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sessão nocturna de 13 de maio de 1879

Presidencia do ex.mo sr. Francisco Joaquim da Costa e Silva

Secretarios — os srs.

(Antonio Maria Pereira Carrilho (Augusto Cesar Ferreira de Mesquita

Contínua a discussão do capitulo 6.° do orçamento do ministerio da guerra, e é approvado o mesmo capitulo. Começa e fica pendente a discussão do capitulo 7.º

Abertura—As oito horas o meia da noite.

Presentes á abertura da sessão 50 deputados—Os srs.: Adriano Machado, Carvalho o Mello, Braamcamp, Torres Carneiro, Pereira do Miranda, Avila, Lopes Mendes, Carrilho, Pinto de Magalhães, Ferreira de Mesquita, Pereira Leite, Cazimiro Ribeiro, Diogo de Macedo, Costa Moraes, Emygdio Navarro, Goes Pinto, Hintze Ribeiro, Fortunato das Neves, Mesquita e Castro, Pinheiro Osorio, Francisco Costa, Guilherme de Abreu, Paula Medeiros, Palma, Freitas Oliveira, Jeronymo Pimentel, Jeronymo Osorio, Sousa Machado, Almeida e Costa, Tavares de Pontes, Laranjo, Frederico da Costa, José Guilherme, Figueiredo de Faria, José Luciano, Borges, J. M. dos Santos, Sá Carneiro, Julio de Vilhena, Luiz Bivar, -Luiz Garrido, Manuel d'Assumpção, Pires de Lima, Macedo Souto Maior, Aralla e Costa, Mariano de Carvalho, Pedro Jacome, Visconde da Aguieira, Visconde de Moreira de Rey, Visconde de Sieuve de Menezes.

Entraram durante a sessão — Os srs.: Fonseca Pinto, Osorio de Vasconcellos, Alfredo de Oliveira, Alfredo Peixoto, Alipio Leitão, Gonçalves Crespo, A. J. Teixeira, Mendes Duarte, Telles de Vasconcellos, Fuschini, Sanches de Castro, Firmino Lopes, Sousa Pavão, Van-Zeller, Brandão o Albuquerque, Scarnichia, João Ferrão, J. J. Alves, Pires de Sousa Gomes, Dias Ferreira, Namorado, Pereira Rodrigues, Sousa Monteiro, Taveira de Carvalho, Barbosa du Bocage, Lopo Vaz, Almeida Macedo, Alves Passos, M. J. Gomes, Pinheiro Chagas, Miranda Montenegro, Miguel Dantas, Pedro Roberto, Visconde do Balsemão.

Não compareceram á sessão — Os srs.: Adolpho Pimentel, Agostinho Fevereiro, Tavares Lobo, Emilio Brandão, Arrobas, Pedroso dos Santos, Barros e Sá, Neves Carneiro, Saraiva do Carvalho, Victor dos Santos, Zeferino Rodrigues, Avelino de Sousa, Barão de Ferreira dos Santos, Bernardo de Serpa, Caetano de Carvalho, Carlos de Mendonça, Conde da Foz, Moreira Freire, Filippe de Carvalho, Francisco de Albuquerque, Mouta e Vasconcellos, Gomes Teixeira, Pereira Caldas, Frederico Arouca, Silveira da Mota, Costa Pinto, Anastacio de Carvalho, Melicio, Barros e Cunha, J. A. Neves, Ornellas de Matos, Rodrigues de Freitas, Ferreira Freire, Teixeira de Queiroz, Mello Gouveia, Lourenço de Carvalho, Luiz de Lencastre, Freitas Branco, Faria e Mello, Rocha Peixoto, Correia de Oliveira, M. J. de Almeida, M. J. Vieira, Nobre de Carvalho, Marçal Pacheco, Miguel Tudella, Pedro Carvalho, Pedro Correia, Pedro Barroso, Ricardo Ferraz, Rodrigo do Menezes, Thomás Ribeiro, Visconde do Alemquer, Visconde de Andaluz, Visconde da Arriaga, Visconde da Azarujinha, Visconde do Rio Sado, Visconde do Villa Nova da Rainha.

Acta— Approvada.

ORDEM DA NOITE.

Continuação da discussão do capitulo 6.° do orçamento do ministerio da guerra

O sr. Presidente: — Tem a palavra que lhe ficou reservada da sessão diurna o sr. Visconde de Moreira de Rey.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: —... (O sr. deputado não restituiu o seu discurso a tempo de ser publicado n'este logar.)

O sr. Pires de Sousa Gomes: — Mando para a mesa a seguinte proposta que se refere ao capitulo 5.°, artigo 11.°

(Leu.)

Devia ter apresentado esta proposta, quando se tratava da discussão do capitulo a que ella se refere, mas como se julgou a materia discutida antes do me chegar a palavra, não tive occasião de a apresentar.

Mandando-a agora para a mesa, não faço considerações, porque seria ir de encontro ás determinações do regimento; e como entendo que para aproveitarmos o tempo deve sempre seguir-se o regimento, limito-mo por isso a mandar a proposta, pedindo a v. ex.ª que tenha a bondade de a remetter á commissão respectiva, a fim de a tomar na consideração que merecer.

Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

Capitulo 5.°, artigo 11.°, secção 4.ª

Proponho que se inclua n'esta secção a seguinte verba:

Missões d'estado feitas em paizes estrangeiros por dois alumnos que tenham completado o curso de engenheria, 2:100$000 réis. = Joaquim Pires de Sousa Gomes.

Foi admittida.

O sr. Sá Carneiro: — Não me farei cargo de responder ás variadissimas considerações que acaba de fazer o sr. visconde de Moreira de Rey, a maior parte d'ellas completamente estranhas ao artigo que está em discussão, e mesmo porque se o desejasse fazer, não estava habilitado a responder a questões para que não vinha preparado, o que não são da minha profissão.

Restringir-me-hei, portanto a tratar unicamente as questões que dizem respeito ao ministerio da guerra, na parto em que s. ex.ª accentuou mais a sua argumentação.

Pergunta s. ex.ª para que servem os destacamentos!

Ora o governo ha do porventura negar-se a satisfazer qualquer requisição que as auctoridades administrativas ou judiciaes lhe façam de qualquer destacamento para assegurar a manutenção da ordem publica?!

São os governadores civis que de ordinario requisitam destacamentos; e são os magistrados que algumas vezes os requisitam igualmente para conducção do presos, o para algumas audiencias geraes que se fazem nas provincias.

Ora se o ministerio da guerra recusasse ao reino satisfazer estas requisições, o que diria o publico, e talvez mesmo o illustre deputado?! Diria: «Pois temos exercito, o elle nem ao menos serve para auxiliar as auctoridades administrativas das differentes localidades, no exercicio das suas funcções e na manutenção da ordem publica!»

E dizia muito bem; porque n'um paiz aonde não ha policia convenientemente organisada, o exercito é que se emprega n'este serviço, e n'este paiz sempre o exercito fez a policia, á falta de policia propriamente dita.

Creia o illustre deputado, que é com uma grande repugnancia, da parte do ministerio da guerra, que são satisfeitas as requisições de destacamentos, mas a responsabilidade do os recusar é grande e muito grande. (Apoiados.)

O illustre deputado apresentou uma idéa que não comprehendi bem. Creio que s. ex.ª queria que os destacamentos ensinassem nos povos onde estivessem destacados os individuos obrigados ao serviço militar.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — Se v. ex.ª dá licença eu explico.

O Orador: — Com muito gosto.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — A minha

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idéa era que em diversos pontos houvessem destacamentos e instructores, para habilitar no serviço militar os individuos que pela sua idade estivessem obrigados a prestal-o, e que os destacamentos ao mesmo tempo que fizessem o serviço para que se achavam n'essas localidades, podessem prestar este serviço instructivo, o que talvez diminuiria um pouco a repugnancia pelo serviço militar.

O Orador—Mas isso depende de uma organisação geral, a que o povo não está habituado.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — É claro, e creio que o governo não está n'essas cadeiras para outra cousa. (Riso.)

O Orador: — Sendo a idéa excellente, é provavel que na pratica falhasse.

Lembra-me que nos annos de 1835 a 1838, em cada concelho havia uma companhia de guarda nacional, de que era chefe o administrador, e essa companhia reunia uma vez cada mez; pois posso affirmar que nunca os administradores conseguiram que se reunisse a terça parte da força d'essas companhias; ainda assim, os clamores contra essas reuniões, que classificavam de vexatorias, eram immensos.

Admirei, quando n'esta sala se discutiu o contingente militar, que o sr. Dias Ferreira sustentasse a opinião de reduzir o exercito, e que viesse com o exemplo do Brazil.

E digo isto com pezar, porque não desejava censurar o sr. Dias Ferreira, a quem devo a fineza, quando s. ex.ª era ministro na dictadura dos cem dias, em 1870, de se oppor a que fosse demittido do seu emprego um filho meu, por exigencia do chefe d'esse gabinete, demissão a que tenazmente se oppoz o sr. Dias Ferreira.

Ora, quando eu n'um aparte confirmei o que o sr. Fontes affirmava, que ao entrar para o ministerio não tinha achado armas, nem patronas, nem artilheria, o que o sr. Dias Ferreira contestava, eu disse a verdade.

Eu sou incapaz, pelo meu caracter, de faltar á verdade; não me lembro de ter faltado a ella uma unica vez. Por um certo caracter que tenho de independencia e do feitio, e de dizer sempre a verdade desafrontadamente, tem-me parecido que é por isto talvez que tenho poucos amigos, e por esta occasião digo, que é por isso que tenho sympathisado com o sr. visconde de Moreira de Rey, por dizer verdades, de que maioria o minoria não gostam.. Tenho observado mais, que o sr. visconde tem um certo espirito de opposição que me agrada mais que o acto de approvação.

A verdade é que faltava tudo ao exercito, quando o sr. Fontes foi chamado ao poder.

