida que a linha ferrea do norte está em tal estado de adiantamento que não é aventurada a asserção de que brevemente será entregue á circulação publica. Continuar portanto a grande arteria que, partindo da capital, encontra no seu trajecto quatro cidades das mais importantes do reino, é assim do maior interesse publico.

O movimento de passageiros e de mercadorias entre as duas cidades do Porto e de Braga é já tão consideravel que cobrirá provavelmente o juro do capital que se empregar na feitura do dito caminho de ferro.

Attendendo pois a commissão de fazenda ás observações que ficam exaradas e á necessidade de estender o beneficio da viação accelerada a dois grandes focos de producção;

Considerando que é muito conveniente por em immediata relação com a capital do reino o centro da provincia do Minho, tão rica em productos agricolas;

Considerando igualmente que as industrias daquella parte do paiz são já importantes, e que o genio dos habitantes é muito apto para similhantes trabalhos:

É a commissão de fazenda de parecer, de accordo com o governo, que se deve approvar o projecto de lei apresentado pelo sr. deputado Antonio Cabral de Sá Nogueira.

Sala da commissão, 16 de junho de 1863. = Belchior José Garcez (com declarações) = João Antonio Gomes de Castro = Thiago Augusto Velloso de Horta = Hermenegildo Augusto de Faria Blanc = Claudio José Nunes = Guilhermino de Barros = Jacinto Augusto de Sant'Anna e Vasconcellos = Placido Antonio da Cunha e Abreu.

O sr. Antonio de Serpa: — Desejaria pedir a este respeito algumas explicações ao governo.

Eu voto este caminho de ferro; mas quero votar um projecto que me dê a certeza ou pelo menos a probabilidade de que elle se ha de realisar.

O projecto não marca o capital sobre que se ha de conceder o minimo de juro.

Todos sabem os inconvenientes que tem a garantia de juro sobre o producto liquido da exploração, pelas difficuldades que ha em verificar qual é esse producto liquido, e pelos inevitaveis conflictos que suscita entre o governo e as emprezas.

Não está no mesmo caso a garantia de um certo produto bruto minimo.

Fixado o minimo do producto bruto, que o governo garante de modo que dê a probabilidade á empreza de tirar um juro rasoavel do seu capital, ha de haver quem appareça a contratar.

Eu estou convencido de que o governo encontrará capitães para esta empreza dentro do paiz.

Eu lembro esta substituição de condição porque desejo que o projecto seja votado em condições que nos dê esperanças de um contrato serio.

O sr. Ministro das Obras Publicas: — Eu reservava me para fazer a indicação que acaba de ser feita pelo sr. Antonio de Serpa, emquanto a ficar o governo auctorisado a garantir o juro sobre um certo producto bruto á companhia que contratar a exploração d'este caminho de ferro.

Não entrarei agora na discussão das vantagens da garantia de juro comparadas com as vantagens da subvenção. Entendo que não ha n'isto principio absoluto; que ha circumstancias em que convem dar uma subvenção e circumstancias em que convem dar uma garantia de juro.

E certo que contra a garantia de juro se offerece uma consideração importante, qual é a difficuldade de verificar o producto liquido de uma exploração de caminho de ferro. E esta a principal rasão pela qual se votava em muitos casos contra a garantia de juro. Mas essa difficuldade desapparece uma vez que nós garantamos o juro, não sobre o producto deduzidas as despezas da exploração, mas sobre um certo producto bruto da exploração.

Eu entendo que esta garantia de juro para os caminhos de ferro do norte de Portugal é mais uma garantia moral do que outra cousa. Para os caminhos de ferro do sul, que não podem ter uma exploração tamanha, era necessaria a subvenção, a querer que elles se tornassem uma realidade; mas para estes não acontece outro tanto.

Parece-me que não ha inconveniente em dar essa garantia de juro sobre o producto bruto da exploração, e não sobre o rendimento liquido. E idéa adoptada na Italia, na Hollanda, etc.; idéa que proporciona o modo mais efficaz de garantir o juro sem os inconvenientes que essa garantia podia trazer.

Não tenho pois duvida em aceitar a idéa, porque ella facilita a execução do caminho de ferro.

Página 1475

1475

Vozes: — Muito bem.

O sr. Torres e Almeida: — Fui prevenido pelo illustre deputado por Moimenta da Beira nas observações que s. ex.ª expendeu, e com que eu concordo plenamente.

Abstenho-me por consequencia de as reproduzir, e limito-me a mandar para a mesa uma substituição ao artigo 1.° nos seguintes termos.

É a seguinte

SUBSTITUIÇÃO AO ARTIGO 1.º

Ou um minimo producto bruto da exploração. = Torres Almeida = Visconde de Pindella = Pereira de Carvalho e Abreu.

