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dou o decreto de 31 de dezembro de 1864, não aproveitou a sua disposição para as vias ferreas. E note-se que os telegraphos não foram considerados de modo especial aqui na camara, para que tal distincção se justificasse.
Pela obrigação especial que me impunha o cargo de relator n'este negocio, tive de ir verificar o que se tinha passado durante a discussão do respectivo projecto, quando elle foi apresentado á camara. Apenas um sr. deputado fallou, e foi o sr. José de Moraes.
Não disse uma palavra sobre o telegrapho, ninguem se referiu a elle, mas s. ex.ª fez considerações muito sensatas ácerca do estado do serviço do caminho de ferro do norte; quer dizer, dirigiu-se justamente ao ponto a que se devia dirigir, foi tratar do assumpto para que a lei era feita.
A lei era feita para que o governo ficasse auctorisado a decretar o que fosse conveniente, em relação á policia dos caminhos de ferro, dos telegraphos, etc.. e á sua conservação. O sr. José de Moraes discutiu o que realmente podia e devia discutir.
Saiu da camara o projecto para a camara dos dignos pares, e não teve lá discussão, e isto explica-se talvez por que n'estes ultimos dias de camara os projectos correm com grandissima velocidade. Este projecto correu tanto que nem sequer a sua publicação figura no Diario. Note se isto. De todos os projectos apparece o vestigio no Diario, pela approvação ou rejeição; d'este (refiro-me á lei de junho de 1864), não appareceu; tal foi a rapidez com que o negocio correu!
Não admira pois que se não fallasse em telegraphos; mas o que é certo, é que n'este projecto não ha uma disposição especial que nos podesse encaminhar para uma discussão relativa a telegraphos, e no entretanto o auctor do decreto achou-se com a força precisa para contratar a construcção de linhas telegraphicas, emquanto por outro lado declarava que a construcção das linhas ferreas ficava dependente da approvação das côrtes!
Isto quer dizer que o governo achou-se com força sufficiente para distinguir o que a lei não distinguia, e para extrahir da auctorisação legal faculdades que a lei lhe não dava!
N'estas circumstancias o que podia fazer a commissão? Chamou á sua presença os contratos, considerou os como contratos provisorios, examinou cuidadosamente suas clausulas, notou faltas attendiveis, especialmente na parte que particularmente interessa ás ilhas dos Açores, e entendeu que devia rejeita-los.
Com este procedimento perde toda a importancia a primeira parte da questão, e fica sanada qualquer irregularidade, sem perda de tempo para os concessionarios (apoiados),
Nada prejudica isto, provavelmente, porque o governo esta sempre auctorisado a fazer contratos provisorios. Se o nobre ministro das obras publicas quizer hoje negociar um contrato provisorio depois d'esta lei passar na outra casa do parlamento, póde faze-lo porque para isso esta livre, e depois á camara pertence auctorisar o contrato definitivo.
Este projecto serve para pôr as cousas no seu logar e evitar serias reclamações, que poderiam resultar de uma resolução contraria.
Mas note-se que a questão dos privilegios apparece no meio d'isto. N'esta questão dos privilegios considerou muito attentamente a commissão; não lhe era indifferente essa questão, e entendeu ella que se acaso o governo tivesse manifestamente exorbitado, a camara não poderia deixar do fazer uma qualquer manifestação. Considerou pois muito attentamente este negocio, e achou nos documentos que lhe foram presentes o meio de explicar essa tal ou qual apparencia de privilegios que se manifestou.
Vendo com todo o cuidado a proposta do primeiro contrato, descobriu a commissão qual tinha sido a intenção do governo. Era ministro então sr. Andrade Corvo e director geral dos telegraphos o sr. Canto. No artigo 2.° do contrato apresentava-se explicitamente o privilegio. O governo declarou que não aceitava esse artigo porque não podia conceder privilegios. Desde que se fez isto creio eu estar perfeitamente habilitado para dizer que o governo não teve nenhuma intenção de conceder privilegios, porque recusou o artigo em que elles eram exigidos.
