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Discurso do sr. deputado Mariano de Carvalho, pronunciado na sessão de 6 de setembro, e que devera publicar-se a pag. 582 do Diario da camara.

O sr. Mariano de Carvalho: — Pedi a palavra para quando estivesse presente o governo, porque desejava fazer algumas perguntas aos srs. ministros do reino e obras publicas. Como ambos estão presentes, posso sem inconveniente usar da palavra.

Quanto ao sr. ministro do reino. Outro dia perguntei se s. ex.ª estava habilitado para responder a uma interpella ção que lhe tinha dirigido a respeito das propinas que pagam os alumnos estranhos aos lyceus, e que vão ali fazer exame. S. ex.ª parece me que disse que não estava habilitado, ou pelo menos não se dignou responder.

Julgo este negocio importantissimo, porque se trata de um imposto illégal lançado por uma portaria.

O governo na sessão que terminou em junho tinha promettido occupar-se d'este objecto, mas como ainda depois de aberta a camara nada tivesse feito a este respeito, entendi que devia apresentar aqui uma nota de interpellação. Esta nota foi mandada para a mesa ha um mez, e até hoje ainda o sr. ministro não deu resposta alguma. Desejava, por isso, que s. ex.ª dissesse á camara quando se póde dar por habilitado para responder a essa interpellação.

Quanto o sr. ministro das obras publicas, tinha chamado a attenção de s. ex.ª para tres negocios. O primeiro era a respeito do serviço do correio para Salvaterra de Magos.

O sr. Ministro da Fazenda: — Já está resolvido.

O Orador: — O illustre ministro diz me que já está resolvido este negocio, e eu agradeço a s. ex.ª a prompta solução.

O segundo é a respeito do deseccamento do paul de Muge.

O sr. Ministro da Fazenda: — Ainda não está resolvido.

O Orador: — O illustre ministro diz-me que ainda não está resolvido, o que sinto bastante. Como não está, de novo chamo a attenção de s. ex.ª para este negocio, que é de summa importancia para aquella localidade.

Aquelle paul tem 250 hectares de area, e o seu proprietario, o sr. duque de Cadaval, promptifica se a dar o dinheiro preciso para aquella importante obra. Emquanto os outros proprietarios têem gosado das obras feitas á custa do estado sem as pagarem como deviam, aquelle promptifica-se a satisfazer o custo da obra. E urgentissimo que o governo attenda a este importante assumpto, porque aquelle paul é insaluberrimo.

O terceiro negocio é saber quando s. ex.ª se dá por habilitado para responder a uma interpellação ácerca da concessão para caminhos de ferro americanos.

Não está presente nenhum dos srs. ministros da justiça nem da marinha, mas tratando de negocios que me parecem ser da responsabilidade de todo o ministerio, chamo a attenção dos srs. ministros presentes sobre o seguinte.

O celebre criminoso João Brandão foi condemnado pelo poder competente a trabalhos publicos na Africa.

Consta-me, por todas as informações que ha em Lisboa, que este homem, que foi por largos annos o terror de duas provincias de Portugal, está livre e commodamente na Cintra de Africa, em Mossamedes.

Desejo que o governo informe a camara de quaes são os motivos que tem para proceder d'este modo, attentando contra a moral publica e contra a independencia do poder judicial, e como que auctorisando crimes de igual especie, porque se os criminosos celebres, condemnados pelo poder judicial a trabalhos publicos na Africa, andam ali livres e como que tomando ares em pontos mis salubres que muitas povoações do reino, estabelece-se um incentivo para novos crimes.

Discurso do sr. ministro da marinha (Mello Gouveia), proferido na sessão de 6 de setembro e que devia ter sido publics do a pag. S3S d'este Diario.

O sr. Ministro da Marinha (Mello Gouveia): — Quando o illustre deputado, e meu amigo, nos ultimos dias da sessão passada, chamou a attenção do governo sobre o favor indecoroso com que se dizia era tratado no ultramar um condemnado por crimes que crearam aqui entre nós uma lenda pavorosa, já eu tempos antes, prevenido pelos clamores da imprensa que denunciava este facto, que ainda n'este momento não sei até que ponto é exagerado, havia escripto ao governador geral de Angola, notando lhe o que se dizia no reino a este respeito, e indicando-lhe o que cumpria fazer para que os decretos da justiça fossem respeitados.

Não disse então isto ao illustre deputado, porque quando respondi aos seus reparos não queria inculcar-me de mais diligente e mais zeloso do que s. ex.ª na defeza dos preceitos da moral e da justiça, quando effectivamente o não sou, e reconheço no illustre deputado um dos mais esforçados paladinos d'estas virtudes (apoiados). Mas o facto é que eu já tinha escripto ao governador geral de Angola o que vou ler á camara e ao illustre deputado.

«Constando n'este ministerio por via de reclamações extra-officiaes, que o condemnado João Brandão, que se acha cumprindo sentença n'c3sa provincia, está residindo em Mossamedes em condições do liberdade e de conforto que desdizem completamente das obrigações penaes da sentença que o condemnou, e a auctoridade administrativa não póde nem deve modificar; manda Sua Magestade El Rei, pela secretaria d'estado dos negocios da marinha e ultramar, que o governador geral da provincia de Angola, averiguando o que ha de verdadeiro n'estas informações, dê as providencias necessarias para que a sentença d'aquelle condemnado seja cumprida no theor e fórma da expiação que ella lhe impoz.

«Paço, em 5 de janeiro de 1871. = José de Mello Gouveia.»