O sr. Gouveia Osorio: — Ha uns poucos de dias que se estilo discutindo n'esta casa caminhos de ferro, e por tal fórma que nao devo acrescentar nada de novo sobre esta materia.

Não me opponho ao projecto de que actualmente se trata, e concordo mesmo com as disposições n'elle estabelecidas.

Se pedi a palavra foi para mandar para a mesa o seguinte additamento ao artigo 1.° (leu).

Tudo o que ha a dizer em favor da conveniencia da construcção dos caminhos de ferro foi dito nas sessões antecedentes; e eu, que não costumo repetir o que tem sido dito, limito-me a mandar para a mesa este additamento.

Estou certo de que ha de ser votado conjunctamente com 0 projecto. Mas se o não for reservo-me para desenvolver a doutrina n'elle contida quando vier á discussão um projecto que eu apresentei, e que 6 da iniciativa dos deputados da Beira.

Leu-se na mesa o seguinte

ADDITAMENTO AO ARTIGO 1.º

E bem assim o caminho de ferro da Beira, de Coimbra á fronteira de Hespanha. = A. de Gouveia Osorio = Francisco Antonio Barroso.

O sr. Presidente: — Tanto a proposta do sr. Torres e Almeida como a do sr. Gouveia Osorio dizem respeito ao artigo 1.º do projecto, e têem logar quando se tratar da especialidade. Ficam pois sobre a mesa para serem attendidas quando o artigo 1.° se discutir.

O sr. Antonio de Serpa: — Mando para a mesa a seguinte PROPOSTA

Proponho que no projecto de lei se estabeleça a condição de que o caminho do Porto a Braga seja construido em condição que possa ser continuado de Braga, e que se possa facilmente ligar com o caminho do norte. = A. de Serpa

= Gomes de Castro = A. X. Palmeirim = Carlos Cyrillo Machado = José Joaquim Figueiredo de Faria.

Foi admittida.

O sr. Pereira Dias (sobre a ordem): — Entendo que o logar é incompetente para apresentar moções de ordem; por isso reservo-me para quando se passar á especialidade e se tratar do artigo 1.°, porque tenho de mandar para a mesa um additamento ao additamento do sr. Gouveia Osorio. Quero tambem que o governo fique auctorisado a contratar a linha ferrea do Porto á Regua, porque é de grande conveniencia e principalmente na occasião em que se approxima a liberdade do commercio dos vinhos do Douro.

O sr. Sant'Anna e Vasconcellos (para um requerimento):

— Requeiro que v. ex.ª tenha a bondade de consultar a camara sobre se julga a materia na generalidade discutida.

Julgou-se discutida.

E posto á votação o

Projecto na generalidade — foi approvado.

O sr. Gomes de Castro (para um requerimento): — Requeiro que se consulte a camara se dispensa o regimento para se passar á especialidade.

Assim se resolveu.

E posto em discussão o

Artigo 1.°

O sr. Visconde de Pindella (para um requerimento): — Requeiro a v. ex.ª que tenha a bondade de consultar a camara sobre se quer prorogar a sessão até se votar este projecto.

Decidiu-se afirmativamente.

O sr. Luciano de Castro (sobre a ordem): — Mando para a mesa um parecer da commissão de legislação.

A imprimir.

O sr. Placido de Abreu (sobre a ordem e por parte da commissão): — É para declarar que a commissão aceita a emenda do Sr. Torres e Almeida, salva a redacção.

O sr. Ministro das Obras Publicas: — O melhor é garantir o minimo producto bruto da exploração.

O sr. Pereira Dias (sobre a ordem): — Pergunto se conjunctamente com o artigo 1.° estão em discussão as propostas que foram apresentadas por differentes srs. deputados quando se discutia a generalidade d'este projecto?...

Uma voz: — Estão.

O Orador: — N'esse caso declaro que as approvo todas; mas faço o seguinte additamento ao que foi mandado para a mesa pelo sr. Gouveia Osorio (leu).

N'esta repartição de melhoramentos publicos é necessario tambem contemplar a riquissima provincia de Trás os Montes (apoiados). Estou convencido de que não haverá duvida em aceitar este additamento, e que a camara votará unanimemente a construcção d'esta importante linha ferrea...

O sr. Ministro das Obras Publicas: — Parece-me que o mais conveniente é que essas propostas vão á commissão sem prejuizo do andamento do projecto (apoiados).

O Orador: — Não posso approvar o expediente do nobre ministro. Parece-me que na questão sujeita s. ex.ª não tem rasão, por isso que se não dão as mesmas circumstancias que existiam a respeito do projecto para a venda do caminho de ferro do sul (apoiados).

