1714
DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
De maneira que querem ter um exercito de 23:000 homens e dizem que não têem gente para a instrucção e para o serviço; mas um estrangeiro que ámanhã desembarcar no Terreiro do Paço, dirá sem duvida que nós somos um paiz essencialmente militar, ou ficará julgando estar em uma praça forte em tempo de guerra, porque logo ao desembarcar, encontra uma sentinella á estatua do Senhor D. José 1, por baixo das arcadas encontra tambem sentinellas, e dentro dos differentes ministerios mais sentinellas; volta-se para a rua dos Capellistas, e encontra guarda á porta do banco de Portugal; mais adiante, no deposito publico outra guarda; passa pelo edificio da moeda e vê outra guarda; finalmente chega ao palacio das côrtes e encontra uma companhia inteira, para nos guardar, como se nós fossemos grandes desordeiros, e os soldados passeiando os seus ócios pelo largo de S. Bento.
Aqui está a rasão por que não ha soldados; é porque estão empregados n'este util serviço.
Não me alongarei mais n'estas considerações, porque não quero desviar-me do proposito com que entrei no debate, e referir-me-hei aos pontos sobre os quaes desejo uma resposta do sr. ministro da guerra.
O primeiro refere-se ás celebres obras do palacio de justiça militar em Santa Clara.
Esta questão foi levantada pelo sr. visconde de Moreira de Rey, e nenhum governo que se preza, póde ficar callado, depois das considerações que se fizeram.
Diz a lei, expressa, clara e terminantemente, que todas as obras em edificios dependentes do ministerio da guerra, quer tenham caracter militar, quer civil, hão de ser dirigidas pela engenheria militar. Não ha excepção.
Entretanto, compra-se uma casa para servir de palacio de justiça, a qual custa 15:800$000 réis, consulta-se a engenheria militar sobre as obras necessarias para se apropriar o edificio ao seu fim, e a engenheria militar responde que a obra poderá custar 6:000$000 réis, mas que se não póde responsabilisar por que esteja prompta no tempo que o sr. presidente do conselho exige.
O sr. presidente do conselho encarrega d'este trabalho um mestre de obras! Não sei se n'isto entrou o ministerio das obras publicas ou o ajudante de campo do sr. ministro; quem não entrou foi a corporação que por lei estava incumbida de fazer a obra, e a consequencia natural e necessaria do abuso pela lei, é que o palacio de justiça militar, comprado por 15:800$000 réis, tem custado até hoje para se apropriar ao fim a que é destinado, 99:000$0Õ0 réis, sem nenhuma auctorisação legal, sendo esta obra feita por quem não podia fazel-a, nem dirigil-a! (Apoiados.)
Esta é a accusação que faço ao sr. presidente do conselho, e s. ex.ª não póde deixar de responder, explicando porque alterou esta disposição do corpo de engenheria, que vem desde o regimento de 1812 e se tem conservado na legislação até hoje. (Apoiados.)
E note-se que se chegou até á audacia do distrahir, contra todos os preceitos, da verba destinada a reparar estragos e desastres causados por temporaes, 13:000$000 réis para o palacio de justiça, tendo só lá havido o temporal da anarchia, do desperdicio e da falta de respeito á lei, que este governo introduziu no paiz! (Apoiados.)
Esta é a primeira questão que preciso que o sr. presidente do conselho deixo clara e límpida a fim de se saber como é que s. ex.ª póde gastar este dinheiro que não estava auctorisado a gastar, porque n'um paiz que não é rico e que está em más condições financeiras, é desperdicio gastar 99:000$000 réis em se apropriar um edificio para sede dos tribunaes de justiça militares.
O segundo ponto que desejo tratar é igualmente importante. Já o esbocei brevemente n'uma das sessões anteriores, e lamentei que n'essa sessão não estivesse presente o sr. general commandante da guarda municipal, porque talvez s. ex.ª podesse dar explicações a este respeito.
O sr. ministro do reino e o sr. relator da commissão não
poderam dal-as, nem por isso os censuro, porque não é essa a sua especialidade.
Fallo da questão do preço das rações do exercito.
Estava compromettido moralmente com a camara, não a dar lições sobre o assumpto, porque pouco sei d'elle, mas a provocar por parte do governo, esclarecimentos a fim de saber como estes negocios são tratados.
O sr. relator da commissão, querendo dar algumas explicações a este respeito, respondeu de uma maneira muito commoda: disse que os calculos do orçamento estavam certos.
Quasi que ía jurar que assim era.
Mas a questão não é essa. O que pretendo saber é qual o motivo por que, custando as rações de pão pura a guarda municipal a 42 1/2 réis, custam muito mais caras para o exercito.
A isto é que ninguem respondeu, e peço ao sr. presidente do conselho, ou a qualquer sr. deputado que exerça o commando de algum corpo, que nos dê explicações a este respeito, para que se não diga que não ha resposta para estas cousas..?
O sr. Almeida Macedo: — Peço a palavra.
O Orador: —Folgo que o illustre general, o sr Almeida Macedo pedisse a palavra, mesmo porque lhe proporciono occasião para uma estreia, o que deve de ser agradavel a s. ex.a á camara, que muito respeita os dotes e talentos de s. ex.ª
Eu, folheando o orçamento, encontro: «Rações de pão para a guarda municipal de Lisboa a 42 '/a réis; rações da pão para o exercito a 44 réis».
Como tenho um espirito naturalmente curioso, embora a minha intelligencia não me favoreça muitas vezes, quando desejo satisfazer a minha curiosidade, trato de consultar quem me possa dar as competentes indicações e a este respeito devo dizer, sem pronunciar nomes, que consultei alguns dignos officiaes do exercito e recebi uma resposta que me deixou verdadeiramente admirado: « São cousas da administração militar; ninguem sabe nada d'isso».
Foi esta a resposta que obtive, e confesso que me causou impressão que se não podesse explicar um facto qualquer senão com este mysterio.
Dei-me portanto ao trabalho de examinar este negocio, e achei factos que mostram que o espirito de ordem e do boa direcção nos negocios da administração militar é tal, que excedo tudo quanto da intelligencia mais arrojada se poderia esperar.
Achei, por exemplo, que se manda comprar trigo a Evora, o qual vem para Lisboa onde se faz pão, que vao a farinha para Vianna do Castello onde se faz o pão, para d'ahi ir para o Porto, Braga e Valença a fim de ser dividido pelos corpos ali estacionados; achei que se vae comprar o trigo no Alemtejo, que se transporta para Lisboa, onde se moo, que se manda a farinha para Evora, que lá faz-se o pão e depois distribue-se pelos corpos aquartelados na provincia do Alemtejo.
E uma administração admiravel, e já me não admiro nada de que o pão saia caro.
E devo de passagem dizer que as rações de pão alvo, fino ou branco, e esterno é um pouco hyperbolico, que se fornecem aos officiaes inferiores o músicos, é igual, quasi, ao que se fornece aos soldados da guarda municipal.
O regulamento militar de 1864 estabeleceu, se me não engano, um certo numero de divisões militares, nas quaes o pão fornecido aos officiaes inferiores e músicos é do trigo bom, e outras em que o pão é de centeio ou de milho, por ser mais barato e estar mais de accordo com os usos e habitos das localidades.
Tinha ou a audacia de imaginar que, tomando a média do preço do pão rio reino, para calcular o preço do pão que vem descripto no orçamento, ella seria igual ao preço do pão fornecido á guarda municipal; pois apesar do pão fornecido em duas divisões ser de milho ou de centeio, ainda