Mas podem dizer-me: «Então o exercito chegou a tão triste estado quando eram governo os grandes vultos da liberdade! »,

Eram grandes vultos é certo, que tinham grandes serviços, mas por este estado lastimoso a que chegou o exercito esses grandes vultos não podem não devem ser apeados dos seus pedestaes.

A restauração effectuou-se em 1834; em 1835, ha conformidade de um tratado, que então havia com a Hespanha, que já caducou, teve Portugal que dar á nação vizinha um auxilio de 6:000 homens; appareceu ao mesmo tempo o Remechido no Algarve; tudo isto fez que as despezas augmentassem.

Seguiram se as revoluções de 1836, 1837, 1842, 1844, e 1846, e as cousas foram indo por modo, que nada se póde fazer; nem melhoramentos moraes nem materiaes, n'uma palavra, nada se fez até á entrada do sr. Fontes.

O exercito não tinha armamento, nem equipamento, nem artilheria, nem muares.

Com relação á artilheria, lembro-mo que, quando vim para Lisboa, haverá uns dezeseis annos, apenas poderiam apromptar-se oito baterias, e hoje podemos apresentar vinte a vinte e cinco.

As espingardas que tinhamos de alma lisa estavam muito arruinadas, pois já tinham feito a guerra do Porto; a transformação principiou pelo fulminante, em seguida o sr. marquez de Sá da Bandeira comprou 22:000 espingardas do systema Enfield, o que foi já um grande melhoramento; mas a guerra de 1866, que pela segunda vez mostrou a superioridade das armas de carregar pela culatra, deu o desengano á Europa de que as espingardas carregadas pela boca deviam passar para os museus.

Os austriacos na guerra franco-italiana observaram que as batalhas de Palestro, Solferino, etc. tinham sido ganhas á bayoneta, e d'aqui tiraram a conclusão de que o segredo da victoria estava nas bayonetas.

Os prussianos armados com a arma de agulha recebiam as cargas dos austriacos com descargas e por tal modo que todas abortavam, e as perdas dos austriacos foram na rasão de 8, de 7, de 6 e de 5 para as dos prussianos.

As perdas dos austriacos foram na maxima parte feitas pela infanteria, porque a artilheria prussiana em 1866 representou um papel medíocre, pelo menos muito inferior á artilheria austríaca.

Ora quem diria que em 1870 a artilheria prussiana se apresentaria superior a toda a artilheria, até então conhecida!

Desde a guerra dos Estados Unidos que algumas escaramuças entre tropas do sul e do norte chamaram a minha attenção para os grupos armados de armas carregadas pela culatra, as quaes sempre tinham vantagem sobre os grupos não armados com aquellas armas.

Houve um ponto defendido apenas por 5:000 homens, e o caso é que os 5:000 homens obrigaram a retirar os 25:000 que tinham ido atacar os 5:000, e com grandes perdas.

O sr. Fontes mandou comprar 6:000 carabinas, cano Werter, systema Westelay Richard; porém, depois de convertidas as espingardas de Enfield no systema Snider, e vendo-se que o seu carregamento e o seu fogo era mais rapido, conheceu-se que aos caçadores armados com aquellas carabinas, apesar de serem muito boas, convinha dar novo armamento, e as armas que tinham foram substituidas por outras.

A espingarda Snider é com effeito um dos systemas mais medíocres; todavia, a Inglaterra e a propria França converteram n'este systema as suas espingardas, emquanto se lhes não satisfaziam as encommendas feitas das espingardas adoptadas, e as Sniders á proporção que a primeira linha recebia as armas novas, passaram para as reservas.

Qual dos systemas dos noventa o tantos de armas de carregar pela culatra que eu conheço é o melhor?

Eu não o sei, e ninguem o sabe por emquanto, e a prova d'isto consiste em que cada nação tem espingardas de Carregar pela culatra é certo, mas cada nação tem uma espingarda do systema differente.

O que é verdade é que nenhuma nação adoptou o mesmo systema; cada uma tem o systema que lhes pareceu melhor.

Ha uma arma Remington, espingarda rewolver, de que não gosto para soldados, porque o consumo de munições com este systema seria assustador.

Isto é quanto á questão do armamento.

Agora vamos a ver qual foi o outro ponto que s. ex.ª tocou.

S. ex.ª tocou em tantas cousas, que eu realmente não sei se o poderei acompanhar, não para o combater, porque não tenho dotes oratorios para luctar com um orador da força de s. ex.ª, mas para sustentar modestamente as minhas opiniões como souber e poder.

Fallou s. ex.ª na guerra da peninsula, e disse que as águias francezas tinham sido escarmentadas pela primeira vez na peninsula ibérica, com tropas que não se podiam dizer muito regulares.

E verdade que a guerra começou por uma guerra de guerrilhas, mas s. ex.ª sabe que o fanatismo teve n'ella uma grande parte, porque até andavam no campo os padres com o Santo Christo nas mãos, e o fanatismo é capaz de tudo; e muito mais o fanatismo religioso.

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Mas, ainda assim, havia um corpo de exercito ou uma divisão, parece-me que a do general Reding, aquella que, em Baylen, obrigou o general Dupont a capitular. Dupont, que passava por bom general e que acabou os seus dias n'uma prisão.

Depois vieram os inglezes e feriram varias batalhas com os portuguezes, seus bons auxiliares.

Na batalha do Victoria, onde tanto se distinguiram os portuguezes, disse Wellington que a infanteria portugueza era a melhor do mundo; e alguem diz que Wellington se arrependera d'esta franqueza, que, em todo o caso, feria o orgulho britannico.

A guerra de guerrilhas dou bons resultados; e até o proprio imperador Alexandre, em 1812, aconselhava aos seus generaes, que fizessem com as tropas pouco instruidas uma guerra similhante á que faziam os hespanhoes; mas este methodo hoje não é facil, ou, pelo menos, não creio que dê resultados serios, porque a cavallaria, que cobre todos os movimentos, desemboscaria as guerrilhas.

Eu não conheço senão a guerra da primitiva, da infancia da arte; não conheço a guerra methodica, a guerra da sciencia, senão pelos livros.

E ninguem póde dizer: eu faria isto, ou faria aquillo, ou eu não faria o que se fez em tal batalha, porque só quando se chega ao campo é que se sabe o que se sente, e como as cousas se passam. O que se devia fazer em certos casos, o que se devia fazer em outros, quem o sabe?

E digo isto, porque não é uma cousa que se faça no gabinete; é uma cousa em que o sangue e a vida são a materia prima, isto é, em que a vida corre imminente perigo, e, portanto, não admira que a serenidade não seja muito regular em todos os actores d'aquella sanguinário drama.

Os bons generaes, por consequencia, são áquelles que, a par da intelligencia e do saber, possuem a faculdade de conservarem sangue frio, porque os outros, os que perdem a cabeça, compromettem a força que commandam.

Por isso é que é muito difficil encontrar bons generaes.

Hoje não são as leis que dominam, são os bons corações, a humanidade, e bons corações são todos, não é d'este nem d'aquelle, é de todos; em nome da humanidade commettem-se iniquidades.

Eu bem sei que se deve este estado ao longo interregno da paz octaviana, de que felizmente temos gosado, mas ainda se deve mais á indifferença com que havemos olhado para as cousas militares, e eu mesmo não sei se o procedimento dos commandantes dos corpos e dos generaes, sobre o modo de informar dos seus officiaes, deriva da ignorancia, ou da chamada humanidade. Pois que se as informações dadas d'esses officiaes, fossem relativamente postas na justiça com que se dessem essas informações, existia o correctivo á promoção estupida do almanach, lei que contraria o bom senso, contraria os interesses de paiz e do exercito! As informações annuaes ácerca dos officiaes são as mesmas, desde o coronel ao alferes. Todos são dignos de posto immediato, porque todos sabem do seu officio, e todos mostram muito zêlo pelo serviço, e se algum commandante se lembra de dizer a verdade ácerca de um official, acode logo algum a dizer, modifique a sua informação, tenha dó dos meninos do informado.

No proprio ministerio da guerra, se acaso aquella estação chega alguma informação, pouco lisonjeira para o informado, não se faz caso d'ella, a maior parte das vezes, e o official, de que se deu má informação, é promovido ao posto immediato.

O que direi sobre instrucçâo militar? Em geral ha muita sciencia, a maior parte d'ella galvanisada, mas pratica nenhuma.

Sr. presidente, eu insisto em dizer a v. ex.ª, que na Europa ácerca de instrucçâo militar são os prussianos os grandes mestres.

A maxima é a seguinte: Ao lado do principio, o facto, ao lado da instrucçâo a educação, porque se entendo n'aquelle

paiz, que a boa educação é um poderoso auxiliar da disciplina.

Eu sou d'aquelles que sempre assim entendi, e ainda hoje o entendo, que o laço mais forte da disciplina é a affeição; o chefe que seguir este principio, ha de encontrar poucas reacções da parte dos seus subordinados.

Nas crises politicas, que são as mais perigosas, e aquellas que mais prejudicam a disciplina, ha occasião de experimentar os dois systemas. O da severidade e o da affeição, que é a do estimulo, pelo trato, pelo conselho e sobretudo pelo exemplo.

Sr. presidente, eu prohibi que no estabelecimento do estado, de que sou actualmente director, que o estado maior tratasse por tu o estado menor, como eu observei que geralmente succedia.

Eu nunca chamei na minha longa carreira militar e no meu longo trato com soldados, nunca chamei, repito, um nome injurioso a um soldado, o nunca o tratei por tu, a não ser a algum, depois de estar em minha casa alguns annos; e note v. ex.ª que sempre passei por severo em assumptos de disciplina, na opinião dos meus camaradas, porque adoptei por maxima, que no exercito não deve nunca ficar impune a mais ligeira infracção dos regulamentos militares; ora o que é necessario é o bom tacto de graduar o castigo á pena, para não se darem os factos, que muitas vezes observei, de se applicar um castigo que não estava em harmonia com a falta.