A camara tem apoiado constantemente a idéa de se construir uma linha ferrea do Porto a Braga, outra do Porto á Regua, bem como a que deve atravessar as duas Beiras. Havendo-se pois empenhado a camara n'este sentido, entendo que nós podemos votar desde já estas propostas, e do contrario não posso approvar o artigo 1.° d'este projecto.

Não é questão de preferencia ou de rivalidade, mas de interesse para tres provincias, para todo o paiz. Vejo que as provincias do Alemtejo e Algarve acabam de ser attendidas com uma vastissima rede de caminhos de ferro; desejo pois, desejâmos todos nós que o Minho, Trás os Montes e as duas Beiras sejam tambem attendidas nas suas justissimas reclamações; não ha rasão para que aquellas o sejam e estas não (apoiados). Causa dó aos deputados d'estas provincias ver que constantemente são attenuadas necessidades publicas do sul do reino, esquecendo-se completamente o norte! (Apoiados.)

Se é necessario um caminho de ferro para arrotear e cultivar o Alemtejo, é necessario tambem que se construam caminhos de ferro no Minho, nas Beiras e em Trás os Montes, a fim de que a agricultura ali existente se desenvolva e prospere.

Ouvi dizer que a agricultura ao norte do paiz está aperfeiçoada; não é assim (apoiados). As provincias do norte estão geralmente agricultadas; mas carecem de muitos meios ainda para que se possa dizer que á sua agricultura tocou a perfeição. Admittindo-se porém como verdadeira tal asserção, creio que o argumento vem provar a necessidade de se continuar as linhas ferreas que pedimos. É certo que ninguem será tão ousado que queira convencer alguem de que as linhas ferreas só devem construir-se em terrenos incultos.

Ainda não ha muito que ouvi dizer ao sr. ministro, aqui e n'uma reunião particular, que antes de se votar a liberdade do commercio dos vinhos do Douro, era preciso dotar aquelle paiz, não só com instituições bancarias, mas tambem com vias de communicação.

O sr. Ministro das Obras Publicas: — Apoiado.

O Orador: — Pois bem. Se o nobre ministro professa tão rasoavel opinião, qual o motivo por que lembrou o expediente de serem enviadas á commissão as propostas apresentadas, sem prejuizo do andamento do projecto? Longe de mim a idéa de acreditar que no peito do illustre ministro se premedita uma cilada; mas eu sei como as cousas se fazem (apoiados), e estou convencido que sendo mandadas as propostas á commissão, talvez lá ficassem ad perpetum rei memoriam.

Concluindo direi, que os deputados que representam o norte do paiz não podem votar o expediente lembrado pelo nobre ministro; é caso para uma bernarda essencialmente parlamentar. Estou prompto para entrar n'ella.

Leu-se na mesa a seguinte

PROPOSTA

E bem assim para o caminho de ferro do Porto á Regua. = Julio do Carvalhal Sousa Telles = Hermenegildo Augusto de Faria Blanc = José, Bispo Eleito de Macau = Guilhermino de Barros = Manuel Alves Martins de Moura = Poças Falcão = Affonso Botelho = Manuel Pereira Dias = Francisco Dias de Sá = Antonio Pinto de Magalhães Aguiar = Joaquim Pinto de Magalhães = Faria Guimarães = R. Lobo d'Avila = Ayres de Gouveia.

O sr. Ministro das Obras Publicas: — Tenho sempre mostrado o interesse que tomo pela viação da provincia de Trás os Montes; tenho mesmo feito tudo quanto posso para dar seguimento a essa viação; e hei de progredir no mesmo caminho, porque entendo em consciencia que ella deve ser dotada com estes melhoramentos.

Tambem declarei n'esta camara que tinha o maior empenho em que o caminho de ferro da Regua fosse uma realidade. Tenho feito apressar os estudos para a construcção d'este caminho, o independentemente da auctorisação da camara, não reputo o governo inhabilitado para tratar do que for conveniente para a realisação d'esta obra (apoiados).

Portanto, o governo independentemente d'essa auctorisação julga-se habilitado para tratar aquillo que for conveniente, e já declarei que havia o offerecimento de capitalistas que não tinham duvida em organisar uma companhia para a construcção do caminho de ferro do Minho e Trás os Montes.

O governo aceita a auctorisação para se fazer este caminho ou outro qualquer, o governo não se oppõe, antes tem a maior satisfação, porque, como já outro dia declarei, não sou de opinião que se pare n'estes commettimentos (apoiados).

Uma voz: — Não é possivel parar.

