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N.º 5
SESSÃO DE 9 DE MAIO
PRESIDENCIA DO Sr. SILVA SANCHES.
Chamada: — Preteritos 79 srs. deputados. Abertura: — Ao meio dia. Ada — CORRESPONDENCIA.
Declarações: — 1.ª Do sr. Sampaio, participando que o sr. José Estevão não póde comparecer á sessão de hoje, porque ainda continua o seu incommodo de saude. — Inteirada.
2. Do sr. Palmeirim, participando que o sr. Casal Ribeiro não póde comparecer á sessão de hoje, por motivo justificado. — Inteirada.
Officios: — 1. Do sr. Vellez Caldeira, participando que por incommodo de saude não póde concorrer hoje á camara, e talvez amanhã e no dia seguinte. — Inteirada.
2. Do sr. C. M. Gomes, participando que, achando-se doente, comparecerá na camara logo que lhe seja possivel. — Inteirada.
3.º Do ministerio da guerra, acompanhando um mappa das obras precisas nas fortificações e edificios militares, no continente do reino, satisfazendo assim a um requerimento dos srs. Vasconcellos e Sá, o Palma. — Á commissão de guerra.
4.º Do ministerio da marinha e ultramar, declarando, para satisfazer a um requerimento do sr. Arrobas, que por ora não tenciona emprehender a construcção de algum navio de guerra, esperando vêr o resultado do novo systema Ericson, para se decidir a contractar a construcção de uma fragata a vapôr, de que muito se carece. — Para a secretaria.
O sr. Secretario (Rebello de Carvalho): — Os parochos do concelho de Felgueiras, districto do Porto, remetteram-me, para a apresentar a esta camara, uma representação, na qual pedem que as disposições da lei de 8 de novembro de 1841, que mandam cobrar por meio do ministerio publico as derramas em dinheiro para as congruas, sejam tambem extensivas áquella parte das mesmas congruas, que consiste nos direitos de estola. Esta representação é fundada em justiça, porque constituindo os direitos de estola uma parte das congruas, não e justo que os parochos tenham de demandar os devedores, por meio de uma acção ordinaria, e á sua custa, mas sim que se siga tambem a respeito destas dividas a regra de serem cobradas pelo ministerio publico, assim como o são as derramas em dinheiro.
Foi remettida á commissão ecclesiastica, para a tomar na devida consideração.
Foram lidos na mesa os seguintes pareceres de commissões.
Parecer (n.º 30 D): — Foi presente á commissão de fazenda o requerimento de João do Valle, no qual se queixa do governo, por lhe não ter concedido o subsidio que lhe compete, na conformidade do decreto de 16 de janeiro de 1834, na qualidade de alcaide, que foi, do imposto das Silveiras, no almoxarifado de Samora Corrêa. j
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Em vista da consulta do tribunal do thesouro, e informação do procurador geral da fazenda, que foram remettidas com officio do ministerio da fazenda, de 9 de julho de 1852, das quaes se conhece o direito do supplicante, a commissão é de parecer que este requerimento, apesar dos lermos improprios e inconvenientes em que se acha redigido, seja remettido ao governo, para deferir como fôr de justiça.
Sala da commissão, 26 de abril de 1853. — F. Joaquim Maias J. Antonio de Freitas s Antonio dos Santos Monteiros Augusto Xavier Palmeirim J. M. do Casal Ribeiro
Foi approvado sem discussão.
Parecer (n.º 30 C) — A camara municipal da villa de Aldêa-Gallega do Ribatejo achando-se debitada na quantia de 1:585/828, importancia das terças do seu concelho do anno de 1842 até 1851, queixa-se de não ter podido satisfazer esta avultada quantia que lhe fôra lançada devidamente nos annos de 1842 a 1849, collectando-se as contribuições e impostos municipaes, quando a terça só devia ser deduzida dos bens e cousas do concelho; queixa-se álem disso de que tendo recorrido em diversas épocas ao tribunal do thesouro publico ficaram os seus
recursos sepultados naquelle tribunal, sem solução alguma até agora. A commissão com quanto, reconhece a justiça da camara, é de parecer que o requerimento deve ser remettido ao governo para lhe deferir como fôr de justiça, fazendo resolver as suas reclamações pendentes.
Sala da commissão, 30 de abril de 1853. =: F. J. Maya = A. Xavier Palmeirim. Maria do Casal Ribeiro s P~. da Junqueira s J. A. de Freitas s A. dos Santos Monteiro.,
Foi approvado sem discussão.
Parecer (n 30 D) — No incluso requerimento instam D. Maria Rosa de Lima. suas irmãs, e um irmão mudo, todos filhos de Gabriel Lopes da Silva que foi director da alfandega de Moura, pela resolução de um outro requerimento feito á camara em 3 de março de 1819, a fim de passar para as requerentes o subsidio concedido ao pai por decreto de 11 de novembro de 1849.
Pela informação da secretaria consta que o requerimento alludido foi remettido ao governo depois do dar parecer sobre elle a commissão de fazenda daquella época.
Como agora alludem as supplicantes a uma recente recommendação do governador civil do districto feita ao ministerio da fazenda; parece á commissão d fazenda que se deve remetter o requerimento ao governo pelo referido ministerio.
Sala da commissão, 30 de abril, de 1853. sr. J. Maya s Justino A. de Freitas s A. Xavier Palmeirim = Maria do Casal Ribeiros V. da Junqueira = A. dos Santos Monteiro.
Foi approvado sem discussão.
Parecer (n.º 30 E) — A commissão de administração publica foi presente uma representação da camara municipal de. Lagos, queixando-se de que o cofre geral do districto lhe seja devedor de mais de 3
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contos de réis para a creação dos expostos, e que dahi vem o atrazo de pagamento de annos inteiros as amas; pede providencias para a satisfação deste deficit, visto que as outras camaras resistem aos pagamentos das quotas, que ]lies são impostas.
Parece á commissão que havendo na lei providencia para este caso, seja a representação remettida ao governo para resolver como fôr de justiça.
Sala da commissão, em 2 de ma iode 11153. = Francisco Carvalho, presidente = A. Ferreira de Macedo Finto, secretarios J. H. da Cunha Rivara, relator
— José de Moraes Faria e Carvalho = A. Rodrigues Sampaio = A. E. Giraldes Quelhas.
Foi approvado sem discussão.
O sr. Mello Soares: — Envio para a mesa uma representação dos moradores do logar de S. João da Serra, e de outros visinhos, pedindo a creação de uma cadeira de instrucção primaria, visto a distancia em que se acha este povo do logar em que a ha. Parece-me de justiça, e é altamente importante, para dever ser attendida; portanto intendo que deve ser remettida á commissão de instrucção publica.
O sr. D. Rodrigo de Menezes: — Sr. presidente, não ha duvida que existe uma lei, que prohibe a creação de pensões novas, sem vagar o dobro das antigas; mas, para esta lei se levar a effeito, é preciso que esta camara saiba o assentamento das pensões, e as vacaturas que nellas ha. Em 1849 fez se um assentamento imperfeito; em 1851, no ministerio do sr. Avila, de que lhe cabe muita honra, foi publicada uma portaria mandando fazer um novo assentamento, e que se remettesse todos os annos a esta camara uma relação das vacaturas das pensões. Infelizmente isto não se cumpriu, e agora eu pensei que devia fazer um requerimento neste sentido, tanto mais que eu intendo, e declaro á camara, que não voto por pensão nenhuma em quanto senão discutir o orçamento. (Apoiados) É verdade que, para discutir o orçamento ha muito que fazer, porque, só para a illustre commissão a que está commettido examina-lo, tem sido precisos 3 mezes, e então está visto que em sessão ordinaria não se póde votar o orçamento, nem discutir; e os cordões da bolsa do povo, que se diz que estão na nossa mão, e que por isso governamos, passam para a mão do governo, porque, não sendo possivel votar-se o orçamento em sessão ordinaria, o governo ve-se obrigado a prorogar a sessão, e no fim vem pedir uma auctorisação para receber os tributos, e eu não posso deixar de lha dar.
Não quero dizer que é culpa da commissão, ou da camara; mas a verdade é que as commissões estão trabalhando, toca a campainha, os seus membros veem para a camara, e os negocios graves e importantes ficam adiados... (O sr. Santos Monteiro:
— Peço a palavra sobre a ordem) O Orador: — Eu não pertendo arguir a commissão; mas se ella se julga arguida, eu tenho muito mais a dizer; tenho a dizer, que as illustres commissões não têem correspondido ao que se espetava dellas; não porque os illustres deputados não tenham a melhor vontade, muita intelligencia, muito saber, e muito merecimento; mas, o facto é, que não se faz nada, e ninguem poderá negar, que ha mais de 3 mezes que o orçamento está distribuido, e ainda não ha parecer sobre elle.
Sr. presidente, a minha opinião não é suspeita, porque fui eu que matei as secções, por uma proposta que fiz para esse fim; mas devo, por uma expiação declarar á camara, que estou arrependido (Apoiados) e, se um illustre deputado que me ouve, e que outro dia tão urbanamente me tractou, quizer propôr as secções, lerá o meu voto.
Se, para os illustres cavalheiros que compõem as commissões, que são pessoas de uma alta intelligencia, são precisos 3 mezes para revêr o orçamento, para uma intelligencia tão fraca, e diminuta como a minha são necessarios 6.
Termino mandando para a mesa o seguinte requerimento. (Leu)
O sr. Presidente: — Este é dos requerimentos a que pela mesa se póde dar destino. Alguns srs. deputado tem pedido a palavra, mas parece-me que ioda a discussão que estava preparada sobre este objecto, deve terminar, porque não ha base para ella. (Apoiados) Continuarei a dar a palavra áquelles senhores, que se acham inscriptos para antes da ordem do dia.
O sr. Jeremias Mascarenhas — Peço ser inscripto para apresentar um projecto de lei.
O sr. Silvestre Ribeiro: — Tenho a mandar para a mesa uma nota de interpellação ao sr. ministro dos negocios da marinha e ultramar, sobre objecto de alta importancia, e vem a ser, a emigração dos povos insulanos, dos Açôres, e Madeirenses para outros paizes. Eu não pertendo cançar a attenção da camara sobre elle, limito-me pois a mandar para a mesa a seguinte:
Nota de interpellação: — Requeiro que seja prevenido o sr. ministro dos negocios da marinha e do ultramar de que pertendo pedir a s. ex. me informe — se o estabelecimento de Mossamedes tem prosperado; e em caso affirmativo se póde tirar-se partido do mesmo estabelecimento, para accommodar alguns colonos Madeirenses, empregando-se assim um dos meios indirectos de obstar á emigração para Demerara, e para outros paizes. — Silvestre Ribeiro.
Mandou-se fazer a communicação respectiva.
O sr. Pinto de Almeida: — Mando para a mesa um requerimento, declarando, que um facto nelle allegado, tenho documento para o provar, se fôr contestado. (Leu)
Ficou sobre a mesa p ira ter ámanhã o competente destino.
O sr. Avila: — Na sessão de sexta feira disse, que havia de fazer á mesa um requerimento, para que fosse impressa a proposta do governo apresentada a esta camara em 17 de fevereiro de 1852, para a construcção de um caminho de ferro de Lisboa á fronteira de Hespanha; e ao mesmo tempo, que se imprimisse com essa proposta o relatorio, e programma da commissão creada por decreto de 18 de julho de 1851 (que só por engano não seria impresso) e serviu de base ao parecer ri. 45 de 1842; porque, estes esclarecimentos, intendo que é de muita utilidade estarem na mão de todos os illustres deputados; e, pela minha parte, declaro que tenho aprendido bastante nelles, e espero ainda aprender mais.
Mando pois para a mesa o seguinte requerimento, cuja urgencia peço:
Requerimento. — Requeiro que seja impressa para ser distribuida na camara a proposta do governo de 17 de fevereiro de 1852, sobre a construcção de um caminho de ferro de Lisboa á fronteira de Hespanha, juntamente com o relatorio e programma da commissão nomeada pelo decreto de 18 de julho de
VOL. V — MAIO — 1833.
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1851; trabalho» que serviram de base ao parecer n.º 45, de 1852. — Avila.
Foi declarado urgente, e approvado tem discussão.
O sr. Honorato Ferreira. — Mando para a mesa a seguinte
Declaração de voto: — Declaro que se estivera presente na sessão de 6 de corrente, quando se discutiu uma proposta do sr. Pinto de Almeida, leria votado do mesmo modo que já o havia feito na commissão administrativa, a que tenho a honra de pertencer, isto á — que a divida nos srs. deputados da legislatura dissolvida em 1851, em cujo numero me comprehendo, e ao empregados da camara, por occasião do decreto de 3 de dezembro, está sujeita á capitalisação estabelecida no mesmo decreto. — Honorato Ferreira.
Mandou-se lançar na acta.
