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SESSÃO DE 30 DE JULHO DE 1890

Presidencia do exmo. sr. Pedro Augusto de Carvalho

Secretarios - os exmos. srs.

José Joaquim de Sousa Cavalheiro
Julio Antonio Lima de Moura

SUMMARIO

Lêem-se na mesa tres officios: um do ministerio do reino, acompanhando exemplares de relatorios e declarações do tribunal de contas; outro de agradecimento particular ao voto de sentimento dado pela camara pelo fallecimento do digno par Miguel Osorio; e outro da presidencia do conselho de ministros, acompanhando um decreto de prorogação das côrtes.- O sr. Xavier da Cunha manda para a mesa uma representação e um requerimento de interesse particular; falla do estado da viação no districto da Guarda e insta por documentos que pedíra - O ar. Mota Veiga apresenta pareceres das commissões de administração publica e de legislação civil.- O sr. Eduardo Abreu manda para a mesa uma representação, lamenta a ausencia dos srs. ministros, e, fundamentando a representação, protesta contra um pedido de dispensa de preparatorios em favor de um individuo, para que este possa fazer exame de pharmacia.- O sr. José de Castro declara que se não assistira á anterior sessão nocturna fôra por ignorar que ella devesse ter logar.- O sr. Cardoso Pimentel deseja chamar a attenção do sr. ministro da fazenda para abusos que dizem respeito a processos de fazenda no concelho de Ancião.- A requerimento do sr. Hintze Ribeiro e dispensado o regimento para que entrem em discussão os projectos de lei n.º 166 e 158. - É approvado sem discussão o projecto n.° 166.- O projecto n.° 15S 6 retirado a requerimento do sr. Hintze Ribeiro, depois do sr. Francisco Machado haver declarado necessitar de documentos para apreciação do mesmo projecto.- Lê-se o decreto que proroga a actual sessão legislativa.- Dá se conta de uma ultima redacção.- Manda para a mesa uma nota de interpellação o sr. Emygdio Navarro.- O sr. José Maria dos Santos apresenta uma representação e um projecto de lei.

Na ordem do dia entra em discussão o projecto de lei n.º 165, sobre navegação para a Africa.- O sr. Emygdio Navarro declara ser esta uma questão aberta para a opposição, e que, ainda que partidario da idéa fundamental do projecto, discorda comtudo do mesmo projecto.- Responde lhe o sr. ministro da marinha.- O sr. Fernando Palha discursa largamente contra o projecto.- O requerimento do sr. Cardoso Pimentel, para que se prorogue a sessão até que se voto o projecto, provoca reclamações da opposição, que dão logar a que o requerimento seja retirado, tomando em seguida a palavra o sr. ministro da marinha, que estranha a altitude da opposição, a qual suppunha favoravel ao projecto.- O sr. Fuschini falla contra, até dar a hora de se encerrar a sessão, adduzindo grande copia de argumentos.- Concedida a palavra ao sr. Navarro, que a pedíra, assim como ao sr. Eduardo Abreu, para antes de se encerrar a sessão, trocam-se explicações entre os srs. Navarro e ministro da marinha sobre a attitude assumida pela opposição.- O sr. Eduardo Abreu nota, e o sr. presidente explica, um erro na relação dos membros da commissão de fazenda que assignam o parecer relativo ao projecto em discussão.

Abertura da sessão - Ás duas horas e meia da tarde.

Presentes á chamada 58 srs. deputados. São os seguintes: - Abilio Eduardo da Costa Lobo, Agostinho Lucio e Silva, Albino de Abranches Freire de Figueiredo, Alvaro Augusto Froes Possollo de Sousa, Amandio Eduardo da Motta Veiga, Antonio Augusto Correia da Silva Cardoso, Antonio Fialho Machado, Antonio Jardim de Oliveira, Antonio José Lopes Navarro, Antonio Manuel da Costa Lereno, Antonio Maria Cardoso, Antonio Mendes Pedroso, Antonio Sérgio da Silva e Castro, Arthur Hintze Ribeiro, Augusto José Pereira Leite, Custodio Joaquim da Cunha e Almeida, Eduardo Abreu, Eduardo Augusto da Costa Moraes, Eduardo Augusto Xavier da Cunha Eduardo de Jesus Teixeira, Eduardo José Coelho, Fernando Pereira Palha Osorio Cabral, Fidelio de Freitas Branco, Francisco José Machado, Jacinto Candido da Silva, Jayme Arthur da Costa Pinto, João Alves Bebiano João de Barros Mimoso, João Pereira Teixeira de Vasconcellos, João Pinto Moreira, João Pinto Rodrigues do Santos, João Simões Pedroso de Lima, Joaquim Germano de Sequeira, Joaquim Ignacio Cardoso Pimentel Joaquim Simões Ferreira, José de Alpoim de Sousa Menezes, José Augusto Soares Ribeiro de Castro, José Christovão Patrocinio de S. Francisco Xavier Pinto, José Domingos Ruivo Godinho, José Elias Garcia, José Gregorio de Figueiredo Mascarenhas, José Joaquim de Sousa Cavalheiro, José Julio Rodrigues, José Maria Charters Henriques de Azevedo, José Maria de Oliveira Peixoto, Tose Maria Pestana de Vasconcellos, José Monteiro Soares de Albergaria, José Paulo Monteiro Cancella, José Victorino de Sousa e Albuquerque, Julio Antonio Luna de Moura, Lucinno Cordeiro, Luiz de Mello Bandeira Coelho, Luiz Virgilio Teixeira, Marcellino Antonio da Silva Mesquita, Miguel Dantas Gonçalves Pereira, Pedro Augusto de Carvalho, Pedro Ignacio de Gouveia e Thomás Victor da Costa Sequeira.

Entraram durante a sessão os srs.: - Adriano Augusto da Silva Monteiro, Adriano Emilio de Sousa Cavalheiro, Alberto Augusto de Almeida Pimentel, Alexandre Alberto da Rocha Serpa Pinto, Alfredo Cesar Brandão, Alfredo Mendes da Silva, Antonio Baptista de Sousa, Antonio Eduardo Villaça, Antonio Maria Jalles, Antonio Cosia, Antonio Ribeiro dos Santos Viegas, Augusto Maria Fuschini, Bernardino Pereira Pinheiro, Caetano Pereira Sanches de Castro, Carlos Lobo d'Avila, Carlos Roma du Bocage, Christovão Ayres de Magalhães Sepulveda, Elvino José de Sousa e Brito, Emygdio Julio Navarro, Eugenio Augusto Ribeiro de Castro, Fernando Mattozo Santos, Francisco Antonio da Veiga Beirão, Francisco de Barros Coelho e Campos, Francisco Felisberto Dias Costa, Francisco Joaquim Ferreira do Amaral, Francisco Severino de Avellar, Francisco Xavier de Castro Figueiredo de Faria, Frederico de Gusmão Corrêa Arouca, João Ferreira Franco Pinto Castello Branco, João José d'Antas Souto Rodrigues, José de Azevedo Castello Branco, José Dias Ferreira, José Estevão de Moraes Sarmento, José Freire Lobo do Amaral, José Maria de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, José Maria Greenfield de Mello, José Maria dos Santos, José Maria de Sousa Horta e Costa, Julio Cesar Cau da Costa, Luciano Affonso da Silva Monteiro, Luiz Augusto Pimentel Pinto, Manuel Affonso Espregueira, Manuel de Arriaga, Manuel d'Assumpção, Pedro Victor da Costa Sequeira e Roberto Alves de Sousa Ferreira.

Não compareceram á sessão os srs.: - Abilio Guerra Junqueiro, Adolpho da Cunha Pimentel, Albano de Mello Ribeiro Pinto, Alexandre Maria Ortigão de Carvalho, Antonio de Azevedo Castello Branco, Antonio José Arroyo, Antonio José Ennes, Antonio Maria Pereira Carrilho, Antonio Pessoa de Barros e Sá, Antonio Teixeira de Sousa, Aristides Moreira da Motta, Arthur Alberto de Campos Henriques, Arthur Urbano Monteiro de Castro, Augusto Carlos de Sousa Lobo Poppe, Augusto César Elmano da Cunha e Costa, Augusto da Cunha Pimentel, Barão de Paço Vieira (Alfredo), Bernardino Pacheco Alves Passos, Columbano Pinto Ribeiro de Castro, Conde do Covo, Conde de Villa Real, Estevão Antonio de Oliveira Junior, Feliciano Gabriel de Freitas, Fortunato Vieira das Neves, Francisco de Almeida e Brito, Francisco de Castro Mattozo da Silva Côrte Real, Francisco José de Medeiros, Frederico Ressano Garcia, Guilherme Augusto Pereira de Carvalho de Abreu, Henrique da Cunha Matos de Mendia, Ignacio Emauz do Casal Ribeiro, Ignacio

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1618 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

José Franco, João Lobo de Santiago Gouveia, João Marcellino Arroyo, João Maria Gonçalves da Silveira Figueiredo, João de Paiva, João de Sousa Aludindo, Joaquim Alves Matheus, Joaquim Pedro de Oliveira Martins, Joaquim Teixeira Sampaio, José de Abreu do Couto Amorim Novaes, José Alves Pimenta de Avellar Machado, José Antonio de Almeida, José Bento Ferreira de Almeida, José Frederico Laranjo, José Gonçalves Pereira dos Santos, José Luiz Ferreira Freire, José Maria Latino Coelho, José de Vasconcellos Mascarenhas Pedroso, Lourenço Augusto Pereira Malheiro, Luiz Gonzaga dos Reis Torgal, Manuel Constantino Theophilo Augusto Ferreira, Manuel Francisco Vargas, Manuel de Oliveira, Aralla e Costa, Manuel Pinheiro Chagas, Manuel Thomás Pereira Pimenta de Castro, Manuel Vieira de Andrade, Marianno Cyrillo de Carvalho, Marquez de Fontes Pereira de Mello, Matheus Teixeira de Azevedo, Pedro de Lencastre (D.), Sebastião de Sousa Dantas Baracho, Visconde de Tondella e Wenceslau de Sousa Pereira Lima.

Acta - Approvada.

EXPEDIENTE

Officios

Do ministerio da fazenda, acompanhando 180 exemplares do relatorio e declarações do tribunal do contas sobre as contas do estado, dos ministerios e da junta do credito publico da gerencia de 1887-1888 e exercicio de 1886- 1887.

Para a secretaria.

De D. Maria do Carmo Osorio Cabral Pereira de Menezes, agradecendo o voto de sentimento d'esta camara, pelo fallecimento de seu irmão, o digno par do reino Miguel Osorio Cabral de Castro.

Para a secretaria.

Do ministerio do reino acompanhando o decreto que proroga a actual sessão até ao dia 8 do proximo mez do agosto, inclusivamente.

REPRESENTAÇÕES

De conductores de obras publicas, em serviço em differentes direcções de obras publicas, caminhos de ferro, etc., pedindo uma modificação no quadro e creação de uma nova classe de conductores.

Apresentada pelo sr. deputado Xavier da Cunha, enviada á commissao de obras publicas, ouvida a de fazenda, e mandada publicar no Diario do governo.

Do centro pharmaceutico portuguez, contra o projecto de lei que dispensa os preparatorios escolares a Manuel de Oliveira Neves, para poder fazer exame de pharmacia.

Apresentada pelo sr. Eduardo Abreu, enviada á commissão de instrucção primaria e secundaria e inundada publicar no Diario do governo.

Da junta de parochia da freguezia de Santo Antonio do concelho do Reguengos, pedindo dispensa do pagamento de contribuição de registo relativo ao legado que lhe foi feito por Manuel Augusto Mendes Papança.

Apresentada pelo sr. deputado José Maria dos Santos e enviada á commissão de fazenda.

REQUERIMENTO DE INTERESSE PARTICULAR

De Rodolpho Augusto de Passos e Sousa, capitão do regimento de infanteria n.° 4, pedindo que se lhe torne extensivo, para os effeitos da reforma, a disposição do § 3.º do artigo 85.° do regulamento disciplinar.

Apresentado pelo sr. deputado Xavier da Cunha e enviado á commissão de guerra, ouvida a de fazenda.

O sr. Xavier da Cunha: - Mando para a mesa uma representação dos conductores de obras publicas, em serviço em diversas direcções de obras publicas, caminhos de ferro, etc., na qual pedem umas modificações no quadro, e creação de uma nova classe do conductores.

Parece me justa e equitativa esta petição.

Peço a v. exa. que consulte a camara sobre se permitte que esta representação seja publicada no Diario do governo.

Mando tambem para a mesa um requerimento de Rodolpho Augusto de Passos e Sousa, capitão do regimento de infanteria n.° 4, no qual pede que se lhe torne extensiva, para os efseitos da reforma, a disposição do § 3.° do artigo 85.° do regulamento disciplinar.

Desejava chamar a attenção do sr. ministro das obras publicas para o estado em que se encontra a viação publica do districto da Guarda, mas antes d'isso peço a v. exa. que me diga se já vieram os documentos que pedi na sessão do 11 do corrente, porque não desejo fallar senão baseado em documentos, e no caso d'elles ainda não terem vindo peço a v. exa. que se digne instar para que me sejam remettidos com a possivel brevidade.

A representação e o requerimento tiveram o destino indicado a paginas 1618 d'este Diario, e foi auctorisada a publicação da representação no Diario do governo.

O sr. Presidente: - Os documentos pedidos por v. exa. na sessão de 11 de julho, ainda não chegaram.

O sr. Mota Veiga: - Por parte da commissão de administração publica mando para a mesa o parecer relativo ao projecto de lei apresentado pelo sr. Julio de Moura, auctorisando a camara municipal do concelho de Meda a desviar 2 contos de réis do fundo de viação para ser applicada a melhoramentos no estabelecimento balnear de Longroivo; e outro, da commissao de legislação civil, ácerca do projecto n.° 140-C, creando um officio de tabellião de notas em Proença.

Os pareceres foram a imprimir.

O sr. Eduardo Abreu: - Sentia não ver presente o sr. ministro da instrucção publica, a quem desejava dirigir-se, lamentando que sempre que queria dirigir-se a algum ministro este não estivesse presente.

Mandou para a mesa uma representação do centro pharmaceutico portuguez contra o projecto de lei que dispensa os preparatorios escolares a Manuel de Oliveira Neves para poder fazer exame de pharmacia.

Este assumpto, apparentemente insignificante, tinha um alto valor, pois lhe constava que o sr. ministro da instrucção publica patrocinava esse projecto.

Não se podia admittir que se fizesse essa dispensa, e elle estava resolvido a envidar todos os seus esforços para que esse projecto não tivesse a sancção parlamentar.

Pediu ao sr. presidente que consultasse a camara sobre se permittia que essa representação fosse publicada no Diario do governo.

(Publicar-se ha na integra, e em appendice a esta sessão, o discurso do orador, quando s. exa. haja revisto as notas tachygraphicas.)

A representação teve o destino indicado a pag. 1618 d'este Diario, e foi auctorisada a sua publicação no Diario do governo.

O sr. José de Castro: - Pedi a palavra para declarar a v. exa. e á camara o motivo porque faltei á sessão nocturna de hontem, e em que se discutiu o projecto n.° 161, de que eu era relator.

Suppuz que não houvesse sessão nocturna, por isso que ouvi dizer a alguns dos meus collegas, nos corredores da

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camara, antes de hontem, que não haveria mais sessões nocturnas.

É certo, porém, segundo me disseram já hoje aqui, que v. exa. declarou, no fim da sessão diurna, que haveria sessão nocturna, mas na occasião em que v. exa. fez esta declaração, fallava tambem o meu illustre collega o sr. capitão Machado, e como fallasse com aquella voz de commando que s. exa. tem, não me deixou ouvir a voz de v. exa., que é, sem duvida, mais doce e maviosa do que a do illustre deputado.

O facto é que eu não ouvi a declaração de v. exa.; e como a minha falta podia ser mal interpretada (Vozes: - De modo algum.) pelos meus illustre collegas e pela commissão a que tenho a honra de pertencer, entendi que devia dar esta explicação.

Eu podia dizer que estava doente, ou que se tinha dado qualquer outro incidente que obstasse á minha comparencia aqui; mas eu entendo que devo dizer a verdade, e é por isso que a não occulto.

Não estive doente, nem me succedeu nenhum outro contratempo. Durante a sessão nocturna estive muito tranquillo em minha casa, e quando esta manhã soube que tinha havido sessão nocturna, fiquei muito contrariado, não só pelo facto de ter faltado, sendo relator, mas porque soube que se fizeram singulares commentarios á minha ausencia.

Disse-se que eu era meio philosopho. Ora, realmente, eu não tenho nada de philosopho; sou o homem mais positivo que dar-se póde. Desde que eu tinha a honra de ser relator de um projecto, não havia philosophia nenhuma que me levasse a faltar ao cumprimento do meu dever.

Tambem poderia suppor-se que eu faltara por ter receio de fallar perante a camara, mas essa supposição tambem se vê que é infundada, pois que, estando eu aqui a dar explicações sem os menores receios, manifestamente demonstro que a nenhuma rasão de ser tinha tal supposição.

Portanto, nenhum d'esses commentarios têem fundamento. Alem de que, a grande consideração e estima que me merece o sr. ministro da fazenda, de quem tenho a honra de ser amigo, e as attenções que devo á commissão de que eu era representante, na qualidade de relator do projecto, tudo isso me levava a não faltar á discussão.

Mas havia ainda outra rasão para não dever faltar: o illustre deputado e meu bom amigo o sr. José Maria de Alpoim, havia me dito particularmente que queria discutir aquelle projecto, por ser eu o seu relator.

Ora, desde esse momento, é claro que eu tinha de corresponder á honra que s. exa. queria fazer-me, comparecendo na sessão em que devia ter logar o debate.

Não vejo presente o illustre deputado, mas entendi que devia tambem dar esta explicação a s. exa.

Consta-me que o illustre deputado sé referiu ás palavras doce e melliflua, que eu escrevi no meu relatorio. Escrevi-o assim, porque me pareceu que era esse o modo como devia desempenhar-me do encargo com que fora honrado pelos meus collegas da commissão. Se eu tivesse tomado parte no debate, teria demonstrado a s. exa. que o parecer não era mais do que a expressão conscienciosa, franca e leal da opinião do seu relator.

Devo dizer ainda que o projecto não perdeu nada com a minha falta, porque foi defendido pelo illustre parlamentar, sr. conselheiro Carrilho.

Teve, portanto, assim o melhor e mais competente defensor que podia ter.

O sentimento que tenho por não ter estado presente é principalmente por não poder responder ao sr. Alpoim, que me fez a fineza de atacar o projecto e, segundo me dizem, com muito espirito.

N'esta occasião, visto que s. exa. tratou d'este assumpto rindo, não deixarei tambem de rir ao terminar.

Direi, relembrando a minha magua de não haver relatado o projecto, com o distincto poeta e meu amigo, João de Deus, aquelles seus deliciosos versos:

Não sei se me voou se mo levaram.

nem saiba eu cantar nunca a minha desventura aos que ainda em vida não relataram um porjecto de lei.

É exactamente isto que eu tenho a dizer, recordando o caso triste de não haver comparecido para defender o projecto, que o meu amigo e illustre parlamentar, sr. Alpoim, atacou com tão bom humor.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem.

O sr. Cardoso Pimentel: - Pedi a palavra para me referir a um lacto, ácerca do qual me podia dar explicações o illustre ministro da fazenda, e que se dá em Ancião, com respeito aos processos de execução que foram distribuidos, e que ainda não appareceram na repartição de fazenda, não se podendo saber se estão findos.

O que se sabe, porém, é que o juiz e os empregados que fizeram serviço n'esses processos, não estão pagos, havendo por esse motivo uma divida de cento e tantos mil réis a esses empregados.

Era o sr. ministro da fazenda quem poderia dar-me explicações a este respeito, mas como s. exa. não está presente, peço a v. exa. que me reserve a palavra para quando s. exa. comparecer.

O sr. Hintze Ribeiro (para um requerimento): - Peço a v. exa. que consulte a camara sobre se consente que, dispensado o regimento, entrem, desde já, em discussão os projectos n.ºs 166 e 158.

Consultada a camara, resolveu afirmativamente, lendo-se o seguinte:

PROJECTO DE LEI N.° 166

Senhores. - Foi presente á vossa commissão de obras publicas o projecto de iniciativa parlamentar, tendo por fim conceder aos actuaes pagadores de obras publicas, que por excesso de idade não estão ao abrigo do disposto no § unico do artigo 1.° do decreto n.° 1 com força de lei de 17 de julho de 1887, a faculdade de se fazerem substituir permanentemente pelos seus propostos, quando provem achar-se incapazes do serviço.

O decreto n.° 1 com força de lei de 17 de julho de 1887, modificando a lei das aposentações, teve por fim, harmonisando os direitos dos empregados do estado com as circumstancias do thesouro, garantir os meios de subsistencia aos servidores da nação, que pela diuturnidade do serviço se tornassem inhabeis para o desempenho das suas funcções.

Legislando sobre assumpto delicadissimo, não é para admirar que a sua pratica tenha dado logar a interpretações que é necessario corrigir, e que a sua essencia adoeça de faltas que seria bom emendar, e accuse lacunas que convem preencher.

Não tem o projecto, que foi submettido á apreciação da vossa commissão de obras publicas, a pretensão de remodelar a lei de aposentações, alterando nas suas disposições tudo o que possa parecer defeituoso, nem acrescentar-lhe outras novas, que, quanto possivel, a completem. O seu fim é mais modesto.

Limita-se a garantir contra a miseria um resnraidissimo numero de empregados de uma classe pouco numerosa, actualmente já legalmente extincta, a quem a lei negou o direito de aposentação, por excederem um certo limite de idade á data da sua publicação, apesar de lhes impor a obrigação de engrossarem com as suas quotas o fundo destinado ao pagamento das pensões dos empregados aposentados.

Como é obvio, a lei é duplamente injusta para com os empregados n'estas circumstancias: negou o direito de aposentação a quem, na maioria dos casos, mais longos

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serviços já tinha prestado ao paiz, e impoz-lhe obrigações, a que não corresponde direito algum.

Estas simples considerações seriam bastantes para que o projecto de que se trata parecesse á vossa commissão de obras publicas digno da vossa approvação; mas ellas ainda são reforçadas com a circumstancia muito attendivel de que o equitativo principio que se pretende estabelecer é cumprido sem encargo algum para o thesouro.

Pelo que a vossa commissão de obras publicas, ouvido o governo, tem a honra de submetter á vossa apreciação o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° Aos actuaes pagadores de obras publicas que, por excesso de idade, não poderam collocar-se ao abrigo do disposto no § único do artigo 1.° do decreto n.° 1 com força de lei de 17 de julho de 1886, é permittido fazerem-se substituir permanentemente pelos seus propostos, quando provem achar-se incapazes de serviço.

§ 1.° Logo que o proposto entrar nas funcções em virtude da incapacidade do pagador, ser-lhe-ha abonada a verba para falhas, que a este ultimo pertencia.

§ 2.º Se o pagador tiver mais de um proposto, será por elles dividida a verba para falhas na proporção dos pagamentos por cada um d'elles feitos nos ultimo cinco annos.

Art. 2.º Fica revogada a legislação em contrario.

Sala da commissão, 25 de julho de 1890. = Manuel d'Assumpção = Antonio José Arroyo = José Maria Greenfield de Mello = José Maria Charters Henriques de Azevedo = José Gonçalves Pereira dos Santos = Pedro Victor da Costa Sequeira = José de Azevedo Castello Branco = Lourenço Malheiro = Arthur Hintze Ribeiro = Adriano Augusto da Silva Monteiro = Luciano Monteiro = Manuel F. de Vargas, relator.

N.° 133-A.

Senhores. - O decreto n.° 1 com força de lei, de 17 de julho de 1886, que modificou a lei das aposentações, providenciando ácerca da maneira por que deveria ser garantida a subsistencia dos funccionarios do estado, se por um lado veiu favorecer justamente a muitos d'elles, trouxe por outro uma desigualdade cruel, deixando sem esperanças de ter seguro o pão para a velhice, exactamente aquelles que, em regra, por mais tempo tinham servido o paiz.

Se porém a lei commettêra uma desigualdade exigida pelas circumstancias do thesouro, os executores d'ella vieram aggravar essa desigualdade com a injustiça, fazendo cobrar percentagens para a caixa de aposentações sobre qualquer vencimento ou gratificações por serviços extraordinarios d'aquelles mesmos individuos, que nenhuns beneficios poderiam vir a auferir d'ella.

A esta injustiça póde o governo obviar fazendo cumprir litteralmente a lei, e a uma das desigualdades d'ella procuraremos nós dar remedio com o presente projecto de lei.

A classe dos pagadores de obras publicas, extincta por decreto dictatorial de 24 de julho de 1886, é a que melhor póde ser attendida, garantindo-se aos individuos que a ella pertencem e que já tinham mais de quarenta e cinco annos em 17 de julho de 1886, uma especie de aposentação sem gravame algum para o estado, nem para a caixa de aposentações.

Para isso basta consentir que, a exemplo do que se pratica com os escrivães dos juizes de direito, elles se façam substituir permanentemente pelos seus propostos, quando porém estão inutilisados para o serviço, é isto o que procuraremos traduzir no seguinte projecto do lei:

Artigo 1.° Aos actuaes pagadores de obras publicas que, por excesso de idade, não poderam collocar-se ao abrigo do disposto no § unico do artigo 1.° do decreto n.° 1 com força de lei do 17 de julho de 1886, é permittido fazerem-se substituir permanentemente pelos seus propostos, quando provem achar-se incapazes do serviço.

§ 1.° Logo que o proposto entrar nas funcções em virtude da incapacidade do pagador, ser-lhe-ha abonada a verba para falhas, que a este ultimo pertencia.

§ 2.° Se o pagador tiver mais de um proposto, será por elles dividida a verba para falhas na proporção dos pagamentos por cada um d'elles feito nos ultimos cinco annos.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões da camara dos deputados, 18 de junho de 1890. = Aristides Moreira da Motta = Arthur Hintze. Ribeiro.

Foi approvado sem discussão.