Sr. presidente, o que é necessario igualmente é não se dar mais preferencia a uma das armas que ás outras. Todas são indispensaveis na guerra; mas o que eu não posso admittir, é que as armas da infanteria e da cavallaria sejam tratadas como plebeas.

Prestemos desvelada instrucçâo á infanteria, lembremo-nos que é ella a primeira das armas, ou que ella é o exercito, propriamente dito.

A infanteria combate de perto e de longe, e em todos os terrenos.

Dizia se antigamente, que a força da infanteria consistia no fogo e na bayoneta; actualmente podemos dizer, que essa força consiste, quasi exclusivamente, no fogo, e sendo isto assim é claro que a instrucçâo á infanteria, sobre o fogo, deve ser a mais desvelada.

Sr. presidente, quando a infanteria n'um exercito é derrotada, considera-se desde logo o exercito perdido, por muito superiores que sejam e intactas que estejam as armas especiaes. E tem-se notado um facto na historia, vem a ser, que nos povos os mais civilisados propondera sempre a infanteria, e nos menos civilisados propondera sempre a cavallaria.

No tempo da republica romana, quando succedia haver uma guerra em tempos de dictadura, a lei prohibia ao dictador que montasse a cavallo á frente das tropas, obrigava-se o chefe supremo á marchar a pó em homenagem ás legiões, ás quaes Roma devia as suas fabulosas conquistas.

De tudo o que eu tenho dito, resulta o ardente desejo que tenho, de que se preste á infanteria a mais desvelada instrucçâo, porque da infanteria depende quasi inteiramente a sorte da guerra.

E necessario sem contestação olhar pela infanteria, mais do que até hoje se tem feito, e é indispensavel abrir-lhe uma valvula para a promoção, graduando, quanto possivel, que as promoções marchem ao par em todas as armas; mas como nem sempre é possivel conservar o equilibrio, o que era natural, é que esse desequilibrio fosse a favor da infanteria e da cavallaria, mas não; n'estes ultimos tempos o desequilibrio tem sido favoravel ás armas chamadas especiaes

Sr. presidente, para o exercito a promoção é tudo, tirae-lhe a promoção, e o exercito existirá de nome; mais do que os vencimentos, o estimulo para o exercito, é a pro-

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moção; pois bem, facilitae a promoção ao exercito, quanto for compativel com as finanças e com o bem do serviço.

E o bem do serviço exige que, alem de certa idade, não se possa continuar a servir no exercito. Ainda não ha muito tempo que eu li no curso do litteratura do sr. Villemain, que, para os magistrados e para os militares deveria haver idades fataes, porque nos primeiros a fraqueza intelectual podia prejudicar muito os julgamentos, o nos segundos o mesmo prejuizo podia causar a fraqueza physica e intellectual; é, portanto, indispensavel "prestar seria attenção a este assumpto.

Não é só a padaria, não é só a reforma, que deve chamar a attenção d'esta camara, a sua attenção deve voltar-se para os assumptos geraes e os mais graves do exercito, que essencialmente contribuem para que um exercito sirva para o fim a que os exercitos são destinados.

Na infanteria e na cavallaria lavra o desanimo ao comparar-se com os officiaes das armas chamadas especiaes, estas tão adiantadas e aquellas tão retardadas na promoção!

A cavallaria, com as armas aperfeiçoadas, pouco póde fazer nas cargas; mas por outro lado a cavallaria presta hoje um serviço muito mais importante do que prestava antigamente, o das cargas.

A cavallaria serve hoje para cobrir, com uma especie de rede, o exercito a que pertence, e para vigiar os movimentos do exercito inimigo.

O estado maior.

É preciso que o estado maior seja o que deve ser, e não o que é hoje entre nós. Temos n'este corpo excellente materia prima, podia mesmo especificar os nomes de alguns officiaes distinctos, mas isto serviria só de crear rivalidades e de fazer brotar odios, que é util não provocar; mas, em todo o caso, o que nós não temos é corpo de estado maior; e tambem, forçoso é confessal-o, o corpo do estado maior é um problema que ainda nação nenhuma resolveu satisfactoriamente; a Prussia é aquella que se julga ter-se approximado mais da sua perfeição, e, n'este caso, cumpre-nos imital-a, mas imitemol-a no que seja mais util, e não na parte a mais frívola.

O systema dos militares allemães. é seguirem o mesmo curso os alumnos que se dedicam á carreira das armas, e só quando acabam esses cursos, é que vão, os que se destinam á artilheria e á engenheria, estudar um curso de vinte e um mezes apenas mais que os outros alumnos.

Isto não acontece entre nós, o que faz com que o engenheiro e o artilheiro olhem com uma certa sobranceria para o infante e para o cavallaria, como se fossem entidades de uma especie inferior á das armas especiaes.

Vou dizer á camara o que se pratica na Prussia com relação ao estado maior.

Na epocha competente abre-se o respectivo curso, ao qual se admittem os officiaes mais babeis que n'esta qualidade tiverem servido durante tres annos no exercito. Exigem-se-lhes uns certos exames, o se ficam approvados são admittidos a estudar mais tres annos, o findos elles retiram-se para os seus corpos, sem saberem a classificação que tiveram. Quando o estado maior precisa de officiaes, o chefe do estado maior general manda então chamar áquelles que elle julga mais competentes, uns ficam definitivamente no corpo, os outros ficam addidos como auxiliares.

E um problema que não está ainda resolvido, como já disse, na maxima parte das nações, se o estado maior deve ser aberto ou fechado, o se a entrada deve ser de cima para baixo ou de baixo para cima, tambem não está resolvido. A minha opinião é, n'este ponto, um termo medio. Não quero que a entrada seja no verdor dos annos, nem tão pouco na idade madura. Eu entendo que, depois de servirem dois annos em cada uma das armas, isto é, oito annos como officiaes, mas um serviço serio, que os habilitasse a conhecer todos os detalhes variadissimos, e o proprio genio de cada uma das armas, que então viessem para o estado maior, o que do ordinario regularia por uma idade do trinta a trinta e dois annos, e se acaso tivessem a bossa, ou a vocação para este serviço, porque a muita mathematica, a muita mechanica, a muita sciencia, não bastam para o serviço importantissimo do estado maior.

Um official póde possuir grande peculio do sciencia para tratar questões muito transcendentes n'um gabinete, e não ter nenhuma aptidão para o campo, e não ter mesmo um caracter resoluto, como é essencial que todos tenham n'um campo de batalha; aquelle bulicio de um campo de batalha, o fumo, as detonações, tudo isto de envolta com os gemidos dos feridos, e com os milhares de peripecias que se dão nos combates, produzem sensações, a que só um homem de uma organisação especial assisto sem se perturbar.

Pois não vemos nós as commoções que se sentem n'um grande auditorio em que a vida não corre perigo; ora o que succederá em campo aberto em que a vida corre perigo imminente, o na occasião em que um official de estado maior tem tantas cousas a que attender!! O que faria n'este caso, que effeito que produziria nas tropas um homem de maneiras afeminadas.

Tendo eu aqui falhado na estupida promoção do almanach em que o reinante e o poder executivo delegaram as suas attribuições, notei que nenhum dos illustres deputados acolheu a minha opinião com agrado, com excepção de um dos mais brilhantes ornamentos da nossa tribuna parlamentar, o sr. Pinheiro Chagas; ora como póde a minha opinião ser apreciada lá fóra n'um sentido differente, do que ella é, julgo a proposito fazer-lhe as indispensaveis rectificações, para se bem comprehender a minha verdadeira opinião. Eu desejo que se respeite a antiguidade; quando houver uma vacatura, formem-se grupos dos cinco ou seis mais antigos, do posto immediatamente inferior ao da vacatura, e veja-se d'este grupo qual é o mais capaz, o a vacatura que seja preenchida; mas se n'esse grupo só se encontram nullidades, forma-se novo grupo, e assim successivamente, até se encontrar um que esteja no caso de preencher a vacatura.

Sr. presidente, nas guerras do passado, um valor heroico, um valor brilhante podia supprir a falta de instrucção, mas nas guerras do presente não é possivel; ou então deveremos, para evitar o patronato, o espectro dos adversarios da promoção por merito, havemos arriscar a independencia da patria? Pois nas guerras do futuro o exercito que não tiver quadros muito instruídos ha de ser vencido.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — Peço licença a s. ex.ª para lho dizer que me não referi a esse ponto, ponto em que estou de perfeito accordo.

O Orador: — Não quero a promoção que corte a carreira a ninguem, mas por outra parte não quero que, com o pretexto de não cortar a carreira a um official, que se consinta que elle avance em postos, sendo uma nullidade.

A respeito de officiaes estratégicos, eu não disse que não os havia, disse que não os conhecia, o que faz muita differença.

E a respeito de estratégicos, direi que para serem conhecidos era necessario que para isso houvesse occasiões; ora o que eu posso affirmar é que os estratégicos são raros.

O sr. Goes Pinto: —V. ex.ª sabe que nas poucas vezes que tenho usado da palavra n'esta casa não tenho nunca abusado da benevolencia da camara, e tenho procurado resumir as minhas observações nos mais breves termos.

Eu não pretendo vir elucidar assumptos tão importantes como os que têem sido tratados a proposito do orçamento do ministerio da guerra, nem me proponho a prolongar um debate, que na realidade se tem alongado; mas é preciso dizer por uma vez, que estes debates se lêem alongado, porque os srs. ministros, e nomeadamente o nobre ministro da guerra, desde o começo da sessão actual nos disseram sempre a proposito de quaesquer pontos de adminis-

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tração, de que se tratava, que era opinião de s. ex.ª que taes questões deviam ser tratadas por occasião da discussão do orçamento. (Apoiados.)

Mais de uma vez isto foi dito, aconselhado até, por os srs. ministros. (Apoiados.)