O Orador: — Agora o que é preciso é quando se trata de votar um projecto como este para a construcção do caminho de ferro do Porto a Braga, não querer que se comprehendam n'elle outros caminhos, porque isso assim resolvido de repente pôde trazer difficuldades e mesmo inconvenientes. Foi por isso que entendi que não era mui regular inserir se n'este projecto auctorisação para outros caminhos, mas o governo não tem duvida em aceitar a que se propõe para o caminho de Porto a Braga e á Regua.

O sr. Pereira Dias: — Então acabou a questão.

O sr. Ayres de Gouveia: — Peço a palavra para um requerimento.

O sr. Presidente: — Estão na mesa differentes propostas que se vão ler.

Foram admittidas as propostas dos srs. Antonio de Serpa, Torres e Almeida, Osorio e Pereira Dias.

O sr. Presidente: — Agora tem a palavra para um requerimento o sr. Ayres de Gouveia.

O sr. Ayres de Gouveia: — Peço a v. ex.ª que me reserve a apresentação d'elle para depois de fallar o sr..Serpa, que tem a palavra sobre a ordem.

O sr. Magalhães Aguiar (sobre a ordem): — Sr. presidente, vendo eu que ao artigo 1.° do projecto que está em discussão se fazem varios additamentos, e parecendo-me de grande interesse para o paiz um ramal de caminho de ferro, que, entroncando na via ferrea da Regua, vá pelo valle do rio Tamega, Amarante até Chaves, mando para a mesa o seguinte additamento (leu).

Como toda a camara, de certo, sabe a grande importancia d'esta via ferrea, e alem d'isso todos nós estamos desejando que termine a sessão, que se acha prorogada, abstenho-me de fazer algumas considerações, limitando-me a mandar para a mesa o meu additamento. E a seguinte

PROPOSTA

E bem assim um ramal de caminho de ferro pela margem do rio Tamega até Chaves. = Antonio Pinto de Magalhães Aguiar = Julio do Carvalhal.

Foi admittida.

O sr. Placido de Abreu (sobre a ordem): — Eu pedia ao illustre deputado e á camara, que não estorvasse o andamento regular d'este projecto, com indicações em que todos estamos de accordo; e comprometto-me em apresentar ámanhã, por parte da commissão, o parecer ácerca das propostas apresentadas. Ha de vir aqui o parecer sobre o caminho de ferro da Beira e da Regua.

Por consequencia pedia a todos os illustres deputados que não estorvássemos o andamento do projecto que é submettido á consideração da camara, e principalmente este que já está ha tanto tempo pendente de resolução. Esteja a Camara na intima convicção de que a commissão vem ámanhã apresentar a sua opinião ácerca das differentes propostas que lhe foram submettidas. Discutamos este projecto, ácerca do qual ha apenas pequenos ciúmes, mas ciúmes que devem cessar desde que ha a palavra da commissão que ámanhã se apresentará o parecer sobre as propostas apresentadas por parte dos differentes srs. deputados.

O sr. Casal Ribeiro (para um requerimento): — Sem abusar da palavra para um requerimento, mas unicamente para me esclarecer sobre o modo por que hei de votar, requeria a v. ex.ª que o sr. ministro das obras publicas fosse convidado a declarar, se entende que o contrato a que se refere esta auctorisação como está, ou ampliada com as propostas que têem sido mandadas para a mesa, não fica perfeitamente indefinido sem ser approvado pela camara.

Uma voz: — Isso está determinado no projecto.

O Orador: — Não vejo isso no projecto, e da resposta que o governo der a este respeito depende o meu voto. Voto-o se se entender que pelos contratos que se fizerem em virtude da auctorisação concedida n'este projecto, não fica preso o estado, sem que ácerca d'elles haja a approvação da camara.

O sr. Ministro das Obras Publicas: — A marcha geralmente seguida e mais regular n'estes contratos, é primeiro celebrar-se da parte do governo um contrato provisorio, que se traz á approvação do parlamento, e depois passar para um contrato definitivo. Mas a camara decidirá aquillo que for mais conveniente. N'estes termos póde o projecto ser redigido e aclarado, te elle não está sufficientemente claro.

O sr. Sant'Anna e Vasconcellos: — Pedi a palavra para rogar ao meu amigo e collega o Sr. Pereira Dias que não quizesse forçosamente enxertar em um projecto que tem até certo ponto condições definidas, a auctorisação para outras linhas, cujas condições podem ser outras (apoiados).

S. ex.ª sabe que não ha ninguem que seja mais acerrimo defensor do que eu e mais partidario d'este grande instrumento de civilisação. Concedo a todos os srs. deputados o seu amor por estes grandes meios de civilisação, mas nenhum tem mais enthusiasmo por elles do que eu. Estou persuadido de que a riqueza publica ha de desenvolver-se espantosamente e que dos caminhos de ferro é que ha de vir em grande parte a nossa regeneração economica (apoiados).