Leu-se na mesa e entrou em discussão o seguinte:

PROJECTO DE LEI N.° 138

Senhores. - Á vossa commissao de administração publica foi presente um projecto de lei de iniciativa parlamentar, apresentado pelos illustres deputados Arthur Hintze Ribeiro e Aristides Moreira da Motta, que tem por fim uma nova divisão da assembléa eleitoral do Senhor Bom Jesus, pertencente ao circulo n.° 98, e cuja rasão de procedencia é a falta do cumprimento da disposição do artigo 42.° da lei de 21 de maio do 1884.

N'este artigo preceitua-se, que as commissões de recenseamento, que tivessem de se reunir em janeiro de 1885, procederiam á divisão das assembléas eleitoraes do respectivo circulo, nos termos da legislação vigente, devendo as mesmas assembléas ser constituidas por 500 a 1:000 eleitores approximadamente.

A intenção da lei é obvia. Facilitar a todos os eleitores o mais prompto e mais commodo accesso á urna, dividindo a população eleitoral.

É certo que nem todas as commissões do recenseamento cumpriram o preceito da lei, e agora só por lei especial se podo fazer o que as commissões deviam de ter feito, nos precisos termos do artigo 24.° da lei de 23 de novembro de 1859.

E a vossa commissão considerando:

Que a assembléa eleitoral do Senhor Bom Jesus, pertencente ao circulo n.° 98, composta d'esta freguezia e da freguezia de Nossa Senhora dos Prazeres e logar das Calhetas, tem 1:281 eleitores;

Que este numero de eleitores é superior ao marcado para cada assembléa eleitoral pelo artigo 42.º da lei do 21 de maio de 1884;

Que a divisão da população eleitoral foi o fim que a lei teve em vista para facilitar a todos os eleitores o mais prompto e mais commodo accesso á urna:

É do parecer que seja approvado o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° A assembléa eleitoral do Senhor Bom Jesus, pertencente ao circulo n.° 98, é dividida em duas, sendo uma composta dos eleitores da freguezia do mesmo nome, e a outra dos eleitores da freguezia de Nossa Senhora dos Prazeres e logar suffraganeo dos Calhetas, servindo ambos tanto para as eleições politicas como administrativas.

Art. 2.º Fica revogada a legislação em contrario.

Sala da commissão, em 17 de julho de 1890. = A. de Azevedo Castello Branco = José Maria Pestana de Vasconcellos = Joaquim Germano de Sequeira = Pereira Leite = Marcellino Mesquita = Santos Viegas = L. Monteiro = Arthur Hintze Ribeiro = Amandio Eduardo da Motta Veiga, relator.

N.º 137-I

Srs. deputados. - Facilitar o exercicio do direito do voto e a fiscalisação das operações eleitoraes, por fórma a garantir a genuidade do suffragio e a verdadeira expressão da vontade popular, é, sem duvida, um dos fins a que se devem propor os poderes do estado.

Mal se consegue, porém, esse fim, quando as assembléas eleitoraes são compostas de um tão grande numero de eleitores, que as votações têem de durar dois e mais dias, e

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quando um avultado numero d'elles pertencem a freguezias distantes.

N'estas circumstancias se encontra a assembléa eleitoral do Senhor Bom Jesus, pertencente ao circulo n.° 98, e que é composto dos eleitores d'essa freguesia era numero de 766, e dos da freguezia de Nossa Senhora dos Prazeres e logar das Calhetas, em numero do 515, ao todo 1:281; sendo certo que esta freguezia, de que é sufiraganeo o logar das Calhetas, dista d'aquella alguns kilometros.

Attendendo ás rasões expostas, temos a honra de submetter á vossa approvação a seguinte proposta de lei:

Artigo 1.° A assembléa eleitoral do Senhor Bom Jesus, pertencente ao circulo n.° 98, é dividida em duas, sendo uma composta dos eleitores da freguezia do mesmo nome, e a outra dos eleitores da freguesia de Nossa Senhora dos Prazeres e logar suffraganeo das Calhetas.

Art. 2.° Esta constituição das duas assembléas serve tanto para as eleições politicas, como para as administrativas.

Art. 3.º Fica revogada a legislação em contrario. = Arthur Hintze Ribeiro = Aristides Moreira da Motta.

O sr. Francisco José Machado: - Peço a v. exa. fineza de me mandar entregar o projecto, visto que ainda me não foi distribuido.

(Pausa.)

Para que eu possa discutir este projecto, e para que a opposição parlamentar possa apreciar devidamente os seus fundamentos, precisavamos que, pelo ministerio do reino, nos fosse enviada uma relação com o numero de eleitores d'esta assembléa, para assim podermos saber se estão ou não dentro das condições da lei.

Por muito bem fundamentado que esteja o projecto, e necessario, segundo a lei eleitoral, que o numero de eleitores excede a 1:000, para que uma assembléa se possa dividir.

Não tendo nós os elementos necessarios e indispensaveis para poder apreciar o projecto, necessitando por isso que do ministerio do reino nos enviem as precisas informações officiaes, com os dados sufficientes para podermos apreciar se esta assembléa está ou não no caso de ser dividida, não podemos discutil-o, pelo que proponho, como questão prévia, o adiamento do projecto até que venham á camara os esclarecimentos a que me refiro.

O sr. Hintze Ribeiro (para um requerimento):- Peço a v. exa. que consulte a camara sobre se consente que seja addiada a discussão deste projecto.

Consultada a camara resolveu affirmativamente.

O sr. José Maria dos Santos: - Mando para a mesa uma representação a um projecto de lei, que lhe diz respeito, dispensando a junta de parochia da freguezia de Santo Antonio da Sé, do concelho de Reguengos, do pagamento da contribuição de registo.

Ficou para segunda leitura.

A representação teve o destino indicado a pag. 1618 d'este Diario.

O sr. Presidente: - A commissão de redacção não fez alteração alguma ao projecto n.° 161.

Vae ser expedido para a outra camara.

Leu-se na mesa o seguinte:

Decreto

Usando da faculdade que me confere a carta constitucional da monarchia, no artigo 74.°, § 4.°, e a carta de lei de 24 de julho de 1885 no artigo 7.°, § 2.°, depois de ter ouvido o conselho d'estado, nos termos do artigo 110.º da mesma carta: hei por bem prorogar as côrtes geraes ordinarias da nação portugueza ate ao dia 8 do proximo mez de agosto inclusivamente.

O presidente da camara dos senhores deputados da nação portugueza assim o tenha entendido para os effeitos convenientes.

Paço de Belem, em 30 de julho de 1890. = REI. = Antonio de Serpa Pimentel.

O sr. Emygdio Navarro: - Mando para a mesa a nota de interpellação que annunciei hontem ao encerrar a sessão.

Leu.)

V. exa. comprehende que tendo eu annunciado uma interpellação, e tendo já fallado hontem, não me compete agora desenvolver os fundamentos d'ella.

Espero, porém, que o sr. ministro dos negocios estrangeiros, que tão empenhado se mostrou hontem em se alargar em explicações, não se recusará a vir, brevemente, completar as explicações que as suas palavras tornaram absolutamente indispensaveis.

Nota de interpellação

Desejo interpellar o sr. ministro dos negocios estrangeiros sobre a entrega de 28:000 libras, feita pelo governo portuguez, na questão do caminho de ferro de Lourenço Marques, que foi sujeita á arbitragem. = O deputado, Emygdio Navarro.

Mandou-se expedir.

ORDEM DO DIA

Leu-se na mesa e entrou em discussão o seguinte:

PROJECTO DE LEI N.° 165

Senhores. - A vossa commissão do ultramar, tendo cuidadosamente estudado e largamente discutido a proposta de lei que auctorisa o governo a contratar, precedendo concurso, o serviço de navegação regular por barcos de vapor, entre a metropole e a provincia de Moçambique, e considerando quanto importa favorecer o animar a nossa marinha mercante, cujo estado de decadencia os poderes publicos, com inexcedivel zêlo e louvavel empenho, procuram prover de remedio; sentindo apenas que as actuaes circumstancias financeiras do paiz não permitiam um mais largo subsidio, de modo a obter uma maior rapidez de communicações e a tornal-as extensivas á colonia de Macau, o que tem a certeza se fará logo que sejam mais prosperas; de accordo com o governo, tem a honra de submetter á vossa esclarecida opinião o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° É o governo auctorisado a contratar, precedendo concurso, o serviço da navegação regular por barcos de vapor, entro Lisboa e a costa de Africa oriental, na conformidade das bases annexas e que fazem parte d'esta lei.

§ 1.° Os concorrentes só poderão ser individuos ou emprezas portuguezas, e a empreza ou companhia que se formar para a execução do serviço de navegação nos termos das bases juntas será constituida com capitães subscriptos em Portugal, devendo a maioria dos seus directores ser sempre portuguezes, e a séde da dita empreza ou companhia em Lisboa ou Porto.

§ 2.° A base da licitação do concurso será o subsidio a abonar, devendo a quantia fixada no artigo 9.º das bases juntas ser considerada como o maximo.

§ 3.° Se as duas actuaes emprezas, mala real e empreza nacional, se reunirem constituindo uma só empreza, e a ella for adjudicado o serviço a que se refere este artigo, essa empreza, alem das obrigações que lhe são impostas, cumprirá inteiramente o contrato de 30 de dezembro de 1881, que vigorará pelo tempo marcado no artigo 15.° das bases juntas.

§ 4.° Até começar o serviço definitivo na conformidade do contrato que resultar do concurso a que se refere este artigo, o governo fica auctorisado a prover às communicações regulares entre Lisboa e os portos da provincia de

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Moçambique, pelo modo mais conveniente, não excedendo porém em nenhum caso os encargos fixados nas ditas bases,

§ 5º Para occorrer aos encargos de que trata esta lei, alem da quantia fixada no orçamento da despeza ordinaria do ministerio da marinha e ultramar, pela direcção geral do ultramar serão applicados, afora outros recursos:

1.° 50:00$000 réis das receitas aduaneiras da provincia de Angola;

2.° 50:000$000 réis das receitas aduaneiras da provincia de Moçambique;

3.° Metade da verba do artigo 4.° do orçamento da despeza extraordinaria da provincia de Moçambique, e n'estes termos, a verba do capitulo 1.° da despeza extraordinaria do ultramar, na metropole, no exercicio de 1890-1891, fica reduzida a 502:000$000 réis.

Art. 2.° O governo dará conta ás côrtes do uso que fizer d'estas auctorisações.

Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.

Bases a que se refere o artigo 1.° da lei d'esta data

Artigo 1.° A empreza, entendendo-se por esta palavra os concessionarios primitivos ou qualquer particular, sociedade ou companhia para quem elles trespassem, na conformidade das leis e com auctorisação prévia do governo, este contrato, obriga-se a fazer o serviço de navegação regular por barcos de vapor entre Lisboa e os portos da Africa oriental, nas seguintes condições:

1 .ª Haverá uma carreira mensal entre Lisboa e Mossamedes, com escalas, tanto na ida como na volta, por S. Vicente ou S. Thiago, S. Thomé e Loanda;

2.ª Haverá uma carreira mensal ligando com a precedente, entre Mossamedes o Tungue, com escala, tanto na ida como na volta, por Lourenço Marques, Inhambane, Quelimane, Moçambique e Ibo, devendo esse serviço prolongar-se até Zanzibar.

3.ª Haverá uma carreira supplementar mensal entre os portos de Chiloane, Sofala, Pungue e Inhamissengo ou Chinde, ligando com a segunda carreira no porto que for mais conveniente;

4.ª Os vapores destinados á carreira entre Lisboa e Mossamedes não serão em numero menor de tres, de lotação não inferior a 3:100 toneladas de registo bruto (grosa registered tonnage), classificados em 1.ª classe, com machinas correspondentes á lotação, devendo a sua marcha, na experiencia official, ser tal que assegure uma velocidade effectiva de 14 milhas por hora, embora a exigida por este contrato para iniciação da carreira seja, de 10, tendo accommodações pelo menos para 60 passageiros de 1.ª e 2.ª classes e 120 de 3.ª;

5.ª Os vapores destinados á carreira entre Mossamedes e Zanzibar não serão em numero menor de dois, de lotação superior a 1:900 toneladas de registo bruto (gross registered tonnage), classificados em 1.ª classe, com machinas correspondentes á lotação, devendo a sua marcha, na experiencia official, ser tal, que assegure uma velocidade effectiva de 12 milhas por hora, embora a exigida por este contrato para iniciação da carreira seja de 10, e tendo accommodações para passageiros de 1.ª, 2.ª e 3.ª classes;

6.ª O vapor destinado ao serviço dos portos de Chiloane, Sofala, Pungue e Inhamissengo ou Chinde será de lotação superior a 500 toneladas de registo bruto (gross registered tonnage), classificado em 1.ª classe, com machina correspondente á sua lotação, devendo a sua marcha, na experiencia official, ser tal que assegure uma velocidade effectiva não inferior a 10 milhas por hora, e tendo accommodações confortaveis para passageiros de 1.ª e 2.ª classes, com o resguardo necessario para os passageiros de couvez, e com o calado de agua tal que possa entrar com segurança nos portos e rios da provincia;

7.ª A duração de cada viagem de ida ou de volta entre Lisboa e Mossamedes, comprehendendo as demoras nos portos, não excederá Vinte e quatro dias.

8.ª A duração de cada viagem de ida e volta entre Mossamedes e Tungue, comprehendendo as demoras nos portos, não excederá trinta e um dias.

9.ª O porto de Lisboa será considerado para todos os effeitos como o ponto de partida e o termo das duas primeiras carreiras a que se refere este artigo.

10.ª A duração das viagens destinadas a servir os portos de Chilonne, Sofala, Pungue e Inhamissengo ou Chinde, será calculada por fórma que, tanto na ida como na volta, se ligue este serviço com o dos vapores da carreira entre Mossamedes e Tungue.

§ 1.° A empreza poderá em qualquer epocha prolongar até Lourenço Marques a carreira de Lisboa a Mossamedes nos vapores a esta carreira destinados, ficando obrigada a augmentar o numero dos seus vapores ou a substituil-os de modo a desempenhar-se plenamente das condições do seu contrato.

§ 2.° O governo terá o direito de obrigar a empreza a modificar o serviço pela forma indicada no paragrapho antecedente, desde que o rendimento da alfandega de Lourenço Marques accuse um augmento pelo menos duplo da media do rendimento dos tres annos anteriores á conclusão d'aquella linha ferrea; não resultando d'esta modificação nenhum novo encargo para o estado.

Art. 2.° Os vapores deverão ser construidos de modo que possam ser empregados como transportes ou cruzadores em caso de guerra ou outra necessidade urgente do estado.

Art. 3.° Os vapores serão examinados e experimentados por agentes do governo e só começarão o serviço depois de approvados, podendo o governo durante o praso do contrato mandal-os inspeccionar, sendo a empreza obrigada a cumprir as instrucções que lhe forem dadas em resultado da inspecção. Os vapores destinados á carreira entre Lisboa o Mossamedes serão examinados em Lisboa, os da carreira entre Mossamedes e Tungue poderão ser examinados em Lisboa ou Moçambique, e o que se destinar ao serviço dos portos de Chiloane, Sofala, Pungue e Inhamissengo ou Chinde será examinado em Moçambique. As inspecções extraordinarias dos vapores d'estas ultimas carreiras poderão ser determinadas pelo governador geral de Moçambique.

Art. 4.° Os dias de saída dos portos de Lisboa, Mossamedes, Lourenço Marques e Tungue serão fixados pelo governo, de accordo com a empreza. As demoras em cada porto não poderão ser inferiores a seis horas.

Art. 5.° A empreza obriga-se:

1.º A transportar gratuitamente as malas do correio e a correspondencia official, devendo considerar-se como comprehendido n'esta obrigação o transporte de encommendas postaes, não excedentes a 500 kilogrammas em cada viagem;

2.° A transportar, com abatimento de 20 por cento, os passageiros e carga do estado em qualquer das suas carreiras e entre quaesquer portos d'ellas;

3.° A transportar gratuitamente em cada viagem, pelo menos, vinte colonos para os portos de escala que o governo designar;

4.° A transportar gratuitamente, considerando-os como passageiros de 1.ª classe com o respectivo tratamento, um fiscal do governo, sempre que este entenda conveniente manda um delegado seu examinar o modo por que se faz o serviço, e bem assim um funccionario postal, quando se entenda conveniente que o serviço da mala deva ser por esta fórma dirigido.

Art. 6.º Serão fixadas com approvação do governo, antes de começarem os serviços a que se refere este contrato, as tarifas de passagem e carga nas differentes carreiras, e sem a approvação do governo não poderão ser augmentadas. As tarifas nunca poderão ser superiores ás

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que regulassem este serviço no principio do mez de junho do corrente anno. O governo poderá delegar no governador geral de Moçambique a approvação das tarifas da carreira supplementar. De dou em dois annos deverá a empreza apresentar novas tarifas, em que se façam reducções nos generos mais importantes para o commercio, ou justificar a conservação das tarifas existentes.

§ unico. A empreza obriga-se a dar á carga proveniente do Porto vantagens inteiramente iguaes ás que tiver a carga expedida de Lisboa.

Art. 7.° A empreza é para todos os effeitos considerada como portugueza, ficando sujeita ás leis portuguezas e aos regulamentos publicados pelo governo, devendo a sua sede ser em Lisboa e os seus vapores navegar com bandeira portugueza, competindo aos tribunaes portuguezes a resolução das questões que se suscitaram entre ella e terceiros, e não podendo ser admittidos quaesquer privilegios ou immunidades que possam invocar os empregados, agentes ou interessados da empreza, ou seus representantes quando estrangeiros.

§ unico. Os agentes da empreza nos diversos portos deverão era regra ser portuguezes, e bem assim a maioria dos seus empregados.

Art. 8.° Os vapores da empreza serão considerados como paquetes e n'essa qualidade gosarão nos differentes portos de todas as vantagens concedidas pelas respectivas leis.

Art. 9.° O governo concede á empreza o subsidio de 378:000$000 réis, correspondente a doze viagens redondas.

O pagamento será feito por viagem redonda e sómente poderá effectuar-se mediante a apresentação no ministerio da marinha dos diarios nauticos, attestados das auctoridades competentes nos differentes portos da escala e mais documentos que o governo julgar necessarios para se conhecer se foram cumpridas as condições do contrato nas viagens realisadas pelas differentes carreiras.

O governo indicará á empreza a natureza e a fórma dos documentos que ella deve apresentar para a liquidação de subsidio.

Art. 10.° É concedido á empreza o exclusivo de transporte dos passageiros e carga do estado entre Lisboa e os portos da costa oriental, bem como entre os differentes portos da provincia de Moçambique, salvos os casos em que o governo empregue n'este transporte navios do estado, ou seja urgente que elle se verifique em qualquer navio mercante.

Art. 11.° O governo obriga-se a não subsidiar, emquanto durar este contrato, nenhuma outra empreza que se proponha realisar algum dos serviços a que se refere este contrato.

Art. 12.° A empreza fica sujeita ás seguintes multas:

1.º De 400$000 réis quando os vapores, não sendo por ordem expressa do governo ou dos respectivos governadores geraes, deixarem de sair nos dias fixados.

2.ª De 45$000 réis por cada dia a mais que houver de demora alem do dia fixado para a saída, e por cada dia que exceder o praso marcado para cada viagem.

§ unico. As multas deixarão de ser impostas quando se derem casos de força maior, devidamente justificados, ou quando as demoras forem determinadas por ordens de auctoridades competentes.

Art. 13.° Quando o governo ou as suas auctoridades carecerem de empregar qualquer dos vapores da empreza em serviço do estudo, e houver contestação ácerca da rettebuição do serviço desempenhado, essa retribuição será fixada por arbitros, sendo um nomeado pelo governo, outro pela empreza e o terceiro, no caso de empate, pelo commandante geral da armada.

Art. 14.° O governo poderá nomear um commissario junta da empreza com a gratificação de 50$000 réis mensaes, pagos pela mesma empreza. Ao commissario pertence assistir ás sessões da direcção e ás assembléas geraes.

Compete-lhe o direito de examinar os livros e a escripturação da empreza e tomar conhecimento do modo por que se desempenha o serviço da navegação e todos os que a elle disserem respeito; requisitando da empreza todos os esclarecimentos que julgar necessarios para informar devidamente o governo.

Art. 15.º A duração do presente contrato será de doze annos, salvo o complemento das viagens principiadas; mas o governo poderá conceder á empreza a prorogação nas mesmas condições por mais dez annos, se ella tiver cumprido o seu serviço com regularidade e á satisfação do estado.

Art. 16.° O presente contrato entrará em vigor dentro de seis mezes da data da sua assignatura, podendo este praso ser prorogado por outros heis mezes, o maximo, se a prorogação for justificada por demora inevitavel na construcção de novos vapores, comtanto que a construcção haja sido começada tres mezes antes, pelo menos, de ser pedida a prorogação.

Art. 17.° O governo poderá rescindir este contrato por decreto seu e sem dependencia de processo, nem intimação prévia:

1.° Quando a empreza não começar o serviço no praso marcado n'este contrato;

2.° Quando deixar de effectuar uma viagem redonda em qualquer das carreiras;

3.° Quando por seis mezes successivos se repetirem as multas importas por falta de saída nos dias lixados, ou por excelso de demora no tempo das viagens.

§ unico. A rescisão no primeiro caso terá como consequenca o perdimento do deposito a que se refere o artigo seguinte; nos outros dois cases importará uma multa á empreza de 200:000$000 réis a titulo de perdas e damnos.

Art. 18.° Logo que, com a saída do primeiro vapor da carreira entre Lisboa e Mossamedes, tenha começado o serviço definitivo, será permittido o levantamento do deposito de 40:000$000 réis, feito pela empreza por occasião do concurso.

Art. 19.° Se a empreza por qualquer circumstancia quizer rescindir este contrato fica sujeita ao pagamento de uma multa de 378:000$000 réis a titulo de perdas e damnos. Para este effeito fica o estado com privilegio immobiliario especial sobre todos os vapores da empreza.

Art. 20.° A empreza um anno depois de ter sido inaugurado o serviço entre Lisboa e Zanzibar, fica obrigada a prolongar as viagens de modo a ligar Moçambique com a India portugueza, tocando nos portos que lhe forem indicados pelo governo, e adquirindo para esse fim mais um vapor nas condições do n.° 5.° do artigo 1.° d'este contrato.

§ 1.° O serviço a que se refere este artigo, regular-se-ha pelas condições anteriores em tudo quanto lhes forem applicaveis.

§ 2.° O governo concederá á empreza, por esta carreira, o subsidio de 122:000$000 réis, correspondente a doze viagens redondas.

Art. 21.° Quando se reconhecer que a empreza aufere um rendimento liquido superior a 8 por cento o governo poderá ou augmentar as velocidades nas carreiras, ou reduzir o subsidio proporcionalmente ao excesso, ou diminuir as tarifas de transporte, de modo a não ser excedido aquelle lucro.

Art. 22.° Todas as questões que se suscitarem entre o governo e a empreza sobre a execução d'este contrato serão decididas por arbitros portuguezes, dos quaes um nomeado pelo governo e outro pela empreza e um terceiro por accordo entre as duas partes, ou na falta d'este accordo pelo presidente do supremo tribunal de justiça.

Sala das sessões da commissão do ultramar, 22 de julho de 1890. = Manuel Pinheiro Chagas = Alberto Pimentel = Pedro Ignacio de Gouveia = José Maria Greenfield de Mello = Luciano Cordeiro (com declarações) = Ferreira de Almeida (com declarações) = F. Amaral = C. R. du. Bocage = Abilio Eduardo da Costa Lobo = Thomás Sequei-

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ra = Antonio Manuel da Costa Lereno = Antonio Maria Cardoso, relator.

Senhores. - A vossa commissão do fazenda, na parte em que é chamada a dar o seu parecer, sobre a proposta do governo, relativa á navegação para Africa occidental e oriental e para o estado da India, concorda com a opinião da illustre commissão do ultramar, tanto mais que o governo declarou que empregará todos os esforços para que ainda n'esta sessão seja discutida a proposta de lei relativa á tributarão do alcool, do fórma que o thesouro obtenha toda a nova receita necessaria para o completo pagamento dos encargos que para a metropole possam resultar do contrato de navegarão de que se trata.

Sala da commissão, aos 22 de julho de 1890. = Manuel Pinheiro Chagas = Antonio de Azevedo Castello Branco = Lourenço Malheiro = José Dias = Antonio José Arroyo = José de Azevedo Castello Branco = Lopes Navarro = José de Castro = Abilio Eduardo da Costa Lobo = A. Cordeiro = Arthur Hintze Ribeiro = Jacinto Candido = Antonio M. P. Carrilho. Tem voto do sr. José Novaes.

N.° 160-A

Senhores. - O contrato de 4 de junho de 1887, approvado por carta de lei de 27 de agosto do dito anno, estabeleceu um serviço de navegação regular por barcos de vapor entre Lisboa e os portos de Africa occidental e oriental. Este serviço devia ser constituido por uma carreira mensal entre Lisboa e Mossamedes, com escalas por S. Vicente ou S. Thiago, S. Thomé e Loanda, por uma carreira tambem mensal, ligando com a precedente, entre Mossamedes e o Ibo, com escala por Lourenço Marques, Inhambane, Quelimane e Moçambique, devendo prolongar-se até Zanzibar, se fosse necessario para assegurar as communicações regulares entre Moçambique e a India, e finalmente por uma carreira supplementar mensal entre os portos de Chiloane, Sofala, Pungue e Inhamissengo.

Do accordo com a condição 10.ª do artigo 1.° d'aquelle contrato, permittiu-se á empreza prolongar até Lourenço Marques a carreira entre Lisboa e Mossamedes, estando portanto o serviço actualmente organisado por essa fórma, e devendo ser feito por vapores do lotação superior a 2:000 toneladas brutas de registo, com marcha não inferior a 14 milhas por hora, entre Lisboa o Lourenço Marques, por vapores de lotação superior a 1:000 toneladas, com marcha não inferior a 13 milhas do Lourenço Marques ao Ibo, e por vapor de lotação superior a 500 toneladas, com marcha não inferior a 10 milhas, na carreira supplementar. Por estes serviços o governo é obrigado a pagar á empreza o subsidio do 98:000$000 réis.