Penso que estará na lembrança do todos que o meu nobre amigo o sr. Luciano de Castro, nos ultimos dias de março, tendo a felicidade do ver presente n'esta casa o sr. ministro da guerra, lhe dirigiu uma longa serie de perguntas respeitantes todas a actos o assumptos do seu ministerio.

A camara presenciou o que se passou.

O sr. ministro da guerra deixou de responder, como aliás era perfeitamente natural, a algumas d’essas perguntas, a outras respondeu muito incompletamente e terminou dizendo que aguardássemos a occasião de se discutir o orçamento do ministerio a seu cargo, porque então haveria ensejo para mais largamente se tratarem os diversos pontos a que se referira o sr. José Luciano de Castro. (Apoiados.)

Ora, sendo assim, e a camara toda o ouviu, que estranheza poderá causar que a discussão do orçamento se tenha prolongado tanto? (Apoiados.)

Creio que com estas palavras em que não vae a mais leve censura á maioria, porque apenas refiro os factos, tenho respondido ao meu amigo e contemporaneo Osorio do Vasconcellos, que não vejo presente, o tambem ao meu amigo o ar. Carvalho e Mello, que na sessão diurna houve por bem pedir a materia discutida, tratando-se de um capitulo que importava em uma somma avultada, isto no momento de se encetar a discussão, no momento em que um deputado da opposição começava a pôr duvidas á exactidão de uma verba de 12:000$000 réis. (Apoiados.)

Repito, sr, presidente, não venho nem elucidar nem prolongar os debates, "mas unicamente, na minha qualidade de militar, por se discutir o orçamento do ministerio da guerra, cumprir um dever que julgo indeclinavel declarando o meu voto, em vez do o acobertar com o silencio que aliás seria para mim muito commodo, e por sobre commodo prudente.

A camara faz-me-ha a fineza de acreditar que não venho fazer um discurso. Venho simplesmente declarar o meu voto.

Sr. presidente, sou opposição ao actual governo, sou opposição aos cavalheiros que actualmente se sentam n'estas cadeiras, (apontando para as cadeiras dos ministros)- sabe v. ex.ª e sabe-o a camara toda, porque a minha attitude n’esta casa, apesar de extremamente obscura, nada tem tido de equivoca. (Apoiados.)

Mas porque sou opposição, porque não quero concorrer para a vida do actual ministerio com um só dia de existencia, não se segue que n'um ou n'outro ponto e em questão de ordem secundaria não diverja ou venha a divergir da opinião dos meus amigos politicos; no que porém estou plenissimamente do accordo com todos os meus amigos politicos e até me atrevo a dizel-o, com os meus amigos da maioria d'esta camara, é em que á verba importantissima que gastámos com o exercito, não correspondo por modo algum o estado actual do mesmo exercito. (Muitos apoiados.)

Sr. presidente, tenho a honra de ser militar, e com bastante magoa digo a v. ex.a e á camara, a verdade é que o exercito, como está, não merece ao paiz o sacrificio enorme de uma promessa orçamental de 4.000:000$000 réis a 5.000:000$000 réis, e de uma despeza effectiva de réis 5.000:000$000 a 6.000:000$000 reis! Não merece. (Apoiados.)

Eu declaro a v. ex.ª, sr. presidente, que não duvido votar 5.000:0005000 réis ou 6.000:0005000 réis a um ministerio composto de amigos ou de adversarios, quando esse ministerio corresponda á offerta orçamental que lhe faço, com todos os esforços para elevar o nivel moral o material d'essa grande instituição a que a nação tom confiados os seus mais caros interesses. (Apoiados. — Vozes: — Muito bem.)

Eu, pela minha parte, o creio que posso dizel-o, por todos os meus amigos politicos, não tenho duvida em votar uma verba grande, comtanto que a essa verba 'corresponda um exercito regularmente recrutado; regularmente organisado, regularmente administrado, regularmente disciplinado e regularmente instruido. (Muitos apoiados.)

E por isso, sr. presidente, que o exercito está livre de taes condições, é que eu na minha qualidade de militar, que tenho a honra de ser, não posso deixar de deplorar n'esta occasião que o sr. Fontes Pereira de Mello, o nobre presidente do conselho de ministros, homem de tão levantada intelligencia, do tão largas aptidões, com tão altos dotes, com os elementos e predicados necessarios para iniciar o talvez levar a cabo uma profunda reorganisação, com a sua palavra do estadista empenhada em iniciar essa reorganisação, não posso deixar de deplorar, digo, que -s. ex.ª, venha aqui depois de sete a oito annos de governo, fazer da sua administração militar uma synopse tão acanhada como a que ouvimos fazer hontem á noite, e apresentar-nos a lei de 1864 como a ultima palavra sobre a organisaçao do exercito! (Apoiados.)

Sr. presidente, voga agora uma idéa que não direi geral, e que me persuado poder classificar de muitissimo commoda, e é que não será possível* organisar-se militarmente um paiz, sem que esse paiz tenha passado por uma grande catastrophe nacional! Parece-me que isto é já tido como uma lei historica!

Pela minha parte, sr. presidente, limito-me a protestar, não creio na necessidade da catastrophe, no que eu creio é em que para um homem de estado poder levar a cabo a reorganisação militar do seu paiz, é preciso que tenha muita força e muito prestigio n'esse paiz. (Apoiados.)

E preciso ainda que, tendo força o prestigio no paiz, a tenha entre a propria força armada. E eu lamento que o sr. Fontes que teve esses elementos, os desaproveitasse.

Quando s. ex.ª póde, não quiz. Agora não póde, é tarde!

(Interrupção.)

E uma questão de opinião, e esta é a minha. 'Venha embora o sr. Fontes com a sua nova lei de recrutamento, a qual nos insinua como a base de uma futura redempção, lei que não quero discutir agora, mas que reputo fatalmente condemnada; venha embora com essa lei, mas a verdade é que não ha de conseguir nada, porque ainda uma vez o repetirei, s. ex.ª não tem hoje no paiz, nem a força nem a auctoridade do que carece, e até creio que não tem no exercito o mesmo prestigio que já teve.

E muito de proposito digo «creio», porque eu fallo sob minha unica e inteira responsabilidade.

Não sou n'esta casa o echo de nenhuma classe. Digo «creio», porque tenho a auctoridade que me dá a critica dos factos, o essa diz-me quaes são, se não já, ao menos n'um futuro proximo, as esperanças que o exercito póde ter no sou ministro..

A camara ouviu na sessão nocturna de hontem a synopse dos trabalhos feitos pelo nobre ministro da guerra em favor do exercito.

Quaes foram os dois pontos culminantes dos seus trabalhos de administração?

Parece-me que se limitou s. ex.ª á compra de material e armamentos e ao campo do manobras, não fallando em questões do interesso secundario.

Eu não desejo por modo algum discutir a questão dos armamentos, e peço licença para me dirigir especialmente ao illustre deputado, o sr. Sá Carneiro.

Não quero discutir a questão dos armamentos; acceito os factos consummados; applaudo o sr. Fontes na parte em que a compra dos armamentos foi boa, e censuro na parto em que por menos bem informado, ou por quaesquer mo

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tivos, não fez a acquisição como a devia ter feito. (Apoiados.)

Ponho, pois, de parte esta questão sem esconder o que com nas compras de armamento ha de louvavel em s. ex.ª

Não me parece, porém, que taes compras, no momento em que ellas eram fatalmente precisas, na occasião em que os mercados estavam abertos e que havia dinheiro, sejam um titulo bastante para um ministro da guerra se reputar direito á eternidade no poder. (Apoiados.)

" A compra do armamento, qualquer ministro da guerra, estando em soffriveis condições financeiras, a fazia.

Passava as suas ordens á direcção da administração militar e a direcção geral da artilheria, e estes dois corpos reunidos, collaborando um na parto technica e outro na parte administrativa, faziam a acquisição do armamento necessario para o exercito.

Parece-me extremamente simples.

E já que me occorreu fallar da administração militar, seja-me permittido recordar que, não pelo seu pessoal, mas pela sua viciosa organisação, tal instituição não tem no posso paiz motivo por que se recommende! Eu tremo com a idéa de que seja preciso de um momento para o outro fazer mudar cinco ou seis regimentos, porque não sei o que a administração militar ha de fazer, com a sua organisação cheia de inuteis formalidades, sem um caracter verdadeiramente pratico. (Apoiados.)

Voltando ao assumpto de que ía a afastar-me, declaro ao sr. ministro da guerra que não estranho a insistencia de 8. ex.ª na parte que diz respeito aos armamentos.

S. ex.ª comprehende bem o que valem as apparencias em um meio em que as apparencias são tudo; o povo vê os luzentes canhões, mas não vê as... aulas regimentaes!...

E s. ex.ª sacrifica muito ás apparencias.

O sr. Fontes, tão altamente collocado, não podia, nem devia consentir, se não o ordenou, que em uma parada offerecida a um dos principes estrangeiros que visitou o paiz, se mascarasse a musica do um regimento para figurar á frente de outro regimento que a não tinha. Mascarou-se a musica de infanteria n.º 4 para figurar á frente do batalhão de sapadores!

Isto não me parece que esteja á altura do sr. Fontes, e custa-me a crer como s. ex.ª consentiu ou ordenou uma cousa d'estas!

Agora o campo de Tancos.

V. ex.ª, sr. presidente, que é parlamentar antigo, o que pão quer dizer que seja velho, ha de ter reparado que quando se fallava no campo de Tancos, o sr. ministro da guerra mostrava um empenho especial em fazer acreditar que não fóra elle o inventor dos campos de manobras.

Ora, eu juro á camara que s. ex.ª não inventou o campo de manobras. Não inventou. Dissipados os receios que g. ex.ª tinha de que o considerassem como inventor d'aquella instituição, vem sempre que se trata da execução com os pomes dos seus antecessores o successores, o não se esquece nunca do se abrigar aquella sombra protectora do nobre vulto do marquez de Sá da Bandeira. (Apoiados.)