O sr. Bilhano: — Mando para a mesa uma representação da junta de parochia, da freguezia de Agueda, assignada por mais de 120 comparochianos, em cujo numero se contam as principaes pessoas da freguezia, pedindo á camara decrete o imposto indirecto de um real em cada quartilho de vinho, que é vender por espaço de 8 annos atavernado, em medidas de meia canada, inclusivè para baixo, não só na freguezia, mas em todo o logar de Santão, destinado o producto deste imposto a obras da igreja, e reparação das capellas, e ermidas da freguezia, que se acham em grande ruina, e em glande precisão de ornamentos, e mais utensilios necessarios para as funcções do culto religioso.
Permitta-me v. ex.ª, e a camara, por esta occasião; que eu diga, que considero muito justa ela pertenção, e de ingente necessidade se decrete o tributo pedido.
Sr. presidente, a freguezia de Agueda e uma das principaes do bispado por sua extensão, e maior população; a sua igreja parochial é um dos templos mais magnificos da diocese, pela sua vastidão, e grandeza de sua architectura; em outro tempo fôra abastecida de todos os ornamentos, e alfaias necessarias para o serviço do altar, e celebração das funcções religiosas, que alli eram sempre feilas com toda a pompa, e esplendor, sendo por isso muito concorrida dos povos das freguezias circumvisinhas; mas o decurso dos tempos, e as differentes fataes vicissitudes que se tem succedido, entrando neste numero a ominosa invasão franceza, despojou aquella igreja das sua» preciosidades; o edificio acha-se em ruina, e a igreja na escacez dos ornamentos mais indispensaveis para a decencia dos officio» religiosos.
Esta falla não póde remediar-se pelos meios ordinarios, porque os não ha. A receita da fabrica parochial é tão minguada, que com difficuldade póde costear as despezas mais insignificantes. Na igreja parochial não ha instituições pias, que posam coadjuvar com meios pecuniarios as despezas da parochia, por que as que existem, mal podem fazer face a seus ordinarios encargos.
Resta, sr. presidente, o meio das fintas, de que resa o artigo 325.º do codigo administrativo; mas este meio tem grandes inconvenientes, e offerece todas as difficuldades dos tributos directos, e por isso a junta e os parochianos recorrem ao meio do tributo indirecto, meio mais suave e menos gravoso ao povo.
Prescindindo agora de outras considerações, que serão addusidas na occasião de ser convertido, como espero que o seja, o pedido da junta de parochia em projecto de lei, lembrarei apenas á camara que o tributo que se pede, e pedido, e com instancia por aquelles mesmos que tem de o pagar; e por isso rogo a v. ex.ª e á camara que tomem na devida consideração a representação que apresento.
O sr. Santos Monteiro — Sr. presidente, pedi a palavra para lembrar a v. ex.ª que me achava inscripto para apresentar um projecto de lei, não por que queira apresental-o hoje, mas peço a v. ex.ª que para esse fim me conceda a palavra ámanhã. Como estou em pé queria dar uma explicação sobre a não apresentação do orçamento nesta camara.
Eu não sei se a commissão de fazenda trabalha ou não; se trabalha bem ou mal, se são melhores ou peiores as secções: o que sei é que haja ou não secções, o exame do orçamento sempre ha-de ser remettido a uma commissão, e o exame de todos os negocios ha-de ser remettido a commissões centraes, e para o orçamento sempre ha-de haver uma commissão que centralize Iodos os negocios que lhe dizem respeito. Não sei, repito, o que fazem as commissões; mas o que posso dizer com relação á commissão de fazenda, é que nenhum de seus membros é unicamente membro da commissão de fazenda, é demais algumas, e nenhum delles deixa de dar cumprimento com o maior trabalho e assiduidade ás incumbencias que lhe foram dadas por esta camara, e nenhuma commissão trouxe ainda para a mesa tantos negocios como a de fazenda, não obstante estar reduzida só a 6 membros.
Relativamente ao orçamento é certo que o sr. ministro da fazenda cumpriu a disposição do acto addicional, apresentando-o á camara no dia proprio, i = to é 15 dias depois de abertas as côrtes; mas a commissão de fazenda não podia examinar o orçamento em um só dia, e se tem lido alguma demora mais, é porque estava dependente da approvação ou reprovação das leis da dictadura, muitas das quaes, como a camara sabe, prendem com a dicussão do orçamento, e ainda estão presas com elle, por que não obstante as leis da dictadura passarem na camara dos deputados não são leis em quanto não passarem tambem na camara dos pares, e obtiverem a sancção regia.
A commissão de fazenda tem feito o mais que se podia fazer. Não digo isto, porque queiramos alardear serviços; ella tem cumprido á risca o preceito do regimento desta camara; não tem trabalhado só aqui, mas fóra daqui até á uma hora da noite.
Nós podiamos ter trazido para a camara o orçamento com relação a alguns ministerios, não a todos, e era o systema que nós tinhamos adoptado para apresentação desses ti aba lhos na camara. Alas depois intendemos que era muito melhor trazer o parecer sobre todo o orçamento, e acompanhado logo da lei de meios (Apoiado») e occupando-nos tambem de instruir o orçamento com a maior somma de esclarecimentos que possa ser, a fim de facilitar a discussão; e para esse fim pedimos a todas as illustres commissões, que têem relação com o orçamento, que nomeassem um dos seus membros para conferenciar com a commissão de fazenda, a fim de logo na propria commissão de fazenda serem resolvidas algumas duvidas, que escusado era que apparecessem na camara. Alguns des-
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tes srs. têem comparecido, e temos ganho muito com as suas luzes. A respeito da commissão de guerra hoje mesmo acaba o sr. Placido, que tinha sido nomeado por esta commissão para concorrer á do orçamento, de nos tirar de uma duvida em que estavamos, por que tinhamos a tractar do orçamento do ministerio da guerra, e era necessario sermos esclarecidos sobre alguns pontos importantes, mas tinhamos pezar de o não poder fazer com aquella brevidade que se deseja, porque tinhamos ouvido que o sr. Placido não gostava de trabalhar de noite; porém o sr. Placido já disse que estava prompto; leve a bondade de a = sim o declarar esta manhã. A commissão ha-de ouvi-lo e combinar com elle nos trabalhos relativos ao orçamento da guerra, para resolver algumas propostas do governo que prendem com este orçamento.
Pelo que respeita a economias, a commissão tem dado provas de querer ser economica, como podem dar testemunho todos os nobres deputados, e a commissão espera sobre o objecto — pensões — estar habilitada para apresentar a camara antes da discussão do orçamento uma questão previa sobre este objecto, que é saber se nos havemos de restringir a approvar ou reprovar como parece ser a letra da disposição da carta constitucional, as quantias decretadas pelo governo, ou se podemos modifica-las, porque se assim fôr, o negocio é um; senão, é outro.
Fallam tambem á commissão alguns esclarecimentos pedidos pela meza, que ainda não tem vindo, e depois conferenciar com os srs. ministros; mas posso asseverai á camara que o orçamento vem breve, e, se me não engano, de hoje a 10 dias deve estai prompto.
O sr. Carlos Bento — Sr. presidente, eu tinha prevenido s. ex.ª o sr. ministro da fazenda, de que na sessão de hoje havia de pedir a s. ex.ª a apresentação do relatorio do ministerio da fazenda.
Sr. presidente, falla-se no orçamento, e suppõe-e que o orçamento é essencialmente necessario, para que uma camara vote uma lei de receita e despeza; isto é suppõe o que se não deve. Uma camara não deve votar a receita e despeza do estado senão na presença do relatorio do sr. ministro da fazenda. O orçamento e o calculo de uma probabilidade, o relatorio é seguramente a situação presente, o desenvolvimento dos factos, por onde se póde apreciar aquelle calculo. Eu não quero dirigir uma accusação ao sr. ministro da fazenda por não ler ainda apresentado o seu relatorio, mas dirijo-a ao systema actual, em que nos achamos sem culpa de ninguem, mas por força das circunstancias. E impossivel que nenhum ministro, por maior que seja a sua intelligencia, e por mais actividade que desenvolva no sentido do bem do paiz, possa chegai para o bom desempenho, e possa provêr a todo o serviço das repartições a seu cargo: as foiças de um homem não podem chegar para tanto. Esta situação ha-de acabar, porque nenhum ministro póde lera seu cargo um trabalho improbo que ninguem póde desempenhar, porque se fosse necessario unicamente talento e habilidade para isso, de certo o sr. ministro da fazenda desempenharia cabalmente; mas este serviço é superior ás forças de todo o homem, não ha ninguem que possa ser ministro assim Este systema ha-de cessar; felizmente havemos de entrar n'uma outra marcha.
E apparece uni novo inconveniente das situações extraordinarias, isto é, o orçamento depois de uma dictadura não se póde votar, senão depois de um
grande praso. Eu estimo isso muito, estimo que a. dictaduras mostrem os inconvenientes que têem, e, sr. presidente, se as dictaduras têem estes inconvenientes, quando são exercidas por cavalheiros a respeito de cujo caracter e de cuja intelligencia eu nem por um instante duvido, o que não serão quando forem exercidas por individuos que não reunam as circumstancias que se dão naquelles que estão no ministerio! (Apoiados) Estimo muito que assim se faça o processo ás dictaduras, e que intendamos, uma voz por todas, que não póde haver monarchia constitucional temperada pela dictadura. (Apoiados) Ainda bem, sr. presidente! As dictaduras administrativas são as peores de todas as dictaduras. As dictaduras politicas ainda invocam principios extraordinarios verdadeiros ou falsos; mas as dictaduras administrativas não têem grande desculpa. Comtudo intendo que a camara foz muito bom em votar absolvição politica pela dictadura; eu faria o mesmo se tivesse votado; não votava por todas as leis da dictadura, mas absolvia os ministros da responsabilidade, porque avalio as boa. intenções, o amor ao seu paiz, com que tomaram a maior parte das medidas; mas intendo que apezar dos bons desejos, apezar das boas e rectas intenções, podemos enganar-nos num systema, e eu estou persuadido que este systema e errado. Não quero condemnar o passado; a dizer a verdade não vejo grande vantagem em desenterrar accusações ao passado; reformemos o futuro; o futuro e que eu quero que seja differente do passado, e é preciso insistir neste ponto, porque, sr. presidente, se as razões que se apresentam, são para auctorisar os actos de dictaduras passadas, acceito-as; mas se essas razões se querem estabelecer para auctorisar dictaduras futuras, rejeito-as completamente, e intendo que a camara está de accôrdo comigo. (Apoiados) E preciso que não se diga, que basta que um acto tenha boas tendencias, que seja destinado a produzir um bem para o paiz, para devermos absolver a irregularidade de similhante acto; não, sr. presidente, todas as vezes que quizermos fazer bem ao paiz, violando a constituição do estado, o bem é incerto, e o que ha de certo é a violação; (Apoiados) o bem é a contingencia do futuro, a violação é o mal do presente.
Sr. presidente, sem o relatorio do ministerio de fazenda, nós não podemos fazer idéa da situação actual da nossa fazenda; eu citarei um exemplo. Já o sr. Avila pôz em duvida a exactidão do computo de uma das verbas de receita do orçamento, a das notas; e ha mais alguma cousa: ha mais de que probabilidade, para julgar que o orçamento está exaggerado, quanto á receita. Já pela publicação das contas da junta do credito publico podemos vêr que esta verba das notas é inexacta. O proprio orçamento de 52 — 53 depois de calcular o rendimento das notas, accrescenta n'uma nota o seguinte «calcula-se em menos que o anno anterior, por isso que, tendo diminuido a circulação das notas nos distinctos administrativos conforme a lei de de 20 de abril, o rendimento das mesmas notas deve ser menor;» e o orçamento de 53 — 54 que devia ter attenção a esta nota, que devia reforçar este argumento, porque a circulação das notas devia ser ainda menor nos districtos administrativos, não diz nada, e calcula o rendimento das notas pelo anno antecedente. Ha ainda uma circumstancia; nesse orçamento calcula-se que o rendimento da alfandega do Porto, em consequencia da lei relativa
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ao vinho do Douro, deve diminuir em 240 contos; eis-aqui mais um desfalque no rendimento do imposto das notas; e uma nova diminuição, mas o orçamento não se faz cargo desta diminuição, Já se vê que neste ponto o orçamento é deficiente. O orçamento faz mais alguma cousa, diz «calcula-se para mais o rendimento de decima atrazada em 180 contos segundo os mappas juntos ao relatorio do ministerio da fazenda.» Que e desses mappas? Que é desse relatorio? O que é verdade, sr. presidente, é que sem estes esclarecimentos, sem este relatorio do ministerio da fazenda, não podemos fazer idéa da nossa situação financeira.
Isto não é uma accusação ao sr. ministro da fazenda; s. ex.ª não póde, faz mesmo mais do que póde, mas ninguem póde negar que neste ponto é má a nossa situação.