Mas os concessionarios recorreram á camara, aproveitando a palavra todos do artigo 3.° da. proposta. Parece que o privilegio morto no artigo 2.° revive no artigo 3.°, mas para mim revive tambem a convicção de que o governo não teve intenção de conceder privilegios. Se acaso quizermos interpretar este artigo não podemos nunca concluir que a intenção do governo fosse de conceder privilegios; mas entretanto a palavra todos esta aqui!... E esta palavra poderia ser causa de serios embaraços para o paiz senão ficasse annullada toda a importancia das reclamações de qualquer origem pela resolução que tomámos de considerar como provisorios, e integralmente apresentados, os contratos de que sómente nos enviaram um artigo. O privilegio, se ahi ha privilegio, foi concedido, como sempre póde ser, em contrato provisorio, que a camara, agora como sempre, poderá tambem recusar.
São estes os motivos por que a commissão apresentou o parecer nos termos em que esta redigido.
Eu peço desculpa senão expliquei todo o negocio com sufficiente clareza, (Vozes: — Explicou perfeitamente.) mas a camara ha de relevar-me, porque sabe que o negocio não é dos mais faceis (apoiados). Vozes: — Muito bem.
O sr. Vieira de Sá: — Pedi a palavra, não para illucidar a camara relativamente ao objecto em questão, porque, depois das reflexões feitas pelo sr. Fradesso da Silveira, parece-me que a camara estará sufficientemente esclarecida para poder votar com conhecimento de causa; mas para explicar o meu voto n'esta materia, e porque a respeito d'ella se deu commigo uma circumstancia especial, que vou expor á camara em breves palavras.
Quando o contrato feito entre o governo e os srs. Medlicot e Rumball appareceu aqui na camara, tinha eu com alguns collegas dirigido uma carta ao sr. Canto, em que solicitávamos que elle fizesse com que entrasse como additamento áquelle contrato a condição de passar essa linha telegraphica, não só por Ponta Delgada, como estava já determinado no mesmo contrato, mas tambem pelas outras capitaes dos districtos dos Açores; e separadamente tambem eu me tinha dirigido a s. ex.ª para ver se podia conseguir que houvesse uma estação na ilha das Flores, porque esta ilha, achando-se a uma distancia muito consideravel das outras, e quasi sem nenhuma communicação com as suas irmãs do archipelago, muito precisava de tomar tambem parte na communhão dos interesses da civilisação por meio das communicações da linha telegraphica submarina.
Por esta breve exposição se póde ver o interesse que eu tomo n'esta questão, na qualidade de deputado por aquellas ilhas.
Não pedi portanto a palavra para, como já disse, illucidar a camara sobre este assumpto, nem mesmo a podia pedir com este intuito, porque, alem de incompetente para tratar d'esta materia, a minha incompetencia esta muito aggravada desde certa epocha, em consequencia de uma fatal molestia de olhos que me não deixa fazer leituras graves e serias. E isto explica o não ter eu entrado nos debates de questões importantes, que têem sido tratadas e votadas n'esta camara, porque não podia fazer os estudos indispensaveis para isso; tive portanto de resignar-me a ceder o logar a outros collegas que, melhor do que eu, podessem tratar d'essas questões.
O fim com que pedi a palavra foi para, como explicação do meu voto, dizer que, em presença das reflexões feitas pelo sr. Fradesso da Silveira, a commissão andou muito bem, concluindo o seu parecer pela rejeição dos dois contratos, porque havendo n'elles concessões de privilegios, e privilegios que se destruíam reciprocamente, que não se podiam conciliar uns com os outros, o unico meio de saír d'esta difficuldade era votar pela annullação, pondo as cousas no estado em que se achavam, e dar ao governo a faculdade e liberdade de para o futuro poder contratar nos termos mais convenientes.
Entendo por consequencia que a camara votando a annullação dos dois contratos tira o governo das difficuldades ponderadas pelo sr. Fradesso da Silveira, e deixa-o em liberdade de poder fazer um contrato igual ou melhor do que os dois que estavam feitos.