Não tenho apprehensões em relação aos encargos que elles nos hão de trazer, porque os caminhos de ferro hão de produzir sobejamente para esses encargos (apoiados). Por isso eu aceito uma proposição enunciada aqui pelo sr. Serpa, pessoa muito competente n'este assumpto e cuja intelligencia eu aprecio. Disse s. ex.ª que = quando mesmo se contratasse toda a rede de caminhos de ferro de que o paiz carece, essa rede de caminhos de ferro não daria senão um encargo de 900:000$000 ou 1.000:000$000 réis; portanto aceitando completamente as observações feitas pelo illustre deputado, eu digo, que se o paiz não podesse, á vista do desenvolvimento progressivo que vae tendo, fazer face num certo e determinado tempo ao encargo de 900:000$000 ou 1.000.000$000 réis para este fim, triste era a nossa sorte.

Voltando pois ao meu primeiro empenho e declarando como fez o meu amigo o sr. Placido, ao illustre deputado o sr. Pereira Dias, que a commissão se compromette a trazer parecer sobre todas as propostas que foram apresentadas, rogava de novo ao meu amigo que não insistisse por que se fizesse este enxerto, como já lhe chamei, e que deixasse correr regularmente a discussão d'este projecto. S. ex.ª apresentou uma indicação, a commissão compromette-se séria e positivamente a apresentar o seu parecer sobre ella, parecer que ha de ser favoravel de certo, nem eu o assignaria senão n'esse sentido, e deixemos passar este projecto de lei que todos reconhecemos de maxima importancia para o paiz (apoiados).

O sr. Antonio de Serpa: — Eu digo a respeito dos caminhos de ferro que se propõem, e sobretudo do da Beira, que julgo de alta conveniencia, o mesmo que disse a respeito do caminho de ferro do Minho. Eu quero os caminhos de ferro, e por isso que os quero, é que desejo que sejam votados de maneira que se possam fazer.

O illustre deputado propõe que n'este projecto ácerca do

Página 1476

1476

caminho de ferro do Minho seja incluido o caminho de ferro da Beira, isto é, propõe que o caminho de ferro da Beira seja feito com as mesmas condições que o do Minho. Mas pôde acontecer que as condições devam ser differentes. Se para um caminho de ferro é conveniente estabelecer a garantia de um minimo do producto bruto ou o minimo do juro, para outro convirá antes ao estado estabelecer uma subvenção. É preciso estudar esta questão, não me parece que seja conveniente resolve-la desde já de um modo que póde ser inconveniente, e talvez que mesmo o governo não possa emittir a sua opinião sem colher esclarecimentos. Parece-me que devemos ir devagar para chegarmos depressa. Votemos agora o caminho de ferro do Minho e votaremos depois o da Beira, que eu sou o primeiro a reconhecer como tam dos mais importantes do paiz, e estou prompto a auxiliar o governo com o meu voto para que elle seja levado a effeito (apoiados), para que seja uma realidade pratica e não para que fique escripto no papel.

O sr. Fernandes Vaz: — Pedi a palavra quando vi que uma das rasões que se davam para que não se podessem enxertar n'este projecto os additamentos dos srs. Gouveia Osorio e Pereira Dias, para que o governo fosse auctorisado a contratar a construcção dos caminhos de ferro da Beira e do Douro, era que esses caminhos de ferro deviam ser feitos com condições diversas d'aquellas com que se pretende contratar o caminho de ferro do Porto a Braga.

O sr. Sant'Anna e Vasconcellos: — Eu disse que podiam ser outras as condições, mas não disse que effectivamente o eram.

O Orador: — Pois eu aceito mesmo a idéa de que effectivamente devem ser differentes, porque assim o entendo, e por isso pedi a palavra para propor como additamento ao do sr. Gouveia Osorio, que o governo seja auctorisado a contratar a construcção do caminho de ferro da Beira com as condições que julgar mais vantajosas (apoiados). Parece-me que assim temos evitado todos os inconvenientes, porque o projecto fica redigido por fórma que limitando a auctorisação do governo, quanto ao caminho de ferro do Porto a Braga, pela garantia do juro ou do minimo producto bruto, deixa quanto ás outras duas vias, liberdade ao governo para contratar com outras condições diversas, se as julgar vantajosas.

Julgo que são justificados os desejos dos deputados do Douro e da Beira, para que n'este projecto se inclua tambem a auctorisação para serem contratados os caminhos de ferro da Beira e da Regua ao Porto.