A experiencia parece que tem demonstrado que é extremamente difficil, se não impossivel, executar este contrato, sem que, a despeito do subsidio, a empreza que realisar o serviço se veja onerada por um largo deficit. Por parte da actual empreza tem se allegado effectivamente essas difficuldades e declarado a impossibilidade de o cumprir, desde que se mantenham algumas das actuaes condições.

N'estas circumstancias o governo faltaria ao seu dever se não procurasse munir-se das necessarias auctorisações para, dada a hypothese provavel da rescisão do actual contrato, estar habilitado a estabelecer o serviço de navegação para a costo de Africa orienta1, em condições que lhe assegurassem regularidade e permanencia. Podia a rescisão tornar-se inevitavel durante o intervallo parlamentar, e a falta de auctorisação para contratar de novo o serviço em condições rascaveis seria causa de grave transtorno em communicações que muito convem manter sem interrupção nem irregularidades.

Para se habilitar a apresentar ao parlamento uma proposta que servisse a resolver do melhor modo esta importante questão, nomeou o governo uma commissão á qual encarregou estudar o problema nas suas differentes hypotheses e propor o que entendesse mais rasoavel em cada uma d'ellas, a fim de que o serviço da navegação para a Africa oriental se estabelecesse em condições favoraveis. O relatorio d'essa commissão, que vae junto, fornecerá de certo indicações uteis aos que desejarem mais detidamente estudar esta questão, que só podo resolver-se acertadamente, partindo de calculos, quanto possivel, formulados sobre bases seguras, e de indicações auctorisadas com a experiencia de pessoas competentes.

Das differentes hypotheses estudadas pela commissão, de accordo com a portaria de 3 do corrente mez, o governo preferiu a que julgou corresponder melhor ás condições em que lhe parece indispensavel organisar-se e manter-se o serviço para a costa oriental.

Corresponde essa hypothese ao serviço actual, modificado apenas nas condições que se tem reconhecido só poderem ser cumpridas á custa de um subsidio avultado, que nem as circumstancias do thesouro permittem abonar, nem parece que seja essencialmente reclamado pelas necessidades do commercio e da rapida communicação maritima entre a metrópole e as possessões da costa oriental da Africa.

Não esqueceu ao governo considerar a questão do itinerario por Suez, a favor do qual se têem pronunciado varias opiniões, e que o proprio relatorio junto apresenta como o mais favoravel para os interesses da costa oriental. Não nos pareço, porém, que para esta hypothese possa deixar de attender-se a considerações que julgamos muito ponderosas, e que, a nosso ver, aconselham a contrariar. O serviço pelo Cabo da Boa Esperança assegura ás principaes possessões da costa occidental mais uma carreira regular, o que, nas condições de rapido progresso e desenvolvimento de algumas d'essas possessões, não póde deixar de ser circumstancia muito attendivel.

É certo que com o serviço por Suez apressariamos as communicações entre a metropole e a capital da provincia, mas demorariamos as communicações com Lourenço Marques, e todos conhecem a importancia excepcional que está adquirindo este porto, e o grande commercio que ali afflue desde já, e que irá augmentando de um modo consideravel, desde que comece a explorar-se o caminho de ferro de Transvaal.

Tambem com a carreira pelo Cabo da Boa Esperança se consegue facilmente a ligação entre as duas costas, que aliás poderia obter se, mas em condições menos favoraveis, no caso do itinerario por Suez, prolongando a carreira de Lourenço Marques até Mossamedes. Contra a necessidade d'esta ligação se têem levantado objecções, que nos parece não destroem as vantagens politicas e administrativas que a experiencia nos está mostrando todos os dias d'ella se derivam.

Os factos estão provando que muito convem preferir os soldados indigenas recrutados nas possessões da costa opposta áquella em que têem do prestar serviço militar; amiuda-se por isso cada vez mais a transferencia de recrutas, ou de forças já organisadas de uma para outra costa, e seria altamente despendioso para o estado e por vezes menos prompto e efficaz o transporte de quaesquer elementos de força militar ou em navios de estado, ou em navios expressamente fretados para tal effeito.

E não podemos esquecer-nos de que ha e podem consideravelmente augmentar-se as relações commerciaes, de um lado entre Mossamedes e o cabo da Boa Esperança, do outro entre Lourenço Marques e as colonias inglezas da Africa Austral.

O subsidio que o governo fixa nas bases juntas á proposta de lei, que em seguida temos a honra de vos apresentar, parece-nos que está sufficientemente justificado não só pela reconhecida impossibilidade de desempenhar o serviço com o subsidio actual, mas pelo calculo minucioso,

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que se encontra no relatorio junto, das despezas certas e das receitas provaveis com que póde contar-se em um serviço de navegação, como o que se propõe.

Seria erro de funestas consequencias para o nosso progresso colonial pretender repetir a experiencia de estabelecer um serviço de navegação que não garantisse á empreza, que se propozesse realisal-o, uma justa remuneração do capital despendido. A metropole poderia apparentemente econornisar uma verba, mais ou menos importante; mas o prejuizo que resultaria para os interesses commerciaes, para o progresso colonial e para a administração das nossas mais importantes provincias ultramarinas iria muito alem d'aquellas suppostas vantagens.

O governo cornprehendeu nas bases juntas á proposta de lei a navegação para a India, não como um serviço a realisar desde já, mas como uma aspiração a satisfazer, quando as circumstancias financeiras o permittam. São importantes de certo as relações entre a provincia de Moçambique e a India, e fôra de vantagem auxiliar o seu desenvolvimento por meio de uma carreira regular de navegação.

Não devemos, porém, esquecer-nos do que as relações a que alludimos estão, pela sua natureza, actualmente concentradas nas mãos de um commercio especial, que só póde manter-se em grande parte com os transportes feitos em pequenas embarcações, por fretes, que não offereceriam remuneração rasoavel aos vapores que se empregassem nas communicações entre as duas provincias.

Outra vantagem, de certo não menos digna de exame, que póde resultar d'aquella carreira, é a de promover as relações directas entre a nossa India e a metropole; e se o movimento do caminho de ferro de Mormugão attingir o desenvolvimento que é de esperar, de certo mais se justificará ainda aquella carreira.

Estas considerações servem tão sómente para explicar os termos em que está consignada a auctorisação para o serviço da India. É um melhoramento que, posto de utilidade incontestavel, não apresenta um caracter de urgencia tal, que não permitia adial-o, emquanto as circumstancias financeiras nos obrigarem a restringir as despezas ao que for essencial e indeclinavel.

Não julgâmos necessario justificar as demais bases da proposta junta, porque ellas são a copia do contrato actual na parte em que a sua execução não tem offerecido difficuldades.

É certo que o serviço não melhora em condições de rapidez e velocidade, mas a verdade é que, n'essa parte, aquelle contrato não tem podido obter inteira execução, parecendo incontestavel que, para se organisar uma empreza que o executasse em todo o seu rigor, seria preciso despender um muito largo subsidio. O governo não esqueceu porém que a transformação por que está passando a provincia de Moçambique póde felizmente accentuar-se no sentido de acrescimo do movimento commercial de uma maneira tão consideravel que o serviço deva, por interesse publico inadiavel, organisar-se em outras condições de rapidez e de frequencia de carreiras.

É este pensamento que dictou o artigo das bases que estatue que, em qualquer epocha, e não se havendo dado causa de rescisão derivada da falta de execução do contrato que se celebrar, seja permittido ao governo rescindil-o, mediante o pagamento de multa. Considerações que são obvias levaram a ampliar igual faculdade á empreza, tendo-se acautelado qualquer abuso com a fixação de uma multa avultada, nos casos de rescisão pelo não cumprimento do contrato.

Parece-nos haver justificado, por fórma a demonstrar que ella merece a vossa approvação, a seguinte proposta de lei:

Artigo 1.° É o governo auctorisado a contratar, precedendo concurso, o serviço da navegação regular por barcos de vapor, entro Lisboa, e a costa do Africa oriental, na conformidade das bases annexas e que fazem parte d'esta lei.

§ 1.° Os concorrentes só poderão ser individuos ou emprezas portuguezas, e a empreza ou companhia que se formar para a execução do serviço de navegação nos termos das bases juntas, será constituida com capitães subscriptos em Portugal, devendo a maioria dos seus directores ser sempre portuguezes, e a sede da dita empreza ou companhia, em Lisboa ou Porto.

§ 2.° A base da licitação do concurso será o subsidio a abonar, devendo a quantia fixada no artigo 9.° das bases juntas ser considerada como o maximo.

§ 3.° Se as duas actuaes emprezas, mala real e empreza nacional, se reunirem, constituindo uma nova empreza, e a ella for adjudicado o serviço a que se refere esto artigo, a nova empreza, alem das obrigações que lhe são impostas, cumprirá inteiramente o contrato de 30 de dezembro de 1881, que vigorará pelo tempo marcado no artigo 15.° das bases juntas.

§ 4.° Até começar o serviço definitivo na conformidade do contrato que resultar do concurso a que se refere este artigo, o governo fica auctorisado a prover ás communicações regulares entre Lisboa e os portos da provincia de Moçambique, pelo modo mais conveniente, não excedendo porém em nenhum caso os encargos fixados nas ditas bases.

§ 5.° Para occorrer aos encargos de que trata esta lei, alem da quantia fixada no orçamento da despeza ordinaria do ministerio da marinha e ultramar, pela direcção geral do ultramar serão applicadas, afóra outros recursos:

1.° 50:000$000 réis das receitas aduaneiras da provincia de Angola;

2.° 50:000$000 réis das receitas aduaneiras da provincia de Moçambique;

3.° Metade da verba do artigo 4.° do orçamento da despeza extraordinaria da provincia de Moçambique, e n'estes termos, a verba do capitulo l.° da despeza extraordinaria do ultramar, na metropole, no exercicio de 1890-1891, fica reduzida a 502:000$000 réis.

Art. 2.° O governo dará conta ás côrtes do uso que fizer d'estas auctorisações.

Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.

Bases a que se refere o artigo 1.° da lei d'esta data

Artigo 1.° A empreza, entendendo-se por esta palavra os concessionarios primitivos ou qualquer particular, sociedade ou companhia para quem elles trespassem, na conformidade das leis e com auctorisação prévia do governo, este contrato, obriga-se a fazer o serviço de navegação regular por barcos de vapor entre Lisboa e os portos da Africa oriental, nas seguintes condições:

1 .ª Haverá uma carreira mensal entre Lisboa e Mossamedes, com escalas, tanto na
ida como na volta, por S. Vicente ou S. Thiago, S. Thomé e Loanda;

2.ª Haverá uma carreira mensal ligando com a precedente, entre Mossamedes e Tungue, com escala, tanto na ida como na volta, por Lourenço Marques, Inhambane, Quelimane, Moçambique e Ibo, devendo esse serviço prolongar-se até Zanzibar.

3.ª Haverá uma carreira supplementar mensal entre os portos de Chiloane, Sofala, Pungue e Inhamissengo ou Chinde, ligando com a segunda carreira no porto que for mais conveniente;

4.ª Os vapores destinados á carreira entre Lisboa e Mossamedes não serão em numero menor de tres, de lotação não inferior a 3:100 toneladas de registo bruto (qross registered tonnage), classificado sem 1.ª classe, com machinas correspondentes á lotação, devendo a sua marcha, na experiencia official, ser tal que assegure uma velocidade effectiva de 10 milhas por hora, e tendo accommodações pelo menos para 60 passageiros de 1.ª e 2.ª classes e 120 de 3.ª;

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5.ª Os vapores destinados á carreira entre Mossamedes e Zanzibar, não serão em numero menor de dois, de lotação superior a 1:900 toneladas de registo bruto (gross registered tonnage), classificados em 1.ª classe, com machinas correspondentes á lotação, devendo a sua marcha, na experiencia official, ser tal que assegure uma velocidade effectiva de 10 milhas por hora, e tendo accommodações para passageiros de 1.ª, 2.ª e 3.: classes;

6.ª O vapor destinado ao serviço dos portos de Chiloane, Sofala, Tungne e Inhamissengo ou Chinde será de lotação superior a 500 toneladas de registo bruto (gross registered tonnage), classificado em 1.ª classe, com machina correspondente á sua lotação, devendo a sua marcha, na experiencia offivial, ser tal que assegure uma velocidade effectiva não inferior a 10 milhas por hora, e tendo accommodações confortaveis para passageiros de 1.ª e 2.ª classes, com o resguardo necessario para os passageiros de convez, e com o calado de agua tal que possa entrar com segurança nos portos e rios da provincia;

7.ª A duração de cada viagem de ída ou de volta entre Lisboa e Mossamedes, comprehendendo as demoras dos portos, não excederá vinte e quatro dias.

8.ª A duração de cada viagem de ida e volta entre Mossamedes e Tungue, comprehendendo as demoras nos por tos, não excederá vinte e quatro dias.

9.1 O porto de Lisboa será considerado para todos os effeitos como o ponto de partida e o termo das duas primeiras carreiras a que se refere este artigo.

10.ª A duração das viagens destinadas a servir os portos de Chiloane, Sofala, Tungue e Inhamissengo ou Chinde, será calculada por fórma que, tanto na ida como na volta, se ligue este serviço com o dos vapores da carreira entre Mossamedes e Tungue.

§ 1.° A empresta poderá em qualquer epocha prolongar até Lourenço Marques a carreira de Lisboa a Mossamedes nos vapores a esta carreira destinados, ficando obrigada a augmentar o numero dos seus vapores ou a substituil-os de modo a desempenhar se plenamente das condições do seu contrato.

§ 2.° O governo terá o direito de obrigar a empreza a modificar o serviço pela fórma indicada no paragrapho antecedente, donde que o rendimento da alfandega de Lourenço Marques accuse um augmento pelo menos duplo da media de rendimento dos tres annos anteriores á conclusão d'aquella linha ferrea; não resultando d'esta modificação nenhum novo encargo para o estado.

Art. 2.º Os vapores deverão ser construidos de modo que possam ser empregados como transportes ou cruzadores em caso de guerra ou outra necessidade urgente do estado.

Art. 3.° Os vapores serão examinados e experimentados por agentes do governo o só começarão o serviço depois de approvados, podendo o governo durante o praso do contrato mandal-os inspeccionar, sendo a empreza obrigada a cumprir as instrucções que lhe forem dadas em resultado da inspecção. Os vapores destinados á carreira entre Lisboa e Mossamedes serão examinados em Lisboa, os da carreira entre Mossamedes e Tungue poderão ser examinados em Lisboa ou Moçambique, e o que se destinar ao serviço dos portos de Chiloane, Sofala, Tungue e Inhamissengo ou Chinde será examinado em Moçambique. As inspecções extraordinarias dos vapores d'estas ultimas carreiras poderão ser determinadas pelo governador geral de Moçambique.

Art. 4.° Os dias de saída dos portos de Lisboa, Mossamedes, Lourenço Marques e Tungue serão fixados pelo governo, de accordo com a empreza. As demoras em cada porto não poderão ser inferiores a seis horas.

Art. 5.° A empreza obriga-se:

1.º A transportar gratuitamente as malas do correio o a correspondencia official, devendo considerar-se como comprehendido n'esta obrigação o transporte de encommendas postaes, não excedentes a 500 kilogrammas em cada viagem;

2.° A transportar, com abatimento de 20 por cento, os passageiros e carga do estado em qualquer das suas carreiras e entre quaesquer portos d'ellas;

3.° A transportar gratuitamente em cada viagem, pelo menos, vinte colonos para os portos de escala que o governo designar;

4.° A transportar gratuitamente, considerando-os como passageiros de 1.ª classe com o respectivo tratamento, um fiscal do governo, sempre que este entenda conveniente mandar um delegado seu examinar o modo por que se faz o serviço, e bem assim um funccionario postal quando só entenda conveniente que o serviço da mala deva ser por esta fórma dirigido.

Art. 6.° Serão fixadas com approvação do governo, antes de começarem os serviços a que se refere este contrato, as tarifas de passagem o carga nas differentes carreiras, e sem a approvação do governo não poderão ser augmentadas. As tarifas nunca poderão ser superiores ás que regulassem este serviço no principio do mez de junho do corrente anno. O governo poderá delegar no governador geral de Moçambique a approvação das tarifas da carreira supplementar. De dois em dois annos deverá a empreza apresentar novas tarifas em que se façam redacções nos generos mais importantes para o commercio, ou justificar a conservação das tarifas existentes.

§ unico. A empreza obriga-se a dar á carga proveniente do Porto vantagens inteiramente iguaes ás que tiver a carga expedida de Lisboa.

Art. 7.° A empreza e para todos os effeitos considerada como portugueza, ficando sujeita ás leis portuguezas e aos regulamentos publicados pelo governo, devendo a sua séde ser em Lisboa e os seus vapores navegar com bandeira portugueza, competindo aos tribunaes portuguezes a resolução das questões que se, suscitarem entre ella e terceiros, e não podendo ser admittidos quaesquer privilegios ou immunidades que possam invocar os empregados, agentes ou interessados da empreza, ou seus representantes quando estrangeiros.

§ unico. Os agentes da empreza nos diversos portos deverão ser portuguezes, e bem assim a maioria dos seus empregados.

Art. 8.° Os vapores da empreza serão considerados como paquetes e n'essa qualidade gosarão nos differentes portos do todas as vantagens concedidas pelos respectivas leis.

Art. 9.º O governo concede á empreza o subsidio do 378:000$000 réis, correspondente a doze viagens redondas.

O pagamento será feito por viagem redonda e sómente poderá effectuar-se mediante a apresentação no ministerio da marinha dos diarios nauticos, attestados das auctoridades competentes nos differentes portos da escala e mais documentos que o governo julgar necessarios para se conhecer se foram cumpridas as condições do
contrato nas viagens realisadas pelas differentes carreiras.

O governo indicará á empreza a natureza e a fórma dos documentos que ella deve apresentar para a liquidação de subsidio.

Art. 10.° É concedido á empreza o exclusivo de transporte dos passageiros e carga do estado entre Lisboa e os portos da costa oriental, bem como entre os differentes portos da provincia de Moçambique, salvos os casos em que o governo empregue n'este transporte navios do estado, ou seja urgente que elle se verifique em qualquer navio mercante.

Art. 11.° O governo obriga se a não subsidiar, emquanto durar este contrato, nenhuma outra empreza que se proponha realisar algum dos serviços a que se refere este contrato.

Art. 12.° A empreza fica sujeita ás seguintes multas:

1.ª De 400$000 réis quando os vapores, não sendo por

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ordem expressa do governo ou dos respectivos governadores geraes, deixarem de saír nos dias fixados.

2.ª De 45$000 réis por cada dia a mais que houver de demora alem do dia fixado para a saída, e por cada dia que exceder o praso marcado para cada viagem.

§ unico. As multas deixarão de ser impostas quando se derem casos de força maior devidamente justificados, ou quando as demoras forem determinadas por ordens de auctoridade competentes.

Art. 13.° Quando o governo ou as suas auctoridades carecerem de empregar qualquer dos vapores da empreza em serviço do estado, e houver contestação ácerca da retribuição do serviço desempenhado, essa retribuição será fixada por arbitros, sendo um nomeado pelo governo, outro pela empreza e o terceiro, no caso de empate, pelo commandante geral da armada.

Art. 14.° O governo poderá nomear um commissario junto da empreza com a gratificação de 50$000 réis mensaes, pagos pela mesma empreza. Ao commissario pertence assistir ás sessões da direcção e ás assembléas geraes. Compete-lhe o direito de examinar os livros e a escripturação da empreza e tomar conhecimento do modo por que se desempenha o serviço da navegação e todos os que a elle disserem respeito, requisitando da empreza todos os esclarecimentos que julgar necessarios para informar devidamente o governo.

Art. 15.° A duração do presente contrato será de doze annos, salvo o complemento das viagens principiadas; mas o governo poderá conceder á empreza a prorogação nas mesmas condições por mais de dez annos, se ella tiver cumprido o seu serviço com regularidade e á satisfação do estado.

Art. 16.° O presente contrato entrará em vigor dentro de seis mezes da data da sua assignatura, podendo este praso ser prorogado por outros seis mezes, o maximo, se a prorogação for justificada por demora inevitavel na construcção de novos vapores, comtanto que a construcção haja sido começada tres mezes antes, pelo menos, de ser pedida a prorogação.

Art. 17.° O governo poderá rescindir este contrato por decreto seu e sem dependencia de processo, nem intimação prévia:

1.° Quando a empreza não começar o serviço no praso marcado n'este contrato;

2.° Quando deixar de effectuar uma viagem redonda em qualquer das carreiras;

3.° Quando por seis mezes successivos se repetirem as multas impostas por falta de saída nos dias fixados, ou por excesso de demora no tempo das viagens.

§ unico. A rescisão no primeiro caso terá como consequencia o perdimento do deposito a que se refere o artigo seguinte; nos outros dois casos importará uma multa á empreza de 200:000$000 réis a titulo do perdas o damnos.

Art. 18.° Logo que, com a saída do primeiro vapor da carreira entre Lisboa e Mossamedes, tenha começado o serviço definitivo, será permittido o levantamento do deposito de 40:000$000 réis, feito pela empreza por occasião do concurso.

Art. 19.° Este contrato poderá tambem ser rescindido por conveniencia, quer do governo quer da empreza, e n'este segundo caso sómente não havendo motivo para que a rescisão sã faça nos termos do artigo antecedente. No caso de ser intimada a rescisão, qualquer das duas partes avisará a outra com tres mezes de antecedencia, e ficará obrigada ao pagamento da multa de 200:000$000 réis a titulo de perdas e damnos.

Art. 20.° A empreza um anno depois de ter sido inaugurado o serviço entre Lisboa e Zanzibar, fica obrigada a prolongar as viagens de modo a ligar Moçambique com a India portugueza, tocando nos portos que lhe forem indicados pelo governo, e adquirindo para esse fim mais um vapor nas condições do n.° 5.° do artigo 1.° d'este contrato.

§ 1.° O serviço a que se refere este artigo, regular-se-ha pelas condições anteriores em tudo quanto lhes forem applicaveis.

§ 2.° O governo concederá á empreza, por esta carreira, o subsidio de 122:000$000 réis, correspondente a doze viagens redondas.

Art. 21.° Quando se reconhecer que a empreza aufere um rendimento liquido superior a 8 por cento, o governo poderá ou reduzir o subsidio proporcionalmente ao excesso ou diminuir as tarifas de transporte, de modo a não ser excedido aquelle lucro.

Art. 22.° Todas as questões que se suscitarem entre o governo e a empreza sobre a execução d'este contrato, serão decididas por arbitros portuguezes, dos quaes um nomeado pelo governo e outro pela empreza, e um terceiro por accordo entre as duas partes, ou na falta d'este accordo pelo presidente do supremo tribunal de justiça.

Secretaria da marinha e ultramar, em 19 de julho de 1890. = Julio Marques de Vilhena.

Illmo. e exmo. sr. - A commissão encarregada de estudar o problema da navegação entre a metropole e as provincias da Africa e da India vem hoje desonerar-se, conforme as suas forças lhe permittem, da espinhosa tarefa que v. exa. se dignou commetter-lhe.

Iniciou a commissão os seus trabalhos por um detido exame das condições do contrato realisado em 4 de julho de 1887 com a mala real portugueza, base dos quesitos cujo estudo lhe foi expressamente recommendado, e reconheceu que algumas d'aquellas condições são um tanto contradictorias, ou, para melhor dizer, inexequiveis, como passa a expor.

O contrato feito com a mala real diz no seu artigo 1.° que aquella companhia deverá estabelecer uma carreira mensal entre Lisboa e Mossamedes, com escala em S. Vicente ou S. Thiago e S. Thomé e Loanda, e entre outras condições preceituou no § 4.° do mesmo artigo que os vapores destinados a esta carreira não seriam em numero menor de tres, de lotação superior a 2:000 toneladas de registo bruto, devendo a sua marcha na experiencia official não ser inferior a 14 milhas por hora; e finalmente no § 7.° tambem estatuiu que a viagem entre Lisboa e Mossamedes não excederia dezoito dias, comprehendida a demora nos portos.

Acontecendo, porém, como é geralmente sabido, que as experiencias officiaes da milha medida são sempre realisadas em condições excepcionalmente favoraveis e só por um espaço de tempo muito limitado, obtendo assim velocidades exageradas, que nunca mais se reproduzem, nem é possivel manter em uma navegação aturada; deprehende se necessariamente que a condição das 14 milhas, exigidas na experiencia official, admitte a possibilidade d'este serviço se fazer com uma marcha de 12 milhas, maxima velocidade que lhe poderá corresponder em circumstancias normaes.

Por outro lado sendo a distancia entre Lisboa e Mossamedes de 4:732 milhas, resulta que, na hypothese antecedente, são, pelo menos, precisos dezeseis dias e meio de navegação para effectuar este trajecto, sem contar o tempo que mais ou menos se perde em demandar a terra e os ancoradouros. Ficam, pois, trinta e seis horas apenas para o serviço de todos os portos da carreira, o n'esse curto espaço de tempo é absolutamente impossivel fazer esse serviço, pois só as operações de carga, abastecimento de carvão e agua, no porto de Loanda, exigem, pelo menos tres dias.

É fóra de duvida que a companhia concessionaria se empenha seriamente no integral cumprimento das difficeis condições que acceitou, pois espontaneamente elevou a tonelagem dos seus navios quasi ao duplo do limite estabelecido no contrato, e dotou esses vapores com possantes machinas, que lhos permittiram desenvolver nas experiencias officiaes marchas superiores a 16 milhas, e que man-

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têem a media de 14 milhas por hora, em singraduras seguidas, como a commissão teve occasião de verificar pelos diarios de bordo.

Comtudo os vapores da mala real têem feito sempre esta carreira com muitos dias de atrazo, apesar d'estes enormes sacrificios que aquella companhia graciosamente se impoz, o que, diga-se em abono da verdade, não são frequentes em emprezas d'esta ordem, quando iniciam a sua vida.

Em vista do que fica exposto, entendeu a commissão dever pôr de parte nos seus calculos a dura condição implicita no § 7.° do contrato que vimos discutindo, por isso que a sua estricta observancia importaria graves sacrificios seguramente muito superiores ás necessidades do commercio, e á importancia d'aquella linha de navegação, para não dizer aos recursos do paiz, o que naturalmente não estavam na mente dos outorgantes n'um dos concessionarios que firmaram este contrato.