Deverei dizer ainda duas palavras antes de concluir a respeito da comparação entre as commissões e as secções. Eu declaro á camara que não tenho fanatismo nem enthusiasmo pelas commissões; mas devo dizer, que nesta camara presenceei accusações da mesma natureza dirigidas as secções. (Apoiados) E note-se que a commissão de fazenda está incompleta. Pois, sr. presidente, todas as outras commissões lêem pedido a esta camara o auxilio das luzes de collegas seus, e a commissão de fazenda incompleta, é a unica que não tem tractado de se completar? E trabalho demasiado que s. ex. teem querido tomar sobre si; mas intendo pela minha parte que a commissão abusa das suas forças e da sua dedicação pelo serviço. Não póde por certo uma commissão da importancia da commissão de fazenda continuar a desempenhar o serviço que lhe é commettido, estando incompleta; e eis-aqui uma cousa que não tem nada com as secções nem com a commissão; uma commissão incompleta não se póde comparar com justiça com as secções completas; realmente é uma dedicação demasiada dos illustres membros da commissão de fazenda, mas a camara reconhecerá que não póde exigir tanto della quanto leria direito a exigir, se estivesse completa.
O sr. Bivar: — Vou mandar para a mesa um requerimento assignado por mim e por alguns dos meus collegas pedindo esclarecimentos ao governo. (Leu) Ficou sobre a mesa para ler ámanhã o competente destino.
O sr. Placido de Abreu: — Sr. presidente, tendo dicto o sr. Monteiro que eu tinha declarado que não podia occupar-me durante a noite do serviço que a commissão de fazenda exigia de mim, como encarregado pela commissão de guerra de prestar áquella commissão os esclarecimentos necessarios relativamente ao orçamento do ministerio da guerra, eu vejo-me na necessidade de dizer, que o sr. deputado não foi exacto neste dicto, porque logo que eu tive a honra de ser nomeado pela commissão de guerra para este fim, eu declarei a varios membros da commissão de fazenda, que estava prompto, quando elles quizessem, e como quizessem, a tractar desse objecto e responderam-me — a nós agora estamos com outros ministerios, nós o preveniremos quando tractarmos do orçamento do ministerio da guerra.» Por consequencia pela minha parte não houve idéa de me negar a trabalhos de noite; pelo contrario prestei-me quando a commissão quizesse, e como quizesse, e novamente faço a mesma declaração.
Agora quando o sr. D. Rodrigo de Menezes apresentou o seu requerimento, tambem tinha pedido a palavra, para dizer alguma cousa, relativamente á commissão de fazenda, sobre um negocio grave que está sujeito a esta camara.
Sr. presidente, é de toda a conveniencia que se apresente uma lei geral que regule a concessão de pensões, para que não aconteça discutir-se hoje uma lei particular, ámanhã outra para conceder pensões para um outro caso. — Isto de pensões deve ser objecto de uma lei geral que o governo deve applicar aos differentes casos que se apresentarem, e a que a lei possa ser applicada. — Eu declaro muito positivamente, que não voto por pensão nenhuma que não estiver regulada por lei; declaro isto muito formalmente, porque realmente este é um negocio que diz respeito á bolsa do povo, que eu respeito muitissimo.
A commissão de fazenda prestava um serviço distincto ao paiz se apresentasse uma lei que regulasse este negocio, apresentando tambem uma tabella de mutilações para segundo ella se darem as pensões.
O sr. Saidos Monteiro: — Eu estava tão certo de ter ouvido, que o sr. Placido, se não promptificava a trabalhar á noite, que mesmo disse a s. ex.ª, que tendo tido difficuldade a este respeito, isto é, que não queria trabalhar de noite, que o que havia a discutir respectivo ao orçamento do ministerio da guerra, e que carecia da presença de s. ex.ª, reservava a commissão para de dia esse trabalho; foi então quando s. ex.ª me disse, que estava prompto a trabalhar na commissão ou de dia ou de noite, todas as vezes que esta quizesse. É natural que a equivocação seja minha; não posso daqui para diante.
Agora pelo que respeita ao convite que s. ex.ª fez á commissão de fazenda para apresentar um projecto de lei sobre pensões, eu como membro da commissão de fazenda não acceito o convite; o illustre deputado, ou qualquer outro, póde usar da iniciativa sobre este objecto, apresentando á camara um projecto de lei qualquer, projecto que eu não julgo nem facil nem possivel, porque conheço a difficuldade de uma lei sobre pensões que abranja todas as hypotheses, e de certo não é a commissão de fazenda a mais propria, mas outras quaesquer commissões, como por exemplo a de guerra ou de legislação; não é, digo, a commissão de fazenda a mais propria para apresentar iniciativamente um projecto ácerca deste negocio.
O sr. Presidente: — Eu vejo que este incidente continua sem utilidade nenhuma. (Apoiados) Declaro que o sr. deputado que vai fallar ainda acerca delle, é o ultimo que terá a palavra, continuando depois a dal-a aos que a tiverem para antes da ordem do dia. (Apoiados)
O sr. Placido de Abreu: — Eu pedi novamente a palavra, porque preciso muito dar uma explicação. — Sr. presidente, diante dos srs. Maya, Casal Ribeiro, e outros membros da illustre commissão de fazenda, eu declarei, que estava prompto a ir á commissão, quando ella quizesse. — Não admitto que se duvide daquillo em que eu fui muito explicito.
Agora quanto a ser necessario que haja uma lei sobre pensões, direi, que em todos os paizes ha esta lei com toda a individuação, e comprehendendo muitas hypotheses; e não sei que possa haver difficuldade em fazer entre nós uma lei sobre pensões. (Apoiados)
O sr. Presidente: — Está terminado este incidente.
O sr. D. Rodrigo de Menezes: — Mas eu lembro
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a v. ex. que tinha pedido a palavra ainda antes do sr. Placido...
O sr. Presidente: — Mas, senhores, eu não sei que utilidade haja em continuar com este incidente...
O sr. D Rodrigo de Menezes: — Eu sei que v. ex.ª tem razão, mas eu preciso infallivelmente dar uma explicação, para o que já pedi a palavra ha muito tempo.
O sr. Presidente — Quando o sr. D. Rodrigo de Menezes fallou a primeira vez, e a respeito das commissões, eu depois não vendo vantagem nenhuma na (continuação deste incidente, declarei que o reputava terminado, e que continuaria a dar a palavra áquelles srs. deputados que a tivessem pedido para antes da ordem do dia; estava nesta intenção, mas vejo que de novo se suscita o incidente. Tem a palavra o sr. D. Rodrigo de Menezes, mas eu peço que se não gaste tempo improductivamente.
O sr. D. Rodrigo de Menezes — São duas palavras. K do meu dever dar n ma especie de satisfação ácerca de umas palavras que ha pouco soltei, e que podem ter sido interpretadas em sentido pouco favoravel.
Eu disse que ainda tinha mais que dizer, mas quando empreguei esta expressão, o meu sentido não foi que tinha mais que dizer contra a commissão de fazenda: mas sim contra o systema das commissões Eu dou esta explicação, porque desejo fazer sentir que não tinha tenção alguma de irrogar censura á commissão de fazenda, que é composta de pessoas de muita intelligencia e saber.
Agora poço perdão para dizer ao sr. Santos Monteiro, que se o orçamento não está distribuido ha tres mezes, está ha mais de dois. Se se não póde tractar delle sem vir o relatorio do sr. ministro da fazenda, isso e outra questão. Não direi mais nada.
O sr. Presidente: — Agora pela mesma razão devo dar a palavra ao sr. Justino de Freitas, que tambem a pediu sobre este incidente. Tem a palavra.
O sr. Justino de Freitas — Cedo da palavra.
O sr. Presidente: — Bem; este este incidente terminado, e vou dar a palavra aos senhores que a pediram para antes da ordem do dia. Tem a palavra o sr. barão d'Almeirim.
O sr. Barão d'Almeirim: — Sr. presidente, vou mandar para a mesa tres requerimentos: um delles tem por fim pedir esclarecimentos ao governo ácerca de um objecto que muito brevemente lerá de occupar a attenção da camara; fallo do contracto sobre o caminho de ferro. Antes de vir essa discussão, desejo ter alguns esclarecimentos para poder entrar nella; por tanto já se vê que a remessa destes esclarecimentos é urgente. — Um outro requerimento é relativo á exportação da prata. Sr. presidente, consta-me que desde que se publicou a lei de 1851 que impoz um direito alto á praia que se exportasse, até ao fim de dezembro de 1852 se exportaram apenas 17 marcos de praia porém depois da reforma das pautas, depois que se diminuiu o direito da exportação da prata, até hoje tem-se exportado-talvez 5 ou 6 mil marcos de prata, o que tem feito escacear este metal entre nós; e se se continuar por mais tempo neste modo de exportação, de certo que escaceará de todo.
Desejo pois obter do governo alguns esclarecimentos a este respeito, para em vista delles dirigir algumas perguntas no governo, ou apresentar alguma proposta. Eu vou lêr os requerimentos que são os seguintes (Lei))
Ficaram sobre a mesa para ámanha se lhes dar o competente destino.
O sr. Arrobas: — Mando para a mesa o seguinte requerimento. (Leu)
Fitou sobre a mexa para ter ámanhã o competente destino.
O sr. Cunha Sotto-Maior: — Eu pedi á palavra, porque vi entrar o sr. ministro da fazenda. Peço a attenção de s. ex. ás poucas palavras que vou dizer. Ha dias o sr. deputado Lourenço de Sousa Cabral apresentou á camara um projecto de lei para elevar o preço da praia. Em consequencia deste projecto apresentado pelo illustre deputado, a prata sumiu-se, e o oiro troca-se hoje pelo subido cambio de 90 a 100 réis sobre cada soberano. Ora este estado de cousas não é satisfactorio, principalmente pelo que diz respeito ao tracto commercial. Hu peço á camara, e ao sr. ministro da fazenda, que acabe com esta situação penozissima (Apoiados) em primeiro logar porque a prata sumiu-se, e em segundo porque quem desconta um soberano, perde logo e immediatamente um tostão. Isto para mim, ou qualquer de nós póde ser uma cousa indifferente, mas não é indifferente para o commercio e para estas pequenas transacções que se fazem ordinariamente.
Por consequencia parece-me que o sr. ministro da fazenda deve immediatamente resolver este negocio; ou o sr. presidente dar para a discussão hoje ou ámanhã o parecer da commissão, que rejeita o projecto apresentado p-do illustre deputado o sr. Lourenço do Sou-a Cabral. Ha oito dias que dura este estado, e a camara é indifferente, é impassivel diante de uma questão destas! Peço que se dê quanto antes para ordem do dia o parecer da commissão de fazenda. (Apoiados)
O sr. Corrêa Caldeira. — Desejo que v. ex. me informe sobre se já viera para a cornara o recenseamento dos individuos que estão em circumstancias de votar, e de serem votados para membros da junta do credito publico?
O sr. Presidente: — Ainda não veiu.
O Orador. — Visto que está presente o sr. ministro da fazenda, pergunto a s. ex.ª se ha algum inconveniente ou duvida na remessa deste recenseamento pua a camara, visto que me consta que está concluido desde o dia 16 do mez passado; e é já a terceira ou quarta vez que eu insisto pela remessa deste recenseamento.
O sr. Ministro da Fazenda: — (Fontes Pereira de Mello): — Effectivamente está prompto o recenseamento, mas o governo intendeu que devia submetter a approvação das côrtes uma proposta de lei que póde desde já modificar o resultado desse recenseamento; e é por esse motivo que não tenho mandado, como me cumpria, o recenseamento, logo que o recebi da junta do crédito publico — Eu espero que dentro de um ou dois dias possa trazer á camara a competente proposta de lei. O modo por que ella virá concebida, e o motivo por que ella vem á ca» mais, a mesma camara o apreciará, e resolverá sobre ella como intender mais conveniente.
Agora quanto ao projecto do sr. Lourenço de Sousa Cabral, que decreto foi apresentado com as melhores intenções, direi; que é verdade que elle tem provocado algumas apprehensões no publico a respeito da depreciação da moeda de ouro — Não me parece que haja motivo nenhum para isso (Apoiados) 15
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Estou convencido que actualmente não ha motivo nenhum; estou persuadido que ha hoje tanto como hontem, hontem tanto como ha tres meies, e hoje tanto como ha seis mezes. (Apoiados) — Esta questão da relação de valor destes metaes é um negocio, como todos bem sabem, muito grave, melindroso e o mais delicado possivel. (Apoiados) — Respeito realmente as intenções de todos que apresentam alguma medida relativa á alteração de valor destas moedas, com tudo ellas produzem muitas vezes serias apprehensões no publico, que é necessario distrair a todo o custo. (Apoiados) O governo de certo que deve occupar-se deste importantissimo objecto, e as côrtes tambem; mas não me parece que se deva contribuir (ainda que sem ser por vontade proprio) para que se estabeleça este panico, que não tem motivo nenhum plausivel, que deve desapparecer, porque não ha razão nenhuma real que o justifique; e que sobretudo o que convem é que v. ex., se acaso o intender assim em sua sabedoria, e a camara determinem que se discuta quanto antes o parecer que foi apresentado pela illustre commissão, a fim de que nessa discussão e resolução desse projecto se comprehenda perfeitamente, que não ha motivo nenhum que justifique essas apprehensões no publico.