Elles não são movidos pelo espirito de desconfiança, que não ha nem deve haver entre collegas tão respeitaveis, mas sim pelas exigencias do bem publico e pela intima convicção que nutrem das vantagens de taes vias ferreas (apoiados). E com effeito desde o momento em que o governo declarou que o projecto não importava senão auctorisação para contratar, desde que o governo declarou que aceitava auctorisação para contratar não só o caminho de ferro de Braga, mas o do Douro e o da Beira, não sei que repugnancia possa haver da parte da commissão em adoptar desde já o additamento do sr. Gouveia Osorio com esta condição que proponho, para o governo ser auctorisado a contratar estes ultimos com as condições que julgar mais vantajosas. Esta repugnancia é que tambem se não justifica (apoiados).

Limito aqui as minhas observações, ainda que, se a hora não estivesse tão adiantada, bem desejaria continuar com a palavra para demonstrar as innumeras vantagens do caminho de ferro da Beira, a respeito do qual ha incontroversos argumentos com que se possa defender a sua preferencia, mesmo alem d'aquelles que eloquentemente aqui têem sido apresentados.

Leu-se na mesa a seguinte

PROPOSTA

Proponho que em additamento ao do sr. Osorio se acrescentem as palavras = com as condições que mais vantajosas julgar. = Fernandes Vaz.

Foi admittida.

O sr. Quaresma: — Requeiro que se consulto a camara sobre se julga a materia discutida. Julgou-se discutida.

O sr. Pereira Dias (sobre o modo de propor): — O que eu entendia mais rasoavel era que tudo fosse á commissão de obras publicas.

O sr. Presidente: — É esse o requerimento do sr. Placido.

O sr. Placido de Abreu: — Mas sem prejuizo do projecto.

O sr. Presidente: — Os senhores que são de opinião que todas as propostas vão á commissão, conforme requereu o Sr. Placido...

O sr. José de Moraes: — Peço a palavra sobre o modo de propor.

O sr. Sant'Anna e Vasconcellos: — Está-se votando.

O sr. José de Moraes: — Se v. ex.ª propõe que todas as propostas vão á commissão juntamente com o projecto, eu voto, mas não voto que vão só as propostas. E preciso saber o que se vota; faça V. ex.ª favor de formular a proposta.

Uma voz: — O projecto já está approvado na generalidade.

O sr. Secretario (Miguel Osorio): — O que se deve votar em primeiro logar é o artigo 1.° do projecto, o depois as propostas que foram remettidas para a mesa (apoiados).

O sr. Torres e Almeida mandou para a mesa esta proposta a que chamou substituição (leu).

O sr. Torres e Almeida: — Não copiei todo o artigo, mas só a parte que pretendia substituir; creio que é uma emenda á ultima parte do artigo.

O sr. Presidente: — A proposta dos srs. visconde de Pindella, Torres e Almeida e Pereira de Carvalho e Abreu é uma emenda ao artigo 1.°, e como tal deve ser votada em primeiro logar...

O sr. Antonio de Serpa: — Na mesa ha propostas que podem ser mandadas á commissão sem prejuizo do andamento da discussão, mas ha outras que não podem lá ser mandadas sem prejuizo da discussão. (Vozes em sentido negativo.), porque se o projecto passasse sem ellas ficaria inutil. Nós approvámos já o projecto na generalidade, e o que me parece é que elle deve ser mandado á commissão com as propostas adoptadas para ser redigido na conformidade d'ellas (muitos apoiados).

O sr. Presidente: — Este projecto podia-se votar todo condicionalmente sem prejuizo do que a commissão decidisse ácerca das propostas que estão na mesa, como o sr. Placido de Abreu propoz (apoiados).

O sr. Placido Abreu (por parte da commissão de obras publicas - Eu tinha dito a v. ex.ª e á camara que nós apresentaríamos ámanhã o parecer, e entendia por isso que não, haveria inconveniente para se votar já o projecto (apoiados). Entretanto para acabar com todas estas questões e

duvidas, peço a v. ex.ª por parte da commissão que lhe envie essas emendas e additamentos que estão na mesa juntamente com o projecto, que ámanhã apresentaremos um parecer (apoiados).

O sr. Casal Ribeiro: — O estado em que se encontra a camara mostra sufficientemente, creio eu, que será difficil tomar outro expediente rasoavel, que não seja o que acaba de ser indicado, mandando se todas as propostas á commissão para que ella com toda a urgencia modifique, no que entender conveniente, o seu parecer no sentido daquillo que adoptou. Como me parece que a camara está disposta a aceitar esta resolução, eu peço a v. ex.ª licença para mandar para a mesa uma proposta na conformidade da indicação que fiz, e foi aceita pelo sr. ministro das obras publicas para ser remettida á commissão juntamente com as outras. Creio que vae tarde; mas se assim é a culpa não é só minha, é de nós todos. É o seguinte

ADDITAMENTO

§ unico. O contrato definitivo para se tornar obrigatorio fica dependente de approvação legislativa. = Casal Ribeiro.

