1713
DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
Fizeram-se exercicios de brigada na primavera o outomno; mas o que eu sei é que os officiaes do estado maior tinham que andar a pôr os soldados á mão! Como havemos de fazer exercicios do brigada, composta do regimentos, se estes não têem os devidos exercicios? Como hão de ser uteis os exercicios de batalhão, sem haver exercicios para as suas unidades tacticas? Não é possivel instruir assim! (Apoiados.)
(Pausa.)
Sr. presidente, estou extremamente fatigado, e sinto-me obrigado a terminar.
Espero que o sr. presidente do conselho responda á pergunta que lhe fiz, embora não seja n'este momento, mas em outra occasião, porque é natural que s. ex.ª tenha ainda necessidade de tomar parte na discussão do orçamento do ministerio da guerra.
N'estas considerações que acabo de fazer, referi-mo aos actos da administração do nobre ministro da guerra, e não á pessoa do sr. Fontes, porque na minha mente não houvo a intenção de fazer qualquer censura de caracter pessoal; mas se por acaso, e não se tomo isto por culto á rhetorica, proferi alguma palavra que possa offender s. ex.ª, eu immediatamente a dou como retirada, como faria a respeito de qualquer outro membro d'esta assembléa.
A v. ex.ª e á camara tenho a honra de agradecer a extrema benevolencia e lisonjeira attenção com que me escutaram.
Tenho dito..
Vozes: — Muito bem, muito bem.
(O orador foi comprimentado por quasi todos os srs. deputados presentes.)
O sr. Pereira Leite: — Requeiro a v. ex.ª que consulto a camara sobre se julga a materia d'este capitulo sufficientemente discutida.
Resolveu se affirmativamente.
Posto a votos o capitulo 6.° foi approvado.
Entrou em discussão o
Capitulo 7.º— Officiaes em disponibilidade e
inactividade temporaria................ 25:668$000
O sr. Mariano de Carvalho: — A camara tem presenciado como tenho assistido silencioso á discussão do orçamento do ministerio da guerra; e não tomaria a palavra n'esta occasião se não julgasse necessario pedir ao sr. ministro da guerra que desse explicações categoricas e precisas sobre alguns pontos que vou expor á camara.
Procurarei limitar as minhas observações, porque comprehendo que a camara está impaciente e creio que impacientíssima por votar o orçamento do ministerio da guerra.
Antes, porém, de expor em muito breves palavras o que desejo' submetter á consideração da camara e do governo, não posso deixar de felicitar o illustre orador que me procedeu pela sua brilhantíssima estreia. (Apoiados.)
Eu já conhecia s. ex.ª dos bancos das escolas. Tinha começado ha já algum tempo a apreciar e a admirar os seus grandes talentos e os seus habitos de estudo, e por isso lastimava que uma modestia, que não podia deixar de considerar menos bem cabida, o impedisse de tomar a palavra n'esta assembléa.
S. ex.ª acaba de dar provas de possuir os mais apreciaveis dotes parlamentares, e para bem do paiz e do parlamento é necessario que nos não prive por mais tempo de ouvir a sua palavra auctorisada. (Apoiados.)
Agora sem mais considerações, embora o meu espirito me levasse para outro ponto, vou entrar nas brevissimas reflexões que tenho a fazer.
Eu não procuro descrever á camara qual é a minha opinião ácerca do estado do exercito portuguez. A descripção d'esse estado fel a, melhor do que eu a poderia fazer, o illustre deputado, o sr. Goes Pinto, e fêl-a com uma grandissima auctoridade o illustre deputado da maioria, o sr. Sá Carneiro. (Apoiados.)
Não me canso, portanto, a desenrolar perante a camara o painel de lastimas que é toda a organisaçao militar portugueza, mas atrevo-me a dizer sem receio, que o governo, depois de oito annos do administração plácida, tranquilla, pacifica o nas condições mais favoraveis que o paiz tem desfructado desde 1852, tem o exercito em taes condições que, se o paiz precisasse pôr ámanhã em pé do guerra, já não digo um corpo do exercito, mas uma divisão, não o podia fazer. (Apoiados.)
E não o podia fazer, porque ao exercito falta a instrucçâo, e sobretudo falta um elemento importantissimo, um elemento sem o qual nos tempos modernos não póde haver organisaçao militar; falta-lhe a administração.(Apoiados.)
Se o ministerio da guerra quizesse pôr ámanhã em pé de guerra um corpo do exercito, corria o risco de que os soldados soffressem as mais duras privações o chegassem á frente do inimigo defecados pela fome. (Apoiados.)
É excellente fazer desfilar pelas ruas de Lisboa 120 canhões.
Isto arma ao effeito, seduz os espiritos superficiaes, faz acreditar aos que não estudam com uma certa profundeza estes assumptos, que a grandeza está provada por estas apparencias ostentosas; mas por detrás de tudo isto o que está é o facto tristissimo de que, se porventura para este paiz soasse uma hora de angustia, e a nação precisasse acudir pela sua honra, por maior que fosse o seu patriotismo, ella não estava habilitada a manter illeza essa mesma honra.
Não ha ninguem que affirme que estamos em circumstancias de nos podermos defender de uma aggressão violenta que qualquer nação se lembrasse de nos fazer.
D'esta gravissima responsabilidade não se lava o sr. Fontes Pereira de Mello, nem perante o parlamento, nem perante a nação.
Se ámanhã as complicações europeas, como esteve para succeder durante a guerra do Oriente, ameaçassem este paiz de um perigo serio e grave, não era de certo bastante para robustecer no espirito dos seus habitantes a idéa da resistencia, a declaração do sr. ministro da guerra e presidente do conselho, de que esperava a elevação dos seus adversarios ao poder para os applaudir nas medidas do melhoramento do exercito.
O triste facto é este, e eu provoco quem quer que seja, o sr. ministro da guerra, os srs. generaes Sá Carneiro o Almeida Macedo, que me ouvem, os officiaes de todas as armas, e todos quantos me escutam a que me digam, com a mão na sua consciencia, se Portugal tem hoje os meios defensivos que a sua população, o seu territorio, a sua riqueza e a eventualidade dos perigos exigiam que tivesse.
Não os tem, e digo isto sem querer fazer censuras, nem dirigir-me mais a estes do que áquelles homens politicos, não podendo, comtudo, deixar do reconhecer que a responsabilidade principal pertence a quem em mais propicias circumstancias e por mais tempo tem governado. (Apoiados.)
A fallar a verdade, se é bom ter 120 bôcas de fogo, se é bom augmentar o batalhão de engenheiros com mais duas companhias, é bom tambem termos mineiros e pontoneiros, e muitas outras cousas de que necessitámos.
Nós temos armas que podem ser boas ou más, e não discuto agora esse ponto, mas não temos quem saiba servir se d'ellas, e esta falta não provém dos soldados, porque, diga-se a verdade, dificilmente se encontrarão em qualquer paiz soldados que sejam mais patriotas, mais pacíficos, mais soffredores e mais susceptiveis de ensino do que os nossos, e se não aprendem é porque não têem quem os ensine.
Diz o sr. ministro da guerra que não póde ter menos do 23:000 homens em pé de paz, e que mesmo com este numero se torna difficil dar instrucçâo ao exercito, porque a força dos corpos está disseminada e dividida em destacamentos.
Sessão nocturna de 13 do maio de 1879