Resolvida assim esta questão prévia proseguiu a commissão nos seus trabalhos, observando sempre as demais disposições d'aquelle contrato na parte em que elle se relacionava com os quesitos instantemente recommondados ao seu estudo.

Soccorreu-se para isso a commissão a todos os dados estatisticos que official e particularmente poude colligir, e aos conhecimentos tirados da propria experiencia mais que ao concurso que lhe poderiam prestar as emprezas da navegação nacional, por isso que essas emprezas tendo contratos com o governo, que devem ser renovados, mediante concurso, em prasos não muito remotos, não poderiam consentir do boa ventado e sem reserva, que a commissão lhes fosse devassar, por assim dizer, a sua vida intima em trabalhos officiaes d'esta natureza, e tão pouco nessas melindrosas circumstancias a commissão não podia deixar de escrupulisar em utilisar-se da benevolencia com que os seus pedidos foram recebidos por algumas d'essas companhias.

Como era de esperar, a mala real, achando se em condições excepcionaes franqueou os seus livros e todos os documentos que lhe foram pedidos, mas esse auxilio não podia satisfazer cabalmente o espirito e os desejos da commissão, pois tendo esta empreza apenas acabado de iniciar as suas carreiras, é do presumir que não tenha ainda os serviços montados com a severa economia e rigorosa fiscalisação que só a pratica de uma cuidadosa e bem dirigida explorarão podo conseguir.

Se acrescentarmos que estas desfavoravais circumstancias foram ainda aggravadas pela instante urgencia que forçou a commissão a precipitar os seus estudos, poderá v. exa. formar idéa approximada das difficuldades que pesaram sobre ella; difficuldades de certo muito superiores ás suas forças e que por isso espera lhe servirão de desculpa a este mediocre trabalho.

Incorrectos e deficientes como são, esses trabalhos, acham-se por assim dizer synthetisados no mappa que segue, conjunctamente com os orçamentos respectivos a cada uma das hypotheses estudadas.

Por elle se vê que no estudo a que a. commissão procedeu em resposta ao primeiro quesito manteve a tonelagem dos vapores adquiridos pela mala real para a carreira entre Lisboa e Mossamedes, por lhe parecer que estes navios satisfazem perfeitamente as necessidades do serviço a que são destinados.

A commissão julga dever frizar bem que nos estudos d'esta carreira se louvou exclusivamente nas contas de receita fornecidas pela mala real, adoptando a media de todas as suas viagens, pois não teve outros elementos extra-officiaes o até lhe faltaram os dados officiaes que em tempo requisitou das estações competentes.

A commissão julga ainda dever advertir que o deficit denunciado nas contas da mala real relativas á carreira de Lisboa a Mossamedes deve em parte ser attribuido a desvantajosa concorrencia feita pela empreza nacional, a qual, como é sabido, n'esta carreira gosa do privilegio da carga e dos passageiros do estado.

Da inspecção do respectivo mappa se deprehende que, para se manter esta carreira em condições de dar uma justa remuneração aos capitães empregados, admittida a marcha de 14 milhas por hora entre Lisboa e Mossamedes, por ser a que mais se approxima das condições do contrato actualmente em vigor, será preciso um subsidio annual de 638:625$556 réis, comprehendidos 154:764$000 réis provenientes da carreira de Moçambique á India. Na hypothese d'esta carreira ser feita com a marcha de 10 milhas por hora os encargos acima enumerados, segundo o mappa respectivo, ficam reduzidos a 532:740$556 réis, comprehendida igualmente a carreira directa para a India.

Quanto ao 2.º quesito, isto é, a ligação da metropole com a provincia do Moçambique por via do canal de Suez, resolveu a commissão fazer orçamentos para os navios que actualmente fazem a carreira de Lisboa a Mossamedes, e tambem para vapores de 2:000 toneladas, registo bruto, por lhe parecer que estes ultimos são ainda muito superiores ás exigencias, ou antes ás necessidades commerciaes d'aquella provincia.

Na verdade, sabe-o v. exa. muito bem, as estatisticas do movimento commercial de Moçambique são nos seus conjunctos pouco lisonjeiras, mas sobretudo as que registam as relações commerciaes com a metropole são absolutamente desanimadoras.

Ora, achando-se o principal commercio d'aquella provincia nas mãos dos estrangeiros, que o fazem derivar directamente para os seus respectivos mercados, por meio de poderosas companhias de navegação largamente subsidiadas, acontece naturalmente que os navios portuguezes d'aquella carreira se vêem obrigados a andar por assim dizer de porão varrido.

Não parece á commissão que estas precarias circumstancias se venham a modificar favoravelmente nos primeiros annos, a ponto de ser preciso de estabelecer desde já n'aquella carreira grandes navios.

E não é porque a commissão não tenha no mais subido apreço os poderosos recursos da nossa colonia da costa oriental da Africa, muito mais salubre que a Guianua, ingleza e de que o proprio Brazil, e não menos fertil do que esses prosperos paizes enriquecidos em grande parte á custa da emigração que de Portugal e das ilhas adjacentes se dirige todos os annos para Demerara e para as terras de Santa Cruz.

Pelo contrario a commissão reconhece que, se parte d'esta emigração fosse convenientemente derivada para Moçambique e se ao mesmo tempo a nossa industria, á sombra de uma bem entendida protecção, se dispozesse a manufacturar os grosseiros algodões estampados, a polvora ordinaria e as mais ordinarias espingardas de pederneira, em summa todos esses vilissimos productos que estão ao alcance das industrias ainda as mais rudimentares nos seus processos e menos ricas de capitães, productos na verdade ordinarissimos, mas que são permutados nas nossas colonias no valor de muitos milhares de contos de réis!

Se entrassemos resolutamente n'esse caminho, tem a commissão por certo que a provincia de Moçambique em poucos annos teria attingido uma grande prosperidade incalculavel, e então poderia folgadamente sustentar uma e muitas linhas do vapores de grande lotarão.

Mas para se conseguir isso, admittindo que isso se emprehenda, presume a commissão serão precisos annos de penosa e perseverante elaboração, a qual exigiria uma accentuada concentração de todos os nossos recursos economicos, e o maximo escrupulo para que a sua applicação fosse frita da maneira mais util e proficua.

Obedecendo a, esta orientação de idéas entende a commissão, como acima dissemos, que uma linha de vapores de 2:000 toneladas de registo, corresponderá durante al-

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guns annos ás necessidades d'aquella provincia na hypothese da ligação directa pelo canal de Suez.

Menos vantajoso é para aquella colonia o contrato actualmente em vigor, pois estabelece que o serviço da costa oriental seja feito com vapores de 1:000 toneladas de registo bruto por meio de trasbordo em Mossamedes para os grandes vapores da carreira.

Demais não offerece duvida que se o Ibo e o Tungue podem fazer o serviço da provincia de Moçambique, arrostando com os temporaes do Gabo da Boa Esperança, em muito melhores condições se acha o alvitre que a commissão tem a honra de submetter á esclarecida apreciação de v. exa.

Pelo respectivo mappa se vê que o encargo proveniente desta carreira, na hypothese que vimos advogando, seria de 336:169$000 réis, comprehendidos 145:404$000 réis da carreira secundaria entre Lourenço Marques e Mossamedes, e 40:090$000 réis provenientes da carreira da India, na hypothese de se fazer o trasbordo em Aden.

Adoptando vapores de 3:300 toneladas para esta carreira com a velocidade de 14 milhas por hora, o encargo para o estado seria de 612:679$000 réis. Finalmente empregando os mesmos vapores, mas reduzindo a marcha a 10 milhas, seria preciso um subsidio de 511:759$000 reis, comprehendidos os encargos da ligação das duas costas e da India, que são constantes.

Seja qual for, porém, a solução adoptada, quanto a tonellagem dos navios desta carreira, desejaria a commissão que lhe fosse permittido insistir calorosamente junto de v. exa. para que a ligação com a provincia de Moçambique seja feita pelo canal de Suez e não pelo cabo de Boa Esperança.

A provincia de Angola, incontestavelmente menos fertil do que aquella, principalmente na vastissima zona do seu litoral, que é de uma esterilidade desoladora, têem prosperado pelo crescente desenvolvimento da sua agricultura e do seu commercio; ao passo que a provincia de Moçambique, cujo solo uberrimo se reveste por toda a parto de uma pujante vegetação desde o espraiado das ondas até aos mais reconditos sertões, e que na opinião dos entendidos é apropriada ás mais variadas e ricas culturas, permanece em um lamentavel abandono.

Parece á commissão, se lhe é permittido emittir opinião em tão momentoso assumpto, que uma das principaes causas d'este desfavoravel confronto deve ser attribuida á falta de navegação directa e regular que encurte a distancia entre a metropole e a colonia da costa oriental.

Continuar a navegação pelo cabo equivale, na opinião da commissão, a manter esta desigualdade de condições em proveito da costa occidenlal, mas com grave detrimento dos interesses da costa oriental; significa para os passageiros desta ultima a imposição de uma viagem morosissima e incommoda, com o grave inconveniente de ser feita em navios de pequena tonelagem, precisamente na parte em que a navegação é mais incommoda, trabalhosa e arriscada; e finalmente representa para o commercio o transtorno de baldeações, sempre onerosas e prejudiciaes.

Por tudo isto parece á commissão, que, na hypothese de se manter a carreira pelo cabo, não será para admirar que o commercio d'aquella provincia com a metropole prefira a navegação estrangeira á nacional, principalmente agora, que uma companhia allemã vae estabelecer carreiras directas pelo canal entre Lisboa e aquella costa.

O encargo da navegação entre a metropole e a provincia de Moçambique, pelo canal de Suez, acha se aggravado pela navegação entre Lourenço Marques e Mossamedes, se a ligação das duas costas for julgada indispensavel. A commissão, porém, entende, salvo opinião mais auctorisada em contrario, que essa ligação é absolutamente desnecessaria. Na verdade a commissão não alcança bem as vantagens que para o commercio possam advir d'esse penoso encargo; pois esta carreira seguramente não será utilisada para a permutação da borracha de Moçambique com a, cera de Angola, ou o marfim d'esta com a ginguba d'aquella e reciprocamente.
Pelo contrario, comprehende-se bem que se devem fazer todos os sacrificios para se estabelecer uma drenagem, tão ampla quanto possivel, do commercio do sertão para o litoral em ambas as costas, e para d'ali o conduzir pelo caminho mais curto o mais economico á metropole.

Quanto ás vantagens administrativas provenientes da ligação d'estas duas colonias, se porventura as ha, pensa a commissão que essas vantagens não compensam de modo algum os encargos que d'ahi derivam, alem do que podem ser devidamente acauteladas no contrato que tenha de se fazer, prevenindo-se a hypothese do governo precisar de um navio de commercio para mandar do uma a outra costa, quando não tenha ou lhe não convenha empregar n'esse serviço os transportes do estado. Pois é fóra de duvida que qualquer d'essas hypotheses será muito mais economica do que a manutenção de uma carreira entre portos que não têem, nem podem vir a ter relações commerciaes de natureza alguma.

Por tudo isto julga a commissão que o encargo correspondente á navegação entre Lourenço Marques e Mossamedes seria muito mais bem applicado á ligação da India com a metropole, e com a provincia de Moçambique por trasbordo era Aden, e porventura a ligação das nossas colonias do extremo Oriente, quando mais não seja, por uma carreira annual ou semestral feita por navios nacionaes ou então por uma carreira mais frequente feita por combinação com a grande companhia transatlantica do reino vizinho, a qual pelos seus itinerarios poderia fazer um serviço regular em condições vantajosas para nós.

Ainda na hypothese da navegação para a costa oriental ser feita pelo canal Suez, parece á commissão que o commercio da provincia de Angola muito terá a lucrar com a continuação da carreira de Lisboa a Mossamedes pelos vapores da mala real, que lhe veiu prestar, como é geralmente sabido, importantes serviços.

Parecerão talvez exagerados os orçamentos da commissão, principalmente se elles forem confrontados com o subsidio pedido pela mala real no contrato actualmente em vigor; mas deve-se advertir que é precisamente por esse contrato ter sido feito em condições inexequiveis, como infelizmente a experiencia veiu demonstrar, que agora se pretende achar uma solução quanto possivel equitativa que o torne viavel. Alem d'isto estes encargos devem ser tomados só por um periodo muito restricto, findo o qual o contrato terá de ser revisto, pois é de suppor que as condições actuaes se modifiquem rapidamente para melhor.

Acresce ainda que taes encargos são era parte attenuados pelas despezas alfandegarias de sanidade, capitanias, etc., que constituem receita do estado, na importancia de vinte e tantos contos de réis annuaes, alem dos direitos tambem importantes que a empreza terá de pagar pelo carvão recebido pelos seus navios.

Por outro lado convem recordar que todas as emprezas de navegação dos paizes estrangeiros foram sempre protegidas nos primeiros annos da sua organisação por subsidios enormes, que, apesar de terem decrescido gradualmente, ainda hoje são importantes.

Assim, vemos que a companhia peninsular oriental iniciou as suas carreiras para a India e China com o enorme subsidio de 17 schillings por milha percorrida, e hoje mesmo o governo inglez paga annualmente 260:000 libras pelas carreiras da India, China, Japão, Australia. A Castle Mail e a Union recebem 44:000 libras do governo da colonia do Cabo, e uma companhia allemã, ultimamente organisada para o serviço da costa oriental de Africa recebe o subsidio annual de duzentos e tantos contos.

A poderosa companhia das Messageries Maritimes ainda ha poucos annos recebia, um subsidio de cercado, 1.800:000$000

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réis annuaes! Finalmente, a grande companhia Transatlantica, do reino vizinho, segundo o recente contrato de 26 de junho de 1889, recebe o enorme subsidio de 3.000:000$000 réis proximamente, a rasão de 10 pesetas por milha percorrida na linha da America, de 7,15 na das Filipinas e de 5,93 na de Buenos Ayres, Fernando Pó e Marrocos.

Deve, porém, notar-se que essas grandes emprezas estrangeiras de navegação são poderosamente patrocinadas pelas crescentes necessidades de um commercio arrojado e sempre solicito em abrir mercados aos productos da incansavel actividade das suas florescentes industrias.

Porém nós, cujo commercio é talvez nimiamente cauteloso e pouco emprehendedor, e cuja industria se acha por assim dizer embryonaria, não admira, repetimos, que a nossa navegação, de mais a mais privada da conveniente protecção de bandeira, não possa concorrer vantajosamente nas nossas proprias colonias com a navegação estrangeira, e exija para se sustentar largos subsidios.

Nem é preciso ír buscar exemplos ao estrangeiro para justificar a necessidade que ha de subsidiar convenientemente as emprezas de navegação nos primeiros annos das suas carreiras.

Mesmo entre nós encontrâmos um frizante exemplo fornecido pela companhia união mercantil que primeiro estabeleceu carreira de vapores para a costa occidental de Africa.

É bem sabido que aquella companhia se não pôde sustentar apesar do avultado subsidio de 200:000$000 réis que lhe foi concedido.

Ora, se o governo de então tivesse desanimado com o insuccesso da primeira tentativa, com certeza a nossa provincia de Angola não teria attingido o grau de prosperidade que hoje apresenta, e que lhe permitte já sustentar quasi sem subsidio duas linhas de vapores muito superiores aos que iniciaram aquella carreira; grau de prosperidade tal que na opinião da commissao representa o titulo mais honroso, e a prova mais irrecusavel que podemos produzir perante o mundo civilisado para fazer acatar e respeitar os nossos direitos de soberania sobre aquellas vastas regiões collocadas sob a nossa tutella pelo portentoso esforço de nossos maiores.

Posto isto, a commissão dá por concluidos os seus trabalhos, lamentando que as difficeis condições em que elles foram realisados lhe não permittissem corresponder dignamente á alta prova de confiança que v. exa. se dignou conceder-lhe, encarregando-a de um estudo de tamanha importancia.

Lisboa, sala das sessões, 25 de junho de 1890. = Manuel Joaquim Ferreira Marques, capitão de mar e guerra, presidente = Pedro Ignacio do Rio Carvalho, capitão de mar e guerra, vogal = Antonio Centena = Manuel de Azevedo Gomes, capitão tenente, secretario.

N.° 1

Carreira de Lisboa ao Ibo por Mossamedes com ligação directa de Moçambique a Mormugão

arreira principal de Lisboa a Mossamedes

3 vapores de 3:300 toneladas com a marcha diaria de 336 milhas.- Custo dos 3 vapores 1:200:000$000 réis.- Percurso de ida e volta 9:464 milhas.- Gasto diaria de carvão 70 toneladas ao preço de 9$250 réis por tonelada, calculando-se 28 dias a 12 horas de navegação em viagem de ida e volta.

Carreira secundaria

De Mossamedes ao Ibo

2 vapores de 1:500 toneladas com a marcha diaria de 240 milhas.- Custo dos 2 vapores 360:000$000 réis.- Percurso de ida e volta 6:786 milhas. - Gasto diario de carvão 16 toneladas ao preço de 16$00 réis por tonelada, calculando-se 29 dias de navegação em cada viagem de ida e volta.

[Ver tabela na imagem]

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SESSÃO DE 30 DE JULHO DE 1890 1631

N.° 2

Carreira de Lisboa ao Ibo por Mossamedes com ligação directa de Moçambique a Mormugão

Carreira principal

De Lisboa a Mossamedes

3 vapores de 3:300 toneladas com a marcha diaria do 240 milhas.- Custo dos 3 vapores 1.200:000$000 réis.- Percurso de ida e volta 9:404 milhas.- Gasto diario de carvão 36 toneladas ao preço de 9$250 réis por tonelada, calculando-se 40 dias de navegação em cada viagem de ida e volta.

Carreira secundaria

De Mossamedes ao Ibo

2 vapores de 1:500 toneladas com a marcha diaria de 240 milhas.- Custo dos 2 vapores 360:000$000 réis.- Percurso de ida e volta 6:786 milhas.- Gasto diario de carvão 16 toneladas ao preço de 16$000 réis por tonelada, calculando-se 29 dias de navegação em cada viagem de ida o volta.

Carreira da India

De Moçambique a Mormugão

2 vapores de 1:500 toneladas com a marcha diaria de 240 milhas.- Custo dos 2 vapores 360:000$000 réis.- Percurso de ida e volta 5:906 milhas.- Gasto diario de carvão 16 toneladas ao preço de 16$000 réis por tonelada, calculando-se 25 dias do navegação por cada viagem de ida e volta.

[Ver tabela na imagem]

N.° 3

Carreira de Lisboa a Mossamedes por Lourenço Marques com trasbordo em Aden para Mormugão

Carreira principal

De Lisboa a Lourenço Marques

3 vapores de 2:000 toneladas com a marcha diaria de 240 milhas.- Custo dos 3 vapores 750:000$000 réis.- Percurso de ida e volta 14:572 milhas. - Gasto diario de carvão 23 toneladas ao preço de 6$000 réis por tonelada, cabulando-se 61 dias de navegação em cada viagem de ida e volta.

Carreira secundaria

De Lourenço Marques a Mossamedes

2 vapores de 1:500 toneladas com a marcha diaria de 240 milhas. - Custo dos 2 vapores 360:000$000 réis.- Percurso de ida e volta 4:600 milhas.- Gasto diario de carvão 16 toneladas ao preço de 16$000 réis por tonelada, calculando-se 20 dias de navegação em cada viagem de ida e volta.

Carreira da India

Da Aden a Mormugão

1 vapor de 1:000 toneladas com a marcha diaria de 240 milhas. - Custo do vapor 100:000$000 réis. - Percurso de ida e volta 3:400 milhas. - Gasto diario de carvão 16 toneladas ao preço de 6$000 réis por tonelada, calculando-se 15 dias de navegação em cada viagem de ida e volta.

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1632 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

[Ver tabela na imagem]

N.° 4

Carreira de Lisboa a Mossamedes por Lourenço Marques, com trasbordo em Aden para Mormugão

Carreira principal

De Lisboa a Lourenço Marques

3 Vapores do 3:300 toneladas com a marcha diaria de 336 milhas.- Custo dos 3 vapores 1.200:000$000 réis.- Percurso da ida e volta 14:572 milhas.- Gasto diario de carvão 70 toneladas ao preço de 5$000 réis por tonelada, calculando-se 44 dias da navegação em cada viagem de ida e volta.

Carreira secundaria

De Lourenço Marques a Mossamedes

2 Vapores de 1:500 toneladas com a marcha diaria de 240 milhas.- Custo dos 2 vapores 360:000$000 réis.- Percurso da ida e volta 4:000 milhas.- Gasto diario de carvão 16 toneladas ao preço de 16$000 réis por tonelada, calculando-se 20 dias de navegação em cada viagem de ida e volta.

Carreira da India

De Aden a Mormugão

1 Vapor de 1:000 toneladas com a marcha diaria de 240 milhas.- Custo do vapor 100:000$000 réis.- Percurso da ida e volta 3:400 milhas.- Gasto diario de carvão 16 toneladas ao preço de 6$000 réis por tonelada, calculando-se 15 dias de navegação em cada viagem de ida e volta.

[Ver tabela na imagem]

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SESSÃO DE 30 DE JULHO DE 1890 1633

N.º 5

Carreira de Lisboa a Mossamedes por Lourenço Marques, com trasbordo em Aden para Mormugão

Carreira principal

De Lisboa a Lourenço Marques

3 Vapores de 3:300 toneladas com a marcha diária de 240 milhas. - Custo dos 3 vapores 1.200:000$000 réis.- Percurso de ida e volta 14:572 milhas. - Gasto diario de carvão 36 toneladas ao preço de 5$000 ruis por tonelada, calculando-se 61 dias de navegação em cada viagem de ida e volta.

Carreira secundaria

De Lourenço Marques a Mossamedes

2 Vapores de 1:500 toneladas com a marcha diária de 240 milhas. - Custo dos 2 vapores 300:000$000 réis. - Percurso de ida e volta 4:600 milhas. - Gasto diário de carvão 16 toneladas ao preço de 16$000 réis por tonelada, calculando-se 20 dias de navegação era cada viagem do ida e volta.

Carreira da India

De Aden a Mormugão

1 Vapor de 1:000 toneladas com a marcha diaria de 240 milhas. - Custo do vapor 100:000$000 réis. - Percurso da ida e volta 3:400 milhas. - Gasto diario do carvão 16 toneladas ao preço de 6$000 réis por tonelada, calculando se 15 dias de navegação em cada viagem de ida e volta.

[Ver tabela na imagem]

Encargo annual do vapor que faz as carreiras supplementares entre os portos da provincia de Moçambique .... 40:000$000
Encargo total annual .... 767:759$000
Receita na carreira de Africa .... 250:000$000
Receita na carreira da India .... 6:000$000
256:000$000
Deficit annnal .... 511:759$000

O sr. Emygdio Navarro: - Pedi a palavra sobre o projecto menos para o discutir do que para fazer uma declaração ácerca da attitude que eu e os meus amigos politicos tomámos relativamente ao mesmo projecto.

O assumpto de que se trata tem de ser considerado sobre diversos pontos de vista, sendo um d'elles, talvez o capital, a influencia que esse projecto póde ter no nosso desenvolvimento colonial, sobretudo no estado das nossas communicações com a Africa oriental.

Na camara dos dignos pares um cavalheiro eminente do partido progressista, mostrou-se favoravel á idéa fundamental deste projecto, ainda antes delle ser apresentado, e aconselhou o sr. ministro da marinha a que se deliberasse a tomar as providencias indispensaveis para salvar as companhias portuguezas de navegação.

Posta a questão n'estes termos, s. exa. vê que ella é para nós uma questão aberta.

É esta a declaração que tenho a fazer. Sou partidário da idéa fundamental d'este projecto, e só lamento que o governo não fosse mais franco, vindo, desassombradamente, dizer ao parlamento que era necessario salvar as nossas colonias, em vez de trazer esse projecto, que, tal como está, é perfeitamente inadmissivel.

Não deve haver pejo em vir dizer ao parlamento que se pretende salvar as companhias portuguezas, e não obstante não se apresenta um projecto n'esses termos.

Esta é a minha opinião individual, e torno a repetir que para nós é esta uma questão aberta, e não uma questão politica.

O sr. Ministro da Marinha (Julio de Vilhena): -

Página 1634

1634 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Sr. presidente, o illustre deputado que acaba de fallar, começou por declarar que não fazia questão politica do assumpto a que se refere o projecto em discussão, que elle era para o seu partido uma questão aberta, e sentia apenas que o governo não dissesse que o fim d'este projecto era salvar as companhias portuguesas.

Se effectivamente o illustre deputado tem essa opinião, eu não vejo duvida nenhuma em que s. exa. traduza a sua idéa n'uma proposta.

O governo apresentou para a adjudicação deste contrato uma base, que é o concurso, e a camara comprehende perfeitamente quaes as rasões que eu teria para o admittir pois que é uma formula ou uma convenção parlamentar, acceita para salvaguardar a probidade e a honestidade da administração, e principalmente dos ministros, que são os auctores dos projectos desta índole. Não ha outra rasão para o concurso.

Bem sei que hoje essa formula de concurso vae estando decahida pela impugnação parlamentar, é eu não sei, depois de desacreditada essa formula, qual ha de ser o abrigo que os ministros hão de ter contra as accusações que se lhes dirijam. (Apoiados.) O que é certo é que temos consagrada na lei uma formula, que está no animo de toda a gente, isto é, que se faça adjudicação de qualquer contrato por meio de concurso, necessario a salvaguardar a probidade dos ministros? Eu fiz o que faria qualquer outro nas rainhas circumstancias. Acceitei o concurso como base para a adjudicação d'este contrato. (Vozes: - Muito bem.)

Se a camara, tanto por parte da maioria como por parte da minoria, entende que se póde negociar directamente com as duas companhias, dá, n'esse caso, uma prova de confiança ao governo, e especialmente ao ministro que ha de fazer esse contrato. (Apoiados da direita.)

E, n'estes termos, se a questão é uma questão aberta para a opposição, eu declaro tambem que o é para a maioria. (Apoiados.) Se a maioria, toda ou parte d'ella, e assim a opposição, entendem que é conveniente consignar na lei a faculdade do ministro contratar directamente com as duas emprezas, a mala real e a empreza nacional, faça a emenda que eu a acceito, ficando salva a minha responsabilidade.