O governador geral de Angola respondeu a esta portaria, dizendo-me que quando tomou posse do governo geral achara o serviço da policia respectivo aos degradados em parte de tal modo irregular que tratou logo de o reparar aonde a emenda era mais urgente; que os degradados, que chegavam do reino á provincia, eram distribuidos pelo governador geral por differentes districtos segundo as necessidades locaes militares, ou de obras publicas, que os validos eram mandados alistar nos corpos da provincia, e os restantes, que não eram inteiramente invalidos, ficavam addidos aos mesmos corpos, e todos se empregavam nas obras publicas segundo as suas disposições physicas ou aptidão mechanica; que tambem era costume dar a esses desgraçados licenças sob fianças, e algumas d'essas licenças erão illimitadas, e por vezes se perdera o vestigio de alguns dos condemnados a quem foram dadas essas licenças illimitadas; que elle mantivera os regulamentos quanto ao alistamento militar, mas que mandára cassar todas as licenças illimitadas e levantára um registo authentico de todos os degradados com o nome, idade, estado, crimes, sentenças, etc..; e que, quanto ao individuo de que se trata, tinha mandado

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que fosse empregado nas obras publicas conforme o teor da sentença e aonde mais necessario fosse ao districto; que lhe parecia que havia alguma exageração no modo por que se contavam as cousas aqui quanto ao conforto e liberdade que esse individuo gosava por lhe parecer que as auctoridades locaes não teriam o arrojo de contrariarem as suas ordens, todavia que não era isso objeção para elle outra vez recommendar, como recommendou, ao novo governador de Mossamedes, que tivesse muito especial attenção com o procedimento d'este individno, e com a obrigação que lhe corria como auctoridade de vigiar que elle cumprisse a sentença condemnatoria como devia ser cumprida.

Depois d'isto, quando eu já tinha estas informações, veiu o illustre deputado fazer um appello ao governo sobre o assumpto; e elle sem embargo de confiar na resposta do governador geral, porque tenho em grande conta a sua probidade, a sua illustração e o seu zêlo por bem servir, para o prevenir contra todas as illusões possiveis dos seus subalternos, expedi-lhe esta portaria que vou ter:

«Copia. — 1.º Repartição. — Manda Sua Magestade El-Rei pela secretaria d'estado dos negocios da marinha e ultramar chamar a attenção do governador geral da provincia de Angola para o que foi dito na camara dos senhores deputados, por um dos seus membros, na sessão de 29 de maio d'este anno, como está notado a paginas 796, segunda columna, da respe3tiva publicação, sobre a fórma de execução que se dá á sentença da relação do Porto, que condemnou o réu João Victor da Silva Brandão na pena de prisão cellular perpetua, e na alternativa em trabamos publicos perpetuos no ultramar; afim de que o mesmo governador geral, tendo em vista o que a este respeito já se lhe recommendou por esta secretaria d'estado, em portaria de 5 de janeiro ultimo, ordene o que cumprir para que a referida sentença, de que deve ter conhecimento pala guia e certidão que acompanharam o condemnado, seja executada em suas disposições sem o favor que denuncia a imprensa periodica, e que o governador geral deve averiguar e fazer cessar, se effectivamente existe, porque escandalisa a opinião, e d'elle se aggravam a moral e a justiça. «Paço em 10 de junho de 1871. == José de Mello, Gouveia.»

Aqui tem v. ex.ª o que o governo determinou a este respeito.

Disse-se aqui por occasião da discussão da resposta ao discurso da corôa, que este criminoso era afilhado do governo, porque o deixava viver em plena liberdade, no meio de todos os commodos da vida, na Cintra dos nossos dominios ultramarinos.

A camara vê o modo como o governo o tem apadrinhado e os favores de afilhadagem que elle lhe deve.

Não, sr. presidente, os criminosos não são afilhados d'este nem de governo algum; mas se este criminoso fosse afilhado de algum governo, nunca se poderia dizer que era do actual, mas d'aquelle que o mandou para a provincia de Angola, podendo manda-lo para os presidios de Bissau ou de Cacheu, ou outro qualquer de Africa oriental; porque tinha para isso fundamento nos crimes e na sentença que era de trabalhos publicos no ultramar.

Parece-me ter respondido ao illustre deputado, e s. ex.ª dirá se se satisfaz com a minha resposta.

Discurso do sr. deputado Pinheiro Chagas, proferido na sessão de 6 de setembro, e que devia ter sido publicado a pag. 555 do Diario da camara.

O sr. Pinheiro Chagas: — O incidente relativo ao necerramento das conferencias democraticas tem tomado uma parte tão importante no debate da resposta ao discurso da corôa, que me julgo por esse facto auctorisado á mandar para a mesa a seguinte moção de ordem, que passo a ler, segundo as prescripções do regimento:, «A camara entende que as circumstancias especiaes, em que se achava a Europa, justificam o procedimento do governo em relação ás conferencias democraticas.»

A portaria, que encerrou as conferencias democraticas, antes de ser discutida n'esta casa, excitou lá fóra, n'uma parto da imprensa o do publico, a mais calorosa e apaixonada discussão. Esta questão tem duas partes completamente distinctas, e n'esse ponto folgo de ver que me encontrei com o illustre deputado o sr. Mártens Ferrão, a cujo notavel talento, vasta instrucção, e elevadas qualidades moraes me comprazo em prestar uma sincera homenagem (apoiados); prestando lhe ainda outra, que é a da franqueza com que declaro tambem que nem sempre estive de accordo com todas as suas idéas, apesar do muito respeito que consagro á sua nobre individualidade.

Esta questão, pois, como muito bem disse o illustre deputado, tem duas faces debaixo das quaes se póde enearar: como social e como legal.