O sr. Justido de Freitas: — Eu fui em parte prevenido nas minhas reflexões pelo illustre ministro da fazenda. Eu queria sómente responder ao sr Cunha que nem a commissão de fazenda, nem a camara foram indifferentes a essa alteração que se tem apresentado ha já alguns dias no nosso systema monetario. A commissão tractou de dar immediatamente o seu parecer, e linha tencionado hoje pedir a v. ex. que o déssse quanto antes para a discussão, convidando o sr. ministro da fazenda para assistir a ella, porque intende que as idéas do sr. ministro sobre este negocio-devem ser as mais importantes para acabar de desvanecer esse panico que se tem estabelecido na praça. Resta-me sómente pedir a v. ex. se sirva dar esse parecer ámanhã para ordem do dia, ou quanto antes, afim de se acabar esse facto, que intendo que é mais devido á agiotagem do que a qualquer causa que devesse acompanhar esse mesmo projecto que se diz que o originou.
O sr. Presidente: — O projecto ou foi distribuido já hoje, ou o vai ser; o certo é que já foi impresso; agora, se a camara o intende, poder-se-ha dar para a primeira parte da ordem do dia de amanhã.
O sr. Lourenço Cabral: — Eu peço a v. ex. que consulte a camara sobre se consente que eu retire o meu projecto. (Vozes: — Não podes — Outras: — Póde.)
O sr. Avila: — Eu intendo que o illustre deputado está no seu direito para retirar o projecto. O illustre deputado apresentou um projecto em que propunha a alteração do valor dos cruzados novos; a apresentação desse projecto deu em resultado a subida do valor da moeda de praia no mercado. O que tem acontecido no mercado, não póde causar admiração a ninguem, porque é evidente que as casas de cambio, onde se vendem cruzados novos e se compram, se o cruzado novo passasse a valer o que o sr. deputado propunha, haviam de ganhar muito, se tivessem comprado grande abundancia de cruzados novos, e por isso faziam um certo desconto quando se lhes exigia em troco moeda de praia, e eu acho até que tem havido moderação no desconto. O nobre deputado convenceu-se (e honra lhe seja, por que ha
sempre considerações generosas da parte daquelle que vem sacrificar a sua opinião a uma consideração mais elevada) de que este projecto deve ser retirado: ha um parecer que o rejeita, por consequencia annuindo a camara ao pedido do sr. deputado, intende-se que approva o parecer da commisão; o resultado é o mesmo e ha uma economia de tempo e uma demonstração completa do pensamento da camara.
Acho por consequencia que não ha inconveniente nenhum em se retirar o projecto do nobre deputado. E v. ex. me permittirá agora que eu chame a attenção da illustre commissão de commercio e artes (não fallo na de fazenda, porque sei que ella já deu o seu parecer) sobre um outro projecto que intendo que esta muito ligado com este, e a respeito do qual fallou já o sr barão de Almeirim, para que a commissão de commercio e artes, se ainda não deu, dê com urgencia o seu parecer sobre elle, e com urgencia seja submettido á discussão da camara; é um projecto relativamente á exportação da prata. Não digo a minha opinião sobre o projecto, porque não é occasião.
Consultada a camara, resolveu que o sr. Lourenço Cabral retirasse o seu projecto.
O sr. Presidente: — Como a camara permittiu que o sr. deputado retirasse o seu projecto, fica de nenhum effeito o parecer da commissão de fazenda ácerca do mesmo projecto (Apoiados)
O sr. Julio Pimentel: — Pedi a palavra para declarar como relator da commissão de commercio e artes, que ella tem já prompto o parecer, e não o apresentou hoje, porque fallaram alguns dos membros da commissão para o assignarem; na sessão de amanhã será apresentado. E o parecer sobre o projecto relativo ao direitos na expoliação da praia, a que se referiu o sr. Avila.
Foi lida na mesa e approvada a ultima redacção do projecto n.º 27.
ORDEM DO DIA
Continuação da discussão do projecto n. 27, na sua generalidade.
O sr. Ministro das obras publicas (Fontes Pereira de Mello): — Sr. presidente, vou limitar consideravel mente as observações que me suggeriu o discurso do meu illustre amigo o sr. deputado Avila, porque me parece que não tardará o momento em que occupando-me precisamente do objecto a que s. ex. alludiu, occupando-me mais particularmente delle, eu lenha occasião propria de responder do melhor modo que me fôr possivel, a todas as observações do illustre deputado. Comtudo parece-me que é indispensavel dizer desde já a minha opinião, em relação aos quesitos que s. ex.ª leve a bondade de mandar para a mesa.
A camara reconhecerá que o illustre deputado discutiu, por occasião deste projecto das expropriações, mais o projecto do contracto, que ainda não foi submettido á apreciação da camara, mas que s. ex. imaginou que tinha umas certas condições, que deduziu de documentos que se tem publicado e de outras considerações que apresentou sobre a materia, do que mesmo o projecto, que hoje está submettido á sua attenção e deliberação, lin, por consequencia,
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nas reflexões que vou Jazer a rada um desses quesitos, procurarei abranger, quanto puder, algumas considerações mais importantes que s. ex.ª fez sobre a materia.
A primeira pergunta é a seguinte: a Aconselhando a commissão nomeada pelo decreto de 10 de julho de 1851, no seu relatorio de 20 de outubro do mesmo anno, que o governo abrisse negociações com o governo hespanhol, a fim de que por uma convenção expressa determinassem os dois governos o ponto da fronteira, onde se devem encontrar os dois caminhos de ferro, que partirem de Lisboa e Madrid, para a mesma fronteira; e tendo decorrido mais de desoito mezes depois que aquelle relatorio foi apresentado ao governo, em que estado se acham as negociações com o governo hespanhol a este respeito, caso de ter sido acceito, como e de presumir, o conselho da mesma commissão?»
Devo dizer a v. ex. e á camara, e parece-me que já o disse em outra occasião, que effectivamente o governo tinha acceito este conselho, tinha tido esta mesma idéa, e que procurou intender-se com o governo de Sua Magestade Catholica, por meio do seu encarregado de negocios na côrte de Madrid, para que houvesse um accôrdo sobre os pontos a que se refere este quesito do illustre deputado. O governo fez mais, tinha o pensamento de que as lies nações, França, Hespanha e Portugal, fizessem uma especie de liga sobre este objecto, de sorte que houvesse uma triplice garantia para o caminho de ferro que devia ligar Portugal com o resto da Europa. O governo ordenou o necessario aos seus agente diplomaticos nas coites daquelles paizes, para que se intendessem com os ministros dos negocios estrangeiros a este respeito. Em França, quando o ministro de Portugal fallou sobre este objecto ao ministro dos negocios estrangeiros, succedeu que já se tinha feito a concessão do caminho de ferro de Paris a Bayona, e nessa conformidade o governo francez já não pôde senão mostrar, como mostrou, o melhor desejo de coadjuvar o pensamento do governo portuguez sobre este objecto, e disse que daria ordens e instrucções ao seu ministro na côrte de Madrid, para interpor os seus bons officios, a fim de que se verificasse a liga que se desejava entre a Hespanha e Portugal.
O governo portuguez empregou as diligencias necessarias para vir a este resultado com o governo hespanhol, e effectivamente teve resposta do governo hespanhol a este respeito; o nosso encarregado de negocios remetteu esta resposta, e por ella ve-se que o governo hespanhol não está em desaccordo com os desejos do governo portuguez, comtudo faz certas indicações que é necessario resolver de espaço; e o illustre deputado sabe perfeitamente, que estes negocios têem uma certa gravidade, e demandam um certo tempo para se poderem levar a cabo. Desgraçadamente no paiz visinho mesmo sobre o negocio de caminhos de ferro, tem havido graves desintelligencias como todos sabem; tem-se intendido esta questão pelos diversos ministerios que se têem succedido uns aos outros por differente maneira; por consequencia tem sido má a conjunctura para levar a rabo o pensamento de uma convenção entre os dois paizes para que se liguem os dois caminhos de ferro. Comtudo, eu sei officialmente tambem que o governo hespanhol deu a concessão provisoria do caminho de ferro de Madrid a Sevilha; esta concessão do caminho de ferro
de Madrid a Sevilha basêa-se sobre um projecto e trabalhos já apresentados por um capitalista de Cadiz. o traçado que foi apresentado ao governo hespanhol passa perto de Merida, e o illustre deputado sabe perfeitamente que sendo a distancia de Merida a Badajoz muito curia, parece-me que de 8 a 9 legoas, e passando o projectado caminho de ferro de Madrid a Sevilha perto de Merida, não resta senão um pequeno ramal para vir aquelle caminho entroncar no nosso de Lisboa á fronteira. Além disso o concessionario daquella linha está na intenção de elle mesmo tomar este ramal por sua conta, este ramal que ha-de ligar Badajoz com a linha de Andaluzia. É por ora o que o posso informar a v. ex. e á camara. O governo não se descuida de proseguir nesta negociação; mas não posso, nem devo por ora entrar em explicações mais detalhadas a este respeito; digo tudo quanto sei, e posso dizer lealmente ao nobre deputado.
Diz o segundo quesito do nobre deputado: «Declarando o officio de 28 de março, dirigido pelo ministerio das obras publicas a Hardy Hislop, que lendo elle acceitado as cinco condições, que naquelle mesmo dia lhe haviam sido propostas por aquelle ministerio, se poderia fazer o contracto definitivo sobre as mesmas bases, e conforme ao programma de 6 de de maio de 1852, o ás modificações que depois disso foram officialmente accordadas entre o governo e a companhia: ordenando o governo em dala de 1 do corrente, que comecem os trabalhos a 7 deste mez, o que prova que está concluido o contracto entre o governo e a companhia; que obstaculos tem havido para que o mesmo contracto não tenha já sido submettido á approvação das côrtes?»
Sobre este objecto respondo que o contracto entre o governo e a companhia não está já concluido, por que se estivesse, o governo o leria submettido á apreciação do poder legislativo, como já tem por mais de uma vez declarado nesta casa. O que ha é que estão accordadas entre o governo e a companhia, as bases fundamentaes desse contracto; e tendo a companhia manifestado ao governo, por um officio do representante da mesma companhia, o desejo de começar os trabalhos ficando com toda a responsabilidade das despezas inherentes a esse trabalho, se acaso o corpo legislativo não approvasse a proposta do governo, o governo intendeu que não compromettia a prerogativa parlamentar, nem prejudicava os interesses do thesouro annuindo a que a companhia principiasse os trabalhos debaixo desta condição expressa que disse, como foi declarado n'um documento que se publicou no Diario do Governo. Aqui leiu V. ex. por tanto que sem que esteja, como não está ainda, concluido definitivamente o contracto, com a solemnidade que estes negocios demandam, para ser presente ao corpo legislativo, estão comtudo accordadas as bases entre o governo e a companhia; e o governo intendeu que annuindo a este desejo da companhia, não prejudicava nem os principios, nem os interesses do estado.
Terceiro quesito – “O programma de 6 de maio de 1852 diz terminantemente nos artigos 4.º e 5. que a companhia a quem se conceder o caminho de ferro de Lisboa á fronteira, logo que lenha construido a secção de Lisboa a Santarem, continuara nas outras duas secções, sem novo concurso, quando se verifique uma das tres seguintes condições — 1. Que
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essa companhia seja ao mesmo tempo emprezaria do caminho de ferro da fronteira a Madrid. — 2.ª Que prove estar de accôrdo com os emprezarios do mesmo caminho para a construcção combinada da» duas linhas. — 3.º Que o governo portuguez, em vista das negociações que abrir com o governo hespanhol, decida que se continue a linha até á fronteira.
Tendo sido concedidos 50:511$150 reis, que com o bonus de 3 por cento perfazem 52:086$434 réis por cada kilometro até Santarem, hão de ser pagos os outros kilometros até á fronteira pelo mesmo preço? E não o sendo, sobre que base ha-de ser paga pelo governo a despeza dessa construcção?»
Em primeiro logar devo observar ao illustre deputado que não é exacta, permitta-me s. ex. que lhe diga, esta apreciação que se faz de 52:086$484 réis em relação aos 50:511$150 réis, augmentando nesta quantia a parte correspondente ao bonus de 3 por cento para perfazer a outra, porque este bonus foi considerado pelo programma de 6 de maio, e em toda a parte é considerado como um premio que se dá áquelles que se compromettem a realisar uma companhia; não é portanto esta somma que deve ser addicionada aos 50 contos e tanto, porque sobre essa quantia de 50 contos e tanto hade-se pagar juro e amortisação, e sobre o bonus não se paga nem juro nem amortisação. Por consequencia já vê o illustre deputado que não podia addicionar a somma correspondente ao bonus áquella que corresponde precisamente ao preço da construcção, por isso que são de differente natureza: uma tem direito a juro e amortisação, e a outra não lerá direito nem a uma nem a outra cousa; a outra é um premio que o governo dá aquelles que se comprometterem a realisar uma companhia debaixo de certas condições.
Mas devo declarar outra cousa á camara, não quero prevenir por ora — estou ainda na mesma resolução que manifestei na ultima vez que tive a honra de fallar nesta casa sobre este objecto — a discussão de certos pontos de detalhe particular do contracto definitivo, porque hão-de ter logar n'uma discussão especial que de certo será muito brevemente; mas parece-me que posso já dizer alguma cousa sobre alguns pontos mais notaveis a respeito dos quaes existem apprehensões filhas de idéas falsas, que não é culpa dos illustres deputados provavelmente, de certo não é culpa delles que os referem, mas é culpa das fontes a quem recorrem.