O sr. Secretario (Miguel Osorio): — Recebeu-se na mesa uma mensagem da camara dos dignos pares, acompanhando o projecto de lei sobre a questão do tabaco com as alterações que lhe foram feitas n'aquella camara. Vae ser remettido á commissão respectiva.

Leu-se na mesa a proposta do sr. Casal Ribeiro para ser admittida á discussão.

O sr. Presidente: — Não ha numero na casa. A ordem do dia para ámanhã é a mesma. Está levantada a sessão. Eram quatro horas e meia da tarde

PARECERES

V

A commissão examinou com a devida attenção o requerimento em que D. Rosa Emilia de Sousa Vahia, viuva do brigadeiro Antonio Pinto de Carvalho, governador que foi da praça de Valença, pede uma pensão vitalicia com sobrevivencia para as suas tres filhas D. Henriqueta, D. Izabel e D. Maria, isto em remuneração dos prestantes serviços feitos por aquelle seu pae e marido á causa da liberdade.

A commissão porém considerando que, segundo a legislação em vigor, não é da competencia da camara electiva d'esta materia, é de parecer que o presente requerimento seja remettido ao governo para o tomar na merecida consideração.

Sala da commissão, em 25 de abril de 1864. = Francisco Manuel da Costa = Manuel Alves Martins de Moura = Manuel José de Sousa Junior = Bernardo José de Almeida e Azevedo.

Em virtude de resolução da camara dos senhores deputados se publica o seguinte

Senhores deputados da nação. — Quando tendes de occupar-vos novamente do projecto de lei para a extincção do monopolio do tabaco, não julgueis inopportuno que o caixas geraes da companhia do contraio do tabaco venham chamar a vossa attenção para algumas das disposições d'aquelle projecto, as quão consideram attentatorias e offensivas do seu direito de propriedade, tão amplamente garantido na lei fundamental do estado.

Tanto na nossa constituição (artigo 145.° § 21.°), como nas de todas as nações aonde rege o systema representativo, como n'aquellas cujos governos têem por base o direito universal fundado nos principios do justo, o direito de propriedade é garantido em toda a sua plenitude. O contrario d'isto importava o completo desprezo da sã philosophia do direito, e contrariava o pensamento de todos os legisladores que, era todas as epochas, têem proclamado o direito de propriedade, um direito inviolavel e sagrado.

A propriedade tem direito e garantias especiaes. Não pôde ser cegamente sacrificada ao interesse geral. E quando isto se não attenda, podemos dizer — não ha liberdade aonde a propriedade não é respeitada.

Firmados em tão salutares doutrinas, e seguros da nossa consciencia pelo direito que nos assiste, é que vimos perante vós expor os fundamentos que temos, para solicitar a eliminação dos artigos 17.° e 19.° do projecto a que nos referimos.

O direito de propriedade tem uma só limitação — a do uso e emprego da propriedade do cidadão, se o bem publico legalmente verificado o exigir, mediante previa indemnisação do seu valor. Isto porém diz respeito sómente á propriedade immovel. Não ha codigo de nação civilisada nem escriptos de direito que torne extensiva a necessidade da expropriação a objectos moveis.

E facil é de comprehender porque os objectos moveis, ou effeitos de commercio estão fóra do alcance da limitação que póde soffrer a propriedade immovel. A expropriação não é um meio regular de adquirir; funda-se na necessidade publica de obter a cousa a expropriar pela impossibilidade da sua substituição.

A necessidade publica determinada pelo interesse geral faz com que a este se não anteponha o interesse particular, e d'aqui nasce a conveniencia da adopção de medidas que conciliando os interesses da propriedade com o da utilidade publica facilite ás grandes emprezas de trabalhos publicos e á viação accelerada os terrenos da que carece para levar á execução as obras projectadas. É este o fundamento, o fim e o criterio de todas as leis de expropriação, e foi o pensamento que presidiu á de 23 de julho de 1850 como se collige de todas as suas disposições.

Dos principios expostos não poderá nunca derivar-se como corollario a doutrina consignada nos artigos 17.º e 19.º do projecto a que alludimos.

Pretendera expropriar nos das machinas de que nos temos servido para a fabricação dos tabacos, que eramos obrigados a fornecer pelo contrato que findou em 30 de abril ultimo. Quando a expropriação de objectos moveis industriaes fosse permittida, que não é, que fundamentos se invocam para a decretar? O ser preciso que as vantagens das liquidação do monopolio das suas fabricas, da sua freguezia, se vendam em proveito do thesouro.