Considero a questão aberta, e se a camara não tem duvida em me dar a faculdade de contratar com as duas emprezas, usarei d'essa faculdade, já se vê, com a mesma lealdade que usei apresentando a idéa do concurso. (Apoiados da direita.) Feita esta observação, póde a camara, que é soberana, votar desassombradamente. (Vozes: - Muito bem.)

Tenho dado as explicações que são necessárias e convenientes para a resolução d'este projecto, mas insistirei em que se o illustre deputado julga na sua consciencia respeitavel que, effectivamente, é melhor contratar com as duas emprezas, formule a sua proposta, que a maioria decidirá sobre ella.

Vozes: - Muito bem.

O sr. Fernando Palha: - Não tinha tenção alguma de fallar sobre este projecto, conforme o declarara quando discutira o projecto do caminho de ferro de Mossamedes, mas fazia-o porque lhe tinham pedido para não votar contra este projecto.

O sr. Emygdio Navarro declarara que esta discussão era uma discussão aberta para a opposição progressista e assim ia combater o projecto; felizmente s. exa. fizera essa declaração, porque do contrario teria quebrado a disciplina partidaria, para da mesma fórma usar da palavra.

As circumstancias do thesouro eram deploraveis, o mais difficeis que era possivel, e era n'essa occasião que o sr. ministro da marinha trazia ao parlamento duas propostas, o caminho de ferro do Mossamedes e os premios de navegação, que importavam para o estado um encargo de 800 contos de réis.

Nas palavras que ía pronunciar não visse o sr. ministro nada que podesse melindrar o seu caracter pessoal, que não era esse o seu intento, mas simplesmente atacar o modo por que s. exa. encarava os interesses do estado.
Na politica portugueza tinha-se introduzido a doutrina de que, quando capitães portuguezes estão em perigo, era necessario acudir-lhes. Essa doutrina fôra seguida com relação á questão Leixões-Salamanca e com relação ao Douro, com a differença porém de que estas envolviam interesses sociaes, emquanto que a protecção á mala real só se referia a interesses particulares.

Na empreza da mala real portugueza alguns individuos comprometteram as suas fortunas, o que elle lastimava, mas isso não dava direito, no seu entender, a que se lhes fosse metter na algibeira aquillo que elles perderam.

A navegação pela costa oriental podia justificar-se, mas, fazendo-se da fórma por que marca o projecto, não dava resultado algum.

Queria-se proteger duas companhias, mas como não havia dinheiro, a commissão de fazenda impunha como condição para approvar o projecto a approvação do projecto do alcool.

O sr. ministro da fazenda, quando apresentara o seu relatorio e propostas de fazenda, entre as quaes figurava o alcool, fizera-o com intenção de augmentar as receitas do estado e procurar fazer face ao deficit, mas não de dedicar a receita do alcool a acudir á mala real portugueza.

Quando o sr. ministro da marinha mandara uma expedição a Moçambique, á testa da qual ia o sr. Marianno de Carvalho, para que ella chegasse mais depressa ao seu destino, mandou a em navio estrangeiro.

N'essa occasião começaram os jornaes nos seus reclames á mala real accusando o governo por ter preferido navios estrangeiros aos portuguezes. Esses reclames duravam ha seis mezes, para preparar a opinião para qualquer protecção áquella companhia.

Diz que uma das rasões que se apresentara para se sustentar o projecto é a necessidade de se ligar Mossamedes com a costa oriental, porque muitas vezes convém transportar soldados indigenas de uma para outra provincia.

Mas ainda ha pouco tempo, tendo o sr. ministro da marinha ordenado ao governador de Moçambique que mandasse algumas forças indigenas para Angola, o mesmo governador lhe respondera que nem sempre era possivel fazer-se o transporte de tropas por causa do estado do mar.

Alem d'isto, com vapores de 1:500 toneladas não era possivel transportarem-se milhares de landins quando fosse necessario.

Conclue declarando que faz um protesto, o qual se cifra n'uma accusação ao governo, accusação que não significa senão que elle, orador, entende que o isr. ministro da marinha tem uma maneira falsa de ver este assumpto.

S. exa. attendeu só á necessidade de acudir a capitães portuguezes, deixando assim que fossem sacrificados os interesses do estado.

(O discurso será publicado na integra, e em appendice a esta sessão, quando s. exa. haja revisto as notas tachygraphicas.)

O sr. Cardoso Pimentel: - Requeiro a v. exa. que consulte a camara sobre se quer que se prorogue a sessão até se votar o projecto em discussão.

Vozes: - Isso não póde ser.

(Grande susurro.)

Muitos srs. deputados pedem a palavra sobre o modo de propor.

O sr. Cardoso Pimentel: - Desisto do meu requerimento.

O sr. Presidente: - Peço aos srs. deputados que se conservem na ordem. O sr. deputado Cardoso Pimentel desistiu do seu requerimento.

O sr. Ministro da Marinha (Julio de Vilhena): - A opposição engana-se) certamente, se imagina que eu

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SESSÃO DE 30 DE JULHO DE 1890 1635

jo abafar a discussão deste projecto. Pelo contrario, desejo sobre elle uma larga discussão, e tanto sobre este como sobre qualquer outro projecto. (Apoiados.)

Eu não tenho a honra de ser membro d'esta casa, não posso intervir nas suas resoluções nem obstar a que qualquer membro da maioria faça um requerimento para se prorogar a sessão. Não está isso na minha mão.

Comprehendia que um membro da maioria fizesse um requerimento; mas desde que o leader da opposição...

O sr. Emygdio Navarro: - Desde que eu declarei que era uma questão aberta não se podia votar requerimento para se prorogar a sessão.

O Orador: - Desde que o leader da opposição declara que apoia a idéa de protecção á navegação colonial, e ainda foi alem do pensamento do governo, porque declarou que não tinha duvida em approvar uma proposta que au-ctorisasse o mesmo governo a contratar directamente; desde que um homem com tanta auctoridade, como aquella que s. exa. deve ter, não só no seio do parlamento, mas tampem no seio do seu partido, fez esta declaração, eu tambem cheguei a acreditar que hoje se votaria o projecto, porque não imaginava que a opposição viesse manifestar uma tal scisão no seu seio. (Apoiados. - Vozes: - Muito bem, muito bem.)

(Ápartes.)

Vozes: - Ouçam, ouçam.

O Orador: - Cheguei a acreditar que o projecto se votaria hoje, porque não imaginava que a opposição viesse degladiar-se, comsigo propria, mostrando que uma parte desejava uma cousa e outra parte desejava outra cousa. (Apoiados.)

(Apartes. - Susurro.)

Vozes: - Ouçam, ouçam.

O Orador: - Os factos estão a mostrar que assim é, embora qualquer sr. deputado julgue o contrario.

Portanto, o illustre deputado da maioria quê fez o requerimento sem me consultar, e que o fez no uso pleno do seu direito, está perfeitamente justificado perante a assembléa. (Apoiados.)

S. exa. de certo nunca chegou a imaginar que se levantasse uma tempestade tamanha n'uma questão que não era da maioria só, mas que era da maioria e de uma grande parte da opposição.

(Aparte do sr. Emygdio Navarro, que se não ouviu.)

(Susurro.)

O sr. Presidente: - Peço ordem. Peço aos srs. deputados que deixem proseguir o orador.

O Orador: - É uma questão aberta, e por ser assim, por não ser uma questão politica, é que eu não imaginava que se levantasse uma tempestade d'esta ordem.

É uma questão aberta. Mas o que é uma questão aberta? Uma questão d'essa ordem é uma questão que se discute serena e placidamente, uma questão em que não ha attrictos, em que as difficuldades desapparecem sem grandes luctas. (Apoiados.)

Isto é que é uma questão aberta. (Apoiados.)

Uma questão aberta não se compadece com os tumultos levantados na assembléa, não se compadece com esses pedidos de palavra para se fazerem accusações ao governo; e numa palavra, não se compadece com este ambiente politico, em que os illustres deputados da opposição collocaram este assumpto.

É uma questão aberta? Mas então discuta-se como questão aberta.

Foi assim que o illustre deputado da maioria entendeu que todos consideravam a questão, e por isso julgou que se podia prorogar a sessão.

Mas estejam descansados os illustres deputados da opposição, porque aquelle illustre deputado já retirou o seu requerimento, o que de fórma alguma lhe fica mal. (Apoiados.)

O que convem que a opposição saiba é que, ou questão aberta ou questão politica, o governo acceita o debate, e responde completamente pelo projecto. (Apoiados.)

O meu habito é discutir serenamente, mas acceito as questões no campo em que a opposição as colloca.

Se a opposição quizer travar comungo um debate politico sobre este projecto, eu acceito a questão no campo politico, acceito-a no campo que s. exas. julgarem conveniente que deve ser discutido este assumpto. É um erro; mas a responsabilidade d'esse erro não me pertence a mim. (Apoiados.)

E agora vou responder ao sr. Fernando Palha.

O sr. Fernando Palha tem a seguinte formula para todos os seus discursos: «O governo não póde fazer absolutamente nada, porque são más as circumstancias do thesouro».

As circumstancias do thesouro eram boas no tempo do ministerio progressista; então, podia o governo fazer tudo; hoje, em que as circumstancias são precisamente as mesmas, porque a politica do governo as não tem aggravado, hoje, o governo não póde fazer nada!

Por essa doutrina do illustre deputado, por essa formula a que o illustre deputado subordina todos os seus discursos, porque não tem senão esta, não se faria cousa alguma.

Trata-se do caminho de ferro de Mossamedes; o governo não o deve fazer, diz s. exa., porque são más as circumstancias financeiras do thesouro. Trata-se do contrato de navegação para a Africa; vem immediatamente a mesma formula: não se deve fazer, porque as circumstancias do thesouro são más e não o permittem. De sorte que o illustre deputado com um só discurso, póde encher uma sessão completa.

Mas pergunto eu: é nocivo aos interesses do paiz este contrato?

O illustre deputado intentou demonstrar que assim era, e eu sustento precisamente o contrario.

Porque o mais curioso é isto.

Durante tres mezes, a imprensa de todas as cores politicas actuou sobre o governo, dizendo-lhe: «não abandone as companhias nacionaes, não se entregue nas mãos do companhias estrangeiras». Durante tres mezes, a opinião publica actuou sobro o ministro; e o ministro que gosta de governar com a opinião publica, apresentou um projecto que é o reflexo dessa opinião; e n'estes termos vem alguem da opposição e diz-lhe: vá negociar com as companhias estrangeiras!»

Pergunto: essa imprensa estava vendida ás companhias, essa imprensa fallava seriamente, dizia a verdade, ou essa imprensa mentia?

Responda-me o illustre deputado se póde.

Se a imprensa dizia a verdade, acceitei-a como reflexo, como espelho genuino da opinião do paiz, trazendo este projecto á camara. Não fiz senão obedecer aos dictames e mandamentos imperiosos da opinião da imprensa. Se ella mentia, não sei, o illustre deputado que o diga. É muito curioso tudo isto. (Apoiados.)

Se eu fizesse um contrato, que seria evidentemente mais barato, com uma companhia estrangeira, vinha o illustre deputado, o patriota, e dizia: que eu estava vendido á nação a que pertencessem os individuos com quem contratasse; e se não quizesse atacar o meu caracter, que lhe devo até hoje o obsequio de o não fazer, e espero continuar a dever-lhe até ao fim da minha administração; se o não quizesse fazer, de certo que havia de accusar o governo, por não ter obedecido aos dictames do patriotismo.

O patriotismo tambem impSe sacrificios ao paiz. É muito facil solver a divida ao patriotismo, affixando cartazes pelas paredes. É facilimo, não custa, nem traz encargos para o tbesouro; mas abandonar uma companhia estrangeira, o que é tambem um acto de patriotismo, para negociar com uma companhia nacional, ha de necessariamente ser um acto oneroso e de sacrificios ao paiz.

Mas pergunto ao illustre deputado; ha alguma compa-

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1636 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

nhia nacional que possa negociar com o governo portuguez nas mesmas condições em que o governo poderia effectuar um contrato d'essa ordem com alguma companhia estrangeira? Esta é que é a questão. (Apoiados.)

Mas deve o governo entregar a navegação colonial ás companhias estrangeiras? Positivamente não. E mesmo a consciencia do illustre deputado ha de necessariamente levantar brado contra tão deploravel resolução. (Apoiados.)

O que ha de fazer então o governo?

A pratica está demonstrando, que o que se fez com a mala real occasionou as difficuldades em que a companhia se encontra.

As dificuldades que o governo tem de resolver, foram resultado de um dos taes contratos excellentes, feitos pelo ministerio passado!

Digâmos a verdade toda, se no contrato que foz o sr. Henrique de Macedo, o governo de então em vez do subsidio de 98 contos de réis, houvesse dado á companhia subsidio superior, o actual não encontraria as difficuldades que lhe foram legadas.

Ha contratos que, por serem gratuitos ou quasi gratuitos, parecem bons na sua iniciação, e que, quando começam a executar-se, vê-se que são mais onerosos para o estado do que aquelles que trazem encargos.

Depois o illustre deputado disse que o governo não deve accudir a companhias fallidas! Em these assim é, sr. presidente, mas desse modo o illustre deputado foi o primeiro que invocou o argumento justificativo do acto governamental, confessando que a companhia se encontra em más circumstancias.

O facto, sr. presidente, é que nós precisâmos, antes de tudo, chamar para as colónias os capitães portuguezes; e se porventura o governo deixasse fallir as companhias nacionaes, nunca mais iria o menor capital portuguez para o ultramar. (Apoiados.)

É muito facil fazer considerações vagas, toda a gente as faz, mas é preciso pensar bem nos acontecimentos e meditar devidamente nas suas consequencias. Era barato, mas era de desastrosas consequências para a nossa administração colonial, deixar fallir a companhia; os capitães, nessas condições, assustar-se-iam de tal maneira, que nunca mais entraria d'elle a menor parcella em emprezas coloniaes. (Apoiados.)

Quem está n'estes logares, tem de ver a administração sob um ponto de vista superior.

Os illustres deputados, com as suas considerações, desempenham os deveres de deputados da opposição; mas n'este logar sou obrigado a attender a outras considerações, e creio que cumpro o meu dever, não deixando de attender a uma unica d'essas circumstancias.

É claro que este contrato se póde effectuar de differentes maneiras; estabelecendo a navegação pelo canal de Suez ou pelo Cabo da Boa Esperança.

Mas emittir essa opinião não é combater o contrato, mas sim consideral-o sobre diversos pontos de vista.

Em vista das circumstancias financeiras, o sr. Palha, que não direi que foi infeliz, mas sim que fui illogico na sua argumentação, começou por negar ao governo a obrigação de fazer o contrato, e acabou por dizer, que, dado o mesmo contrato, seria conveniente, que em vez da navegação se fazer pelo sul da Africa, se fizesse pelo canal de Suez!

Ora o governo faz o contrato n'estes termos porque julga de uma grande vantagem administrativa ligar a provincia de Moçambique com a nossa colonia da provincia de Angola, e julga isso porque sabe praticamente quanto custa o transporte de uma pequena leva de tropas de Moçambique para Angola, ou vice-versa, e antevê uma economia para o thesouro, preferindo a ligação das duas colónias pelo Cabo á sua ligação por via de Suez.

O que disse s. exa. mais sobre o projecto?

Mostrou que era exagerado o subsidio?

Não mostrou, mas ainda que assim fosse, o governo não tem responsabilidade na fixação d'esse subsidio, e não se póde dizer que eu pretendesse favorecer as companhias a, que fosse adjudicado este contrato, porque não fixei o subsidio; e não o fixei, não porque não tivesse a coragem de o fazer, mas porque encontrei
um meio de salvar, nesse caso, a minha responsabilidade.

O que fiz eu? Nomeei uma commissão de homens te-chnicos, officiíies de marinha, e caracteres superiores a todas as suspeições, e foram elles que fixaram esse subsidio.

Estas são as rasões por que o governo apresentou este contrato á camara.

Cumpre-me pois declarar que, se for necessario dar mais algumas explicações, tomarei novamente a palavra.

O sr. Presidente: - Tem a palavra, sobre a ordem, o sr. Fuschini.

O sr. Serpa Pinto: - Sr. presidente, eu pedia a v. exa. que mandasse ler o nome dos srs. deputados inscriptos.

O sr. Presidente: - Estão inscriptos os srs. Elvino de Brito, Dias Ferreira, Serpa Pinto, Emygdio Navarro e Eduardo Coelho, sobre a ordem; e Bernardino Coelho, Simões Ferreira, Paulo Cancella e Eduardo de Almeida, sobre a materia.

O sr. Emygdio Navarro: - Sr. presidente, creio que fui só eu que pediu a palavra sobre a ordem.

O sr. Presidente: - Os srs. Fuschini, Elvino de Brito e Dias Ferreira vieram á mesa declarar que tinham pedido a palavra sobro a ordem.

O sr. Serpa Pinto: - Eu não costumo ir á mesa dizer nada, mas pedi a palavra sobre a ordem, e como sou o ultimo inscripto, declaro que, tendo urgente necessidade de me retirar de Lisboa, não posso fallar sobre este projecto.

O sr. Presidente: - Eu inscrevi v. exa. na occasião em que pediu a palavra.

O sr. Emygdio Navarro: - Como hoje não me chegará a palavra sobre a ordem, peço a v. exa. que me inscreva, para antes de se encerrar a sessão, porque preciso protestar contra a interpretação, dada pelo sr. ministro da marinha, às minhas palavras.

O sr. Fuschini: - Sr. presidente, a minha moção de ordem é a seguinte:

«A camara resolve adiar o projecto e passa á ordem do dia.»

Permitta-me v. exa. que, muito ligeiramente, me refira a alguns episodios,
occorridos nesta camara, e ás explicações trocadas entre o sr. ministro da marinha e o sr. Emygdio Navarro.

O sr. ministro da marinha declarou que não tinha responsabilidade alguma no requerimento, que acaba de fazer-se, pedindo para ser consultada a camara sobre se permittia a prorogação da sessão até se votar este projecto, que ainda não havia sequer começado a discutir-se!

Estou convencido de que s. exa. não só não tem, mas não quereria ter a responsabilidade de similhante requerimento; todavia, as doutrinas que s. exa. apresentou a este proposito, sendo erróneas, carecem de rectificação.

O sr. ministro disse que não via os inconvenientes, que a opposição parecia ter descoberto no requerimento, desde que o sr. Emygdio Navarro, leaãer da minoria, tinha dado a sua adhesão ao projecto.

Devo declarar a v. exa. que se engana sobre a constituição da minoria.

A actual minoria é formada por uma parte progressista, por outra republicana e ainda por outra, que não é progressista, nem republicana.

Qualquer declaração feita pelo sr. Emygdio Navarro póde ter, talvez, grande valor relativamente á fracção, que s. exa. dirige; não representa, porém, absolutamente nada com respeito á minha opinião e á dos republicanos, que

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aliás fatiarão por si, visto que não me auctorisaram para fazer declarações em seu corne.

O sr. Emygdio Navarro: - Eu fallei da opposição progressista.

O Orador: - Não estou respondendo a v. exa., mas sim ao sr. ministro.

Tem-se perdido de vista, muitas vezes, que a minoria não é homogénea senão para o facto de fazer opposição. Tem differentes grupos politicos. O sr. Emygdio Navarro falla só em nome dos seus correligionarios; portanto, dos bancos ministeriaes não podia partir a affirmação de que, quando s. exa. faz declarações, é em nome da minoria. Fique dito isto por uma vez.

Seja isto dito em boa paz, porque me habituei a tirar sempre ás discussões qualquer caracter pessoal; se bem que não lhe fuja quando outros lh'o queiram dar.

Francamente, devo declarar que não me indignou o requerimento, apesar de o achar completamente deslocado, porque não quero em assumptos d'esta ordem metter quaesquer episodios, que possam afastar a questão principal, isto é, o estudo minucioso do projecto.

Estou habituado a ver, em certos projectos importantissimos e do grande alcance, desviar a discussão por meio de incidentes, levantados occasionalmente, quero crer; mas que têem influencia decisiva sobre a questão e tendem a afastai-a do verdadeiro campo, onde deve estar e ser discutida.

O sr. Emygdio Navarro declarou, em nome do seu partido, que esta questão era aberta. O sr. ministro da marinha declarou, tambem, que para a maioria era questão aberta. É preciso, pois, que fique n'estes termos, e que os incidentes não venham transformal-a de questão de administração em questão politica, propriamente dita, isto é, de confiança ministerial.

Quero attribuir os incidentes, que acabam de occorrer, a mero acaso; mas se fosse desconfiado podia, investigando os annaes parlamentares, encontrar processos d'esta ordem, que preparam o estabelecimento da questão politica, isto é, a discussão dos projectos sob o ponto do vista da queda ou da sustentação do ministerio. Para alguma cousa ha de servir-me a minha, já longa experiencia parlamentar.

Isto dito, vou entrar pausada e serenamente na discussão, desenvolvendo-a quanto puder e souber, sem paixão e sem esquecer os melhores principios do critica e de delicadeza, que entendo dever respeitar sempre no parlamento.

Com tanto mais agrado procederei agora d'esta fórma, quanto se senta nas cadeiras ministerios um homem de quem sou amigo; ora a minha amisade, valiosa ou não, é difficil de conquistar; quando se concentra em alguem, e porque esse alguem tem valor moral, aquelle a que sobretudo ligo importancia; visto que a intelligencia não é mais do que uma utilidade gratuita, que a natureza nos concede e cujo valor se affere pelo emprego, que d'ella fazemos.

Disse o sr. Fernando Palha que podia ser este projecto, num futuro mais ou menos proximo, uma segunda salamancada. É certo; só não se introduzirem correcções importantes, e hei de citar á camara a natureza d'ellas, este projecto figurará como uma segunda salamancada, se menos importante, na somma, tanto ou mais importante ainda no valor moral.

O que foi a salamancada? A camara sabe que foi a intenção generosa de attender aos interesses da cidade do Porto; todavia, esta justa e nobre tentativa mais tarde transformou-se n'uma illegitima exploração.

Quando o governo regenerador apresentava no parlamento e a sua maioria votava, depois do larga discussão, a garantia de juros ao syndicato de Salamanca, praticavam uma obra, que podia considerar-se meritoria e honrada perante os interesses do paiz; mas quando os lançadores de negocios, em vez do gastarem 5.000:000$000 réis ou 6.000:000$000 réis na construcção do caminho de ferro de Salamanca a Barca de Alva e Villar Formoso, despenderam 9.000:000$000 réis, sem que ninguém possa encontrar hoje rasão plausivel para tal excesso, então o negocio deixou de ser licito e passou a ser uma exploração, tanto maior quanto os accionistas dos bancos interessados no syndicato haviam perdido parte dos seus bens, emquanto outros agentes, segundo manifestações evidentes, amontoaram fortunas principescas n'esta empreza infeliz para muitos, incluindo o paiz.

Esta foi a exploração, que será necessario ainda estudar detidamente; porque não se perdeu o fio d'esta meada, e vinte annos mais tarde quem quizer estudal-o poderá esclarecer este obscuro negocio; como era facillimo tel-o já feito.

Fiz parte da commissão parlamentar de syndicancia aos negocios de Salamanca, de que o sr. Dias Ferreira era presidente; colligimos poucos documentos; mas esses já são valiosos.

A dissolução do parlamento transacto encerrou os trabalhos iniciados, que, certamente, a camara actual fará proseguir com vigor e actividade.

Pedi á camara que publicasse os documentos existentes, já foram publicados? Ainda não.

Pois faça os publicar e verá que sempre será possivel castigar os culpados; que é necessario fazel-o, visto que fomos obrigados no passado anno a votar a elevação do subsidio a titulo de salvarmos os bancos do Porto.

Este projecto póde produzir exactamente o mesmo que a salamancada. Será, talvez, conveniente, veremos mais tarde se o é ou não, proteger companhias portuguezas; mas não é justo protegel-as cobrindo vicios de administração, que, á similhança dos que se infiltraram no negocio de Salamanca, nos obriguem mais tardo a pedir novos sacrificios ao paiz.

É isto o que hei de demonstrar cabalmente estudando este projecto.

Isto posto, começarei por dizer a v. exa., sr. presidente, que esto projecto está cheio do singularidades.

É assignado pelo ministro no dia 19 de julho, apresentado ao parlamento, creio eu no mesmo dia e estudado por duas commissões, a de marinha e a de fazenda, na segunda o terça feira, 21 e 22 do corrente, visto que o dia 20 foi domingo.

Parece-me realmente curto o espaço de dois dias para trabalho d'esta natureza.

Os actos precipitam-se, como não é costume no nosso parlamento em projectos de bem menor alcance do que este.

A precipitação é tal que o projecto é distribuido por casa dos deputados no domingo á noite, e até se faltava na dispensa do regimento para entrar em discussão na segunda feira!

Será instante acudir ás companhias?

Talvez; a mim repugna-me, porém, declaro-o francamente, que no parlamento portuguez se affirme que se vae proteger uma companhia; e repugna-me, porque antes de proteger individuos ou companhias, prefiro proteger classes sociaes mais ou menos numerosas e pobres; ora, desde que nós regateámos, como acabámos de regatear no projecto dos tabacos uma dezena de contos ao Douro, desde que fizemos o menos que podiamos ás classes manipuladoras, pergunto: com que direito vamos garantir as fortunas de emprezarios industriaes, que não souberam dirigir os seus negocios?

Disse o meu illustre amigo o sr. ministro da marinha que o sr. Fernando Palha só tem uma idéa fundamental nos seus discursos: condemnar todos os augmentos de despezas em attenção ás nossas difficuldades financeiras.

Na opinião de s. exa. esta previdencia é quasi uma monomania parlamentar!

Nas actuaes circumstancias do thesouro, que não se parecem em cousa alguma com as do ministerio transacto, se

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bem que resultem logicamente de tudo que elle fez, não deve haver nos homens públicos senão a idéa fixa de attender á limitação e reducção das despezas, visto que a possibilidade de novos impostos vae escasseando e o credito se manifesta vacillante.