O governo reduziu este bonus de 3 por cento que era, e ficou reduzido a 2; já nessa parte modificou o programma de 6 de maio; e eu terei occasião de mostrar em tempo opportuno, que as outras modificações que se tem feito ao programma de 6 de maio são todas no interesse do thesouro (Vozes: — Muito bem). Esta, por exemplo, a que me referi, já se vê evidentemente que o é; o governo podendo conceder 3 por cento de bonus aos concessionarios, em virtude do programma de 6 de maio, não lhe concedeu senão 2. Mas ha aqui uma verdadeira pretenção, a que já respondi e repito a resposta — a parte correspondente a este bonus não póde ser accrescentada aos 50 contos, porque estas quantias são de differente natureza.
Mas ha outra questão que se toca neste mesmo quesito, e é, se acaso as secções que se construirem de Santarem por diante, hão-de ser calculadas sobre a mesma base, não digo já dos 52 contos, porque já
mostrei que não póde essa base ser considerada as sim, mas dos 50 contos por kilometro? E condição do programma de 6 de maio, dizia o illustre deputado; mas é certo que a essa condição o governo fez uma outra alteração em favor dos interesses do thesouro. Reconhecendo que a secção daqui a Santarem era a mais dispendiosa em relação a todas as outras que se hão-de fazer depois, intendeu que não convinha de maneira nenhuma sujeitar-se á estipulação do preço que fosse combinado na primeira secção em relação ás outras, que não são ião caras, principalmente pela natureza do terreno, e pelo valor das propriedades que têem de ser atravessadas pela linha ferrea Nesta conformidade estabeleceu-se que depois de concluida a primeira secção de Lisboa a Santarem, os concessionarios hão-de apresentar os trabalhos, os estudos das outras secções que continuam até á fronteira; se acaso nestes estudos o correspondente orçamento vier por um preço que o governo intenda que é rasoavel, que esta em harmonia com as despezas provaveis daquella linha, poderá o governo concordar com os concessionarios, poderá vira um accôrdo com elles sobre este ponto; mas se acaso este accôrdo se não der, se acaso pediram uma somma que se repute exorbitante em relação ás despezas que se hão-de fazer no resto da linha ferrea, nesse caso o governo fica com o direito salvo de pôr em praça essas secções a quem o fizer por monos, sendo apenas preferidos estes concessionarios em igualdade de circunstancias.
Já vê o illustre deputado que fica salva esta parte realmente melindrosa, e que poderia comprometter o governo de alguma sorte a pagar por um preço exaggerado uma porção da linha ferrea que podia ser feita por um preço inferior.
Quarto quesito — «Esses 52:086$584 réis por kilometro comprehendem só as as despezas da construcção do caminho, como parece dever deprehender se da letra dos diversos documentos publicados no Diario do Governo de 10 de fevereiro deste anno, ou comprehendem tambem o material de circulação?»
Torno a repelir; refiro-me a 50 contos, porque, como já disse é 50:511$150 réis, e não 52:086$481 réis. Declaro a v. ex.ª que comprehende tambem o material de circulação; por consequencia não se póde admittir o calculo que o illustre deputado fez sobre a despeza correspondente ao material de circulação.
V ex. já vê que todos estes esclarecimentos e todos os detalhes que lhes são relativos, que são muitos, hão-de ser dados na occasião da discussão do contracto definitivo; mas eu intendi que, sobretudo depois da altura em que está o negocio, não devia negai-me a dar estes esclarecimentos á camara, visto que o illustre deputado julgou conveniente fazer estas perguntas, e manda-las para a mesa.
Quinto quesito — «As expropriações para o caminho de ferro, hão-de começar antes ou depois de approvado pelas côrtes o respectivo contracto? Se começam antes, são feitas por conta do governo ou por conta da companhia? Se são feitas por conta do governo, onde tem elle auctorisação para esta despeza, e com que meios a ha de executar? Se são feitas pela companhia, perde esta a importancia das mesmas, se as córtes não approvarem o contracto que lhe concede o caminho de ferro?»
A este respeito digo — por conta do governo —
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sem o governo ser auctorisado para as despezas, não póde ser; e digo que por conta da companhia só se podem fazer estas expropriações carregando ella com toda a responsabilidade correspondente a essas mesmas expropriações.
Sexto quesito. (Leu) ” A commissão creada pelo decreto de 18 de julho de 1851 calculou a extensão de Lisboa a Santarem em 20 legoas de 4 kilometros los cada uma, ou de 80 kilometros; e de Lisboa á fronteira por Santarem em 260 kilometros: pagando o governo o kilometro a 52:086$484 réis, em a custar o caminho de feno de Lisboa a Santarem 4:166:918$720 réis, e de Lisboa á fronteira 13.012:485$840 réis, garantindo o governo á companhia, pelo programma de 6 de maio 7 por cento, 6 minimo de juro, e 1 de amortisação. São os encargos do caminho de ferro de Lisboa a Santarem 291:684$310 réis, e de Lisboa á fronteira réis 917:274$008: que meios pertende o governo por em practica para fazer frente a esta despeza, agora que o imposto das notas está quasi todo absorvido pela despeza publica?»
Esta é a parte mais importante, isto é, todas são importantes, mas esta é um dos mais importantes quesitos que o nobre deputado mandou para a mesa. Sinto verdadeiramente que s. ex. apresentasse estes calculos, porque além de partirem de hypotheses que não são exactas (com quanto eu supponha que s. ex. não sabia que não eram exactas) s. ex. julgou que effectivamente eram estas as despezas que estavam auctorisadas pelo governo, que o governo não tinha feito modificação nenhuma ao contracto no sentido do interesse do thesouro, e apresentou aqui um calculo, que pecca completamente pela base, que se destroe, porque não são os fundamentos que o illustre deputado suppoz, aquelles que hão de sei vir de base ao calculo, que se ha de fazer para conhecer o encargo do estado. ]a mesmo mais alguma cousa, e é que o encargo proveniente destas despezas varia successivamente, porque a amortisação ha de se ir deduzindo successivamente da somma total que se contractar, e por consequencia o juro ha de ser computado sobre uma somma sucessivamente menor, e o illustre deputado suppõe que é constante. (O sr. Avila: — Não, senhor). Estes 291:684$310 reis, que veem no quesito, creio que são o encargo annual (supponho eu) »do caminho de ferro de Lisboa a Santarem, e os réis 947:271$008 o encargo annual do caminho de ferro de Lisboa á fronteira. Ora, já se vê que não é este o encargo annual, não é exacto. (O sr. Avila: — Eu não digo annual). Nas hypotheses que suppõe o illustre deputado, não diz annual, mas mensal não é, nem póde ser, logo supponho que é annual; a idéa do illustre deputado é que é annual, é o que concluo.
Em primeiro logar o governo fez uma modificação importante no contracto, porque reduziu a amortisação de 1 a ½ por cento, e esta alteração vem mudar muito a amortisação, porque pelo programma de 6 de maio não se amortisava senão a quarta parte do capital. Se se calcular a differença que isto produz sobre o preço do kilometro, ver-se-ha que este preço se reduz consideravelmente. O governo reduziu a garantia de 6 por cento de juro em 99 annos, e não a garante senão em 50 annos, e isto é sómente em relação á maneira da amortisação que se achava estabelecida no mesmo programma. Quer dizer, depois dos 50 annos a companhia expõe-se a todos os riscos da exploração, e o governo não tem responsabilidade nenhuma, listas considerações só parecem-me sufficientes para mostrar que houve alterações no contracto, e alterações importante.
Mas ha outras observações a fazer, e que eu desejava que o illustre deputado tivesse tomado em consideração. Como já disse, não é exacto o haver um encargo de 91-7:000$000 réis até á fronteira de Hespanha, porque o illustre deputado não deduz daqui nem um só real pela exploração do caminho de ferro. Pois o raminho de ferro não ha de dar nenhum producto liquido? Pois tudo ha de ser despezas, e não ha de haver compensação nenhuma? Desejava que o illustre deputado, assim como reconheceu o parecer cia commissão externa, e assim como reconheceu os calculos que esta commissão apresentou, reconhecesse tambem que nesse mesmo parecer se calcula que o rendimento do caminho de ferro entre Lisboa e Santarem não será inferior a 3 ou 4 por cento. Por consequencia já se vê que não são estes 497:000$000 réis de que se tem fallado, e note-se que eu estou tractando dos 497:000$000 réis, que dizem respeito até á fronteira, porque de Lisboa a Santarem o mesmo illustre deputado diz que são 391:000$000 íeis; e eu digo que são 291:000$000 réis, porque basta que o rendimento do caminho de ferro seja de 3 por cento, como a commissão calcula, para que esta somma se reduza a ametade.
Sr. presidente, o illustre deputado recorreu ás opiniões certamente muito recommendaveis do engenheiro Dupré, homem competente na materia, e que apresentou um relatorio ao governo, no qual se fazem essas considerações, que o illustre deputado aqui referiu, e as quaes vem tambem num jornal que então se publicava nesta cidade; mas eu peço licença para dizer ao illustre deputado, que é muito differente fazer considerações n'um relatorio antes de se lerem examinado os terrenos, e antes de se ferem feito os estudos, e examinado as plantas indispensaveis, do que apreciar os encargos que resultam destes trabalhos, depois de se terem feito os traçados e outros objectos da arte. Todos os homens da arte sabem que as considerações que se fazem num relatorio, antes de descer aos trabalhos absolutamente indispensaveis, falham completamente; e foi isto o que aconteceu ao engenheiro Dupré. Se o illustre deputado recorre ás considerações que este engenheiro faz no seu relatorio, eu recorrerei ao orçamento feito pelo mesmo engenheiro, respectivo á primeira secção do caminho de ferro de Lisboa a Santarem.
Vou mostrar ao illustre deputado como este engenheiro calculava sobre os traçados a que elle procedeu na primeira secção do caminho de ferro, para illustrar a influencia da despeza correspondente á primeira secção, segundo a opinião do mesmo Dupré. Primeiramente faço uma observação importante ao illustre deputado. O engenheiro Dupré tomava termo medio de um kilometro de Lisboa á fronteira de Hespanha em 20:000$000 réis, e já v. ex. e a camara reconhece que na despeza que houver de fazer-se com a primeira secção de Lisboa a Santarem, se houver um numero de kilometros maior do que este engenheiro calcula, a cifra ha de ser mais augmentada, e se o numero de kilometros fôr menor, a cifra ha de ser tambem muito mais pequena, e aqui estão deitados por terra os calculos deste engenheiro. Mais
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ainda, o engenheiro Dupré calculava uma só via, e pelo contracto o caminho de ferro ha de ter duas vias, e aqui falhou tambem o calculo deste engenheiro, porque a differença de uma via para duas e muito distincta. O engenheiro Dupré calculava a sua somma por kilometros, dividindo o calculo de 260 kilometros de Lisboa á fronteira, e assim como este engenheiro se enganou neste calculo, assim como já houve um engano na commissão externa, nomeada pelo governo, a respeito do numero de kilometros que havia entre Lisboa e Santarem, é certo que isto altera consideravelmente o preço de cada kilometro. O engenheiro Dupré linha calculado que a primeira secção de Lisboa a Santarem correspondia a 80 kilometros, isto e 548:000$000 réis, e quando desceu á practica, e foi fazer o orçamento achou quasi 55:000$000 réis por kilometro. Mas que são estes 55.000$000 réis, peço a attenção do illustre deputado 1 São unicamente em relação a uma via, e tendo eu já declarado que o caminho de ferro que se projecta, tem duas vias desde logo, sabem todos os engenheiros, e sabe-o o illustre deputado, porque tem a experiencia, e tem o conhecimento de todos estes documentos, que tem estudado, que o augmento de duas vias em relação a uma só é de um quinto, e então já se vê a differença que póde haver.
Mas não pára ainda aqui: ha ainda outras alterações. O engenheiro Dupré não calculava nesta somma o juro accumulado de 2 annos capitalisados, como o governo calcula, e só estes juros accumulados importam em 60:000 libras, perto de 300 contos de réis, e já vê o nobre deputado como isto vai influir sobre o preço de cada kilometro, e por aqui se póde já calcular o preço porque podem sair os primeiros 10 kylometros, segundo os calculos do proprio mr. Dupré. Eu mandei de proposito imprimir o orçamento feito por mr. Dupré, para que quando tenha logar a discussão do contracto, poder ser avaliado e comparado comas condições do contracto.
Espero mostrar á camara e ao paiz, que o governo não fez um contracto lesivo para o estado. Ha ainda a outra circumstancia da parte correspondente ao juro, que se não accumulava, e que neste contracto se accumula; e note a camara que o engenheiro Dupré não calculava o material circulante, que é uma cousa importantissima, e o governo calculou com elle; veja o illustre deputado como vai subindo o preço por kilometro segundo o calculo do engenheiro Dupré, e eu estimei infinito de ter occasião de me servir da auctoridade deste engenheiro para defender as estipulações do contracto.