Considerando a debaixo do primeiro ponto de vista, limítamo-nos a observar se as conferencias estavam ou não na orbita da lei. Vista debaixo do outro aspecto, que é mais largo, leva-nos a procurar saber se as conferencias significavam apenas, as aspirações dos prelectores para um futuro mais liberal; se elles, ainda mesmo ultrapassando as barreiras da carta, mostravam desejar que as nossas instituições, seguindo á transformação natural de todas ás instituições humanas, dessem cabida no seu seio a todas as evoluções do progresso, a todas as, conquistas da liberdade.

Foi principalmente debaixo d'este segundo ponto de vista que se encarou, esta questão lá fóra.

Confessava-se em geral que nas conferencias do casino tinham sido atacadas a religião do estado e as leis constitutivas do paiz.

Entendia-se, porém, que os prelectores eram homens de idéas avançadas, liberaes exaltados, homens de futuro, a guarda avançada do exercito, que vae, pelo caminho do progresso, á conquista da Jerusalem do porvir.

Portanto aquelles que combatiam as conferencias democraticas, eram considerados (um pouco desdenhosamente como os defensores, da lei e os mantenedores da ordem mas tambem como homens que vêem no estacionamento, ou talvez na reacção, o ideal supremo das sociedades humanas.

Eu que fui envolto na onda d'estas accusações, eu que fallo hoje pela primeira vez n'um assumpto de certa magnitude, e por isso peço, á camara que se digne escutar-me com a benevolencia que é propria da sua altíssima illustração, preciso de fixar bem quaes são os meus principios politicos, e de procurar demonstrar que me conservei, que me tenho conservado, que espero sempre conservar-me no terreno em que tenho pugnado a prol da liberdade e do progresso, na sua accepção mais ampla e mais rasgada (apoiados).

Qual era o fim das conferencias democraticas?

Podemos suppor que os inteligentíssimos cavalheiros, que as iniciaram e dirigiram, e que se affirmam, que se confessam, que se gloriam de se dizer os precursores dó socialismo em Portugal, se reuniram apenas por mero acaso, por mera coincidencia? Podemos suppor que os outros cavalheiros, que se agruparam em torno d'elles, e muitos dos quaes eram conhecidos como fervorosos adeptos dás idéas socialistas, tambem se juntaram por uma nova coincidencia e por um novo acaso? Não, sr. presidente, como o sr. Mártens Ferrão hontem rios fez sentir pela analyse do programma, pelas confissões dos conferentes, pelas circumstancias que acompanharam, a fundação das conferencias, é fim d'estas prelecções era a propaganda e o proselylismo. Todas as conferencias estavam subordinadas a uma mesma intenção; um dos conferentes applaudia e exaltava é realismo, especialmente porque o considerava a arte posta ao serviço do socialismo; outro, fallando ácerca do ensino, como que via no atheismo a conclusão logica de todas as sciencias humanas, defendendo assim essas idéas atheistas ou nihilistas, que, tanto na escravisada Russia como na França

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apaixonada da liberdade, parecem ser o apanagio de todas as escolas socialistas; outro, emfim, fallando na decadencia da peninsula nos ultimos tres seculos, decadencia infelizmente bem evidente, apresentava como o unico remedio, que podia curar os nossos males, como o unico obstaculo á nossa decadencia, a republica socialista.

Esse mesmo cavalheiro, apresentando-se n'um dos circulos eleitoraes de Lisboa, dava se como o representante em Portugal das idéas republicano-socialistas.

Sr. presidente, seria inutil negai o, não o negam os conferentes, e eu folgo em me associar ao elogio que o sr. Mártens Ferrão fez aquelles cavalheiros pela franqueza e denodo com que se apresentaram. Eu combato as doutrinas socialistas, mas respeito as convicções sinceras. Entendo que as doutrinas socialistas são altamente funestas, mas louvo muito o brio e independencia com que estes cava- lheiros sustentam e affirmam as suas opiniões (apoiados). E esse portanto um facto incontestavel; o fim das conferencias era a propaganda republicano-socialista.

Eu respeito o partido republicano, como qualquer outro partido. Não me assusta a republica, existe em muitos paizes que prosperara com ella, como outros prosperam com a monarchia constitucional (apoiados). Entendo que a monarchia constitucional e a republica não estão hoje frente á frente, como estiveram outr'ora o absolutismo e a liberdade (apoiados).

Desde o momento em que as instituições sejam anima-las pelo espirito liberal, que é o espirito do seculo XIX, que é o espirito do progresso, que é a conquista já hoje inalienável da civilisação, entendo que as formas do governo dependem exclusivamente da indole e das circumstancias especiaes dos povos a que se devem applicar (apoiados).

Não me parece que a monarchia constitucional seja o symbolo exclusivo da ordera, nem que seja a republica a uoica formula possivel da liberdade. A Suissa póde dar austeros esernplos de respeito á lei a muitas monarchias europeas. A Belgica é a Inglaterra podem dar Üçõjs de pratica de liberdade a todas as republicas do mundo. Que haja um partido que adore a fórma republicana não é cousa que eu estranhe, nem que me assuste; que suppoham porém que a passagem do constitucionalismo para a republica seja um progresso tal que mereça é holocausto de innúmeras victimas humanas, o derramamento de torrentes de sangue, é um erro crassissimo que a historia se encarrega de reffutar.

Sera remontarmos á antiguidade vemos que na idade media á Italia estava retalhada em republicas, sem que d'ahi se possa deduzir que a Italia da idade media vence era progresso a Europa do seculo XIX. A Suissa é republica ha seculos, sem que por isso se possa dizer que a Suissa se eximiu á lei geral do progresso da humanidade. Veneza tambem foi republicana, mas não supponho que os subditos venezianos de el-rei Victor Manuel suspirem hoje pelo tempo dos doges (apoiados).