Quando, pela habilidade pessoal, pelas condições favoraveis da mercados estrangeiros, e por outras circumstancias, o sr. Marianno de Carvalho fazia uma administração financeira brilhante, embora talvez mais na apparencia do que na realidade, podiamos, até certo ponto, pôr de parte, embora o não devessemos fazer, a severa parcimonia nas despezas publicas; todavia, são bem differentes as condições actuaes d'aquellas em que encontrava o governo progressista, que, aliás, pelas suas excessivas despezas foi causa das difficuldades presentes.

Como imagina a camara que póde ter influido no mercado monetário inglez o ultimatum e as negociações pendentes ácerca de Africa, sob o ponto de vista das nossas necessidades financeiras?

O governo portuguez, bem ou mal, afastára-se da praça de Londres, propoz-se substituir este mercado pelos mercados francez e allemão. Esta pretensão começou a indispor comnosco o mercado inglez.

Em que condições deve elle estar, actualmente, depois do ultimatum e das negociações correntes? Em pessimas condições.

Em que condições está o mercado francez? Não sabe a camara, não sabe o paiz, que o sr. ministro da fazenda, talvez com precipitação, tentou levantar n'esta praça um exiguo emprestimo de 9.000:000$000 réis, e que encontrou grandes e serias difficuldades?

Não sabe o sr. ministro da marinha que d'este emprestimo ficou apenas um terço, ou em metade, França, sendo necessario que os bancos do Porto viessem em soccorro politico do sr. ministro da fazenda tomando o bom de 4.500:000$000 réis ou 6.000:000$000 réis?

Então as condições do mercado francez são boas? É occasião de ir pedir-lhe em breve uma somma avultada para a consolidação da nossa divida fluctuante?

Pois o sr. ministro da marinha não disse na outra camara, com hombridade que respeito e louvo, que o mercado de Paris offerecia hoje difficuldades enormes para nós com a questão do emprestimo de D. Miguel?

Não sustentou s. exa. valentemente a opinião, infelizmente extemporanea, de que era necessario acabar com aquella causa, que nos enfraquece no mercado francez?

Ora, sr. presidente, os paizes têem como os indivíduos, ou mais que elles, a sua propria dignidade.

Ha dez ou quinze annos, talvez se devesse ter liquidado o emprestimo de D. Miguel. Hoje, em face de imposições, de injurias e de diffamações, não!

Se ha dez ou quinze annos se tivesse pensado n'este assumpto, se um ministro viesse dizer ao parlamento que era preciso solver essa presumida divida insignificante para evitar attrictos e a propaganda dos forjadores de cartazes infames e calumniosos, eu teria dado o meu voto favoravel; mas passados tantos annos, perseguido pela diffamação, calumniados, resiste em nome da nação e não pago. Para resistirmos, porém, é preciso termos o bom senso de gastar moderadamente e de nos reduzirmos aos nossos proprios recursos. (Apoiados.)

Resta-nos o mercado allemão. Sabe o sr. ministro da marinha até onde póde chegar este mercado?

Talvez tivesse sido preferivel, é ponto para discutir, ter procurado primeiro este mercado, em vez de irmos cair nas mãos dos portadores do empréstimo do D. Miguel; mas actualmente ninguem nos póde dar a medida do nosso credito n'este mercado, aliás replecto de papel italiano.

O ministerio progressista, á força de obrigar o paiz a despezas, á força de gastar, abalou a situação favoravel do credito. Hoje encontrâmo-nos em face de uma seria liquidação, com os impostos mais elevados e com as praças estrangeiras ameaçadoras.

Está o sr. ministro da marinha em boas condições financeiras internas? Não. As condições actuaes são peiores do que jamais o foram.

Quando é que a camara e o paia viram elevar se a divida flutuante á som ma espantosa do cerca do 20.000:000$000 réis?

E isto nas antevesperas do pagamento do segundo coupon da divida publica!

Em alguns mezes apenas o governo terá, pelo monos, necessidade impreterivel de 30.000:000$000 réis, que só poderá obter pelo credito nos mercados estrangeiros.

É, sr. presidente, com uma divida fluctuante n'esta avultada cifra, quando acabámos de lançar sobre o paiz um odioso e vexatório imposto addicional, quando nos vemos obrigados a hypothecar por dezeseis annos um dos melhores rendimentos do estado, como fidalgo arruinado, para obter um ridiculo adiantamento de 7.200:000$000 réis, é neste momento que o sr. ministro da marinha nos vem pedir 350:000$000 réis para o caminho de ferro de Mossamedes e 500:000$000 réis para a Mala Real!

Não estou eu no direito de perguntar aos governantes se estão no uso pleno das suas faculdades governativas? (Apoiados.)

Realmente, todo o homem, que sente pulsar no coração tão elevado patriotismo, não é preciso tanto, mas o mais simples interesse pelas cousas do nosso paiz, ha de concordar em que é necessario, quanto possivel, restringir as despezas e reduzil as ao acabamento das obras começadas; em summa, que é indispensavel equilibrar as nossas finanças para nos eximirmos de recorrer ao credito, que para nós começa a ser perigoso.

Eu já disse, e repito, que a melhor garantia para o nosso dominio colonial é a organisação financeira da metropole por fórma que possamos viver completamente independentes dos mercados estrangeiros, da sua boa ou má vontade, que possamos, n'uma palavra, prescindir das praças de Londres, de Paris ou de Berlim.

Note a camara, a propria commissão de fazenda está por tal fórma com a opinião do sr. Fernando Palha e em desaccordo com a do sr. ministro da marinha, que praticou um acto novo; approvou condicionalmente este projecto, visto que o governo se obrigou a discutir ainda n'esta sessão o projecto dos alcools!

Esta declaração da commissão de fazenda não deixa tambem de ser original!
Vamos consignar a este projecto réis 400:000$000 ou 500:000$000, que porventura podemos tirar dos alcools, e ninguem dirá que não carecemos d'esta somma para o nosso equilibrio orçamental!

Isto é simplesmente cohonestar, para os innocentes, a despeza avultada d'esta proposta.

A opinião do sr. Fernando Palha é, portanto, sensata; é mesmo a unica que se póde sustentar hoje no parlamento, em relação a augmentos de despeza que não sejam absolutamente inadiaveis.

Isto dito, vou estudar a materia do projecto, de que não me afastarei.

O adiamento do projecto, indicado pelas circumstancias financeiras difficeis do paiz, no dizer do sr. ministro da marinha, a monomania do sr. Fernando Palha e a minha, é ainda aconselhado por outras rasões, que vou expor á camara.

Devo declarar, francamente, que em questões d'esta natureza sou pouco versado. Como africanista sou fraquíssimo; todavia n'aquelles pontos, em que for incompleta a minha exposição, tenho a certeza de que hei de ser bem acompanhado pelo meu amigo o sr. Luciano Cordeiro, que assignou o projecto com declarações.

Nas questões náuticas não sou mais competente; mas se commetter alguma incorrecção, não só tenho diante de mim um distinctissimo official de marinha para me advertir, o

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sr. relator, como tambem o sr. Ferreira de Almeida, outro distinctissimo official de marinha, que está assignado com declarações no projecto.

Note a camara que no caso sujeito as praxes parlamentares têem grande valor. É praxe parlamentar que a assignatura de vencido não obriga a qualquer exposição perante a camara; mas a assignatura com declarações obriga a explicar a essência d'ellas.

Nós, os deputados da minoria, temos, e não podemos deixar de ter, maior ou menor confiança na auctoridade dos cavalheiros, que assignam os projectos. Se o membro de uma commissão assigna um projecto sem declarações, ou com a observação do vencido, sabemos qual é a sua opinião, no primeiro caso completamente favorável ao projecto, no segundo absolutamente contraria. Assignando porém, com declarações, ignorâmos n'este vasto campo que ha entre o sim e o não, onde param as suas opiniões.

Alem d'isso, no caso sujeito não se trata de dois homens de valor secundario; um distinctissimo official de marinha, e outro dos mais auctorisados africanistas do paiz.

Vejâ-mos, agora, as condições, actualmente, em que se faz, a nossa navegação para a Africa.

Chamo a attenção do sr. relator para este ponto a fim de corrijir qualquer lapso, visto que, repito, não sou versado nestes assumptos.

Actualmente temos para a Africa Occidental carreiras de duas companhias: a Empreza Nacional, fundada em 1881; e a Mala Real, fundada em 1887.

As condições da navegação d'estas emprezas são as que vou expor á camara.

A Empreza Nacional faz o trafico entre Lisboa e Mossamedes, tendo por portos de escala: Funchal, S. Vicente, S. Thiago, Principe, S. Thomé, Rio Zaire, Ambriz, Loanda e Benguella.

Alem d'isso, satisfaz a navegação entre as ilhas de Cabo Verde e entre estas e Bolama, pela qual recebe o subsidio de 30:000$000 réis.

As obrigações d'esta companhia são: o transporte de matas do correio e correspondencia official, o de passageiros do estado, com o abatimento de 5 por cento, e o de mercadorias do estado, com o abatimento de lô por cento sob as tarifas ordinarias.

Em compensação tem o exclusivo do transporte de passageiros e de mercadorias do estado, entre os portos da sua carreira.

Note a camara, pelo artigo 11.º do seu contrato disfructa-o a empreza por dez annos, podendo haver prorogação se o governo entender que ella cumpriu todos os deveres para com o estado e para com o publico. Portanto, o contrato finda em 1891, salvo os arredondamentos de viagem, e n'esse momento depende da vontade do governo, que estiver no poder, prorogal-o ou não.

Esta exposição concatena-se; os illustres deputados, que me fizeram a honra de me ouvir, irão formando a sua opinião.

A Mala Real constituiu-se em 1887 e está em condições um pouco differentes.

A sua carreira principal é de Lisboa a Mossamedes, com os portos de escala: S. Vicente ou S. Thiago, S. Thomé e Loanda.

Alem d'esta, faz duas carreiras, note bem a camara, uma, chamada secundaria, de Mossamedes a Ibo, outra supplementar entre os portos de Moçambique comprehendidos entre Inhambane e Quelimane, isto é, Chiloane, Sofala. Pungue e Inhamissengo.

Esta companhia recebe o subsidio annual de 98:000$000 réis.

Sr. presidente, o sr. Fernando Palha disse, e eu repito-o: o contrato de 1887 foi, pelo menos, um erro, porque é sempre errado em questões de transportes crear duas linhas de navegação parallelas e em concorrencia principalmente quando os capitães são nacioanaes.

Entraram, portanto, as duas companhias portuguezas em concorrencia.

Notem v. exa. e a camara que a Mala Real, quando se constituiu em 1887, conhecia perfeitamente a concorrência da Empreza Nacional, com que teria de lactar, e para se garantir dessa concorrência pediu, e obteve, 98:000$000 réis de subsidio.

Certamente, não era com o transporte de passageiros e mercadorias entre Mossamedes e o Ibo que havia de contar; essa carreira secundaria, sabe-o bem o sr. Cardoso, é o verdadeiro encargo desta linha de navegação.

A Mala Real sabia isto e fez o seu negocio; fiou-se, talvez, em que, mais cedo ou mais tarde, poderia dominar a concorrência da rival, ou, principalmente, em que d'ahi a quatro annos terminava o contrato com esta empreza. Fez o seu jogo, estabeleceu a concorrência e foi vencida.

Pois, era 1887 não sabia a Mala Real as condições de concorrência em que ia encontrar-se?

Não sabia qual era o subsidio que devia pedir?

Não pediu 98:000$000 réis e não se lhe concedeu esta quantia?

Lançou mal o negocio, enganou-se e em vez de esmagar a sua antagonista foi esmagada por ella. Com que direito vem hoje pedir que a salvemos?

Isto partindo do presupposto que este projecto foi especialmente feito e apresentado para proteger aquella companhia, como parece provavel.

Olhem os innocentes, que em 1887 contratavam com o estado, sabendo as condições especiaes em que se iam encontrar e querendo esmagar a sua concorrente, que é tambem portugueza, e que passados quatro annos vem pedir que lhes valhamos, porque estão financeiramente embaraçados tres ou quatro capitalistas, que constituem a companhia da Mala Real!

E se tivessem ganho rios de dinheiro que participação tinha o estado? (Apoiados.)

O sr. ministro da marinha vão saber cousas, que certamente ignora. Hei de dizer-lhe o que se passa, porque a sua situação especial, se tem vantagens envolve tambem inconvenientes, não lhe permitte conhecer certos promenores. Syndique s. exa. e saberá o que se passa actualmente entre as duas companhias.

O sr. ministro da marinha, levado pelos queixumes perfeitamente infundados da Mala Real, nomeou uma commissão especial para estudar as questões de navegação para a Africa portugueza.

No seu relatorio, que não leio para abreviar a minha exposição, o sr. ministro da marinha declara terminantemente que a convocou para habilitar o governo a apresentar uma proposta de lei.

Esta commissão foi composta por tres distinctos officiaes de marinha, que perfeitamente conhecem as necessidades commerciaes e as condições de navegação das nossas colonias africanas, segundo me informaram.

Junto ao nome d'estes tres cavalheiros está apenas o do meu amigo o sr. Antonio Centeno; confesso que este isolamento me preoccupou um pouco por varias rasões.

Tenho conhecimento das largas viagens ao litoral africano, feitas pelos illustres officiaes de marinha signatarios do relatorio; emquanto aos conhecimentos especiaes do meu illustre amigo o sr. António Centeno ignorava-os; não me lembra que fizesse expedições náuticas brilhantes senão num vapor do Algarve, que depois foi comprado pelo governo portuguez. Emfim, talvez, a travessia até ao Algarve seja de molde para dar altos conhecimentos nauticos; apesar de que nem mesmo continuou esta experiencia algaravia, porque vendeu ao estado o vapor que era novo e bom. (Riso.)

Sr. presidente, em questões d'esta ordem, francamente, qualquer que seja a auctoridade do meu illustre amigo o sr. Antonio Centeno, parecia-me preferivel a opinião do

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commercio, da associação commercial, que certamente entende melhor de assumptos commerciaes. (Apoiados.)

O sr. Antonio Centeno póde estar, sem duvida, nesta commissão como representante da associação commercial; acho, porém, pouco um só rerpesentante e desejaria ver dois ou tres nomes mais ao lado deste.

S. exa., é certo, na sua portaria designava mais dois nomes...

O sr. Ministro da Marinha (Julio de Vilhena): - Mais um.

O Orador: - O do sr. Eugenio Leitão? Pois, francamente, desejava conhecer a opinião do sr. Eugenio Leitão ácerca do projecto em discussão, ou, pelo menos, as rasões que levaram s. exa. a eximir-se do encargo.

N'uma questão d'esta ordem, que não depende só das condições náuticas dos vapores e das carreiras, mas, e principalmente, da producção das zonas, que hão de ficar em communicação mais rapida com a metropole, e das relações commerciaes entre esta e as colonias, lamento que s. exa., ao lado d'esta commissão technica, não collocasse outra da classe commercial.

As opiniões apresentadas por esta commissão são diametralmente oppostas aos principios do projecto em discussão. Chamo a attenção da camara para o respectivo relatorio, em que encontrámos os melhores argumentos para combater o projecto em discussão!

A commissão estuda duas grandes linhas de navegação; a primeira pelo Cabo da Boa Esperança, a segunda pelo isthmo de Suez.

Considera na primeira, como carreira principal a de Lisboa a Mossamedes, como secundaria a que vae de Mossamedes a Ibo, devendo mais tarde prolongar-se até Zanzibar e d'este porto para a India portugueza, e como supplementar a que tem de ser feita entre os diversos portos da provincia de Moçambique, entre Inhambane e Quelimane, cujos nomes já citei á camara.

Emquanto á segunda linha de navegação, por Suez, a carreira principal é entro Lisboa e Lourenço Marques, a secundaria entre Lourenço Marques e Mossamedes, havendo tambem a carreira supplementar entre os portos da provincia do Moçambique. Esta linha de navegação completa-se com a carreira da India portugueza, com trasbordo em Aden.

Aqui tem v. exa. as duas grandes linhas de navegação, que a commissão estudou.

Como a commissão sabia perfeitamente que as despezas crescem conforme a lotação e a velocidade dos vapores empregados, para a primeira, isto é, para a navegação pela costa occidental, estudou na hypothese.

Primeira hypothese: em que a navegação na carreira principal, isto é, entre Lisboa e Mossamedes, se faz mensalmente com vapores de 3:300 toneladas, com a velocidade media por hora da 14 milhas; a carreira secundaria, de Mossamedes a Ibo, com vapores de 1:000 toneladas, e 10 milhas de velocidade; e a da India com um vapor de 1:500 toneladas e 10 milhas de velocidade. N'estas condições o subsidio, que o estado deve conceder, será de 639:000$000 réis por anno.

Na segunda hypothese: em que a velocidade dos vapores na carreira principal desce de 14 milhas a 10; com esta simples alteração o subsidio será de 533:000$000 réis, cifra muito próxima da adoptada pelo sr. ministro.

Em relação á segunda linha de navegação, pelo canal de Suez, a commissão formulou tres hypotheses.

Primeira hypothese: navegação na linha principal, Lisboa a Lourenço Marques, com vapores de 2:000 toneladas e velocidade, de 10 milhas; carreira secundaria de Lourenço Marques a Mossamedes, vapores de 1:500 toneladas e 10 milhas de velocidade; finalmente, carreira da India, com transbordo em Aden, com vapor de 1:000 toneladas e 10 milhas. N'este caso, note a camara, o subsidio, para ligar directamente a metropole com a India o Lourenço Marques, será de 336:000$000 réis, menos 164:000$000 réis do que o governo propõe.

Na segunda hypothese emprega vapores de 3:300 toneladas com 14 milhas de velocidade; o subsidio será de 613:000$000 réis.

Na terceira hypothese adopta vapores de 3:300 toneladas mas só com velocidade de 10 milhas; o subsidio será de 512:000$000 réis.

Aqui tem v. exa. succintamente os resultados do estudo da commissão; estabelece duas linhas de navegação e para cada uma estuda varias hypotheses, duas na primeira linha e três na segunda em relação á tonelagem dos navios e às velocidades.

Não bastava, porém, apresentar hypotheses, era indispensavel indicar os argumentos de preferencia, e disto se desempenhou a commissão com a mais louvavel hombridade e com a mais completa proficiencia. Honra lhe seja feita.

A commissão não vacilou, entendeu, e bem, que tendo sido chamada pelo ministro para lhe expor a sua opinião, lha devia dar clara e aberta e, effectivamente, desenvolveu-a com uma franqueza e nitidez, que não é usual encontrar em documentos officiaes d'esta ordem.

Não quero alterar n'uma só virgula, n'uma só palavra, o texto do relatorio, vou pois lêl-o nos seus argumentos principaes, em vez de extractal-o, ainda que este processo seja mais longo.

A commissão adopta, em primeiro logar, a linha de navegação pelo canal do Suez, dividindo por esta forma as carreiras: a principal, Lisboa, Aden, Lourenço Marques; a secundaria, Lourenço Marques a Mossamedes; a da India, com trasbordo em Aden, a Mormugão. Alem d'estas, comprehende a carreira supplementar dos portos de Moçambique.

N'esta linha adopta vapores de 2:000 toneladas e 10 milhas de velocidade.

É exactamente a hypothese, que corresponde a réis 336:000$000 de subsidio annual.

Mas, sr. presidente, não basta que alguem, por maior que seja a auctoridade dos seus membros, prefira uma solução, é preciso dizer as rasões era que se funda.

A primeira cousa, que faz a commissão, é naturalmente defender a linha de navegação por Suez, rejeitada pela proposta.

(Aparte que não se ouviu.)

Lá iremos mais tarde.

Diz a commissão:

- «Seja qual for, porém, a solução adoptada, quanto a tonelagem dos navios desta carreira, desejaria a commissão que lhe fosse permittido insistir calorosamente junto do v. exa. (o ministro) para que a ligação com a provincia de Moçambique seja feita pelo canal de Suez e não pelo cabo do Boa Esperança. -

Veja a camara a importancia d'este primeiro periodo: a commissão insiste calorosamente com o sr. ministro para que a ligação se faça por Suez.
Mas não basta ainda.

Comprehende-se que homens, tão conhecedores das questões coloniaes e tão habeis navegadores, tenham rasões para admittir que a sua simples opinião tenha auctoridade sufficiente para influir no espirito, ainda que muito superior, do sr. ministro da marinha; mas não te contentaram com simples argumentos de
auctoridade.

A commissão continua nos seguintes termos:

- «A provincia de Angola, incontestavelmente menos fertil do que aquella (a de Moçambique) principalmente na vastissima zona do seu litoral, que é de uma esterilidade desoladora, tem prosperado pelo crescente desenvolvimento da sua agricultura e do seu commercio; ao passa que a provincia de Moçambique, cujo solo uberrimo se reveste por toda a parte de uma pujante vegetação, desde o espraiado das ondas até aos mais reconditos sertões, e que

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na opinião dos entendidos é apropriada ás mais variadas e ricas culturas, permanece em um lamentavel abandono.

«Parece á commissão, se lhe é permittido emittir opinião em tão momentoso assumpto, que uma das principaes causas d'este desfavoravel confronto deve ser attribuida á falta de navegação directa e regular, que encurte a distancia entre a metropole e a colonia da costa oriental.

«Continuar a navegação pelo cabo, equivale, na opinião da commissão, a manter esta desigualdade do condições em proveito da costa Occidental, mas com grave detrimento dos interesses da costa oriental; significa para os passageiros d'esta ultima a imposição de uma viagem morosissima e incommoda, com o grave inconveniente de ser feita em navios de pequena tonelagem, precisamente na parte em que a navegação é mais incommoda, trabalhosa e arriscada; e finalmente representa para o commercio o transtorno de baldeações, sempre onerosas e prejudiciaes.

«Por tudo isto parece á commissão que, na hypothese de se manter a carreira pelo cabo, não será para admirar que o commercio d'aquella provincia com a metrópole pretira a navegação estrangeira á nacional, principalmente agora que uma companhia allemã vae estabelecer carreiras directas pelo canal entre Lisboa o aquella costa.» -

Estes argumentos podem talvez destruir-se (não os desfez o sr. ministro da marinha, como mostrarei) mas têem valor real.

Hei de depois discutir a argumentação do sr. ministro da marinha, e então direi o que póde ainda coroborar esta argumentação do relatorio da commissão.

A commissão continúa na sua exposição conscienciosamente; affirmo a v. exa., com tão valente consciencia que, provavelmente, resistiu aos ais e gemidos da Mala Real.

Restava-lhe demonstrar, como era dever seu, a segunda parte da sua asserção, o ter adoptado tonelagens e velocidades inferiores na carreira principal por Suez.

Diz a commissão a este respeito:

- «Quanto ao 2.º quesito, isto é, a ligação da metropole com a provincia de Moçambique por via do canal de Suez resolveu a commissão fazer orçamentos para os navios, que actualmente fazem a carreira de Lisboa a Mossamedes, e tambem para vapores de 2:000 toneladas, registo bruto, por lhe parecer que estes ultimos são ainda muito superiores ás exigencias, ou, antes, ás necessidades commerciaes d'aquella provincia.

«Na verdade, sabe-o v. exa. muito bem, as estatisticas do movimento commercial de Moçambique que nos seus conjunctos pouco lisonjeiras; mas sobretudo as que registam as relações commerciaes com a metropole são absolutamente desanimadoras.

«Ora, achando-se o principal commercio d'aquella provincia nas mãos dos estrangeiros, que o fazem derivar directamente para os seus respectivos mercados, por meio de poderosas companhias de navegação subsidiadas, acontece naturalmente que os navios portuguezes d'aquella carreira se vêem obrigados a andar, por assim dizer, de porão varrido.

«Não parece á commissão que estas precarias circumstancias se venham a modificar favoravelmente nos primeiros annos, a ponto de ser preciso de estabelecer desde já n'aquella carreira grandes navios.

«E não é porque a commissão não tenha no mais subido apreço os poderosos recursos da nossa colonia da costa oriental da Africa, muito mais salubre que a Guianna ingleza e de que o próprio Brazil, e não menos fertil do que esses prósperos paizes enriquecidos, em grande parte, á custa da emigração que de Portugal e das ilhas adjacentes se dirige todos os annos para Demerara e para as terras de Santa Cruz.

«Pelo contrario, a commissão reconhece que, se parte desta emigração fosse convenientemente derivada para Moçambique e se ao mesmo tempo a nossa industria, á sombra de uma bem entendida protecção, se dispozesse a manufacturar os grosseiros algodões estampados, a polvora ordianria e as mais ordinarias espingardas de pederneira, em summa todos esses vilissimos productos que estão ao alcance das industrias ainda as mais rudimentares nos seus processos e menos ricas de capitaes na verdade ordinarissimos, mas que são permutados nas nossas colonias no valor de muitos milhares de contos de réis!

«Se entrassemos resolutamente n'esse caminho, tem a commissão por certo que a provincia de Moçambique era poucos annos teria attingido uma grande prosperidade incalculavel, e então poderia folgadamente sustentar uma e muitas linhas de vapores de grande lotação.

«Mas para se conseguir isso, admittindo que isso se emprehenda, presume a commissão serão precisos annos de penosa e perseverante elaboração, a qual exigiria uma accentuada concentração de todos os nossos recursos economicos, e o maximo escrupulo para que a sua applicação fosse feita da maneira mais util e proficua.

«Obedecendo a esta orientação de idéas entende a commissão, como acima dissemos, que uma linha de vapores de 2:000 toneladas de registo, corresponderá durante alguns annos ás necessidades d'aquella provincia na hypothese da ligação directa pelo canal de Suez.

«Menos vantajoso é para aquella colonia o contrato actualmente em vigor, pois estabelece que o serviço da costa oriental seja feito com vapores de 1:000 toneladas de registo bruto por meio de trasbordo em Mossamedes para os grandes vapores da carreira.

«Demais não offerece duvida que se o Ibo e o Tungue podem fazer o serviço da provincia de Moçambique, arrostando com os temporaes do Cabo da Boa Esperança, em muito melhores condições se acha o alvitre que a commissão tem a honra de submetter á esclarecida apreciação de v. exa.