Nenhum de nós se lembra de ter combatido a instituição chamada «campo do manobras» (Apoiados.) que s. ex.ª não inventou.

O que o sr. ministro da guerra inventou, e eu deploro, foi o campo de manobras feito em condições taes, que o 4ornou odioso, e s. ex.ª já o confessou n'aquelle mesmo logar, por occasião de entoar aquelle poenitet, em cuja sinceridade o paiz acreditou por algum tempo. (Apoiados.)

Espectaculoso, como foi, despendendo-se ali rios de dinheiro, foi elle um golpe muito profundo para o exercito, porque o inhibiu d'aquelle instrumento de instrucção por muitos annos.

Eu comprehendo que, nas cireumstancias em que o campo de manobras se fez pela primeira vez, tudo concorria para que elle fosse mais caro; porque s. ex.os tinha as grandes despezas de installação; tinha o excesso de despezas que provém sempre de um aprendizado de administração, do que não houve pratica, mas não comprehendo que, apesar d'esses elementos que concorreram para encarecer aquellas obras, ellas custassem uma somma fabulosa, e ainda menos comprehendo que os representantes do paiz não saibam ainda ao certo quanto custou aquelle verdadeiro desvario. (Apoiados.)

Permitta-me a camara que eu diga ainda duas palavra? com respeito ao campo de Tancos, o essas na minha qualidade de militar.

Aquelles exercicios em que tanto se trabalhou e com tão boavontade de acertar, infelizmente pela direcção suprema que se lhes deu, foram feitos em condições taes que (com magoa o digo), o publico, ainda o mais illustrado, deu a taes exercicios a classificação, já hoje inolvidável, de cavalhadas de Tancos. (Apoiados)

É realmente pungente e doloroso para quem, como eu, tem os brios da classe militar, a que pertenço, ouvir o publico' chamar cavalhadas de Tancos áquelles exercicios, (Apoiados) e não ha do ser tão cedo que desappareça ou esqueça esse epitheto que é realmente affrontoso.

Falia muito da sua muita solicitude, da sua boa vontade o nobre presidente do conselho, mas o que é facto é que nós temos um exercito com um recrutamento que me atreverei a chamar um acervo de monstruosidades, (Apoiados.) sem reserva, ou antes com uma inutilidade chamada reserva e que serve só para avolumar os orçamentos e as paradas; (Apoiados.) com uma organisação atrazada de quinze annos, quinze longos annos, durante os quaes se tem operado profundas modificações no modo de ser dos exercitos; (Apoiados.) finalmente, um exercito, devo dizel-o, sem instrucção. (Apoiados)

E note se bem que eu não confundo de modo algum as differentes individualidades que constituem o exercito com o conjuncto do mesmo exercito.

Penso que todos reconhecem e estarão d'isto tão bem convencidos como eu, que no exercito portuguez ha officiaes, em todos os postos e em todas as armas, que são dignissimos, que são distinctissimos e que empenham os maiores esforços para elevar no conceito publico, e tornai o respeitavel, o exercito portuguez. (Apoiados)

Tenho pena que n'este momento estejam presentes alguns dos nossos collega3 que são militares, e dos mais distinctos, porque eu não queria melindrar a sua modestia, dizendo a seu respeito todo o bem que d'elles penso.

Alem de optimos officiaes temos muitos bons sargentos; infelizmente não aproveiifimo3 nós todo o serviço que nos podiam prestar.

E fallando de sargentos, creio que a camara não terá duvida em me permittir uma pequenissima digressão, que se cifra apenas n'uma pergunta que desejo fazer ao sr. ministro da guerra em relação a umas petições apresentadas aqui aos representantes do paiz.

O sr. presidente do conselho, na sessão do anno passado, quando se discutiu aqui o augmento dos soldos aos officiaes, teve occasião de prometter, se não me engano, a um ornamento que foi d'esta casa, o sr. D. Miguel Coutinho, que não podendo augmentar, como se pedia então, os vencimentos do3 sargentos, se responsabilisava na presente sessão a apresentar um projecto do lei tendente a dar-lhes algumas garantias, dando lhes logares era quadros, que não sei muito bem quaes fossem, nem d'isso trato agora.

O que é certo é que a sessão vae quasi no fim, o esse projecto ainda não foi apresentado.

O facto principal, porém, a que me desejo referir é o seguinte:

Apresentei n'uma das sessões, logo depois de constituida a camara, varios requerimentos de primeiros sargentos, que pediam ao parlamento que houvesse por bem tomar uma medida, em virtude da qual não só lhes fossem augmen-

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tados os vencimentos, mas lambera melhorada, pela maneira por que elles diziam, a lei de promoções.

Tive a cautela de declarar que me não conformava com o pedido que faziam, com relação ás alterações na lei de promoções, mas, conformando me ou não com elles, o que é certo é que eu os apresentei, o depois de mim (e v. ex.ª desculpa que eu falle da minha individualidade, e comprehende que o faço pelo facto de ter sido o primeiro na ordem chronologica a apresentar esses requerimentos), e depois de mira, repito, muitos outros srs. deputados, tanto da maioria como da minoria, apresentaram differentes requerimentos no mesmo sentido. (Apoiados.)

Ora, em primeiro logar, sobre esses requerimentos não me consta que haja resolução alguma; mas não é isso ainda o que mais me importa; o que mais me importa, e acho indispensavel, é obter uma resposta de s. ex.ª o sr. ministro da guerra, á seguinte pergunta: é, ou não verdade o que se diz o assegura, a respeito de ter s. ex.ª estranhado que se praticasse similhante acto, o qual julga attentatorio da disciplina, e que s. ex.ª se reserva o direito de, depois de encerrado o parlamento, punir convenientemente os sargentos?...

Sr. presidente, não me parece que nenhum cidadão portuguez, embora tenha por ministro o sr. Fontes Pereira de Mello, esteja inhibido do apresentar ao parlamento uni requerimento dizendo da sua justiça; mas a responsabilidade dos sargentos que fizeram esse requerimento, e entendo que o fizeram no pleno uso do seu direito constitucional, desappareceu perante nós, que tomámos a responsabilidade de os apresentar, e a nossa responsabilidade de quatro ou cinco deputados que os apresentámos, parece-me que desapparece perante a responsabilidade da camara toda, que os acceitou e admittiu.

Não creio que a camara possa de modo algum conformar-se com a idéa de que sejam punidos uns homens que não fizeram mais do que exercer um direito pleno, qual o direito de petição.

Digo isto sem a mais pequena hostilidade; digo-o unicamente para me tornar responsavel por esse crime, se crime o sr. ministro da guerra julga que houve.

Não exijo que ç, ex.ª tome a, palavra expressamente para responder ás considerações que tenho feito, porque ellas partem de um dos mais humildes membros d'esta assembléa; no entretanto, se s. ex.ª, no decorrer da discussão, tiver de tomar a palavra, muito me obsequiará, e certamente aos meus collegas, que tambem apresentaram taes requerimentos, se n'essa occasião nos disser a sua opinião a este respeito, e se tom, ou não, fundamento o que se diz.

Continuando, porém (e como prometti, a divagação foi bastante breve), dizia eu, que temos um exercito com bons elementos, mas porque temos esses bons elementos e vejo que elles reunidos não dão no conjuncto, a força e unidade que devera ter, porque lhes falta a direcção suprema, é que lamento que o sr. presidente do conselho e ministro da guerra por tantos annos presidindo a uma situação composta de ministros" que a opinião publica diz, mas ou não creio, que reinam e não governam, situação que teve grande auctoridade e prestigio no paiz o no exercito, tenha por tal modo desaproveitado tão bons elementos, o apenas haja de legar aos seus successores uma situação militar realmente desagradavel, realmente difficil, com um exercito sem instrucçâo. (Apoiados.)

Oh! sr. presidente! Um exercito sem instrucçâo, no momento que nós atravessámos, não é cousa que se veja sem espanto!

Eu creio, e não me parece que isto seja uma figura de rhetorica, que no actual modo de ser dos exercitos a instrucçâo lhes é tão necessaria como o alimento de todos os dias.

Passemos uma rapidíssima revista aos estabelecimentos de instrucçâo militar, começando pela escola do exercito.

No relatorio que o sr. Fontes publicou em 1874, depois de justificadissimas considerações ácerca da escola do exercito e estado d’ella n’esse anno, dizia-se:

Em 9 de outubro do anno proximo findo foi nomeada uma commissão incumbida de estudar o meio do reduzir a tres annos o curso preparatorio nos estabelecimentos do ensino superior, como já tinha sido legalmente fixado para a academia polytechnica do Porto; e na proxima sessão legislativa...»

Note a camara que isto era escripto em 1874 e estamos em 1879.

(Continuou a ler.)

«...ena proxima sessão legislativa espero poder apresentar ás côrtes algumas outras medidas, que, tendo em attenção os interesses do exercito, permittam utilisar melhor os sacrificios que o paiz faz para ter officiaes esclarecidos o competentes.?

Pois, sr. presidente, se o paiz tem officiaes esclarecidos e competentes, e effectivamente todos reconhecemos que os tem, é porque elles trabalham muito para isso; (Apoiados.) não é porque se lhes ministrem os meios convenientes, os meios indispensaveis, promettidos tão solemnemente pelo nobre ministro da guerra.

E para que v. ex.ª não possa lembrar-se de que eu quero deprimir q estado da instrucçâo sem ter a cautela do dizer algumas palavras que justifiquem a minha asserção, fal-o-hei, ainda que muito resumidamente.

Alguns collegas meus n'esta camara, o entre elles o meu amigo, o sr. Osorio de Vasconcellos, que vejo entrar n'esta momento, conhecem bem o estado da escola, e podem ajudar-me com o seu testemunho a dizer se nós podemos, ou não, sem grande desfavor, achar perfeitamente cahotico o estado do ensino na escola do exercito, que devera ser, e não é, uma verdadeira escola de applicação.