Ainda ha mais, sr. presidente; mr. Dupré não comprehendeu os trabalhos já feito, as despezas dos engenheiros, as sommas correspondentes aos estudos que se tem practicado, que importa tudo em algumas mil libras, e nós comprehendemos na somma de 50 contos de réis por kilometro, todas estas despezas; ha ainda outra circumstancia para augmentar o preço do kilometro de mr. Dupré, que é os trabalhos feitos por conta da repartição de obras publicas, e mesmo o lucro da companhia, porque não se póde imaginar que uma qualquer companhia tome conta desta ou daquella empreza, sem que della lhe resulte algum lucro Já declarei que o caminho de ferro que se projecta tem duas vias desde logo, e todos os engenheiros sabem, e tambem o sabe o illustre deputado, que se calcula em um quinto o excedente da despeza para duas vias, e a este respeito fez o illustre deputado os seus calculos immensamente superiores áquelles que o governo fez.
Ora ainda ha outra circumstancia a attender. Os nobres deputados conhecem o districto de Santarem; mas é preciso ir a Santarem com a idéa de se fazer um caminho de ferro, para se poder bem avaliar a despeza enorme que ha a fazer. Por exemplo, da Ponte de Sancta Anna a Santarem que é uma pequena distancia, a despeza ha-de ser immensamente maior. Não se pense que o caminho de ferro tem de atravessar um terreno tão facil que não ha nada que fazer. Pois, senhores, ha a fazer 54 pontes, 119 acquedutos principaes e 76 passagens. O nivel, por consequencia, já vê o nobre deputado que não é tão despido de obras de arte, que aliás comprehende um grande numero, e algumas importantissimas; por exemplo, a ponte de Sacavem, que pelo projecto de mr. Dupré foi calculada em 10 contos, e segundo a planta que está no ministerio das obras publicas calcula-se em 35 contos: convido os illustres deputados, se quizerem, a irem examinar esta e outras plantas. E uma ponte toda de cantaria e ferro. Os pilares hão-de ser de cantaria, e já se vê que ha-de ser muito cara. Além desta ha outras; ha uma importantissima que vai sobranceira aos telhados de Villa Franca, que tambem ha-de sair cara, assim como as arcadas que se hão-de fazer nos campos alagadiços de Villa Nova.
Ora, sr. presidente, á vista disto tudo, destas considerações, que o illustre deputado não impugna, porque eu conheço a sua boa fé, e estou persuadido que se fez as suas perguntas, é porque não sabia que as hypotheses variavam; espero pois que s. ex.ª se convença de que o estado não dá nem madeira, nem os materiaes; não dá mais nada do que os 50:500$000 reis por kilometro.
Sr. presidente, não é por este simples enunciado que se ha de fazer uma completa idéa das bases que acabei de indicar; ha de ser pelo exame do contracto, quando vier á camara S. ex. ha de vir então no conhecimento de que os seus calculos tem de soffrer uma nova modificação. Eu hei de mostrar á camara em occasião opportuna, tanto em [elação ao preço do engenheiro Dupré, como em relação aos calculos da commissão externa, como em relação ao programma do governo, que o contracto não foi lesivo para o estado.
Em quanto á pergunta que se me fez, de qual é a receita com que o governo intende fazer face a estas despezas nos primeiros dois annos, respondo que não é nenhuma; e não foi com o pensamento de affastar estes encargos do thesouro que o governo fez isto, mas unicamente com o desejo de não cumplicar as difficuldades actuaes. Nestas circumstancias parece-me ter demonstrado que o contracto, por esta simples indicação, não é lesivo para o thesouro, e que o projecto que se discute, não tem nada com a approvação do contracto'; intendo que póde ser approvado por esta camara, e uma vez que está disposta a querer que se façam os caminhos de ferro, ha de approvar este projecto, para que as expropriações possam ter logar, sem que se prejudiquem de maneira alguma as garantias da propriedade; nesta conformidade não quero abusar do direito da palavra, e esperarei que o illustre deputado faça outras considerações para a tomar de novo, se acaso o julgar necessario). (Vozes: — Muito bem).
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O sr. Avila: — Sr. presidente, eu começo por agradecer ao sr. ministro das obras publicas a honra que me fez de responder cumprida e detalhadamente ás perguntas que dirigi a s. ex.ª O nobre ministro occupando-se dessas perguntas demonstrou que ellas tinham alguma importancia, e não posso deixar de declarar a s. ex.ª, que ouvi com muita satisfação as informações que s. ex.ª apresentou, e para dar a s. ex.ª uma prova de que eu argumento neste negocio com toda a boa fé...
O sr. Ministro das obras publicas (Fontes de Mello): — Estou certo disso.
O Orador: — Agradeço a v. ex.ª esta declaração. Pedi ao meu illustre amigo o sr. Cunha que cedesse da palavra para eu poder desde já declarar que voto pelo projecto, reservando-me unicamente para indicar no artigo 3.º as duvidas que ainda me restam sobre a sua doutrina. Desejo tambem fazer algumas observações sobre as respostas dadas por s. ex. ás minhas perguntas, observações, que demonstrarão que os meus desejos são unicamente acertar. Eu fallo nesta materia com bastante hesitação, espero que a camara seja indulgente para comigo, porque não sou homem competente para assumptos desta ordem, e ao mesmo tempo por ter de responder desde já ás observações importantes do sr. ministro das obras publicas, que além de ser competente pelo seu caracter official, é competentissimo como homem da arte. Desejo, sr. presidente, que o nobre ministro torne mais claros alguns pontos que para mim ainda o não são sufficientemente.
A minha primeira pergunta refere-se ás transacções que o governo devia abrir com o governo hespanhol, para que se marcasse um ponto da fronteira, aonde se encontrassem dois caminhos de ferro que partissem de Lisboa e Madrid para a mesma fronteira. Confesso que o sr. ministro das obras publicas disse o que podia dizer. O governo seguiu o caminho que devia seguir. Não tenho a fazer-lhe por isso a menor censura, mas não estou satisfeito com os resultados obtidos. Sinto, que não esteja já terminado este negocio como convinha.
O sr. ministro das obras publicas disse em relação á minha segunda pergunta, na qual eu dizia que parecendo estar concluido o contracto entre o governo, e a companhia Hislop, desejava saber a razão porque este não tinha já sido apresentado á camara; o sr. ministro respondeu que o contracto não estava concluido, que estavam só assentadas as bazes, e que O contracto havia de vir brevemente á camara. Acceito a promessa, e espero que ella seja cumprida o mais depressa possivel...
O sr. ministro das obras publicas (Fontes de Mello): — Esta semana decerto.
O Orador: — Não exijo tanto, mas estimo que o governo possa já submetter a esta camara em Ião poucos dias o contracto, a respeito do qual serei então mais explicito, e examinando-o em todas as suas partes ficarei habilitado para formar melhor o meu juizo, a respeito delle.
Relativamente á minha terceira pergunta, sinto não estar de accordo com o sr. ministro. Disse s. ex.ª que eu não devia ter sommado o bonus de 3 por cento com o preço de 50:500$000 réis; porque são duas quantias heterogeneas: o bonus paga-se de uma vez, e o preço do kilometro tem juro e amortisação. Esta razão não me convence. O bonus deve ajuntar-se á somma que se gasta no caminho de ferro. Eu não intendo que o thesouro tenha hoje excedente entre a receita e a despeza, antes pelo contrario tem deficit logo se o thesouro não tem com que pagar este bonus, o thesouro hade levantar esse dinheiro, e se o levantar a 6 por cento, o que já não é pequena vantagem, está esta somma perfeitamente no mesmo caso daquella que o governo empregar no pagamento das despezas de cada kilometro, e que vencem igualmente 6 por cento de juro. Por consequencia é sempre uma despeza que se junta a outra despeza. Eu não podia deixar de fazer a comparação que fiz, sobretudo lendo s. ex.ª tomado como ponto de partida o caminho de ferro da Belgica, em que não houve bonus, porque esse caminho foi feito por conta doestado. Comtudo em vista da declaração do sr. ministro de que o bonus é só de 2 por cento, reconheço, que o preço do kilometro vem a ser de 51:500$000 réis, I. — lo é um pouco menos do que calculando sobre 3 por cento de bonus
O sr. ministro disse que relativamente ás duas secções de Santarem até á fronteira de Hespanha o governo não se compromettera ainda a cousa nenhuma. Das explicações de s. ex. inferi que a companhia depois de concluida a primeira secção de Lisboa a Santarem apresentaria ao governo o seu orçamento em relação ás duas outras, e que o governo se reservava o direito, se intendesse que esse orçamento era exagerado, de abrir praça em relação ás duas secções, e que concederia a feitura do caminho á primeira companhia unicamente, quando ella o quizesse fazer pelos melhores lermos que se offerecessem.
Se isto é assim, se o governo intendeu que o preço fixado para cada um dos Kilometros da primeira secção era vantajoso, deveria tambem procurar estabelecer o mesmo preço para as outras duas secções, as quaes segundo as informações do engenheiro Dupré se devem considerar n'uma situação analoga de despeza em relação á secção de Lisboa a Santarem. E ainda mais: se o governo intende que a praça póde ser vantajosa em relação ás duas secções, é para lamentar que não tivesse intendido o mesmo em relação á primeira, levando o contracto de novo á praça com as modificações importantes que fez no programma depois da concessão provisoria de 10 de agosto. Que certeza linha o sr. ministro de que a praça lhe não offerecesse condições mais vantajosas do que aquellas que julga ter obtido da companhia?
A verdade é que tanto a commissão creada por decreto de 11 de julho, como o proprio governo na sua proposta submettida á camara em 1852, e o parecer da commissão especial da mesma camara, e o programma de (ide maio unanimemente estabelecem que; o caminho se não faça por empreitada, mas sim que o governo se obrigue a pagar as despezas feitas segundo os orçamentos approvados pelo governo, e fiscalisados na sua execução. Houve pois nesta parte uma alteração essencial ao programma de 6 de maio; e a consequencia disto devia ser o abrir-se nova praça; pois que a primeira tinha tido logar para um contracto totalmente diverso, e não podia por conseguinte valer.
Em quanto á quarta pergunta disse o sr. ministro que no preço de 50.500$000 réis para cada kilometro se comprehendia tambem o material circulante, e que em vista disso devia eu reconhecer que o termo medio da despeza de cada kilometro era mais vanta-
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joso. Desde d momento em que a. ex. declara que tambem se comprehende o material circulante, não posso deixar de confessar que o argumento que eu fizera, soffre uma modificação: comtudo apezar dessa circumstancia, de ter o caminho de ferro desde já duas vias, eu digo que o preço por kilometro ainda e exaggerado, como hei de demonstrar quando se discutir o contracto.
Tambem não posso comprehender como s. ex.ª se resolveu a estabelecer desde já duas vias. A Belgica que por assim dizer está no centro da Europa apezar do immenso movimento que alli ha, não leve no principio senão uma via, e ainda hoje tem uma só via em 197 kilometros dos 559 que formam a sua rêde geral. Nos Estados Unidos, na Allemanha, na Italia, e na Hespanha começou-se por uma só via. É verdade que os caminhos de ferro inglezes e francezes tem em geral duas vias: mas em França mesmo o caminho de ferro de París a S. Germano funccionou por muito tempo, e muito bem, com uma só via.
Disse o sr. ministro que a differença da despeza de uma a duas vias anda por 1/5 da despeza total; isto não póde ser exacto, mas se o fosse, era razão de mais para que s. ex. não contractasse logo o caminho de feno de leste com duas vias; porque sendo a despeza de cada kilometro 50:500$000 réis, o augmento da despeza na passagem de uma a duas vias, estabelecendo-se que a differença é de 1/5 é de 10:050$000 íeis por kilometro; o que em toda a linha que se calcula em 260 kilometros, vem a dar um augmento de 2.613:010$000 réis, que não direi que se vão lançar á rua, mas que é uma despeza, que não careciamos de fazer já. Será prudente, que nas nossas circumstancias vamos fazer a despeza de mais de 2:600 contos de réis, quando nada nos prova que essa despeza seja necessaria, quando lemos mesmo o exemplo em contrario de quasi todos os paizes, em que ha caminhos de ferro? Estou persuadido que ninguem haverá que possa aconselhar o governo para que comece o caminho de ferro com duas vias, quando é certo que uma via é sufficientissima para as necessidades da circulação, e ha de se-lo por muitos annos. Intendo portanto que seria muito melhor não ter contractado desde já para as duas vias para não fazer pezar sobre nós um excesso de despeza de 2:000 contos, que poderia ser empregado em qualquer outra obra de utilidade publica. Não temos nós tão pouco que fazer que senão podesse empregar essa quantia de uma maneira mais util, como por exemplo na continuação do caminho de ferro de Lisboa a Santarem na direcção do Porto.
Agora vou dar as razões que tenho para não crer que a differença entre uma e duas vias seja igual a ½ da despeza total.