«Pelo respectivo mappa se vê que o encargo proveniente d'esta carreira, na hypothese que vimos advogando, seria de 336:169$000 réis, comprehendidos 145:404$000 réis da carreira secundaria entre Lourenço Marques e Mossamedes, e 40:090$000 réis provenientes da carreira da India, na hypothese de se fazer o trasbordo em Aden.» -

É claro que podia ter extractado a argumentação, mas tinha o inconveniente dos argumentos terem menos auctoridade, é por isso que os leio.

A commissão não pára aqui, e affirma que esta linha ainda póde soffrer extraordinaria economia, se eliminar-mos a carreira secundaria entre Lourenço Marques e Mossamedes, que a commissão declara completamente inutil.

Ouça a camara o que diz o relatorio ácerca d'esta carreira secundaria entre Lourenço Marques e Mossamedes:

- «O encargo da navegação entre a metropole e a provincia de Moçambique, pelo canal de Suez, acha-se aggravado pela navegação entre Lourenço Marques e Mossamedes, se a ligação das duas costas for julgada indispensavel. A commissão, porém, entende, salvo opinião mais auctorisada em contrario, que essa ligação é absolutamente desnecessaria. Na verdade a commissão não alcança bem as vantagens que para o commercio passam advir d'esse penoso encargo; pois esta carreira seguramente não será utilisada para a permutação de borracha de Moçambique com a cera de Angola, ou o marfim d'esta com a gingula d'aquella e reciprocamente. Pelo contrario, comprehende-se bem que se devem fazer todos os sacrificios para se estabelecer uma drenagem, tão ampla quanto possivel, do commercio do sertão para o litoral em ambas as costas, e para d'ali o conduzir pelo caminho mais curto e mais economico á metropole.

«Quanto ás vantagens administrativas, provenientes da ligação d'estas duas colonias, se porventura as ha, pensa a commissão que essas vantagens não compensam de modo algum os encargos, que d'ahi derivam; alem de que podem ser devidamente acauteladas no contrato que tenha de se fazer, prevenindo-se a hypothese do governo precisar de

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um navio de commercio para mandar de uma a outra costa, quando não tenha ou lhe não convenha empregar nesse serviço os transportes do estado. Pois é fóra de duvida que qualquer d'essas hypotheses será muito mais economica do que a manutenção de uma carreira entre portos, que não têem, nem podem vir a ter relações commerciaes de natureza alguma.

«Por tudo isto julga a commisssão que o encargo correspondente á navegação entre Lourenço Marques e Mossamedes seria muito mais bem applicado á ligação da India com a metropole, e com a provincia de Moçambique por trasbordo em Aden, e porventura a ligação das nossas colonias do extremo Oriente, quando mais não seja, por uma carreira annual ou semestral feita por navios nacionaes, ou então por uma carreira mais frequente, feita por combinação com a grande companhia transatlantica do reino vizinho, a qual pelos seus itinerarios poderia fazer um serviço regular em condições vantajosas para nós.» -

Ora, sr. presidente, a carreira secundaria entre Lourenço Marques e Mossamedes custa por sua parte o subsidio animal de 145:000$000 réis, segundo os calculos da commissão; portanto se a eliminassemos, por inutil, o subsidio annual desceria de 336:000$000 réis a 191:000$000 réis.

Como a camara acaba de ver, as opiniões da commissão são defendidas com argumentos valiosos e condensam, por assim dizer, a larga experiencia e os conhecimentos positivos de homens versados nas necessidades da navegação e do commercio africano.

A proposta, calorosamente apresentada ao ministro, por aquelles em que elle proprio achou competencia para, o elucidar, funda-se, em primeiro logar, na escolha da linha de navegação pelo canal de Suez para a ligação directa da metropole com as nossas colonias da Africa oriental.

A escolha d'esta linha permittirá, alem d'isso, que a carreira da India, seja directa, apenas com um trasbordo em Aden; ora, o proprio sr. ministro affirma no seu relatorio que esta ligação será importante, se o caminho do ferro de Mormugão attingir o desenvolvimento, que d'elle é licito esperar.

A commissão combate, em segundo logar, a carreira secundaria, entre Lourenço Marques e Mossamedes, como perfeitamente inutil, sob o ponto de vista commercial.

O orçamento do subsidio annual para esta linha de navegação determina-o a commissão pela seguinte forma.

Carreira principal - Lisboa a Lourenço Marques .... 111:000$000
Carreira secundaria - Lourenço Marques a Mossmedes .... 145:000$000
Carreira da India - Aden a Mormugão .... 40:000$000
Carreira supplementar - Inhambane a Quelimane .... 40:000$000
Total .... 336:000$000

Supprimindo, portanto, a carreira supplementar o subsidio desceria a 191:000$000 réis; suppondo que se deve desde já começar a carreira para a India, o que seria ponto para discutir.

Como a camara vê, n'esta proposta harmonisava-se a economia, realmente bem attendivel nas condições financeiras actuaes, com as ligações mais directas com todas as nossas colónias orientaes, exceptuadas apenas Macau e Timor.

A proposta ministerial afasta-se das condições indicadas pela commissão, e acceita hypotheses diametralmente oppostas.

A carreira principal, segundo o projecto, será feita em vapores de 3:100 toneladas e 10 milhas effectivas de velocidade, que partem mensalmente de Lisboa com escala por Cabo Verde, S. Thomé, Loanda e Mossamedes; n'este ultimo porto haverá trasbordo para vapores de 1:900 toneladas e 10 milhas de velocidade, que, recebendo os passageiros e as mercadorias os transportam pelo Cabo da Boa Esperança, tocando em Lourenço Marques, Inhambane, Quelimane, Ibo e terminando a viagem em Zanzibar. Em Zanzibar encontrarão o vapor das Indias, de 1:900 toneladas e 10 milhas de velocidade, que ligará esta carreira com a India, isto é, Lisboa, pelo historico Cabo das Tormentas, com o porto de Mormugão!

Alem d'isso, a carreira supplementar, com um vapor de 500 toneladas, ligará os portos de Chiloane, Sofala, Pungue e Inhamissengo.

A esta navegação garante-se o subsidio annual de réis 500:000$000.

Escusado é observar que por este trajecto se manifestam logo dois graves inconvenientes. Em primeiro logar é indispensavel a carreira secundaria, entre Mossamedes e Lourenço Marques; em segundo logar a carreira da India far-se-ha pelo caminho mais longo e com dois trasbordos, um em Mossamedes e outro em Zanzibar!

E preciso que o sr. ministro tenha rasões fortíssimas paia se afastar de um parecer, que resolvia o problema o subsidio de 191 contos de réis, e adoptar outro com graves inconvenientes, cujo subsidio é de 500:000$000 réis.

S. exa. ha de ter no seu espirito altas preoccupações, bem differentes d'aquellas que levem em mira proteger, com detrimento da fazenda publica, companhias fallidas, porque se constituiram mal e se administraram ainda peior; se eu não tivesse a certeza de que s. exa. colloca esta questão no campo dos immortaes principios e não no dos imortaes interesses, declaro que a minha discussão seria violentissima e differente d'aquella que estou empregando.

Faço, porém, inteira justiça ao sr. ministro; s. exa. é tão honrado como eu, o nisto não lhe faço grande elogio, porque não me considero singular era cousa alguma; mas s. exa. como homem póde errar, e é agora o momento opportuno de corrigir o erro; tanto mais quanto s. exa., é, talvez, n'esse logar victima de pressões politicas, a que mais tarde me referirei.

A conversa ha de ser larga, mas o respeito por s. exa. ha de ser completo.

É claro que um homem do valor de s. exa., afastando-se da hypothese preconisada por homens competentes, expressamente nomeados por s. exa. para estudar um problema, economicamente para o paiz e satisfazendo a todos os fins, devo ter em sua defeza uma argumentação valiosa. Vamos a aprecial-a.

Diz o sr. ministro, no seu relatorio:

- «Das differentes hypotheses estudadas pela commissão, de accordo com a portaria de 3 do corrente mez, o governo preferiu a que julgou corresponder melhor ás condições, em que lhe parece indispensavel organisar se e manter se o serviço para a costa oriental.

«Corresponde essa hypothese ao serviço actual, modificado apenas nas condições, que se tem reconhecido só poderem ser cumpridas á custa de um subsidio avultado, que nem as circumstancias do thesouro permittem abonar, nem parece que seja essencialmente reclamado pelas necessidades do commercio e da rápida communicação maritima entre a metrópole e as possessões da costa oriental da Africa.» -

Mas, por Deus, este serviço para a costa occidental estava organisado! Duas companhias satisfaziam as necessidades commerciaes das colonias occidentaes. Emquanto ao da costa oriental, com longos percursos e baldeações, s. exa., longe de o organisar, desorganisa-o.

O unico argumento que s. exa. apresenta é este: acceito a linha de navegação nas condições em que a fazem actualmente a Mala Real e a Empreza Nacional!

Para contrapor á argumentação forte e até incisiva da commissão não encontra s. exa., aliás habil dialectico, senão esta triste confissão?!

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Que vantagens obtem s. exa. para o paiz em troca do avultado subsidio?

O sr. Ministro da Marinha (Julio de Vilhena): - Duas carreiras mensaes para a costa oriental.

O Orador: - Já as tem actualmente. Só a Empreza Nacional, se me não engano, faz hoje duas carreiras mensaes.

O que s. exa. vae fazer é, simplesmente, proteger emprezas industriaes infelizes e engrossar syndicatos. Alguma cousa sei a este respeito.

Quando tratei a questão do caminho de ferro de Lourenço Marques, que levantei na camara, attribuindo-se-me intenções, que nunca tive, o que aliás me é indifferente, recebia não direi diariamente, mas semanalmente, de Inglaterra cartas com a seguinte direcção:

Bight Honorable Mrs.

Augusto Fuschini.

Continham documentos ácerca do caminho do ferro de Lourenço Marques. Puz de parte a primeira, veiu segunda e terceira. Naturalmente, a insistencia chamou-me a attenção sobre o assumpto. Vim á camara e levantei a questão. Não sei quem me mandava os documentos, presumo que era o proprio Mac-Murdo, porque depois que elle morreu não me mandaram mais nenhuma, o que é natural. (Riso.)

Na segunda feira pela manhã recebi uma missiva, em que me enviavam elementos sobre a questão, que se discute. Como é meu dever, apresental-os-hei á camara e s. exa. o ministro syndicará se são ou não verdadeiros os factos affirmados; lá, chegaremos a seu tempo.

Voltemos ao argumento do sr. ministro: assim vamos ter duas carreiras para a Africa occidental.

Admittamos que assim seja; o que se trata agora não é de augmentar as carreiras para a Africa occidental, mas de ligar convenientemente a metropole com a provincia do Moçambique e de futuro com a India.

Depois a Empreza Nacional, que serve os portos da Africa occidental, multiplicará, certamente, as suas carreiras, se as necessidades commerciaes o exigirem sem subsidio.

Emquanto a mim, esta duplicação de carreiras, feitas por duas companhias, levará a concorrência desesperada entre capitães portuguezes, o que me parece dever evitar-se, ou á fusão que dará a nova empreza uma espécie de monopolio da navegação africana.

Diz-se mesmo que o plano é obrigar a Empreza Nacional, companhia florescente, á fusão pela ameaça da morte. A Mala Real, vencida até hoje, pretende com o augmento de subsidio impôr as condições á sua rival. É claro que estas condições serão tanto mais seductoras, quanto mais onerosas para o paiz.

Para salvar a Mala Real o plano do sr. ministro devia ser outro, se se tivessem em vista os interesses nacionaes. Em duas palavras o direi, em occasião opportuna.

O segundo argumento do sr. ministro e o seguinte:

- «É certo que com o serviço por Suez apressariamos as communicações entre a metropole e a capital da provincia, mas demorariamos as communicações com Lourenço Marques, e todos conhecem a importancia excepcional, que está adquirindo este porto, e o grande commercio que ali afflue desde já, o que irá augmentando de um modo consideravel, desde que comece a explorar-se o caminho de ferro do Transvaal.»

Este argumento é capcioso.

Em primeiro logar a differença de percurso, que ha entre Lourenço Marques e Lisboa, pelo cabo ou pelo isthmo de Suez, é, no primeiro caso, de 200 ou 300 milhas.

Admittamos, sem a discutir, a hypotbese de que Lourenço Marques é o unico porto da Africa oriental, a que devemos attender para encurtarmos a viagem.

Este encurtamento de viagem pelo cabo, corresponde a um dia de viagem em navio do 3:100 toneladas e 10 milhas de velocidade.

Mas em que condições obtem o sr. ministro este trajecto mais curto? Com trasbordo em Mossamedes e com uma viagem pelo cabo em navio de menor tonelagem e de mais inferior velocidade!

As cousas no mar não se passam de maneira differente do que se passam na terra; todos os engenheiros, que me ouvem, sabem, como todos os officiaes de marinha, que o trasbordo corresponde sempre nos transportes a uma perda de tempo consideravel, a despezas e a graves incommodos para os passageiros.

O encurtamento das 250 milhas não compensarão as difficuldades, as despezas, os transtornos e os incommodos de trasbordo, e de uma viagem em navios de 1:900 toneladas, em mar tempestuoso.

E depois o que é Lourenço Marques? É preciso dizel-o claramente. Uma colonia portugueza, em que o commercio está nas mãos dos estrangeiros, inglezes e allemães principalmente.

É triste confessal-o, mas é esta a verdade, que largamente me confessou um homem, que viveu e vive em Lourenço Marques.

Confrange o espirito ver o que nós somos em Lourenço Marques, dizia-me elle, temos ali a soberania nominal; o commercio, a riqueza, todos os melhores elementos de trabalho e producção, estão nas mãos dos inglezes e dos allemães. Commercio portuguez e cousa que lá não existe quasi...

O sr. Ministro da Marinha: - Mas é preciso gastar dinheiro para que lá exista.

O Orador: - Gaste-o v. exa. Estabeleça a linha de navegação por Suez, o que conseguirá com um subsidio inferior a 200:000$000 réis, e os 300:000$000 réis, que lhe restam, applique-os annualmente a proteger directamente o nosso commercio africano.

Parece-me isto preferivel a proteger alguns burguezes, que se arruinaram, porque não souberam administrar; se foi isto só.

Que isto, sr. presidente, de arrancar das mãos dos estrangeiros, principalmente dos inglezes, o commercio africano, é bonito de dizer, mas difficil de realisar.

Ponhamos o falso patriotismo de parte, porque as cousas são o que são; nem havemos de bater os sessenta couraçados inglezes com quatro cruzadores, apesar das affirmações do meu illustre amigo Ferreira de Almeida, nem é facil luctar com os poderosos capitães inglezes e com a sua formidável marinha mercante.

É triste que o sincero movimento patriotico, que o paiz ultimamente manifestou, tenha servido, e continue a servir, para encobrir tanta cousa ruim.

Outro argumento de s. exa., é que convém facilitar o movimento commercial com a India.

Diz s. exa. no seu relatorio que uma vantagem desta nova carreira é a de promover as relações entre a nossa Índia e a metrópole; «se o movimento do caminho de ferro de Mormugão attingir o movimento que e de esperar, são palavras de s. exa., de certo mais se justificará ainda esta carreira.»

E n'este caso o que faz s. exa.? Acceita uma linha de navegação para a India, pela mesma derrota pela qual o grão Vasco da Gama fez a sua viagem!

Ainda este trajecto enorme, histórico, a que só faltam as caravellas manuelinas, é difficultado sem dois trasbordos, o de Mossamedes e o da Zanzibar!

Estabeleça s. exa. a carreira pelo isthmo de Suez, que directa para a Africa oriental, e satisfaz tambem nas melhores condições a índia. Eis o que é racional.

Se o canal de Suez não estivesse aberto, comprehendia-se esta argumentação; mas
no anno da graça de 1890 irmos estabelecer carreiras de navegação para a India pelo

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Cabo da Boa Esperança, será tudo quanto quizerem menos um acto de boa e sensata administração colonial.

Os argumentos do sr. ministro para a defeza da carreira secundaria entre. Mossamedes e Lourenço Marques, indispensável na linha da Africa occidental, perfeitamente dispensavel na linha de Suez, são curiosos.

«Tambem com a carreira pelo Cabo da Boa Esperança se consegue facilmente a ligação entre as duas costas, que aliás poderia obter-se, mas em condições menos favoraveis, no caso do itinerario por Suez, prolongando a carreira de Lourenço Marques até Mossamedes. Contra a necessidade d'esta ligação se têem levantado objecções, que nos parece não destroem as vantagens politicas e administrativas, que a experiencia nos está mostrando todos os dias d'lla se derivam.

«Os factos estão provando que muito convém preferir os soldados indigenas recrutados nas possessões da costa opposta áquella em que têem de prestar serviço militar; amiuda-se por isso cada vez mais a transferencia de recrutas, ou de forças já organisadas de uma para outra costa, e seria altamente despendioso para o estado e por vezes menos prompto e efficaz o transporte de quaesquer elementos de força militar ou em navios de estado, ou em navios expressamente fretados para tal effeito.

E não podemos esquecer-nos de que ha e podem consideravelmente augmentar-se as relações commerciaes, de um lado entre Mossamedes e o cabo da Boa Esperança, de outro entre Lourenço Marques e as colonias inglezas da Africa Austral.» -

Sigamos a par e passo os argumentos do illustre ministro.

Em primeiro logar, não se comprehende bem como a ligação entre as duas costas, isto é, entre os portos de Mossamedes e Lourenço Marques, realisada no mesmo tempo, nas mesmas epochas e era identicas condições de tonelagem e velocidade de vapores, quer a carreira principal de Lisboa se faça pela costa oriental quer pela occidental, se obtenha em condições menos favoraveis pela linha de Suez!

Não se me dava de apostar em que ninguem, nem mesmo a poderosa intelligencia do sr. ministro, era capaz de demonstrar esta asserção?

O sr. ministro insisto, porém, nas vantagens políticas e administrativas d'esta ligação.

Assim seja; mas estas vantagens, se existem, não ficam transtornadas, porque a carreira começa em Lourenço Marques e termina em Mossamedes? A linha de Suez - a oriental - satisfaz-lhe tão bem como a linha occidental, com a vantagem de ser mais economica. De resto, o que são estas vantagens politicas e administrativas?

As necessidades commerciaes podiam, certamente, indicar a inadeabilidade desta ligação; a commissão, porém, contesta-as e o sr. ministro não as affirma, nem mesmo as cita.

As vantagens politicas e administrativas, na opinião do sr. ministro, cifram-se na transferencia de recruta e de forças já organisadas de uma para outra costa!

A poderosa dialectica do sr. Vilhena não encontra senão este inconsistente argumento!

Francamente, salvo o devido respeito por s. exa., quando li este periodo ri-me e no meu espirito ficou demonstrada a fraqueza da causa.

A isto responde a commissão que é preciso fazer todos os sacrificios para estabelecer uma drenagem de todos os productos commerciaes da região central para os portos das costas, quer oriental, quer occidental, e transportal-os rapidamente para os mercados europeus; mas que em quanto as vantagens administrativas da ligação, se existem, não compensam por forma alguma os encargos, que d'ella derivam.

Com uma carreira mensal entre Mossamedes e Lourenço Marques, projecta, certamente, s. exa. transportar exercitos de uma para a outra costa!

Emquanto ás sonhadas relações com os portos das colonias inglezas do sul, principalmente do Cabo da Boa Esperança, parece que o sr. ministro ignora que hão de ser sempre insignificantissimas, visto que os melhores produtos de exportação e importação africanas se permutam, directamente, entre os portos de Africa e os grandes mercados europeus.

E suppondo mesmo que as relações commerciaes, as unicas importantes, se estabelecessem, iriam certamente escolher de preferencia as grandes e rapidas carreiras dos paquetes inglezes e não as dos vapores portuguezes de pequena lotação e de exigua velocidade.

Vê, pois, a camara como as idéas da commissão foram completamente postas de parte, e como a argumentação do sr. ministro na defeza da sua proposta é falsa e contraproducente.

Do estudo do projecto demonstra-se o intuito evidente de proteger por todos os modos uma companhia, que se acha em graves dificuldades financeiras.

Adapta-se a sua carreira, os typos dos seus navios, prepara-se tudo, em fim, para se lhe conceder um grande subsidio e pol-a em condições de luctar favoravelmente com outra companhia portugueza, ou de obrigar esta a fundir-se com ella, sob pena de morte.

Queria o sr. ministro conseguir este desideratum,, era justo proteger essa companhia? O processo devia ser outro, mais claro e mais util para os interesses do paiz.

Chamasse o illustre ministro as duas companhias portuguezas e expozesse-lhes o seu plano.

Em primeiro logar, a meu ver, conviria estabelecer duas carreiras distinctas, uma para a costa occidental até Mossamedes, outra para a oriental, pelo isthmo de Suez, até Lourenço Marques.

Assim se evitava a concorrencia entre capitães portuguezes.

Estudasse s. exa. o numero de viagens, a lotação dos navios e a sua velocidade para cada uma das linhas e depois perguntasse às companhias qual o subsidio por que se prestavam a realisar este plano.

Não bastava, todavia, fixar convenientemente a importancia d'este subsidio, era indispensavel conhecer com exactidão o estado financeiro de cada uma e o seu capital social. Tal subsidio, sufficiente para os encargos de determinado capital social, deixa de o ser para outro mais elevado

Eu mandaria avaliar rigorosamente o capital social de cada empreza e não deixaria, como o sr. ministro vae fazer, constituil-o com todos os elementos, que os directores e accionistas n'elle queiram introduzir.

Recorde se a camara que foi porque o syndicato de Salamanca despendeu mais 2.000:000$000 ou 3.000:000$000 réis, do que devia despender, que fomos obrigados a elevar-lhe o subsidio já uma vez, e quem sabe se teremos de o fazer segunda vez!

Conhecido o valor exacto do material das duas companhias, fixado rigorosamente o respectivo capital social, determinado o subsidio para cada uma das linhas de navegação, não teria eu duvida alguma em pedir ao parlamento auctorisação para contratar particularmente com as duas companhias portuguezas separadas, ou fundidas, porque a fusão em taes condições podia ser uma vantagem particular, sem o menor inconveniente para o estado.

É claro que poria completamente de parte a carreira secundaria entre a costa occidental e oriental, e por emquanto a carreira da India.

N'estas condições, o sr. ministro póde ter a certeza de que faria uma grande economia no subsidio.

Suppondo mesmo que adoptava grandes velocidades para a linba de Seez, pondo-a assim em condições de luctar com os paquetes inglezes e allemães, o subsidio, segundo

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os calculos da commissão, reduzir-se-ia aos seguintes elemen-os:

Carreira de Lisboa a Lourenço Marques .... 673:000$000
Carreira supplementar dos portos de Moçambique .... 40:000$000
677:000$000
A descontar - receita da carreira de Africa .... 260:000$000
Subsidio annual .... 427:000$000

Por esta fórma o negocio era claro; de outro modo tenho de affirmar que ha n'este projecto disposições incertas e vagas, que me não parecem acceitaveis sob o ponto de vista dos interesses publicos, quando menos.

O projecto não satisfaz a condição alguma das indicadas pela commissão. Realmente para o combater basta apenas, como fiz, cotejar o respectivo relatorio com o do sr. ministro da marinha. Não satisfaz as necessidades da provincia de Moçambique e emquanto á India falta-lhe só ir á vela, em caravellas.

E quanto ás despezas, é uma belleza!

De um lado, 200:000$000 réis, servindo directamente os portos de Moçambique e do Mormugão; do outro lado, 500:000$000 réis, que é a somma de que parece precisar a Mala Real para endireitar as suas finanças!

Ora, se o sr. ministro da marinha não adoptou o projecto da commissão, se se afastou do melhor plano e mais economico, para acceitar, de mau grado, como prova a sua fraca argumentação, outro mau e dispendioso, alguma causa energica actua no animo recto e justo de s. exa.

V. exa., sr. presidente, não me chame á ordem, porque o que vou dizer prende-se directamente com a materia em discussão, salvo o empregar eu agora uma fórma de estylo muito adoptada por Christo

Ha no mundo moderno, e já vem de longa data, uma grande força, que se chama o papado. Podem dizer o que quizerem os fortes pensadores; mas o Papa ainda é uma poderosa força!

Ha, parallela a esta, outra grande força incipiente, que é o socialismo. Podem os catholicos dizer o que quizerem; mas o socialismo é já uma poderosa força.

Tem o papado, como v. exa. sabe, uma constituição fortissima, uma organisação politica valente. Parece que o Papa devia governar a seu bel prazer. Pois não governa! Elle faz cardeaes; mas os cardeaes constituem a curia, e a curia é que faz e governa o Papa.

Assim, por exemplo, Pio IX, quando subiu ao solio pontificio em 1848, vinha cheio de idéas liberaes; em breve, porém, a curia o reduziu á sua verdadeira expressão, e fel-o dizer e fazer o que ella queria, em alguns annos apenas o Papa estava mais reaccionario do que o maior reaccionario do nosso paiz.

O pobre Leão XIII governa tambem, ao que parece; mas ha dias lembrou-se de passar de um ponto do Vaticano para o outro pela via Fundamenta. Não sei se alguem d'esta camara conhece a via Fundamenta, é um recinto publico, como o que existe em frente da fachada principal da camara dos pares. É uma verdadeira encravação nos dominios do Vaticano. A curia não gostou que o pobre velhinho pizasse o terreno sacrilego italiano, ao que elle observou espirituosamente: «mas não seria peior se o terreno fosse mussulmano?»

Em politica, mesmo na nossa pequena politica, podem dar-se condições analogas.

O sr. ministro faz os cardeaes, mas a cúria, reage, mais tarde, e impõe-lhe opiniões e procedimento, que s. exa. não teria, nem seguiria, n'outras condições. Faço-lhe essa justiça.

S. exa. é um homem novo, tem talento e vigor, cumpre-lhe reagir. Não tema ficar só, afaste os vendilhões do templo, e creia que ha de encontrar largas compensações na força da opinião, nos seus amigos sinceros e desinteressados e no prestigio, que ha de aureolar o seu nome honrado.

Sr. presidente, vou entrar agora na parte mais interessante e, talvez, mais escabrosa do meu discurso.

Fal-o-hei com todas as reservas para não melindrar alguem; mas este proposito não impedirá que exponha affoutamente o que penso e o que se diz ácerca d'este malfadado projecto.