É o que está escripto no relatorio que precede o projecto. Como póde admittir-se a liquidação do monopolio, se o monopolio continua a existir? E caso assim não fosse, desde que se trata de estabelecer a liberdade do fabrico do tabaco porque principio se arroga o governo o direito da liquidação das machinas, quando isto se não consignou nas condições da arrematação?

O direito de propriedade que nós temos sobre as machinas e generos em ser, não nos póde ser usurpado sob pretexto algum, nem ainda o de o governo auferir lucros, que caso os haja são unicamente devidos ao emprego e empate de capitães exclusivamente nossos. Poderá o governo arvorar-se em arbitro das vantagens que podessemos auferir da passagem do monopolio para a liberdade do fabrico do tabaco, com o fim de nos privar d'ellas? E, se em vez d'essas vantagens, houvessem perdas, o governo ou as côrtes indemnisavam-nos? Se este caso se desse, responder-nos-iam, não contratasseis, e faziam o que deviam fazer.

E obvio portanto que o governo não pôde decretar as expropriações de que se trata com respeito ás machinas, e menos ainda com relação aos generos.

Nem uma, nem outra cousa o governo e a propria por utilidade publica. Se esta é aferida sempre pela necessidade geral, poder-se-hão considerar nesta hypothese os individuos que arrematarem o monopolio nos seis mezes que decorrem de junho a dezembro de 1864? Pois utilidade, se existe, é para os novos arrematantes, considerando que vão ser postas á sua disposição as machinas e os tabacos que existem nos nossos depositos? E o governo poderá em bom direito locupletar-se á custa alheia, ou as côrtes legislarem para que isto se permitta com prejuiso de terceiros?

Mas a indemnisação. É o ponto que nos resta a desenvolver.

E principio incontroverso que a expropriação se não póde verificar sem a previa indemnisação. Concedendo que a expropriação de que se trata fosse admissivel, que não é, estabelece-se nos artigos já referidos que a indemnisação se verifique depois da entrega dos objectos a expropriar. Mais uma vez deixou de attender se o bom direito, o qual se acha respeitado na lei de 23 de julho de 1850, e que se devia ter adoptado para a fórma do processo a seguir, prevenindo a hypothese da falta de convenção amigavel.

Um juizo arbitral engendrado a capricho e estabelecido contra todo o direito commum, sem recurso da sua decisão, quando só a convenção das partes o pôde dispensar, porque importa a renuncia de um direito, eis a formula a que os expropriandos se sujeitara sem garantias de poderem obter o justo preço da cousa que se lhes pretende usurpar!

A fixação do preço corre parelhas com o processo estabelecido. Marca-se na lei aquelle em que devam ser computadas as machinas e os tabacos a expropriar, em attenção a uma epocha que regulou transacções que tiveram causas differentes e que foram determinadas por circumstancias inteiramente diversas. Isto faz-se, sem attenção a que b valor real e de estima de effeitos que fazem objecto do commercio é variavel por estar dependente das oscillações do mercado, as quaes são determinadas pelas leis economicas que regulam a offerta e o pedido.

Alem d'isto, o modo como essa indemnisação, puramente imaginaria, se manda verificar, por meio de um deposito que não pôde ser considerado pagamento previo, ou de uma caução que o não é para os expropriandos, porque não são ouvidos para ella se effectuar, torna irrisoria a garantia unica da expropriação, attendendo a que a indemnisação previa é preceito constitucional de que não é dado prescindir-se. (Carta constitucional artigo 145.° § 21.°)

A todos é permittido prepararem-se para a livre fabricação do tabaco, menos a nós porque nos expropriam as nossas machinas e os nossos tabacos, por um mero arbitrio. Odiosa excepção!

E em que condições ficam os contratadores que nos substituirem na arrematação dos seis mezes até dezembro de 1864? Pois nós somos expropriados, em nome da utilidade publica dos lucros que podessemos auferir da passagem para a liberdade, e que intenta fazer o governo a respeito dos outros? De que modo se provê no projecto para este caso? A omissão mostra claramente o absurdo da doutrina em nome da qual nos pretendem expoliar do que é nosso!

Senhores deputados da nação, submettemos á vossa consideração as muitas observações que vimos de fazer, acre-

Página 1477

1477

ditando nós desde já que hão ide ser apreciadas como merecem na vossa alta sabedoria, para que se nos mantenha o indisputavel direito de propriedade que temos sobre os objectos de que nos pretendem expropriar, o qual estamos dispostos a sustentar á face das leis do paiz.

Lisboa, 10 de maio de 1864. = Antonio José de Andrade = Francisco José da Silva Torres = Manuel Antonio de Seixas = José Ribeiro da Cunha.

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×