Eu intendo, que senão póde estabelecer proporção alguma entre a despeza total de um caminho de ferro, e a despeza, que occasionou a collocação de uma segunda via nesse caminho. Mais claramente ainda: intendo, que construindo-se um caminho de ferro com uma só via, mas com aterros, desaterros, e expropriações para duas vias, a despeza da collocação da segunda via não póde ter relação alguma com a despeza total desse caminho. Intendo, que n'um caminho de ferro, por exemplo, de 100 kilometros, 50 dos quaes custavam 20 contos cada um, e 50 a 80 contos cada um, a despeza da collocação de uma segunda via deve ser a mesma, tanto na ametade, que custou muito dinheiro, como na ametade, que custou muito pouco
Imaginemos um caminho de ferro, para a construcção do qual houve grandes difficuldades a vencer, e expropriações de grande valor a effectuar, o que tudo fez uma grande despeza: imaginemos esse caminho com uma só via, mas com aterros, desaterros, e expropriações para duas vias: é evidente, que não havendo novas difficuldades a vencer, nem novas expropriações a effectuar para a collocação de uma segunda via, esta deve custar o mesmo que custaria, se o caminho em logar de ter custado grandes sommas tivesse custado muito pouco dinheiro.
Se isto não fosse assim, vejamos o que aconteceria, por exemplo, em Inglaterra.
Os caminhos de ferro de Inglaterra são os mais caros de todos; porque alli nunca se attendeu á despeza. Era necessario fazer entrar os caminhos no interior das grandes cidades, expropriar propriedades de um grande valor, e fazer obras de arte tão grandiosas a par das quaes, como diz Miguel Chevalier, os monumentos mais gabados dos romanos não passam de miniaturas, tudo se fazia. O resultado foi que o caminho de ferro de Londres a Greenwich custou por kilometro 4 milhões, e 100:000 francos; o caminho de ferro de Londres a Blackwall custou por kilometro 5 milhões de francos. Os 14 primeiros kilometros de Londres a Bristol custaram por kilometro 3 milhões, e 400:000 francos; os 14 primeiros kilometros de Londres a Birmingham custaram por kilometro 3 milhões, e 700:000 francos; e os 3 kilometros de Vine-Elms a Waterloo, que formam a entrada em Londres do caminho de Sonthampton, custaram 23.971:000 francos, o que dá por cada kilometro perto de 8 milhões de francos. Pergunto agora, se cada um destes caminhos tivesse sido construido para uma só via, mas com aterros, desaterros e expropriações para duas vias, dir-se-ía, que a construcção e collocação de uma segunda via, custara ½ da despeza total, isto é, 1.600:000 francos em cada um dos 3 kilometros do caminho de ferro de Sonthampton que entram em Londres? Não de certo, era impossivel. Ha mais ainda: o augmento de despeza na passagem de uma a duas vias nos caminhos de ferro de París a Ruão, e de París a Orleans, foi calculado em 6:210$000 réis, e o caminho de ferro de París a Ruão custou por kylometros 400:000 francos, e o de París a Orleans custou 412:878 francos, o que faz com que aquelles 6:210$000 réis não sejam nem um undécimo da despeza total desses caminhos. Intendo pois, que não se póde estabelecer, a este respeito, nenhuma percentagem, porque em um caminho de ferro, em que houver kilometros que tenham feito uma pequena despeza, e outros em que a despeza seja muito condenavel, a collocação de uma segunda via deve produzir a mesma despeza n'uns e n'outros.
Ha ainda outra circumstancia a ponderar. Diz Miguel Chevalier que uma das causas, ou talvez a causa principal, que tornou mais dispendiosos os caminhos de ferro inglezes, foi a lei que se seguiu nos declives e nos raios das curvaturas, a qual elevou em mais de 50 por cento a despeza dos mesmos caminhos. Que tem o augmento de despeza proveniente daquella causa, que se tem já hoje evitado nos caminhos de ferro americanos e allemães, e que o engenheiro Dupré aconselha que se evite em Portugal, que tem, torno a perguntar, esse augmento de despeza com a
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despeza da collocação de uma segunda via n'um caminho de ferro já propondo para a receber, mas em que só se tivesse collocado no principio uma via. Nada, absolutamente nada.
Com quanto o sr. ministro fosse muito claro em todas as suas repostas, com tudo, em relação a minha quinta pergunta, não foi ião explicito, quinto o tinha sido em relação ás primeiras. S. ex. disse: que não faria as expropriações, sem estar auctorisado para isso; porem a este respeito tenho escrupulos, porque o in ligo do projecto está ridigido de maneira, que o governo fica desde já auctorisado pura fazer as expropriações. O que eu desejava saber de s. ex.ª, é se s. ex.ª intende, que este projecto, passando em lei, auctorisa o governo para fazer as expropriações. Mais tarde quando se discutir o artigo 3., hei de exigir unia resposta unis clara a este respeito.
Em quanto á minha ultima pergunta disse o nobre ministro, que eu tinha partido de hypotheses inexactas: póde sei, mas estas hypotheses estão todas baseadas em documentos officiaes. Eu tinha intendido que, segundo o programma de G de maio, o governo garantiu á companhia um minimo de juro de 0 por cento, e 1 por cento de amortisação, deduzindo-se todos os annos a parte amortisada para se contar o juro. Segundo o mesmo programma esta concessão durava 100 anno, durante os quaes se amortisavam os capitaes gastos na construcção, lendo depois disto ainda a companhia o usofructo do contracto durante 10 annos. Mas agora, segundo as declarações do sr. ministro, paga-se, durante 50 annos, 6 e meio por tento, em relação á somma total da despeza...
O sr. Ministro das Obras Publicas. — Officio por cento deduz-se todos Os annos do capital.
O Orador — Neste caso cáe completamente o argumento que pretendia fazer.
Diz o nobre ministro que se deve contar com o rendimento liquido do caminho de ferro para attenuar os seus encargos: a este respeito devo dizer, que nada espero desse rendimento nos primeiros annos, e intendo que será uma fortuna que o caminho de ferro de Lisboa a Santarem, dê nos primeiros annos para a despeza do seu costeio. O illustre ministro sabe que os caminhos de ferro da Belgica, em quanto a rêde não esteve completa, não deram lucro, e que hoje mesmo apezar de haver alli o maior movimento do mundo, apenas tendem 4 e meio por cento.
Os caminhos de ferro de Inglaterra sabe s. ex. que dão apenas tres por cento. É Michel Chevalier quem o diz no diccionario de economia politica de Coquelin Elle diz que em Inglaterra os caminhos de ferro dão apenas 3 por cento; que os americanos dão, termo medio, 6 por cento, mas 6 por cento que equivale precisamente aos 3 por cento em Inglaterra. Os caminhos de ferro belgas dão agora como disse já 4 e meio por cento, e os francezes e allemães andam por isto com pouca differença: glandes dividendos não dão elles em parte nenhuma; mas eu faço votos para que o caminho de ferro de Lisboa a San latem dê immediatamente G e meio por cento, porque é o meio de podermos contractar as outras secções em lermos muito vantajosos, e o meu desejo é que se retalhe o mais depressa possivel este paiz por caminhos de ferro.
Quanto á observação feita pelo nobre ministro relativamente ao orçamento das despezas da secção de Lisboa a Sacavem, feito pelo engenheiro Dupré direi, que este orçamento não prova q e os calculos do mesmo enginheiro em relação á despeza lotai dos 260 kilometro da linha de Lisboa a fronteira, fossem diminutos, porque juntando aos 543 contos de despeza daquelles 10 kilometros o augmento de despeza de 5.000$000 réis por kilometro no estabelecimento de duas vias, temos que cada um daquelles 10 kilometros vem a sair por 60.400$000 reis; excesso de despeza que desapparecerá nos kilometros restantes em que não ha a vencer as difficuldades da primeira secção... (O sr. Ministro da Fazenda: — E o material circulante?) É verdade que no orçamento do engenheiro Dupré não se calcula a despeza do material circulante; sinto não ter dados para a poder calcular, mas na falla de outros dados direi que os 236 kilometros primeiramente feitos na Belgica e ultimados em 1838, custaram na totalidade 92 milhões entrando 4 milhões de capital circulante, quer dizer, um oitavo: e nos 559 kilometros do mesmo paiz sobre 150 milhões de despeza total entrou o material circulante por 19 milhões, isto é, por um oitavo ainda.
Talvez que esta proporção seja admissivel; não sei, não a dou por boa, porque não a encontrei em parte nenhuma; mas se ella fosse exacta, o caminho de ferro de Lisboa á fronteira, custando, segundo os calculos do engenheiro Dupré, para duas vias 6.500:000$ réis, exigiria para o material de circulação 800:000$ reis, o que elevaria a despeza lotai a 7.300:000$ réis, quantia muito inferior á que deve custar o mesmo caminho, segundo o contracto com a companhia Hislop.
Não digo mais nada e peço á camara desculpa por ter entrado nestas explicações, mas como o nobre ministro foi tão franco nos esclarecimentos que deu a i-espeito das minhas perguntas, intendi que devia corresponder a s. ex. mostrando-lhe até que ponto as suas respostas me satisfasiam; porque, torno a dizer, o meu desejo neste assumpto é instruir-me: já ganhei muito com as respostas de s. ex. e estou convencido que continuarei a ganhar. Acabo dizendo, que quando eu pedi a palavra, convidado por v. ex. para declarar como me inscrevia, eu disse — não sei como votarei, mas em todo ocaso inscreva-me V. ex.ª contra — porque eu tencionava dirigir perguntas ao sr. ministro e havia de regular o meu voto pelas respostas que s. ex.ª me desse. Nunca podia ser minha intenção votar que o governo não fosse auctorisado a construir um caminho de ferro de Lisboa á fronteira de Hespanha. Agora digo, que voto pelo projecto em quanto auctorisa o governo a fazer este caminho, e em quanto ás expropriações estimarei que o sr. ministro seja ião explicito como o foi a respeito de outras perguntas, e que se intenda bem, que s. ex.ª não julga ficar auctorisado por esta lei a fazer expropriações. Approvo pois o projecto na generalidade; hei de. approvar os artigos 1. e 2.º e rejeito o 3. se continuar a ser redigido da forma que está.
O sr Presidente — Antes do sr ministro das obras publicas outros srs. deputados tem a palavra; mas não sei se s. ex. a pediu por parte do governo. (O sr. Ministro das Obras Publicai — Foi parte do governo) Então tem a palavra.
O sr. Ministro das Obras Publicas (Fonte Pereira de Mello). — Eu não queria tirar a palavra a nenhum sr. deputado; mas as observações feitas pelo illustre deputado que acaba de fallar em relação ás
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ponderações que eu tinha feito anteriormente, exigem que eu dê algumas explicações mui succintas, e que não hão de, por certo, tomar muito tempo á camara; mas ha pontos em que me parece absolutamente necessario explicar e justificar as alterações que o governo fez no programma de 6 de maio. Refiro-me principalmente ao systema de empreitada adoptado pelo governo differentemente do systema de pagar a despeza effectuada como estava estabelecido. O governo procurou todos os meios de levar a effeito a disposição consignada no programma do pagar unicamente a despeza effectiva que se fizesse; mas depois de uma longa discussão no conselho de obras publicas e minas, depois de serem ouvidos homens muito competentes na materia, porque v. ex. sabe que no concelho de obras publicas e minas têem assento cavalheiros muito distinctos, homens de muita intelligencia na materia (Apoiados) os primeiros que lemos naquelle genero, e todos elles foram acordes, e até adduziram alguns argumentos tirados da sua propria experiencia sobre objectos similhantes, que era absolutamente impossivel fiscalisar devidamente as obras que se fizessem, pagando unicamente o governo o capital dispendido, porque seria preciso que õ governo tivesse uma grandissima fiscalisação não só no paiz, mas na raça de Londres e nos mercados onde a companhia procurasse comprar os objectos necessarios para o caminho de ferro, que evitasse que uma factura fosse viciada para illudir o governo, quando por ventura isso se quizesse fazer, o que era absolutamente impossivel fiscalisar. Intendem-se, pois que o governo podia ser mais prejudicado em conceder o pagamento do capital que a companhia dispendesse ficando no risco de todas as fraudes, quando se commettessem, do que estabelecendo um preço fixo, o qual depois de muito exame, depois do exame dos traçados, da comparação desses mesmos traçados, e depois das obras da arte necessarias se reconheceu que não era exaggerado pelas circumstancias que ha pouco indiquei de serem as duas vias, de se comprehenderem os dois annos de juros ele. Foram estas as considerações que moveram o governo a seguir antes o systema de empreitada do que aquelle de pagar unicamente o capital que se dispendesse, intendendo-se que este podia ser mais nocivo ao estado.