A republica mais illustrada do mundo, á dos Estados Unidos da America, teve durante um seculo no seu seio uma população de escravos, como a teve durante cincoenta anhos a monarchia constitucional do Brazil. E, se hontem na grande republica da America do Norte se realisou essa grande evolução liberal da abolição da escravatura, está-se realisando hoje na monarchia constitucional do Brazil. Caminham ambas a par, e a differença nas formas do governo não coarcta, nem modifica as conquistas da liberdade (apoiados).

Mas o socialismo, esse considero o como um partido altamente nefasto e perigoso; entendo que devemos defender a liberdade contra o socialismo, como a temos defendido contra a reacção (apoiados).

Em Portugal, por uma illusão estranha, ou talvez pela falta de estudo das grandes questões que agitam as sociedades, consideram-se como tentativas reaccionarias simplesmente os manejos clericaes. Para uma parte da imprensa e do publico, que são aliás sinceramente amigos da liberdade, é tido como liberalissimo tudo o que não é neo-catholico, tudo quanto é contrario ao catholicismo. Por essa fórma estão expostos a ser considerados corao reaccionarios aquelles que atacarem o Alcorão. Com muito mais rasão aquelles que atacara o socialismo, que inscreve na sua bandeira o motto republicano, são taxados de reaccionarios ou pelo-menos de conservadores. Oh! sr. presideate, que estranha logica esta! Pois, quando eu na imprensa defendi a familia contra o ascetismo catholico, levantou-se contra mim o coro indignado da reacção; e, hoje que eu defendo a familia contra o socialismo que a supprime, dizem que passei para o ini migo... Não, sr. presidente, combato o mesmo inimigo debaixo de outra fórma, defendo ainda a liberdade por outro modo atacada. Eu combato o socialismo, especialmente porque entendo que o socialismo é uma reacção...

Oh! sr. presidente, quando nós, liberaes o progressistas, caminhámos invocando todas as liberdades, desejando que a iniciativa individual seja cada vez mais desaffronta la da acção do governo, entendendo que as grandes questões sociaes só a liberdade a» póde resolver, vem o socialismo oppor ao livre debate, ao livre trafico, á livre concorrencia os seus despóticos regulamentos; vem o socialismo fanatico e sonbrio despertar emfim todas as velhas tyrannias, todas as oppressões do passado.

Sr. presidente, como os ministros das velhas monarchias, como os homens do antigo regimen, o socialismo quer reconstruir a sociedade era bases artificiaes e violentas (apoiados).

Eu entendo que despotismo e liberdade são duas palavras, que tem uma significação clara e precisa (apoiados). Que me importa que me digam que o socialismo escreveu na sua bandeira a abolição do proletariado, e a extincção do pauperismo? Não ha governo, por mais cruel, por mais despotico, por mais inflexível que seja, que não declaro que só trabalha por conseguir o bem dos povos. Os fins são os mesmos, nos meio3 para os conseguir é que está a diffe- rença entre o despotismo e a liberdade. Eu combato o despitismo debaixo de todas as formas, só a liberdade applaudo (apoiados).

Em tudo se mostra a antinomia da liberdale e do socialismo; a liberdade considera 1789 como a sua aurora radiosa, o socialismo considera 1789 como uma data nefasta, como uma nuvem negra no horisonte da humanidade; a liberdade quebrou com a sua mão poderosa todos os privilegios, o socialismo só privilegios quer recompor; a liberdade apagou todas as distincções entre as classes; o socialismo faz da classe operaria, que põe em antagonismo com todas as outras, uma especie de aristocracia do trabalho manual (apoiados).

Sim, sr. presidente, sustento esta phrase que me parece verdadeira; se nós attendermos á fórma da aristocracia na idade media, veremos que então a guerra era a unica occupação que se julgava digna do homem. Os que se occupavam n'outros misteres, os servos que regavam com o suor do seu rosto a gleba a que estavam adscriptos, os scismadores que aravam o campo infinito do pensamento, eram o? zangãos d'aquella bellicosa colmeia. Agora succede o mesmo. Os trabalhadores do pensamento são os ociosos e os exploradores, os explorados são os trabalhadores do trabalho manual.

Então dizia-se á velha aristocracia — vós sois a força, porque sois a destreza nas armas, o habito da guerra, a arte militar, logo assenhoreae-vos de tudo; hoje diz se aos operarios —vós sois a força, porque sois o numero, logo tudo é vosso.

Tem o socialismo todos os caracteres de reacção, um inquerito que se abriu ha pouco tempo em Inglaterra ácerca das trade's unions, essas associações socialistas de operario?, veio trazer á luz da publicidade as mais espantosas revelações. Soube-se que ali a maxima jesuítica de que os fins justificam os meios, era maxima completamente aceita e reconhecida. Soube-se que ali não se recuava diante do em

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prego das medidas mais violentas e atrozes para obrigar os operarios a tomarem parte nas greves que tanto mal fizeram á industria.

A maxima jesuítica de obediencia passiva estava estabelecida n'aquellas associações operarias, que serviram de modelo á internacional. Nós bem vimos que, quando a communa estabeleceu em París o seu imperio despotico, a primeira cousa que fez foi supprimir todas as liberdades, que a republica de 4 de setembro mantivera entre os horrores e as difficuldades do bloqueio prussiano.