No uso liberrimo dos meus direitos de deputado e, sobretudo, no desempenho rigoroso dos meus deveres de homem publico, procederei agora, como tenho sempre procedido na minha já longa carreira publica. Direi a verdade, pelo menos o que julgo ser verdade, visto que como homem me posso enganar, sem reticencias e vacillações, importando-me pouco com os protestos, que as minhas affirmações possam levantar.

Destruam os meus raciocinios, se poderem; mas não percam tempo, seria inutil, com declamações, porque não estou disposto a attendel-as, nem a perder com ellas um só instante de attenção.

Digo isto, porque por occasião da discussão do augmento de garantia ao syndicato de Salamanca, alguem teve a audacia de querer protestar perante esta camara contra as doutrinas expostas por alguns deputados, entre os quaes julgo que estava eu; o presidente de então bem procedeu, a meu ver, mandando deitar o protesto no cesto dos papeis inuteis.

Isto posto, para evitar correspondencias, entro na questão.

Sr. presidente, não era indispensavel a declaração peremptoria do sr. Emygdio Navarro e a resposta do sr. ministro da marinha para se reconhecer que este projecto tem por fim salvar a Mala Real, a titulo de proteger capitães portuguezes; bastava ler o projecto, no que respeita aos typos dos navios, ao trajecto, aos restantes elementos das bases, emfim, para concluir que o verdadeiro objectivo é augmentar o subsidio de 98:000$000 réis, concedido á Mala Real, por 378:000$000 réis, ainda elevados a 500:000$000 réis com a projectada carreira da India.

A clausula do concurso parece querer encobrir artificiosamente este proposito, mas não illude alguem.

Qual é a companhia portugueza, que póde concorrer com a Mala Real, se o typo dos vapores, a sua tonelagem e velocidade, tanto na carreira principal, como nas secundaria e supplementar, a linha de navegação, todos os elementos das bases são os d'aquella companhia?

Depois é facil constituir no paiz de um momento para o outro uma empreza d'esta ordem, no estado angustioso da nossa economia financeira, quando os capitães nacionaes estão ainda comprometidos no syndicato de Salamanca, no ultimo emprestimo, que em parte o sr. ministro da fazenda não pôde realisar em França, e n'uma divida fluctuante enorme?

Logo o que resta? Concorrer quem tem esses vapores, quem percorre essas linhas.

Ora, se a Empreza Nacional não pôde, facilmente, concorrer, restam-lhe apenas duas soluções; ser esmagada por uma rival largamente subsidiada, ou acceitar a generosa fusão que lhe é proposta.

No primeiro caso, o sr. ministro erra o seu fim, porque gastando maior subsidio, fica nas mesmas ou em peiores condições do que as actuaes; no segundo convem saber se a fusão das companhias não é perniciosa para os interesses publicos.

Querem entregar á Mala Real o exclusivo da navegação para a Africa oriental e occidental e para a India n'um periodo enorme? Porque exclusivo fica sendo, visto que o artigo 11.° das bases determina que o estado não póde subsidiar outra empreza emquanto durar o contrato. Querem? Saibam ao menos o que parece occultar-se debaixo de tudo isto.

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Eis os dados que recebi d'esse mysterioso anonymo, que substituiu no meu paiz e n'esta questão o fallecido e chorado Mac-Murdo.

Ignoro a verdade d'estas affirmações, posto que muitas são correntes na opinião publica; mas cumpre ao sr. ministro syndicar rigorosamente o seu valor. Não é difficil fazel-o, para isso tem s. exa. muitos recursos e elementos.

A Mala Real tem um social nominal de 900:000$000 réis, dos quaes estão apenas collocados 200:000$000 réis 230:000$000 réis.

O resto do capital foi dado por um accionista X em letras.

No Porto tentou-se uma emissão de obrigações, que falhou.

Alguns bancos portuenses, ao que parece obrigados por esta circumstancia, emprestaram por cada obrigação réis 60$000.

Eis como se affirma estar constituido o capital.

A Mala Real, segundo corre, é devedora de enormes quantias, em que entram os deficits annuaes da exploração, que são importantissimos.

Parte consideravel d'esta divida está nas mãos de uma grande casa bancaria de Lisboa, que designarei por Y.

Se o sr. ministro fizer investigar bem como se obteve o material d'aquella companhia, saberá se é certo o que se diz, e a mim nada me custa a acreditar, que as compras foram oneradas com commissões importantes, que ficarão tambem comprehendidas no futuro capital social.

Este systema não é novo. Infelizmente, n'esta epocha depravada em que todos querem ser ricos de um dia para o outro, este processo tem sido largamente empregado. (Apoiados.)

A Empreza Nacional é uma parceria com quinhões de 500$000 réis; tem um capital de 500:000$000 réis.

O accordo combinado entre a Mala Real e a Empreza Nacional é o seguinte: um syndicato tomará immediatamente a nova concessão, depois de adjudicada, entrando a Mala Real com todo o seu capital, comprehendendo os deficits da exploração, dividas, outras despezas de natureza diversa e commissões passadas, presentes e futuras; a Empreza Nacional receberá o dobro do seu capital.

São estas as indicações recebidas e o que corre na opinião publica. O sr. ministro deve mandar syndicar rigorosamente para que se saiba, se protegemos ligitimos interesses o honrados capitães portuguezes, ou illegitimos negocios e explorações, porque o capital não é portuguez quando se envolve em especulações perniciosas para o paiz e em latrocínios. (Apoiados.)

Salamancada n.° 2 chamou a isto o sr. Palha. Porque?

O projecto diz no artigo 21.°:

- «Quando se reconhecer que a empreza aufere um rendimento liquido superior a 8 por cento, o governo poderá ou augmentar as velocidades nas carreiras, ou reduzir o subsidio proporcionalmente ao excesso, ou diminuir as tarifas de transporte, de modo a não ser excedido aquelle lucro.» -

Ou diminue o subsidio, ou diminue as tarifas de transporte, ou augmenta a velocidade; mas os 8 por cento a que capital social se referem? (Apoiados.)

Deve deixar-se á livre vontade das companhias, ou dos lançadores de negocios a fixação d'este capital?

Dado um certo rendimento liquido annual, é evidente que quanto menor for o capital social, maior será a percentagem de lucros.

Se são vantagens para o estado, como realmente são, a diminuição de subsidio, das tarifas de transporte ou o augmento de velocidade, parece evidente que se deve fixar por qualquer fórma rigorosa e clara este capital social.

Como deixa então o governo constituir uma nova empreza com um capital social mysterioso e desconhecido, em que por um lado entram parcellas importantes de deficits, de dividas e de commissões e por outro uma duplicação dos quinhões?

Foi, exactamente, por este processo que se crearam as difficuldades de Salamanca!

N'aquellas linhas devia despender-se, quando muito, 6.000:000$000 réis, foi n'esta hypothese que o paiz garantiu o subsidio de 135:000$000 réis. Aconteceu, porém, que, sem que ninguem ainda saiba como e porque fórma, a despeza de construcção se elevou a 9.000:000$000 réis. É evidente que n'este caso o subsidio se tornou exiguo e houve necessidade de o elevar. Effectivamente, já o duplicámos, elevando-o a 270:000$000 réis e talvez não fiquemos por aqui.

Ácerca do lançamento de certos negocios passou-mo agora pelo cerebro uma comparação, que vou ver se substituo por outra...

Como não encontro outra melhor vão esta mesma e a camara me desculpará.

Se pulo dedo se conhece o gigante, pelo negocio se conhece o pigmeu.

Houve tempo, ha trinta annos talvez, em que uma lenda enchia parte das provindas do norte.

Era a lenda celebre do cavalheirismo, alem de outras boas qualidades, do José do Telhado.

Sabe-se perfeitamente que n'esse tempo, quando occorria um facto de certa natureza, attribuia-se logo ao José do Telhado. Era um typo magnifico, como a camara sabe, Forte, alto, espadando...

O sr. Alpoim: - Barbas, tambem?

O Orador: - Nem ha salteador romantico sem barbas. (Riso.)

Era cavalheiroso o salteador famoso, roubando até ás vezes para dar aos pobres, e tão conhecido e até estimado, que lho attribuiam todos os actos grandiosos n'aquella industria pouco limpa.

Nos actuaes negocios, como a camara sabe, ha certos processos, que fazem com que se possa dizer sem grave erro quem são os lançadores.

Quereria ter encontrado outro simile para não citar este cavalheiro; mas não achei melhor, e alem d'isso o José do Telhado hoje está regenerado pela morte; no nosso paiz, quem morre é sempre honrado. (Apoiados.)

Parece-me que o que tenho dito, não sendo de molde para melindrar ou escandalisar alguem, é sufficiente para pôr o sr. ministro da marinha na pista de uma combinação habil, que talvez s. exa. não conhecesse e que s. exa. ha de desfazer, porque é honrado, serio e trabalhador, e para mim nunca desmereceu d'estas qualidades. (Muitos apoiados.)

Por estas rasões, este projecto deve ser completamente banido; entendo que deve adoptar-se a solução que propuz, abrindo-se ou não concurso; porque n'este caso estão garantidos os legitimos interesses do paiz. Adoptado este alvitre, deixe s. exa. arruinar quem se arruina. (Apoiados da direita.)

Entendo que a acção do estado deve ser sempre compensadora, procurando restabelecer o equilibrio dos interesses das classes sociaes, até mesmo a distribuição da riqueza entre ellas; mas entre as classes e não entre os indivíduos.

Socialista como sou, quando na camara tenho sustentado, e sustentarei se continuar ater occasião para isso, que é indispensável organisar o trabalho nacional e proteger as classes operarias, o meu fim era o mesmo que o de hoje - attender aos interesses do paiz.

Quero que se protejam as classes desenvolvendo a riqueza publica; que se dê protecção tanto á industria como á agricultura nacionaes; mas não quero que se protejam individuos em vez de classes, capitalistas proprietários em vez de desgraçados.

N'este sentido, o meu voto será sempre para dar toda a protecção possivel, dentro dos limites de uma justa repartição, a todas as classes, que se encontrem em circum-

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stancias angustiosas; mas quando se pretender salvar individuo, ou empreza, que uma industria mal estudada e peior administrada arruinou; quando se tiver em mira restabelecer a fortuna de tres ou quatro capitalistas, que se enganaram nos seus negocios, não contem commigo.

De que a Mala Real e uma companhia mal administrada tem a camara a prova no proprio relatorio da commissão, não sou eu que o affirmo.

Eis o que diz a propria commissão:

- «Como era de esperar, a Mala Real, achando-se em condições excepcionaes, franqueou os seus livros e todos os documentos que lhe foram pedidos; mas esse auxilio não podia satisfazer cabalmente o espirito e os desejos da commissão, pois tendo esta empreza apenas acabado de iniciar as suas carreiras, e de presumir que não tenha ainda os serviços montados com a severa economia e rigorosa fiscalisação, que só a pratica de uma cuidadosa e bem dirigida exploração póde conseguir.» -

É uma fórma delicada, certamente; mas a commissão deixa transparecer o que observou e o que aliás e, mais ou menos, do dominio publico.

A protecção do estado n'estas condições parece illegitima; e não serão os hymnos patrioticos de capitães portuguezes, que foram abafar os protestos justos da opinião publica.

N'este duro combate pela vida, o elemento menos defendido e armado morre e desapparece. Uns empobrecem e outros enriquecem, sem que soffra a fortuna publica; que o millionario, seja A ou seja B, eis o que pouco importa.

Não odeio cousa alguma neste mundo. Se algum defeito tenho neste sentido, e o de possuir faculdades affectivas desenvolvidas de mais. Não ha para mim n'isto a menor gloria ou a menor honra.

Essa velha doutrina do livre arbitrio está hoje condemnada pela sciencia moderna. A honestidade e a bondade do caracter são, em grande parte, o resultado da organisação do individuo. Será talvez uma triste verdade.

Não odeio o capital, não odeio a riqueza, porque reconheço que no mechanismo financeiro moderno o capital representa um elemento importantissimo, cujo desapparecimento subverteria a ordem publica e nos tornaria a todos miseraveis.

Não me revolta verefortunas principescas feitas por um invento, ás vezes quasi inutil, nem pelo commercio, que explora um mercado e ao fim de longos annos se retirar com um capital enorme. Não me repugna a industria que dá consideraveis dividendos, á custa do trabalho e de perseverança.

Desejaria, certamente, que essas enormes agglomerações de fortunas de uns, que são o pauperismo dos outros, em grande parte, fossem melhor repartidas. Curvo me, porem, respeitoso diante do trabalho honesto e do longo esforço, que dia a dia constituo pela economia e pela previdencia os grandes capitães.

Essa fórma de enriquecer tende, porém, a desapparecer entre nós. O longo, honesto e perseverante trabalho, que juntava migalha a migalha ate chegar ao milhão, tende a ser substituido por essas industrias industriosas, em que apparecem de um dia para outro fortunas principescas, sem se saber donde ellas vem e que trabalho as produziu. (Apiados.)

São elementos perniciosos estes para o mechanismo financeiro da sociedade; sobretudo são nocivos como exemplo para a maior parte dos homens.

Como o homem physicamente só por excepção pode levantar um grande peso, assim a força moral não attinge em todos os espiritos o limite da philosophia, que resiste á sede immoderada das riquezas e tira o valor a esses exemplos monstruosos, e não castigados, de fortunas, que se fazem por explorações illicitas. (Apoiados.)

Exemplo terrivel que, actuando ate às ultimas camadas sociaes, subverterá a ordem moral e fará da alma humana o adorador ardente e exclusivo dos interesses materiaes.

Exemplo perigoso que ha de mais depressa subverter a ordem publica, do que a propaganda de todos os clubs revolucionarios!

Homem algum, que tenha pelas classes inferiores, pelas classes pobres e desgraçadas, sincera affeição, deixará de lhes dizer, que e pelo trabalho e pela honradez que se conquista o bem estar e a fortuna; mas o que a sua palavra faz em longas praticas, o que a sua lição lhes indica com rudes sacrificios, desfal-o, n'um momento, o exemplo d'aquelles que hontem não tinham onde cair mortos, e hoje levantam palacios sumptuosos, têem carruagens luxuosas, e esmagam com as patas ferradas dos seus cavallos de puro sangue os viandantes, que d'elles se approximam. (Apoiados.)

Estes exemplos são maus, e a impunidade dos culpados ainda peior.

Cumpri a minha missão, e entrego a questão ao sr. ministro da marinha. Estou persuadido de uma cousa, e digo-a para fazer justiça a quem a merece: se s. exa. não fizer tudo quanto deve fazer, será mau grado seu.

É possivel, e mais do que provavel, que fortes pressões de todas as ordens illaqueiem s. exa., as conveniencias da politica partidaria não serão as ultimas invocadas; reaja s. exa., e não tema perder força.

Em troca das forças nocivas, que se perdem, quando se não transige com ellas, ganha-se a adhesão dos homens honestos e honrados, que hão de juntar se a v. exa. para resistir em nome dos bons principios. (Apoiados.)

A tendencia do paiz é esta, creia s. exa.

Lavra na opinião publica uma corrente surda e energica contra esta immoralidade politica, que tem vindo á superficie. Ha classes illustradas e fortes, em que o tumultuar d'esta nobre paixão chega a ser violento.

Parece estar adormecida a opinião, e permittir esta feira de mesquinhos interesses; não se illuda, porem, a camara, a reacção prepara-se no intimo da alma nacional e o momento da energica explosão não vem talvez longe.

O paiz assiste hoje impassivel ás discussões parlamentares, como os cidadãos romanos assistiam do alto das bancadas do Colyseu aos combates de gladiadores.

Encara estas pugnas parlamentares com o deleite de amador litterario, folga com os nossos discursos, ri, talvez, das nossas indignações; se uma crise angustiosa passar, porem, sobre o paiz, se não houver dinheiro nem credito, se os juros da nossa divida e os ordenados dos empregados não poderem ser pagos; se a nossa economia, emfim, soffrer um forte abalo, os que hoje assistem impassiveis nas
galerias d'esta camara, os que ouvem de nós fallar com indifferença, gritar-nos hão na angustia das dificuldades: porque não nos avisaste?

Então nós, os que protestámos sempre, teremos o direito de lhe responder severamente: porque não nos attendeste? (Apoiados.)

Vozes: - Muito bem.

Leu-se na mesa a seguinte:

Moção

A camara resolve adiar o projecto, e passa á ordem do dia. = Augusto Fuschini.

Foi admittida.

O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. Emygdio Navarro, que a pediu para antes de se encerrar a sessão.

O sr. Emygdio Navarro: - Eu não podia deixar encerrar a sessão sem protestar contra as consequencias que o sr. ministro da marinha quiz tirar da declaração que fiz, porque costumo formular as minhas opiniões clara e nitidamente, e tomo d'ellas sempre a responsabilidade. (Apoiados.)

Por consequencia, não posso consentir que ninguem vá mais longe do que eu quero ir nos meus propositos, nas

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minhas intenções, e nas consequencias que dellas pretenda tirar. (Apoiados.)

Em primeiro logar, seja dito para a camara, que não para os meus amigos, porque o julgo desnecessario, que quando declarei que a opposição considerava esta questão uma questão aberta, fiz essa declaração devidamente auctorisado por quem, no partido, tem poder para me dar essa auctorisação. (Muitos apoiados da esquerda.)

Os meus amigos sabem que, quando me permittem uma certa ingerencia na direcção dos trabalhos da opposição, eu nunca tomo resolução alguma, sobre assumptos graves, sem consultar o chefe do partido; (Apoiados.) por consequencia, se fiz esta declaração e porque aquelle cavalheiro a tanto me auctorisou, e não por deliberação pessoal. (Apoiados.)

E fiz a referida declaração porque é tão grave a questão para os meus correligionarios, que a disciplina partidaria não pôde fazer calar as dissidencias que, em virtude d'ella, se levantaram no seio do partido.

Portanto, a interpretação dada pelo sr. ministro ás palavras que proferi, e contraria ao meu pensamento, visto que a opposição, por isso mesmo que reputa a questão grave, é que não podia consentir que se prorogasse a sessão até o projecto se votar, tendo apenas fallado por parte do partido, o sr. Fernando Palha. (Apoiados.)

Por consequencia, o meu fim e protestar contra as illações que o illustre ministro pretendeu tirar da minha declaração, porque eu, declarando a questão aberta, não quiz significar que a questão era pouco importante; pelo contrario, ella é tão grave que, repito, a disciplina partidaria não pôde fazer calar algumas dissidencias. (Apoiados.)

E devo ainda dizer que foi porque um homem, que tem no partido progressista uma posição eminente, de cujo caracter ninguem duvida, (Apoiados.) cuja honra e probidade estão acima de toda a suspeição, um homem que se chama Barres Gomes, um homem que se impõe ao respeito de toda a gente, já na camara dos dignos pares, antes da apresentação d'este projecto, duas vezes instara com o sr. ministro da marinha para que o trouxesse á camara.

Vou ler á camara as palavras do sr. Barros Gomes na sessão de 28 de maio de 1890:

(Leu.)

Não leio mais para não cansar a attenção da camara. S. exa. instára, portanto, com o sr. ministro da marinha - para que accudisse á companhia da mala real portugueza.

Na sessão de 27 de junho...

O sr. Fuschini: - Resta saber se s. exa. instava por que isto se fizesse por similhante processo.

O Orador: - Eu não estou a referir-me ao sr. Fuschini, estou a tratar só, de mira, justificando a minha declaração; não tenho nada com o discurso do sr. Fuschini, nem o que s. exa. diz se entende commigo, nem com nenhum dos meus amigos.

(Interrupção.)

Repito, não estou a discutir o discurso do sr. Fuschini, estou a explicar a minha declaração.

O sr. Barros Gomes dizia na sessão de 27 de junho, discutindo o orçamento rectificado:

(Leu.)

Quando um homem chamado Barros Gomes, que no partido progressista occupa um logar tão importante, apresentasse uma idea, era necessário, para que ella não fosse seguida, que se accentuassem profundas divergencias no partido.

Posso dizer á camara que foi exactamente por causa desta incitação do sr. Barros Gomes, que o sr. ministro da marinha trouxe á camara este projecto, que eu não discuto, tendo já affirmado que concordava com a sua idéa fundamental. Desejo comtudo, que se auxiliem companhias portuguezas com capitães genuinamente portuguezes. E n'este ponto permitta-me o sr. Fernando Palha que divirja das suas declarações.

Todos sabem que uma das grandes ruinas do nosso paiz, uma das causas do seu atrazo é justamente porque a riqueza do estado não assenta na riqueza de grandes companhias.

E por isso se não houver companhias bastante fortes e ricas, o estado ha de andar, como anda sempre, aos baldões dos capitães estrangeiros.

Eu não sou partidario d'essa doutrina economica, ultra-jacobina e ultra-revolucionaria, que declara guerra de morte ás grandes companhias.

Parece-me, portanto, de toda a justiça que se attendam os interesses genuinamente portuguezes.

Portanto, como disse, e sem que isso prejudique a minha opinião sobre o assumpto, e esta questão uma questão abei ta para os meus amigos.

Eu, individualmente, sou contrario, não ao principio do projecto, repito, mas á forma por que elle foi apresentado.

Se o sr. ministro da marinha entendia que era necessario acudir ás duas companhias, da inala real e da empreza nacional, era melhor que trouxesse ao parlamento uma proposta em que o dissesse claramente, em vez de trazer uma proposta estabelecendo concurso que, a ser devidamente seno, prejudica a sua idéa, devendo deixar de per um simulacro, um sophisma, uma ardileza, pelo que me parece que não póde dar origem a suspeitas.

Quaesquer que sejam as necessidades das companhias portuguezas, o que neste momento preoccupa todos os espiritos, é se o convenio com a Inglaterra nos deixará na Africa oriental o sufficiente para devermos tomar um encargo de 500:000$000 reis annuaes.

Esta preoccupação é grave, e eu desejava que, sem se prejudicar o principio de soccorrer as duas companhias, que são portuguezas, e com capitães genuinamente portuguezes, não fossemos enterrar na Africa oriental sommas importantes, sem sabermos se lá nos deixam alguma cousa, ou se o que nos deixam vale taes sacrificios.

O sr. Ministro da Marinha (Julio de Vilhena): - Pedi a palavra simplesmente para dar uma explicação ao illustre deputado e meu amigo o sr. Emygdio Navarro.

Eu não quiz dizer que s. exa., tendo declarado que a questão era aberta, fizera uma declaração particular; pelo contrario, eu apresentei s. exa. como leader da opposição.

Tendo apresentado s. exa. d'esta fórma, é claro que não suppunha que a sua declaração tivesse o caracter particular.

Suppuz sempre que a declaração que fizera fora em nome do seu partido, ou pelo menos dos seus elementos principaes, e assim a considerei não só pela posição de s. exa. na opposição, mas tambem pelas declarações feitas na outra casa do parlamento pelo digno par o sr. Barros Gomes.

Effectivamente por eu ter ouvido as declarações de s. exa., por ter lido o que se tem escripto na imprensa, e por saber, por consequencia, que a idéa de todos os homens principaes da opposição, e de todos os partidos era que se devia acudir ás duas emprezas, e que apresentei esta proposta de lei.

E suppuz, por todas estas rasões, que ella não provocaria larga discussão. Fui ingenuo. Desculpem-me os illustres deputados esta ingenuidade. Para a outra vez, quando eu vir que se póde imaginar que todos os homens principaes dos differentes partidos estão de accordo, já sei o que acontece.

Por agora, como o requerimento está retirado, permittam-me os illustres deputados que lhes diga que a discussão sobre esse facto não vem a proposito.

A discussão do projecto será ampla, será larga, será como os illustres deputados a desejam. E desde que está declarado que a questão é aberta não fica mal ao governo

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acceitar qualquer proposta tendente a tornar mais claro o projecto, embora essa proposta venha da opposição.

Se se apresentar alguma idéa repito que torne mais claro o pensamento do governo, desde que a questão e aberta não lhe ficará mal acceital-a.

Apresente-se essa idéa, e a maioria verá se ella e acceitavel, e sendo assim, creio que não terá duvida em a votar.

O sr. Eduardo Abreu: - Poucos momentos tomarei á camara.

No parecer da commissão de fazenda, que se refere ao projecto em discussão vem assignados varios cavalheiros que pertencem á mesma commissão, e entre elles um sr. José Dias, que eu suponho ser o sr. José Dias Ferreira.

Ora eu ouvi s. exa. pedir a palavra contra este projecto, e neste caso, não posso comprehender come e que aquelle illustre deputado, tendo assignado o parecer, pretenda fallar contra elle.

Vozes: - Deu a hora, deu a hora.

Uma voz: - Isso é com o sr. Dias Ferreira.

O Orador: - O que parece e que o sr. Dias Ferreira não assignou este parecer, e portanto desejo que v. exa. tenha a bondade de informar-me se este sr. José Dias será algum nome que fosse aqui posto por equivoco, se e verdadeiramente o sr. Dias Ferreira, ou ainda visto o que se tem dito, sobre este projecto, não obstante não duvidar da respeitabilidade de v. exa. ou de quem quer que seja, que suprintenda n'estes assumptos, se se permittiu que viesse algum individuo, estranho ao parlamento introduzir-se n'esta questão do contrato da mala real, assignando tambem juntamente com a commissão um projecto d'esta ordem.

O sr. Presidente: - Prevenido pelo illustre deputado de que tencionava fazer a pergunta que acaba de expor, mandei perguntar á secretaria o que havia a este respeito a fim de informar a s. exa., e foi-me enviada, como resposta, a informação de que no authographo do parecer da commissão não está assignado nenhum nome de José Dias, e sim o do sr. José Lobo. É isto o que corista da informação que recebi.

O Orador: - Agradeço a v. exa. a sua informação, mas fique consignado que e o primeira projecto em que este sr. deputado assigna, no parecer da commissão de fazenda, simplesmente «José Lobo», visto que em todos tem assignado José Ferreira Lobo do Amaral.

O sr. Presidente: - A ordem do dia para sexta feira e a continuação da que estava dada e mais o projecto n.° 175.

Está levantada a sessão.

Eram mais de seis horas e meia da tarde.

O redactor = Sá Nogueira.

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