E digo ácerca da escola do exercito, para prevenir quaesquer interpretações erroneas, o que já dizia ácerca, da generalidade do exercito.

A escola do exercito, commandada por um general distinctissimo, tem magníficos professores, magnificos instructores...

(Interrupção do sr. Sá Carneiro, que não. se percebeu.),

(O orador dirigindo-se ao sr. deputado Sá Carneiro):

Se me dá licença, exprimi-mo do modo que não tomo a responsabilidade de assegurar que sejam absolutamente todos, e isto pela simples rasão do que ha hoje na escola do exercito pessoal que não tenho a honra de conhecer.

Dizia eu o que é de justiça dizer do pessoal, mas a organisaçao d'aquelle estabelecimento é deploravel; e sem com isto querer escandalisar ninguem, acrescentarei que é perfeitamente viciosa. (Apoiados.)

Os jurys que presidem aos exames de habilitação, o se reunem findos elles, lêem dirigido differentes relatorios ao ministerio da guerra, instando pela necessidade absoluta da reforma n'aquelle estabelecimento; e não me consta até, hoje que se tenha feito nada, a não ser a velha pratica:. commissões para estudar!

Oh! sr. presidente! Como se não faltasse já aquella escola o caracter que devera ter de ser essencialmente pratica, ainda o ensino na escola do exercito tendo a aristocratisar-se com as theorias.

Eu vi que para se estudar lá a photographia cursa-se a alta theoria do achromatismo, do que resulta obterem os alumnos provas photographicas extremamente theoricas, o pouco ou nada praticas!

Que precioso tempo, que eu reputo inteiramente perdido! (Apoiados.)

Tão perdido como aquelle que na cadeira de topographia se emprega no estudo de níveis não usados e de níveis pouco usados!

A cadeira de armas, regida aliás com rara proficiencia, tem uma parte que me não parece justificavel, porque é um verdadeiro estudo de archeologia.

Sessão nocturna de 13 de maio do 1879

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A meu ver é de nenhum interesse immediato o estudo das armas primitivas, com prejuizo do tempo consagrado ao estudo comparativo das armas actuaes.

Por amor ao passado é que eu ainda aprendi, e não ha muito tempo, a traçar as linhas de fortificação passageira, partindo do principio de ser de 200 metros o alcance maximo nas armas portateis!

Repito uma e muitas vezes: o que estou dizendo, nada tem com o professorado da escola, que é habilitadissimo e de provado zêlo.

O vicio é da organisação, é do systema, ou ante3 da ausencia de systema.

Com que methodo póde ser regida uma cadeira frequentada simultaneamente por alumnos que têem tres o quatro annos do mathematica, o por alumnos que apenas têem o exame preparatorio d'essa disciplina?

Succede, por exemplo, que um professor quer explicar um dado pouco, mas tendo entre os seus alumnos alguns que desconhecem o calculo differencial, vê-se obrigado a dizer-lhes em tom dogmatico: «olhem que zero dividido por zero é igual á unidade para os senhores do curso de infantoria». (Riso.)

Para cupula d'este edificio, que eu nem sequer esbocei, ha uma cousa a que se chama missões. Como passeio são uma digressão geralmente agradavel, como prova scientifica não têem valor algum; são uma burla.

Creio que, com respeito a vicios de organisação, o proprio professorado está. do accordo commigo, não só emquanto ás cadeiras militares, mas tambem em relação ás cadeiras de construcçâo. Esse professorado, que muito respeito, porque sou filho da escola, tem reclamado dezenas de vezes remedio para estes males, mas até" hoje continua tudo no mesmo estado..

Pela leitura que fiz dos jornaes, supponho que se apresentou hontem uma proposta pedindo-se auctorisação para a reforma dos estabelecimentos militares do instrucção.

É sempre o mesmo systema, sempre o adiamento, sempre os mesmos pedidos de largas auctorisações! (Apoiados.)

Uma auctorisação para que, e em que termos? Pois a commissão não podia ter feito já alguma cousa? E se o não tem feito, porque não exige o sr. ministro que o faça? O que me parece que não póde continuar é este velho systema de estar a nomear commissões para tudo, que geralmente não resolvem nada; que, instadas, respondem que estão estudando, o que nunca se atrevem a dizer a ultima palavra, em termos claros, sobre o ponto estudado! ' Isto não póde ser assim, sr. presidente. (Apoiados.)

Fallei da escola do exercito um pouco com as reminiscências do meu tempo. Qualquer melhoria é duvida aos cuidados dos proprios professores e instructores, e não á acção benefica do governo, que não póde desconhecer que os alunnos saídos das escolas chamadas de applicação, estão muito longo do ser ignorantes, mau na realidade não sabem aquillo que de preferencia e com maior proveito deviam saber.

Vis porque alguns lêem em pouca conta as suas cartas de Lábios.

E naturalmente está do accordo com esta idéa o illustre genera o sr. Sá Carneiro, que na sessão do sabbado classificou cartas de curso com a denominação extremamente pittoresce do papelinhos.

É um ilustre membro da maioria, muito sabedor d'estes assumptos, que reputa papelinhos os titulos com que saem das nossas escolas os officiaes do nosso exercito!

Não sou eu, não é um membro da opposição, é um illustrado membro da maioria que indica por esta fórma o estado em que julga as nossas escolas!

Depois de falhar da escola do exercito, e já v. ex.ª vê quanto de leve o fiz> eu não quizera fallar no collegio militar; isto por deferencia para com um collega, o sr. general Sá Carneiro, que é director d'aquelle estabelecimento, e por quem eu tenho consideração especial, se é possivel estabelecer qualquer differença na consideração que tenho para com todos os meus collegas.

Mas foi s. ex.ª mesmo quem, se só me permitte o termo, deu o golpe de graça no collegio militar, dizendo que elle de militar não tinha absolutamente nada. (Apoiados.)

Não me, parece que seja, pelo menos, agradavel, para o sr. ministro da guerra, depois de ter estado por oito annos á frente dos negocios da guerra, ouvir da boca de um dos homens mais auctorisados n'estes assumptos, do homem mais competente para tratar d'este ponto, porque é director d'aquelle estabelecimento, que ha no paiz um collegio militar que de militar não tem absolutamente nada. (Apoiados)

Mas remedeiam-se as faltas dos alumnos do collegio militar, com o aprendizado posterior no exercito; remedeiam-se as faltas dos alumnos da escola do exercito, porque a verdade é que os nossos officiaes se dedicam geralmente ao estudo dos bons livros; mas para o que não ha remedio é para a extrema pobreza, para a pobreza vergonhosa do uma, cousa que no orçamento figura com o nome de aulas regimentaes.

Eu folheei o orçamento, onde as respectivas verbas vem espalhadas por muitos pontos, e assim é conveniente, (porque é bom que não dê na vista) e encontrei que, quando em todas as despezas do ministerio da guerra, se gastam talvez mais do õ.000:000$000 réis, a despeza com a instrucção dos soldados pouco passa de 8:000$000 réis.

Eu folguei de ver que isto não vinha n'uma verba especial.

Acho assim melhor, para que quem abrir o orçamento não diga: — que organisação é esta, que exercito é este, qual é a instrucção que se lhe dá, quando se gasta apenas pouco mais do 3:000$000 réis para ensinar os soldados? (Apoiados. — Vozes: — Muito bera.)

Não póde ser!

Devo aqui dizer que o pessoal a quem está commettido o ensino, os padres capellães dos corpos, emprega, pelo menos alguns que conheço, o melhor dos seus esforços; mas, pela maneira por que estão organisado», eu antes desorganisados, os serviços militares, é absolutamente impossivel fazer alguma cousa.

Se está provado, ou se é facil provar pelas estatisticas, que as aulas regimen taes, pelo modo como estão estabelecidas, não dão nada, então retiremos esta verba do orçamento por inutil, verba que eu reputaria insignificante, verdadeiramente irrisoria, quando se quisesse que as aulas regimentaes fossem o que deveram ser, mas que reputo importante, uma vez que as aulas regimentaes não dão nada, e que póde ser applicada a qualquer das tantas cousas de que temos absoluta necessidade

Uma vez que é inutil acho que a quantia de 3.000$000 réis é importantissima; nós não estamos no caso de deitar o dinheiro, como vulgarmente se diz, pela porta fóra. (Apoiados.)

Eu realmente tenho fallado, fazendo sobre mim uma grande violencia. Nós tivemos sessão diurna e. estamos quasi no fim da sessão nocturna, com proximamente sete horas de sessão, e eu desejava que v. ex.a me dissesse quando conta encerrar os trabalhos para assim resumir as observações que tenho a fazer.

O sr. Presidente: — A meia noite menos dez minutos.

O Orador: — Passaremos da instrucção que eu chame propriamente, litteraria para a instrucção militar.

O quadro não é lealmente muito mais agradavel.

Concordo com o campo de Tancos onde se façam exercicios do divisão, concordo com os exercicios du brigada na primavera e no outomno. Mas esta maneira de começar pelo fim, e de procurar simplesmente dar na vista, prestar culto ás apparencias, não me parece a melhor.

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Fizeram-se exercicios de brigada na primavera o outomno; mas o que eu sei é que os officiaes do estado maior tinham que andar a pôr os soldados á mão! Como havemos de fazer exercicios do brigada, composta do regimentos, se estes não têem os devidos exercicios? Como hão de ser uteis os exercicios de batalhão, sem haver exercicios para as suas unidades tacticas? Não é possivel instruir assim! (Apoiados.)

(Pausa.)

Sr. presidente, estou extremamente fatigado, e sinto-me obrigado a terminar.

Espero que o sr. presidente do conselho responda á pergunta que lhe fiz, embora não seja n'este momento, mas em outra occasião, porque é natural que s. ex.ª tenha ainda necessidade de tomar parte na discussão do orçamento do ministerio da guerra.