Os proprios propagandistas do socialismo se encarregara de confessar as suas tendencias para o despotismo. N'um dos brilhantes discursos que captívaram a attenção da camara, proferidos pelo illustre deputado, o sr. Dias Ferreira, a cujo talento eu presto uma sincera homenagem; n'um d'esses discursos disse s. ex.ª, que «a palavra ordem era muitas vezes aquella que encobria as tentativas tyrannicas, e que a repressão da anarchia era o pretexto para todos os vexames do poder». Isto é uma grande verdade. Muitas vezes assim tem sussedido. Todos nós conhecemos a celebre phrase — a ordem reina em Varsovia. Não são poucas as phrases d'esse genero com que os partidarios do despotismo costumam colorir, n'esta epocha liberal, as suas arbitrariedades. Entre ellas póde figurar esta, que se encontra textualmente n'uma das prelecções dos talentosos conferentes.

«necessario oppôr o trabalho organisado á cega anarchia da concorrencia!»

Mas era tambem para debellar a cega anarchia da concorrencia, que o marquez de Pombal estabelecia a companhia dos vinhos do Alto Douro, e que mandava enforcar aquelles que se revoltavam contra os privilegios d'essa companhia (apoiados); era tambem para debellar a cega anarchia da concorrencia, que o marquez de Pombal estabelecia a companhia de navegação e commercio do Grão-Pará e Maranhão, e mandava prender os peticionarios da mesa do Bem Commum, que requeriam a El-Rei contra os privilegios da companhia; era, emfim, para debellar a cega anarchia da concorrencia, que as velhas sociedades nos legavam todo esse acervo de privilegios, cuja extincção foi uma das primeiras glorias da revolução liberal (apoiados).

Não sou eu, pois, que declaro que o socialismo é apenas uma fórma da reacção; são elles que, entendendo que se devedebellar a cega anarchia da concorrencia, Se proclamam assim os ordeirões da economia politica.

Ha mais um facto que prova bem que as tendencias socialistas não são por fórma alguma as de uma verdadeira evolução liberal, e é que o socialismo, tendo-se manifestado em França por tres grandes revoltas, sempre contra a republica liberal é que se tem erguido.

Em 1794, quando, depois da queda de Robespierre, a França começava a applicar as instituições liberaes, que lhe conquistara a sua immortal revolução, levantou-se contra ella a revolta socialista de Baboeaf. Era 1818, quando a França decretava o suffragio universal, quando, arriscando se ao uso d'essa arma perigosa, por mãos inexperientes, dava a todos os cidadãos a garantia e o direito de intervirem nos negocios publicos, o socialismo, que aceitára submisso o primeiro imperio; que não incommodára a restauração reaccionaria, que principiara a agitar-se durante a monarchia liberal dos Orleans, ergueu-se nos dias terriveis de junbo contra a segunda republica. Applacou-se de novo durante o segundo imperio, mas, apenas surgiu no horisonte o sol da terceira republica, lá se ergueu outra vez o socialismo armado, provocando a medonha conflagração da communa de París.

Oh! sr. presidente, por que singular coincidencia ha de ser sempre contra a bandeira republicana que o socialismo ha de erguer o seu pendão de violencia? Por que ha de ir sempre a revolta socialista consolar no exílio as tyrannias demolidas? Por que ha de ser sempre o socialismo o tácito alliado da reacção? E porque o socialismo e a reacção são igualmente incompativeis com o espirito liberal; e porque o socialismo e a reacção, ambos filhos das trevas, não podem supportar o claro esplendor da liberdade (muitos apoiados)

E chamam-se reaccionarios aquelles que atacam o socialismo!... Reaccionários são todos elles, ultramontanos e socialistas; vermelhos são todos elles, socialistas e ultramontanos, porque os illumina com a mesma côr sinistra, com a mesma côr de sangue, a labareda dos incêndios de París e a chamma lugubre das fogueiras da inquisição (apoiados: — Vozes: — Muito bem). Uns accendem as fogueiras em nome de Deus, os outros ateiam os incêndios em nome da liberdade, mas todos calumniam a liberdade e Deus (apoiados)

Eu sei bem que os illustres deputados censuram commigo o socialismo; ouvi os repetidos protestos que fizeram de que, atacando a portaria da 26 de junho, pretendiam unicamente garantir o direito, que assiste a todo o cidadão, de exprimir livremente o seu pensamento; todavia pareceu-me que seria utils assentar bem estas idéas, porque em Portugal é difficil raciocionar-se em abstracto; em Portugal é se considerado como reaccionario, ou como liberal, não quando se atacou-se:defende um certo direito, mas por se defenderem ou se-atacarem-as doutrinas cuja propagação esse direito garante; d'isto posso eu dar a v. ex.ª um exemplo.

Quando eu abri os olhos á luz do pensamento e da reflexão, entendi, com a maior ingenuidade, que todas as liberdades, a liberdade de ensino, a liberdade de associação; a líberdade de,cultos, eram as consequencias necessarias das liberdades que a carta, nos garante.

Mas vieram.a imprensa e a tribuna, a imprensa e a tribuna liberal, e disseram-me. Não n´um paiz onde os padres, até os, menos illustrados, principalmente os menos illustrados, exercem uma, influencia immensa, a liberdade de cultos 8eria a victoria immediata da reacção!

A liberdade, de ensino significaria irmos entregar as novas gerações á influencia reaccionaria, irmos inocular do espirito infantil o germen do ultramontanismo! A liberdade de associação significava restabelecimento dos con- ventos, com toda a sua influencia nefasta, e com todas ás difficuldades que trouxeram ao desenvolvimento morais e material do paiz! A liberdade suicidar-se ía se quizesse applicar em toda a sua extensão o seu proprio principio.

Liberdade tambem para a liberdade, clamava n'esta casa; o sr. Mendes Leal, que 8Ínto,que não esteja presente, para nos esclarecer com o seu talento e a sua-vastíssima ilustração.