E n'este sentido já tambem manifestei ao actual sr. ministro das obras publicas o desejo, que creio que toda a camara tem, mas especialmente nós, os deputados pelos Açores, de que no futuro contrato que se faça ácerca do estabelecimento de uma linha telegraphica submarina, se estabeleça que ella toque nas capitaes dos districtos dos Açores, ou directamente, ou por meio de estações que communiquem com uma estação principal, conforme podér ser, e especialmente que toque na ilha das Flores por estar muito afastada das outras e quasi sem meios de communicação com ellas.
O sr. Belchior Garcez: — Depois do que disse o sr. Fradesso da Silveira, pouco ha a acrescentar para esclarecer a camara. O negocio, esta perfeitamente claro; nós considerámo-lo com imparcialidade e desejo de acertar na commissão, e parece-me que a resolução que propozemos á camara é a mais conveniente, e a que nos livra de grandes difficuldades.
A applicação da lei de 1856, e do decreto com força de lei de 31 de dezembro de 1864 é mal feita; nem a lei de 1856 póde fazer referencia a linhas telegraphicas submarinas internacionaes, porque se refere só a linhas portuguezas, nem o decreto de 31 de dezembro de 1864 póde tambem fazer tal referencia; não foi essa a mente do legislador, e certamente o sr. ministro das obras publicas esta muito bem ao facto de qual foi o espirito do decreto de 31 de dezembro de 1864.
O governo, como disse o sr. Fradesso, nunca esta inhibido de fazer contratos provisorios sobre qualquer cousa, comtanto que os submetta á approvação da camara, especialmente quando esses contratos involverem privilegios ou subvenções, o que se dava n'este caso, porque o primeiro contrato feito com os srs. Rose e Clarke já, quanto a mim, involve uma tal ou qual complicação; porque V. ex.ª hade estar lembrado de que houve um contrato de via submarina, que teve o nome pomposo de Balestrine, que continha a obrigação de communicar Lisboa com a costa de Africa e Brazil, e desde que appareceu outro estendendo-se tambem a Gibraltar, esta claro que o negocio se complicava, porque o primeiro era um contrato que assentava sobre um convenio internacional, em que tomavam parte Portugal, França, Italia, Marrocos, Brazil e não sei se mais alguma nação, mas bastavam estas, e havia sido celebrado na secretaria dos negocios estrangeiros do governo imperial.
Eu sempre entendi que este contrato com o sr. Rose involvia uma tal ou qual complicação debaixo d'este ponto de vista. N'este contrato manifesta-se, no artigo 2.°, como disse o sr. Fradesso, o intento de não conceder exclusivo nem privilegio; porém no artigo 13.° ha um privilegio e um exclusivo, sem duvida alguma, porque se diz que todos os telegrammas que forem de Peniche para Falmouth serão transmettidos por aquella linha.
Veiu depois outro contrato chamado de Rumball, e n'esse claramente se involve um exclusivo.
Portanto aqui temos uma luta não só entre dois concessionarios, mas provavelmente entre tres, e parece-me que o governo de certo se não julga auctorisado nem pela lei de 30 de junho de 1856 nem pela de 1864 a fazer estes contratos.
Em todo o caso, esteja ou não esteja auctorisado, o que deve é meditar muito antes de contratar, e isto não é censura nenhuma.
É preciso que a camara saiba que o melhor meio de evitar accordos, é reflectir nos contratos. Reflictam bem os governos antes de contratar, para depois não nos darem o in -commodo de fazer accordos.
É muito bom fazer linhas telegraphicas submarinas, mas é muito mau armar meadas, para nos envolvermos n'ellas. Tenham sempre bem presente aquelle conselho, dado por um homem, que não tem a auctoridade de Washington, mas que tem bastante auctoridade para dar conselhos, e que foi ainda ha pouco citado na outra casa do parlamento. Não citarei o conselho, porque elle esta bem presente na memoria de todos os que têem conhecimento do discurso do sr. Casal Ribeiro, discurso com que eu me não conformo na parte relativa á politica internacional, mas que em muitos pontos de doutrina esta perfeitamente de accordo com as minhas opiniões. Não referirei, pois, o tal conselho do sr. duque de Palmella.