N'estas considerações que acabo de fazer, referi-mo aos actos da administração do nobre ministro da guerra, e não á pessoa do sr. Fontes, porque na minha mente não houvo a intenção de fazer qualquer censura de caracter pessoal; mas se por acaso, e não se tomo isto por culto á rhetorica, proferi alguma palavra que possa offender s. ex.ª, eu immediatamente a dou como retirada, como faria a respeito de qualquer outro membro d'esta assembléa.

A v. ex.ª e á camara tenho a honra de agradecer a extrema benevolencia e lisonjeira attenção com que me escutaram.

Tenho dito..

Vozes: — Muito bem, muito bem.

(O orador foi comprimentado por quasi todos os srs. deputados presentes.)

O sr. Pereira Leite: — Requeiro a v. ex.ª que consulto a camara sobre se julga a materia d'este capitulo sufficientemente discutida.

Resolveu se affirmativamente.

Posto a votos o capitulo 6.° foi approvado.

Entrou em discussão o

Capitulo 7.º— Officiaes em disponibilidade e

inactividade temporaria................ 25:668$000

O sr. Mariano de Carvalho: — A camara tem presenciado como tenho assistido silencioso á discussão do orçamento do ministerio da guerra; e não tomaria a palavra n'esta occasião se não julgasse necessario pedir ao sr. ministro da guerra que desse explicações categoricas e precisas sobre alguns pontos que vou expor á camara.

Procurarei limitar as minhas observações, porque comprehendo que a camara está impaciente e creio que impacientíssima por votar o orçamento do ministerio da guerra.

Antes, porém, de expor em muito breves palavras o que desejo' submetter á consideração da camara e do governo, não posso deixar de felicitar o illustre orador que me procedeu pela sua brilhantíssima estreia. (Apoiados.)

Eu já conhecia s. ex.ª dos bancos das escolas. Tinha começado ha já algum tempo a apreciar e a admirar os seus grandes talentos e os seus habitos de estudo, e por isso lastimava que uma modestia, que não podia deixar de considerar menos bem cabida, o impedisse de tomar a palavra n'esta assembléa.

S. ex.ª acaba de dar provas de possuir os mais apreciaveis dotes parlamentares, e para bem do paiz e do parlamento é necessario que nos não prive por mais tempo de ouvir a sua palavra auctorisada. (Apoiados.)

Agora sem mais considerações, embora o meu espirito me levasse para outro ponto, vou entrar nas brevissimas reflexões que tenho a fazer.

Eu não procuro descrever á camara qual é a minha opinião ácerca do estado do exercito portuguez. A descripção d'esse estado fel a, melhor do que eu a poderia fazer, o illustre deputado, o sr. Goes Pinto, e fêl-a com uma grandissima auctoridade o illustre deputado da maioria, o sr. Sá Carneiro. (Apoiados.)

Não me canso, portanto, a desenrolar perante a camara o painel de lastimas que é toda a organisaçao militar portugueza, mas atrevo-me a dizer sem receio, que o governo, depois de oito annos do administração plácida, tranquilla, pacifica o nas condições mais favoraveis que o paiz tem desfructado desde 1852, tem o exercito em taes condições que, se o paiz precisasse pôr ámanhã em pé do guerra, já não digo um corpo do exercito, mas uma divisão, não o podia fazer. (Apoiados.)

E não o podia fazer, porque ao exercito falta a instrucçâo, e sobretudo falta um elemento importantissimo, um elemento sem o qual nos tempos modernos não póde haver organisaçao militar; falta-lhe a administração.(Apoiados.)

Se o ministerio da guerra quizesse pôr ámanhã em pé de guerra um corpo do exercito, corria o risco de que os soldados soffressem as mais duras privações o chegassem á frente do inimigo defecados pela fome. (Apoiados.)

É excellente fazer desfilar pelas ruas de Lisboa 120 canhões.

Isto arma ao effeito, seduz os espiritos superficiaes, faz acreditar aos que não estudam com uma certa profundeza estes assumptos, que a grandeza está provada por estas apparencias ostentosas; mas por detrás de tudo isto o que está é o facto tristissimo de que, se porventura para este paiz soasse uma hora de angustia, e a nação precisasse acudir pela sua honra, por maior que fosse o seu patriotismo, ella não estava habilitada a manter illeza essa mesma honra.

Não ha ninguem que affirme que estamos em circumstancias de nos podermos defender de uma aggressão violenta que qualquer nação se lembrasse de nos fazer.

D'esta gravissima responsabilidade não se lava o sr. Fontes Pereira de Mello, nem perante o parlamento, nem perante a nação.

Se ámanhã as complicações europeas, como esteve para succeder durante a guerra do Oriente, ameaçassem este paiz de um perigo serio e grave, não era de certo bastante para robustecer no espirito dos seus habitantes a idéa da resistencia, a declaração do sr. ministro da guerra e presidente do conselho, de que esperava a elevação dos seus adversarios ao poder para os applaudir nas medidas do melhoramento do exercito.

O triste facto é este, e eu provoco quem quer que seja, o sr. ministro da guerra, os srs. generaes Sá Carneiro o Almeida Macedo, que me ouvem, os officiaes de todas as armas, e todos quantos me escutam a que me digam, com a mão na sua consciencia, se Portugal tem hoje os meios defensivos que a sua população, o seu territorio, a sua riqueza e a eventualidade dos perigos exigiam que tivesse.

Não os tem, e digo isto sem querer fazer censuras, nem dirigir-me mais a estes do que áquelles homens politicos, não podendo, comtudo, deixar do reconhecer que a responsabilidade principal pertence a quem em mais propicias circumstancias e por mais tempo tem governado. (Apoiados.)

A fallar a verdade, se é bom ter 120 bôcas de fogo, se é bom augmentar o batalhão de engenheiros com mais duas companhias, é bom tambem termos mineiros e pontoneiros, e muitas outras cousas de que necessitámos.

Nós temos armas que podem ser boas ou más, e não discuto agora esse ponto, mas não temos quem saiba servir se d'ellas, e esta falta não provém dos soldados, porque, diga-se a verdade, dificilmente se encontrarão em qualquer paiz soldados que sejam mais patriotas, mais pacíficos, mais soffredores e mais susceptiveis de ensino do que os nossos, e se não aprendem é porque não têem quem os ensine.

Diz o sr. ministro da guerra que não póde ter menos do 23:000 homens em pé de paz, e que mesmo com este numero se torna difficil dar instrucçâo ao exercito, porque a força dos corpos está disseminada e dividida em destacamentos.

Sessão nocturna de 13 do maio de 1879

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De maneira que querem ter um exercito de 23:000 homens e dizem que não têem gente para a instrucção e para o serviço; mas um estrangeiro que ámanhã desembarcar no Terreiro do Paço, dirá sem duvida que nós somos um paiz essencialmente militar, ou ficará julgando estar em uma praça forte em tempo de guerra, porque logo ao desembarcar, encontra uma sentinella á estatua do Senhor D. José 1, por baixo das arcadas encontra tambem sentinellas, e dentro dos differentes ministerios mais sentinellas; volta-se para a rua dos Capellistas, e encontra guarda á porta do banco de Portugal; mais adiante, no deposito publico outra guarda; passa pelo edificio da moeda e vê outra guarda; finalmente chega ao palacio das côrtes e encontra uma companhia inteira, para nos guardar, como se nós fossemos grandes desordeiros, e os soldados passeiando os seus ócios pelo largo de S. Bento.

Aqui está a rasão por que não ha soldados; é porque estão empregados n'este util serviço.

Não me alongarei mais n'estas considerações, porque não quero desviar-me do proposito com que entrei no debate, e referir-me-hei aos pontos sobre os quaes desejo uma resposta do sr. ministro da guerra.

O primeiro refere-se ás celebres obras do palacio de justiça militar em Santa Clara.

Esta questão foi levantada pelo sr. visconde de Moreira de Rey, e nenhum governo que se preza, póde ficar callado, depois das considerações que se fizeram.

Diz a lei, expressa, clara e terminantemente, que todas as obras em edificios dependentes do ministerio da guerra, quer tenham caracter militar, quer civil, hão de ser dirigidas pela engenheria militar. Não ha excepção.

Entretanto, compra-se uma casa para servir de palacio de justiça, a qual custa 15:800$000 réis, consulta-se a engenheria militar sobre as obras necessarias para se apropriar o edificio ao seu fim, e a engenheria militar responde que a obra poderá custar 6:000$000 réis, mas que se não póde responsabilisar por que esteja prompta no tempo que o sr. presidente do conselho exige.

O sr. presidente do conselho encarrega d'este trabalho um mestre de obras! Não sei se n'isto entrou o ministerio das obras publicas ou o ajudante de campo do sr. ministro; quem não entrou foi a corporação que por lei estava incumbida de fazer a obra, e a consequencia natural e necessaria do abuso pela lei, é que o palacio de justiça militar, comprado por 15:800$000 réis, tem custado até hoje para se apropriar ao fim a que é destinado, 99:000$0Õ0 réis, sem nenhuma auctorisação legal, sendo esta obra feita por quem não podia fazel-a, nem dirigil-a! (Apoiados.)

Esta é a accusação que faço ao sr. presidente do conselho, e s. ex.ª não póde deixar de responder, explicando porque alterou esta disposição do corpo de engenheria, que vem desde o regimento de 1812 e se tem conservado na legislação até hoje. (Apoiados.)

E note-se que se chegou até á audacia do distrahir, contra todos os preceitos, da verba destinada a reparar estragos e desastres causados por temporaes, 13:000$000 réis para o palacio de justiça, tendo só lá havido o temporal da anarchia, do desperdicio e da falta de respeito á lei, que este governo introduziu no paiz! (Apoiados.)

Esta é a primeira questão que preciso que o sr. presidente do conselho deixo clara e límpida a fim de se saber como é que s. ex.ª póde gastar este dinheiro que não estava auctorisado a gastar, porque n'um paiz que não é rico e que está em más condições financeiras, é desperdicio gastar 99:000$000 réis em se apropriar um edificio para sede dos tribunaes de justiça militares.