Era isso na célebre questão das irmãs da caridade.«Queremos liberdade de ensino, dizia um partido, n'esta casa», Reaccionário! respondiam-lhe.

«Não recuamos diante da liberdade de cultos!» Rèaccíonarrios!

«Entendemos (phrase textual do parecer dá commissão de instrucção publica em 1862) que n'um governo livre ás leis de repressão devem ser fortes, as de prevenção cautelosas». Reaccionário, dizia-se lhe ainda.

Na sessão de 10 de maio de 1862 houve n'esta casa um dialogo curioso entre o sr. Mendes Leal e o sr. Casal Ribeiro. Note v. ex.ª que eu não tenho a honra de conhecer pessoalmente o sr. Casal Ribeiro, fallei-lhe apenas uma vez, e supponho que elle nem sabia quem eu era. Não sei, portanto, quaes são as suas opiniões pessoaes, tiro apenas, as consequencias ao que vejo aqui escripto:

«O sr. Mendes Leal: — O projecto da –Austria dîspõe no seu artigo 23.º a lei concede-a todas as igrejas e sociedades religiosas um direito igual. Não ha religião privilegiada para o estado.»

«O sr. Casal Ribeiro: — Apoiado.

«O Orador: — Apoiadissimo, acrescento eu. Mas o artigo 6.° da nossa carta constitucional diz o seguinte:

«Art. 6.° A religião catholica apostolica romana continuará a ser a religião do reino. Todas as outras religiões serão permittidas aos estrangeiros (aos estrangeiros sómente,

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aos portuguezes não) com seu culto domestico e particular em casas para isso destinadas, sem fórma alguma exterior do templo.

«Esta com effeito é a questão (muitos apoiados)

«O sr. José Estevão: — Apoiadissimo.

O Orador: — Como quer o illustre deputado comparar a sua liberdade de cultos (tendo por base tal restricção) com essa effectiva liberdade n'aquelle estado permittida? (Apoiados).

«O sr. Casal Ribeiro: — Leia o artigo 144.° da nossa carta constitucional.

«O Orador: — Não destroe o que citei. Apresente s. ex.ª um projecto para revogar o artigo 6.° da mesma carta (apoiados repetidos), e poderá sobre a liberdade de cultos fundamentar a proposta para a liberdade de ensino (apoiados) tal como a inculca. Antes d'isso não.

O sr. José Estevão: — Ahi é que está a questão.»

O Orador: - Sr. presidente, se as conferencias democraticas se podem considerar ensino, como o sr. Mártens Ferrão me parece que demonstrou, não precisâmos, de outro argumento para condemnar a continuação das conferencias, que não sejam aquelles do que se serviu o partido, que dizia defender as idéas liberaes mais avançadas em 1862.

Sr. presidente, eu sou uma das pessoas que n'esta casa menos podem ser accusadas de querer fazer a reacção; estou entre os reaccionarios em muito pouco cheiro de santidade.

O sr. Osorio de Vasconcellos: — Apoiado.

O Orador: — Mas, sr. presidente não posso admittir que as doutrinas racionalistas e atheistas tenham privilegios, que parecem conceder lhes as honras de ensino sem-official. Seria até uma, grave injustiça essa distincção entre opiniões que são irmãs gemeas, porque, se o atheismo nega a existencia de Deus, o neo catholicismo renega as palavras de Christo (apoiados); se o atheismo supprime Deus, o catholicismo ultramontano faz mais, calumnia-o (apoiados).

Mas, sr. presidente, o atheismo e o racionalismo têem entre nós os mais singulares privilegios; os governos impedem a propaganda protestante, mandam fechar as casas onde essa propaganda se intenta, sem que ninguem por isso os accuse. O sr. Barros e Cunha acaba de mostrar que as leis nos consentem a livre communicação do pensamento por palavra e por escripto, e prendem se ahi a cada passo homens que vendem Biblias protestantes!

Pois, sr. presidente eu, apesar de saber que effectivamente a lei não permitte a venda d'essas Biblias, confesso que me incommoda, que me irrita este resto das antigas perseguições religiosas, perseguições dirigidas contra livros, que nada têem de certo de subversivo.

Mas sr. presidente, muitos illustres deputados entendem que nas conferencias se exercia o direito de reunião. Debaixo d'este ponto de vista, eu, que respeito muito o honrado partido historico, tinha já as minhas opiniões assentes em vista das idéas apresentadas por esse partido na Gazeta do povo, que é o seu orgão na imprensa.

Dizia este jornal, quando se publicou a portaria de 26 de junho.

«Discute a imprensa politica a portaria do ministerio do reino, que prohibiu as conferencias do casino. Quanto a nós, este assumpto, não vale a importancia que se lhe tem attribuido.»

Vozes: — Ouçam.

O Orador: — «O direito de reunião, sanccionado nas nossas leis, carece de ser claramente regulamentado. Ha, no tocante a este assumpto, grandes lacunas que importa preencher. É preciso definir expressamente os casos em que as reuniões publicas podem ser dissolvidas, e a fórma da execução das providencias governativas. Emquanto se não regular essa materia, desejâmos que os governos sejam antes reprehendidos por tolerantes e brandos, do que por severos e exageradamente escrupulosos.»

É verdade que ha uma attenuante. A Gazeta do povo, de 3 de setembro, diz:

«O decreto com força de lei de 15 de junho de 1870 é expresso, determinando ampla liberdade de reunião»

Ora, qual das opiniões é a definitiva? A 29 de junho a Gazeta do povo affirma que a lei de 15 de junho de 1870 não está claramente regulamentada; a 3 de setembro assevera que esse decreto com força de lei é lucido e expresso. (Interrupção do sr. José Luciano de Castro.)