Não digo que não se façam contratos com estrangeiros; façam-se contratos com os concessionarios habilitados, sejam estrangeiros ou sejam nacionaes, porque, como em todos os contratos ha a faculdade de os transmittir, elles bem depressa mudam de nacionalidade.
O que é preciso é faze-los com todas as seguranças e garantias, de modo que não involvam compromettimentos, nem complicações.
Portanto, o que melhor ha a fazer no estado actual da questão é dar por nullos os contratos feitos. E isto não quer dizer que fique nulla a faculdade que o governo tem de fazer contratos, para este mesmo serviço de telegraphia submarina para Inglaterra ou para a costa de Africa, nas condições que elle julgue acertadas.
Esta questão está hoje um pouco complicada por acontecimentos industriaes, que se passam na Europa, mesmo com respeito á telegraphia submarina, e a que escuso de fazer agora referencias. O governo deve estar bem ao facto do que. se passa a este respeito.
E mais uma rasão e rasão poderosa, porque o governo tem obrigação de calcular as emprezas que convenciona, que estabelece ou que contrata; tem obrigação de calcular se essas emprezas podem ser lucrativas ou se podem dar em resultado a perda dos capitaes n'ellas empregados.
Eu não creio que uma empreza d'estas que se limite a estabelecer communicações com os Açores, sem ter uma casa commercial mais solida, se possa sustentar; e se acaso se estabelecerem do continente europeu para o americano as linhas que estão em projecto, e que se espera que vão avante, não sei se de Portugal para a America ingleza ou mesmo para a America do sul, haverá logar a estabelecerem-se linhas telegraphicas; não sei se haverá uma tal quantidade de telegrammas, que valha a pena lançar ao fundo do oceano o capital que é necessario lá metter para estabelecer o serviço telegraphico submarino.
Por consequencia tanto debaixo do ponto de vista das complicações que derivam d'estes contratos, como debaixa do ponto de vista das circumstancias que se dão, não só o respeito do contrato do sr. Rose, mas tambem a respeito do contrato do sr. Rumball, a commissão entendeu que o melhor que tinha a fazer era propor a annullação de ambos, ficando salvo ao governo o contratar com uma ou com outra empreza, ou com ambas, como julgar conveniente. E tenho dito.
O sr. Fernando de Mello: — Tanto pelo que disse o sr. relator da commissão, como pelo que acaba de dizer o sr. Belchior José Garcez, a commissão de obras publicas para se livrar de embaraços, para evitar alguma questão que se podesse levantar entre os diversos concessionarios, e para não entrar mesmo na apreciação da legalidade ou illegalidade com que os governos tinham feito estes contratos, resolveu annullar tudo.
O expediente não é difficil, mas livre-nos Deus de que se generalise. Não fique em uso que, logo que haja complicações entre diversos contratantes ou entre diversos contratos, se decida que deve ser tudo annullado.
Para mim a questão é outra; ou os governos passados contrataram illegalmente, e n'esse caso devem ser annullados os contratos, e é preciso um bill de indemnidade para quem ultrapassou os limites da lei, ou os contratos foram feitos legalmente e devem subsistir. A questão é simples, mas importante. Encaremo-la seriamente, porque d'isso depende o nosso credito e mesmo a honra nacional.
O sr. relator da commissão, apesar da clareza com que sempre discute e do conhecimento com que entra em todos os negocios, não póde fazer comprehender aquelle meio termo que encontrou entre legalidade e illegalidade.
Eu não sei senão dos dois extremos; ou é legal ou é illegal. Ou o governo contratou sem poder contratar, e temos illegalidade, ou o governo contratou podendo contratar, e temos legalidade.
O meio termo d'isto é que eu não comprehendo nem pude achar nas considerações, muito competentes, que fez o illustre relator.
Disse o sr. Fradesso da Silveira, que nos contratos houve um equivoco, porque em logar de se referirem a um decreto referiram-se a outro; que em vez de mencionarem o decreto de 1857, de cuja legalidade elle proprio não duvida, fizeram menção de um decreto de 1864, que póde ser posto em duvida na sua força de lei.
A referencia a uma lei não é a condição da legalidade dos contratos, mas sim a existencia da lei. Pouco me importa que o decreto que legalisa os contratos, seja de 1864