O segundo ponto que desejo tratar é igualmente importante. Já o esbocei brevemente n'uma das sessões anteriores, e lamentei que n'essa sessão não estivesse presente o sr. general commandante da guarda municipal, porque talvez s. ex.ª podesse dar explicações a este respeito.

O sr. ministro do reino e o sr. relator da commissão não

poderam dal-as, nem por isso os censuro, porque não é essa a sua especialidade.

Fallo da questão do preço das rações do exercito.

Estava compromettido moralmente com a camara, não a dar lições sobre o assumpto, porque pouco sei d'elle, mas a provocar por parte do governo, esclarecimentos a fim de saber como estes negocios são tratados.

O sr. relator da commissão, querendo dar algumas explicações a este respeito, respondeu de uma maneira muito commoda: disse que os calculos do orçamento estavam certos.

Quasi que ía jurar que assim era.

Mas a questão não é essa. O que pretendo saber é qual o motivo por que, custando as rações de pão pura a guarda municipal a 42 1/2 réis, custam muito mais caras para o exercito.

A isto é que ninguem respondeu, e peço ao sr. presidente do conselho, ou a qualquer sr. deputado que exerça o commando de algum corpo, que nos dê explicações a este respeito, para que se não diga que não ha resposta para estas cousas..?

O sr. Almeida Macedo: — Peço a palavra.

O Orador: —Folgo que o illustre general, o sr Almeida Macedo pedisse a palavra, mesmo porque lhe proporciono occasião para uma estreia, o que deve de ser agradavel a s. ex.a á camara, que muito respeita os dotes e talentos de s. ex.ª

Eu, folheando o orçamento, encontro: «Rações de pão para a guarda municipal de Lisboa a 42 '/a réis; rações da pão para o exercito a 44 réis».

Como tenho um espirito naturalmente curioso, embora a minha intelligencia não me favoreça muitas vezes, quando desejo satisfazer a minha curiosidade, trato de consultar quem me possa dar as competentes indicações e a este respeito devo dizer, sem pronunciar nomes, que consultei alguns dignos officiaes do exercito e recebi uma resposta que me deixou verdadeiramente admirado: « São cousas da administração militar; ninguem sabe nada d'isso».

Foi esta a resposta que obtive, e confesso que me causou impressão que se não podesse explicar um facto qualquer senão com este mysterio.

Dei-me portanto ao trabalho de examinar este negocio, e achei factos que mostram que o espirito de ordem e do boa direcção nos negocios da administração militar é tal, que excedo tudo quanto da intelligencia mais arrojada se poderia esperar.

Achei, por exemplo, que se manda comprar trigo a Evora, o qual vem para Lisboa onde se faz pão, que vao a farinha para Vianna do Castello onde se faz o pão, para d'ahi ir para o Porto, Braga e Valença a fim de ser dividido pelos corpos ali estacionados; achei que se vae comprar o trigo no Alemtejo, que se transporta para Lisboa, onde se moo, que se manda a farinha para Evora, que lá faz-se o pão e depois distribue-se pelos corpos aquartelados na provincia do Alemtejo.

E uma administração admiravel, e já me não admiro nada de que o pão saia caro.

E devo de passagem dizer que as rações de pão alvo, fino ou branco, e esterno é um pouco hyperbolico, que se fornecem aos officiaes inferiores o músicos, é igual, quasi, ao que se fornece aos soldados da guarda municipal.

O regulamento militar de 1864 estabeleceu, se me não engano, um certo numero de divisões militares, nas quaes o pão fornecido aos officiaes inferiores e músicos é do trigo bom, e outras em que o pão é de centeio ou de milho, por ser mais barato e estar mais de accordo com os usos e habitos das localidades.

Tinha ou a audacia de imaginar que, tomando a média do preço do pão rio reino, para calcular o preço do pão que vem descripto no orçamento, ella seria igual ao preço do pão fornecido á guarda municipal; pois apesar do pão fornecido em duas divisões ser de milho ou de centeio, ainda

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assim é mais caro do que o fornecido á guarda municipal.

O sr. ministro da guerra, com o seu espirito generoso, quando faz as suas digressões por diversos pontos do reino, deixa sempre uma lembrança pela maneira sympathica como o recebem.

Foi s. ex.ª ao Algarve e deixou uma estrada que, apesar de ter só um kilometro construido, já custou 28:000$000 réis; foi a Vianna do Castello, onde, segundo disseram alguns jornaes, tivera uma recepção enthusiastica, e reconhecido pelas demonstrações que ali recebeu, e querendo dar uma prova da sua benevolencia, deixou em Vianna do Castello uma padaria militar, creação esta que tem o infortunio de ser contemporanea das eleições.

Como já disso, o trigo vem para a padaria militar de Lisboa e d'aqui vae em farinha para Vianna do Castello, para lá se fabricar o pão e ser este remettido para Braga, Valença, Porto e Bragança.

Parece que o illustre general, que commanda a divisão do Porto, muitas vezes tem demonstrado a conveniencia de haver unia succursal da padaria militar na cidade do Porto; e naturalmente todas as circumstancias pediam que houvesse n'aquella cidade uma succursal da padaria; mas afigura-se-me que isso se não fará, que não haverá succursal no Porto, e que o trigo virá a Lisboa, para ser reduzido a farinha pela industria particular, sendo enviada para o Porto que a verá passar com gosto e prazer para Vianna do Castello, para depois de transformada em pão voltar ao Porto!

Creio que Vianna do Castello não estava nas condições de ter uma succursal de padaria militar. Para a ter parece-me que foi preciso fazer fornos, officinas e armazens que custaram 3:-00)5000 réis approximadamente.

Como a repartição do ministerio da guerra não se achou habilitada, com os fundos necessarios para pagar este beneficio a Vianna do Castello, quem vae pagar isso é o preço do pão.

Estas e outras rasões é que explicam o preço excessivo das rações do pão ao exercito. A phantasia do nobre ministro da guerra levou-o a estabelecer uma succursal da padaria militar em Vianna do Castello para fornecer pão a uma parto da força militar que está no Minho, a estabelecer fabricas e a construir armazens, mas tudo isto ha de entrar no custo do pão. (Apoiados.)

Não fallo do outros pontos de boa administração que se dão n'este ramo de serviço publico. Não me canso com isso. Sou leigo na materia, e mesmo áquelles que são instruídos n'ella não lhe lançam muita luz.

A padaria militar fez-se n'umas barracas; gastou-se muito dinheiro com as obras e concertos que foi preciso fazer, e essas despezas carregam no preço do pão.

Ha tambem em serviço da administração militar, creio que 400 homens. Estes 400 homens recebem os seus vencimentos e pret pelo respectivo orçamento; mas alem d'isso recebem as gratificações á custa do pão do pobre soldado.

A padaria militar está estabelecida nas taes barracas, e todo o serviço de um estabelecimento regularmente montado que se faz por meio de machinas a vapor, ali é feito a braços.

A unica machina a vapor ali conhecida é da força de oito cavallos, que serve só para pôr em movimento uns peneiros.

De tudo isto resulta, como já disse, o alto preço porque saem as rações, e resulta ainda cousa mais fabulosa!

Citarei um exemplo.

Creio que foi hontem ou um dia d'estes, que passou uma petição ou representação, em respeitosa continência ao sr. ministro da guerra, assignada não sei se pelo senhor Infante D. Augusto, commandante da brigada do cavallaria, se pelo general commandante da 1.ª divisão militar, queixando-se de que as forragens fornecidas aos corpos de cavallaria da 1.ª divisão militar, eram muito más, levavam muita terra, produzindo doenças nos cavallos, o nomeadamente nos do regimento de cavallaria n.º 2.

Creio que esta representação passou a tão respeitosa distancia de s. ex.ª o sr. presidente do conselho e ministro da guerra, que elle ainda talvez não teve conhecimento d'ella, mas procure s. ex.ª ámanhã informar-se do caso, e ver se haverá motivo para alguma syndicancia, mas que não seja como a da padaria militar, que apesar de terminada ha tanto tempo, ainda não deu resultado; apenas e que parece averiguado de todo, é que havendo um alcance de 1:160$000 réis, o inquerito e syndicancia custou mais de 2:0000$000 réis!

Em todo o caso, a syndicancia por emquanto tem dormido um somno que se parece c o somno dos justos, e apenas d'ella resulta como real, os 2:000$000 réis gastos.

Agora resumo as observações que fiz e as perguntas que tenho a fazer ao governo, em duas proposições muito simples.

1.ª Que lei auctorisou o governo a tirar á engenheria militar a direcção das obras do tribunal do justiça do Santa Clara, e a fazer n'aquelle edificio, n'um paiz que não é rico, uma despeza de 99:000$0Ó0 réis em apropriações?

2.ª Se s. ex.ª entende, que podem homens serios, que suppõem ter noções de pratica administrativa, conservar a respeito do fornecimento das rações para o exercito, a situação que acabo de referir; isto é, de se comprar trigo na provincia para se moer em Lisboa n'um estabelecimento particular, porque a padaria militar não tem machinas de moagem, para depois transportar a farinha para uma certa localidade da provincia, para ahi se fazer pão para depois pelo caminho de ferro ser transportado ás outras localidades, muitas vezes intermedias entre a padaria militar e a succursal?

Desejo saber de s. ex.ª se julga bom um tal systema, e, no caso contrario, quando traz ao parlamento as propostas necessarias para remediar estes inconvenientes.

Limito aqui as minhas observações, pedindo desculpa a v. ex.ª e á camara de lhe ter tomado mais tempo do que desejava.

Tenho dito.

(O orador não reviu este discurso.) O sr. Presidente: — A ordem do dia para ámanhã é a continuação da que estava dada. Está levantada a sessão. Eram onze horas e tres quartos da noite.

sessão nocturna de 13 de maio de 1879

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