Peço desculpa; o partido de que s. ex.ª é um dos mais dignos chefes, declarando que antes queria que o governo fosse tolerante e benevolo do que severo, reconheceu lhe por esse facto o direito de ser severo ou de ser tolerante. Se s. ex.ª me afiança que prefere que eu vá para a direita, antes do que para a esquerda, por esse facto me reconhece o direito de ir para a esquerda ou de ir para a direita (apoiados).

O sr. Santos e Silva: — Eu hei de trazer para aqui a Revolução de setembro.

O Orador: — S. ex.ª fallou em nome do partido historico e assumiu portanto á responsabilidade das opiniões d'esse partido. S. ex.ª sabe quanto eu o prezo, quanto admiro o seu grande talento o as suas altas qualidades, mas se eu quizesse aproveitar esta vantagem accidental, podia lembrar que s. ex.ª disse no seu discurso que «a portaria que encerrou ás conferencias e a portaria de 1845 eram irmãs gemeas»; ora, como o partido historico julgava aquella pouco importante, eu podia d'ahi deduzir que tambem não considerava muito importante a portaria nefasta que legalisava as violencias eleitoraes; mas não o faço, porque eu sei bem que o partido historico é liberalissimo, e que s. ex.ª, é um dos homens mais liberaes d'esta casa e d'este paiz.

Permitta-me tambem v. ex.ª, sr. presidente, que eu faça algumas observações com referencia aos illustres deputados membros do partido reformista, que n'esta casa atacaram com bastante vehemencia a portaria, que mandou fechar as conferencias do casino. S. ex.ªs apoiaram o ministerio, em que tinha a pasta do reino um cavalheiro tão illustrado como era o sr. bispo de Vizeu, digno chefe d'esse partido, que se diz o mais avançado, e comtudo o sr. bispo de Vizeu praticou um acto similhante aquelle, por cuja causa é hoje o sr. marquez d'Avila vigorosamente accusado.

Em fevereiro, do corrente anno findára a guerra entre a França e a Prussia. Caíra París depois de uma resistencia heroica de quatro mezes.

Aquella catastrophe tinha impressionado muito os espiritos da Europa, que haviam seguido até ahi com a vida curiosidade as varias peripecias d'aquella luta. Representava se no theatro do Principe Real um drama intitulado o Cerco de París, em que supponho que era bastante exaltada a heroicidade da França.

O sr. bispo de Vizeu, receiando que a representação d'aquella peça agitasse os animos e perturbasse a ordem publica, mandou fechar o theatro.

Oh! sr. presidente, pois o direito da manifestação do pensamento sob a fórma dialogada é menos digno de respeito do que sob a fórma de prelecção?

O sr. bispo de Vizeu póde então mandar fechar o theatro unicamente porque imaginou, suspeitou que haveria desordens. (apoiados).

Uma voz: — Já as tinha havido.

Vozes: — Lá estavam os tribunaes.

O Orador: — Tambem nas conferencias estava para as haver. Foram os proprios conferentes que assim o declararam, e eu tenho idéa que em fevereiro os jornaes sustentaram que no theatro não tinha havido cousa alguma. Em todo o caso o sr. bispo de Vizeu mandou fechar as portas do theatro, não pelas desordens que houvera, mas pelas que receiou que sobreviessem depois; e o sr. marquez d'Avila, que sabia perfeitamente que estava para haver perturbação

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da ordem publica, como confessaram os proprios conferentes, e...

O sr. Thomas de Carvalho: — Não sabia que os conferentes tinham relações com o sr. marquez d'Avila, para lhe confessarem que havia de haver desordem.

O Orador: — Perdão; sabiam-n'o os conferentes, e o governo sabia-o tambem.

Uma voz: — Então o governo sabia-o?

O Orador: - É claro que se os conferentes, contra quem se preparavam as desordens, tinham comtudo conhecimento d'ellas, não admira que o governo, com a policia á sua disposição, estivesse igualmente informado; mas sabia o toda a gente; sabia-o eu até, tanto que preveni o conferente, de quem sou amigo, de que naturalmente teria que soffrer alguma cousa...

O sr. Osorio de Vasconcellos: — Queria livra-lo do martyrio.

(Interrupção do sr. Thomás de Carvalho, que se não percebeu.)

O Orador: — Se o illustre deputado, o sr. Thomás de Carvalho, quer defender o sr. bispo de Vizeu, eu cedo-lhe já a palavra.

O sr. Thomás de Carvalho: — E porque não? Tambem v. ex.ª está defendendo o sr. marquez d'Avila.

O sr. Osorio de Vasconcellos: — Rejeito o parallelo.

O sr. Presidente: — Pedia ao sr. Thomás de Carvalho que não interrompesse, e ao orador que não desse tanta attenção ás interrupções.

O Orador: — Sr. presidente, a consideração e amisade, que tenho pelo sr. Thomás de Carvalho, levam me a responder aos ápartes, que s. ex.ª me dirige.

O sr. Presidente: — A amisade do sr. deputado ao sr. Thomás de Carvalho não é motivo para que se infrinja o regimento. A amisade fica da mesma maneira.

Peço-lhe que tenha a bondade de evitar os dialogos.

O Orador: — Sr. presidente, permitta v. ex.ª que eu insista ainda n'este ponto.

O sr. bispo de Vizeu não fez o que os illustres deputados reformistas, que tanto defendem a liberdade de pensamento, queriam que o governo fizesse: não o fez, e nem por isso elles deixaram de apoiar o ministro que tinha tomado esta medida preventiva.

Oh! sr. presidente, seria porque os pobres actores, que estavam demais a mais em deploraveis circumstancias, para quem a receita do bilheteiro era a garantia unica da subsistencia do dia seguinte, seria porque os pobres actores não tinham voz eloquente que os defendesse no parlamento, pennas doiradas com que escrevessem aos ministros cartas violentas? Seria ainda porque a peça, que se representava, era um pobre drama escripto em linguagem rude e chã, que defendia idéas generosas, mas que não preoccupavam os espiritos, ao passo que as prelecções do casino, feitas por estylistas distinctos, e cavalheiros intelligentes, conquistavam rapidamente a voga e a attenção publica?

É possivel que aspira seja, mas n'esse caso eu só tenho a lamentar que os direitos e as garantias dos cidadãos estejam assim á mercê dos caprichos da popularidade (apoiados).

Sr. presidente, eu tenho visto n'esta questão que os illustres deputados combatem unanimemente as idéas expostas pelos prelectores do casino, concordam em que essas idéas são perigosas e altamente reaccionarias; comtudo dizem — isso não é comnosco, é com o poder judicial; o poder executivo exorbitou, resolvendo questões que só aos tribunaes competem.

Sr. presidente, sou novo na vida politica, não posso apreciar bem talvez estas questões de competencia, mas apresento a minha opinião tal qual é. O poder judicial, entendo eu, racciocina n'uma esphera muito alta, completamente independente de todas as circumstancias politicas, que podem tornar um facto, que seja, no curso habitual da vida das nações, um facto legal, podem torna-lo, digo, perigoso e censuravel.

As nações mais liberaes, como vou mostrar, v. ex.ª, não deixam de dar ao poder executivo em alguns casos uma certa latitude, impondo-lhe sempre gravissima responsabilidade.

A responsabilidade deve ser gravissima, repito, porque é uma questão muito seria a questão da garantia dos direitos individuaes; mas o que não posso admittir é que n'esses casos excepcionaes o parlamento diga — não quero apreciar a questão, vá para o poder judicial.

(Interrupção do sr. Mariano de Carvalho.)

Eu vou dar um exemplo a v. ex.ª; não foi pelo menos assim que procedeu o parlamento inglez ha pouco tempo.

Estava para haver um meeting em Dublin... (não sei se foi a este facto que se referiu o sr. Mártens Ferrão); estava para haver um meeting em Dublin, para se pedir a soltura dos fenians, o governo prohibiu o meeting. Veiu á camara dos communs a noticia do acontecimento, a camara não esteve de accordo com o governo; entendeu que elle não tinha rasão para prohibir o meeting; mas não lhe disse — vá para o poder judicial; e isto em Inglaterra, onde o poder judicial é mais forte do que em parte alguma. Tomou conhecimento, do facto, mandou uma commissão inquirir; e depois procedeu na conformidade da sua competencia, e votou, segundo creio, uma moção de censura.

Ha um outro facto que eu deploro; e digo isto sem querer fazer censura alguma aos actos que se praticam nas outras nações, e é o que se deu ha pouco tempo na Belgica, ácerca, da expulsão de Victor Hugo Eu deploro este facto, repito.

O sr. Sant'Anna e Vasconcellos: — Apoiado.

O Orador: — Sejam quaes forem os erros de Victor Hugo, lamento que o poeta, que é um dos grandes luminares d'este seculo, vagueie proscripto e sem lar atravez das nações que tem deslumbrado com o seu genio; mas em fim é um facto que se passou na Belgica, onde se respeitam, mais do que em parte alguma, as formulas liberaes. Ali não se mandou a questão para o poder judicial, o poder executivo é que tomou a decisão com a sua responsabilidade perante o parlamento.

O sr. Osorio de Vasconcellos: — Victor Hugo fôra para lá conspirar.

O Orador: — Eu podia responder a s. ex.ª que, pelos trechos que o sr. Mártens Ferrão nos leu, e em que se revelam as opiniões dos prelectores ácerca da nossa nacionalidade, a propaganda do casino era uma verdadeira conspiração contra a idéa de patria; mas fui buscar este facto, não porque seja analogo aos das conferencias, mas porque mostra como n'uma nação, onde não é uso postergarem-se as formulas liberaes, se dá, em casos excepcionalissimos; e com a responsabilidade parlamentar, uma certa latitude á acção administrativa.

Repito, entendo que os direitos individuaes que a carta nos marcou devem ser altamente respeitados por todos os governos, e, quando as circumstancias os obriguem a contrariar alguns d'esses direitos, a sua responsabilidade, perante o parlamento, é grave e altissima.

Mas é necessario que a camara veja, debaixo d'estes simples factos, um questão importante, que agita actualmente a Europa; é necessario que perceba que nós temos de lutar agora contra a reacção demagogica, como tivemos de lutar em outro tempo contra a reacção ultramontana.

N'essa occasião José Estevão, fallando aqui sobre o assumpto de liberdade de ensino, dizia:

«Que liberdade é esta! Pimpona e valentona é que á querem! Está a liberdade muito tranquilla em sua casa, e vem a reacção e diz lhe — venha cá para fóra e vamos a ver quem vence!»

Agora podia elle pronunciar de novo estas palavras. Agora elle comprehenderia que tambem, para salvar a liberdade, seria necessario impor á liberdade de propagando essa limitação temporaria, occasional e fortuita, em que

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fallou o sr. Mendes Leal, e que é a unica admissivel nos paizes liberaes.

O sr. Presidente: — Lembro ao sr. deputado, que deu a hora; mas, se quer continuar por algum tempo, e se a camara accede a isso (Vozes: — Falle, falle.) póde continuar.

O Orador: — Tenho de seguir no resto do meu discurso uma ordem de idéas tão diversa da que segui até aqui, que prefiro pedir a v. ex.ª que me reserve a palavra para a sessão seguinte.

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