Ora devo fazer algumas considerações em relação ao que o illustre deputado ponderou em quanto ao augmento de duas vias. E claro, não se póde contestar, que em todos os casos excepcionaes de caminhos de ferro, que foram os unicos que o nobre deputado apontou, é impossivel, absolutamente impossivel, estabelecer a relação de um quinto entre a despeza de duas vias; mas não é menos certo que em regra, quando as despezas de expropriação não são fabulosas, quando não obrigam a condições de arte tão rigorosas como aquellas a que o illustre deputado alludiu, digo que em regra, e nessa regra estão comprehendidas todas as secções que vão desde Lisboa ale á fronteira de Hespanha, parte muito difficeis), nenhuma extremamente difficil, nenhuma extremamente dispendiosa, e se ha algumas difficeis, ha outras bastante faceis, e podem compensar-se umas com as outras até certo ponto, digo, que era neste caso que se calculou em um quinto a differença da despeza para duas vias. E este calculo é só com relação ao caminho de ferro de Lisboa a Santarem; e esta differença que fiz no contracto, peço perdão para
dizer ao nobre deputado, que é uma differença toda de vantagem para o thesouro: porque eu estou persuadido, que depois de feita a primeira linha de caminho de ferro, as outras hão de por muitas considerações que são obvias, poder contractar-se por um preço mais baixo: os primeiros ensaios são sempre mais caros, porque é, para assim dizer, uma aprendizagem que se paga. Todos sabem, que a linha de ferro de Madrid a Araujuez foi mais cara, porque foi a primeira, porque as outras, que se tem depois contractado em Hespanha, tem sido mais baratas. E necessario portanto haver extremo cuidado nas considerações, que se fazem, sobre tudo, a respeito de caminhos de ferro hespanhoes, para se não tirar argumento de caminhos, que talvez alguns se não verifiquem, porque se esses caminhos não vão por diante, sem se proceder a novos exames, como está determinado pelo governo, não se póde trazer para comparação dos nossos caminhos de ferro, cousas que não existem.
Ora é certo que os declives e curvas, as condições technicas, influem essencialmente, como diz mr. Chevalier, no custo dos caminhos de ferro; mas o governo portuguez nas condições, que ajustou com a companhia ingleza, nesta parte, não foi Ião rigoroso como se tem sido em Inglaterra, e nos Estados Unidos, mas julgou que era prudente não se abstrair inteiramente destas condições de segurança.
Ora o illustre deputado disse, que nesta parte o governo alterou o programma de 6 de maio, porque se o contracto voltasse á praça poderia haver uma outra companhia que apresentasse condições mais vantajosas. Eu já disse n'outra occasião, que no concurso que se abriu no ministerio do reino em agosto de 1852, nenhuma companhia se apresentou em regra: apresentaram-se tres propostas, uma foi acceita, porque era a unica que satisfazia a um preceito sacramental, que era indispensavel, que vem a ser o — deposito — unica garantia que o governo tem; todas as propostas, que desde muito tempo se apresentaram no ministerio reino, a cujo cargo estava então a repartição das obras publicas, orçaram proximamente, o que se combinou agora, mas nenhuma se comprometteu ao mesmo que esta; e o preço não digo, que seja baratissimo, mas não é tão exorbitante que se possa considerar prejudicial ao estado: não quero que o preço seja ião bom, que as companhias lucrem excessivamente, mas não quero que as companhias percam, porque assim não ha, de certo, com quem contracta).
Sr. presidente, em quanto aos lucros de exploração, parece-me que tenho mais confiança do que o illustre deputado: não supponho que rendam 3 ou 4 por cento, mas o que eu não supponho é, que não dêem lucro nenhum. Eu devo dizer ao nobre deputado que no principio os caminhos de ferro produzem muito pouco, em quanto se não adquirem coitos habitos de movimento, assim como os povos não adquirem certos mos de um dia para o outro, é a mesma cousa, fim França as tarifas são mais alta, e já os caminhos de ferro tendem mais: em Inglaterra as tarifas são ainda mais altas, e por isso os caminhos de ferro rendem mais, sem duvida nenhuma, mas em Inglaterra onde existe essa rêde de caminhos de ferro, ha alguns que produzem vantajosamente.
O illustre deputado foi de opinião que era uma despeza inutil, pelo menos desde já, a construcção das duas vias. Hu estou persuadido tambem de que
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as duas vias desde já, se nós fizessemos uma linha de ferro de Lisboa para Santarem e nada mais, era demasiado; mas como a intenção do governo, e a da camara — cicio eu, é de que o caminho de ferro não pare em Santarem, mas de que siga para a fronteira e para o Porto, intendi que, n'um caminho de ferro que se ramifica, pelo menos este ramal onde vão prender as duas ramificações, a da fronteira e a do Porto, devia ter desde logo duas vias; como sempre se havia de mandar fazer mais tarde as duas vias, pareceu-me util que se fizessem logo. Mas o governo intendeu que este caminho onde hão de entroncar os outros dois devia ler duas vias, para facilidade dos transportes e para evitar os accidentes, que se teem dado em caminhos de ferro de uma só via; tem este fim principal a construcção das duas vias. O illustre deputado que tem andado por caminhos de ferro, sabe que é esta uma das vantagens das duas vias. Mesmo hoje poucos são os caminhos de ferro com uma só via. É ainda que é verdade, como diz o illustre deputado, que na Belgica ha caminhos de ferro que não teem duas vias, é certo que a maior parte delles as teem. (O sr. Avila: — Agora) Lm França quasi todos teem duas vias; (O sr. Avila: — Apoiado) em Inglaterra todos, a não ser algum caso excepcional. Não me pareceu que fosse dinheiro deitado á lua, como o illustre deputado mesmo disse, é uma despeza para uma cousa que se havia de fazer mais tarde, mas que me pareceu que era mais conveniente fazer já; uma vez que ha o sincero desejo e o decidido empenho de que isto vá por diante, deve-se fazer desde já como deve ser.
Nestas circumstancias e tendo respondido como pude ás observações apresentadas pelo illustre deputado, sento-me, porque não quero privar de maneira nenhuma os meus illustres collegas de tomarem parte na discussão e dizerem mais alguma cousa.
O sr. Cunha Sotto-Maior': — Sr. presidente, poucas vezes tem acontecido entrar eu em uma discussão com tanta repugnancia como nesta, porque todos quantos planos tinha formado para entrar neste debate, lenho-os visto completamente esterilisados. Pedi a palavra e tive de a ceder ao meu illustre amigo o sr. Avila para responder in continenti desejava fallar depois de alguns cavalheiros que apoiam o governo, mas vejo que sou obrigado a fallar em seguida ao sr. ministro da fazenda, o que sempre tenho querido evitar, porque intendo que quando ha uma maioria tão grande como ha nesta camara, que apoia o governo, quando se apresenta á discussão da camara um parecer assignado por 16 srs. deputados, os deputados que assignam o parecer e a maioria que o apoia, devem abrir a bocca e fallar; mas não acontece assim, devem estar sempre em scena o si. ministro da fazenda e os deputados da opposição, porque a camara não tem mais gente. (O sr. Placido pedia a palavra como relator da commissão, e mais outros senhores.) Depois de ouvir os srs. deputados como e que hei de fallar? Como hei de responder se já me não chega a palavra! Assignam 16 deputados um parecer, o estes 16 deputados conservam-se calados. Ora pelo amor de Deus! Pedis a palavra; mas fallar agora é o mesmo que não fallar. Como quereis que o sr. Avila, eu, e o sr. Corrêa Caldeira, que ainda não pediu a palavra, e cine não sei se a pedirá, vos respondam? A que horas vos havemos de responder? Ora, senhores, pelo amor de Deus!... Tem só fallado o sr. ministro da fazenda e os deputados da opposição, e eu esperava que os srs. deputados tivessem pedido a palavra, sobretudo tendo eu ouvido fóra da camara e nos corredores grandes discursos e grandes promessas, e era por causa destas grandes promessas com que que atroaram os ouvidos, que eu esperava que se rompesse o silencio, mas vejo que são oradores só lá fóra, aqui dentro da camara, com a sessão aberta, são mudos.
Sr. presidente, o projecto tem seis artigos, dos quaes approvo quatro e rejeito dois, que são os que auctorisam o governo a fazer immediatamente as expropriações, e direi a v. ex.ª e á camara para nunca esconder o meu pensamento até nas cousas mais pequenas, que eu, apesar da seriedade com que o sr. ministro da fazenda fallou, está-me a parecer incrivel, tenho toda a repugnancia em crer que o sr. ministro da fazenda acredite sinceramente no caminho de feno. (Riso. = O sr. Ministro: — Acredito. = Apoiados.)
E necessario, sr. presidente, uma incredulidade levada ao ultimo gráo, para eu ser Ião tenaz nesta minha opinião ácerca do caminho de ferro; e se acaso eu não temesse escandalisar a pia crença em que está esta camara ácerca do caminho de ferro, vaticinaria que o actual concessionario não faz o caminho de ferro; e peço ao governo e aos srs. deputados que registem esta minha profecia; o actual concessionario não faz o caminho; o mais que elle póde fazer, é depois de ter a concessão, vende-la. (Vozes em sentido negativo.) Pois havemos de vêr. Diz o dictado que ninguem escarneça do procela antes do tempo marcado para a profecia se realisar; por consequencia os srs. deputados guardem a sua opinião, eu guardo a minha, e vamos a ver quem acerta, se sou eu, se a camara.
Sr. presidente, o sr. ministro da fazenda promette, e já tem promettido por mais vezes, trazer á camara o contracto definitivo; quando vier esse contracto definitivo, eu então mostrarei, e mostrarei com documentos, que de todas quantas propostas existem nas differentes secretarias, não ha uma só, incluida a do proprio sr. Hislop, em que venha a colação do preço do kilometro em 50:500$000 réis. Eu até duvido que o sr. ministro da fazenda as visse, porque as propostas originaes tenho-as eu na minha mão, e por consequencia o que o sr. ministro viu, seria quando muito uma cópia infiel. As propostas originaes estão na minha casa, na minha gaveta; por consequencia o sr. ministro não podia vêr essas propostas. Não tenho culpa se, posso tirar da secretaria os papeis que me convém. Fechem as portas! E creio que não haverá nenhum empregado que diga que vou lá abrir as gavetas, ainda não fui indiciado desse crime; mas o caso é que as tenho em minha casa n'uma gaveta, lenho-as ha mais de um mez em meu poder, porque quiz-me preparar para esta discussão; e então, quando vier o contracto, hei-de mostrar que a concessão do caminho de ferro a uma companhia que pede por cada kilometro 50:500$000 réis, é (sem querer offender os srs. ministros, e principalmente o sr. ministro da fazenda por quem tenho a consideração que me merece sempre um antigo collega, e de quem aprecio muito as qualidades moraes) o acto da maior rapina que selem feito em Portugal. Tenho isto radicado em mim; está na minha idea, não ha forças humanas que me tirem daqui. Em toda a historia dos caminhos de ferro, que é bem comprida e longa, não
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lia um kilometro por 50:500$000 reis. Não tome o sr. ministro da fazenda esta minha sincera obsecação como um ataque á sua pessoa; mas eu deputado, e tendo de discutir os negocios do meu paiz, quando vejo uma cousa que me parece que é um desperdicio, (n'uma frase mais delicada) não posso accommodar-me com esse desperdicio, trocando-o pelas immensas vantagens que me promettem ácerca de um caminho de feno.
Eu não quero tomar o tempo á camara, porque lealmente acho que esta discussão, e tudo quanto se tem dicto ale agora (sem de maneira nenhuma querer censurar os cavalheiros que lêem tomado parte nella) tem sido extemporaneo (Muitos apoiados) poi-que o que está em discussão, não é o contracto com o sr. Hislop, o que está em discussão e este projecto, e este projecto e auctorisação para o governo contractar o caminho de ferro. Voto pois por este projecto, excepto por ora o artigo que auctorisa o governo a fazer desde já as expropriações; pelos outros artigos voto. Quando vier á discussão o contracto definitivo, feito com Hislop ou outro, é que então me parece occasião de tractar mais de espaço o objecto retrato a expropriações, especialmente no que diz respeito a quem fica o encargo de as pagar, e que meios se promptificam para isso. Declaro francamente que voto desassombradamente pelos artigos 1.º e 2.º, porque quero o caminho de ferro, e quero-o porque o julgo uma necessidade, porque acredito na sua efficacia, e considero o como um meio de civilisação, que pode tirar este paiz do abatimento em que (em estado e está; mas por isso mesmo que quero o caminho de ferro, não hei-de votar cegamente o approvar tudo sem considerar primeiramente assuas vantagens e os seus encargos. Quero caminho de ferro, mas não o quero como o sr. ministro das obras publicas e a maioria, na expansão do seu enthusiasmo, sem que o contracto para elle venha á camara. Forque quero o caminho de ferre, é que eu quero que haja nisto da a publicidade possivel.
Não intendo, não posso intender qual a razão justificada ou fundada que leiu o sr. ministro das obras publicas para dizer que este contracto está pendente de negociações. Pois o que é um contracto?.. A palavra contracto diz só por si bastante claramente o que significa: um contracto é o resultado de coisa que leve licitação e publicação; se houve licitação e se foi publica, onde está o mysterio?... O sr. ministro das obras publicas já tem dicto, e disse-o tambem hoje, que certas condições do contracto com Hislop já estão verificadas e concluidas; por consequencia nestes lermos o que me parece é que s. ex.ª a primeira cousa que devia fazer era o contracto do que está fazendo, era trazer o contracto definitivo á camara, e depois resolver-se a materia mais essencial do projecto em discussão. Mas s. ex.ª, e a maioria com s. ex. não o intendem assim! E porque eu tive a leviandade e o arrojo de expressar a minha opinião, fui Jogo accusado de inimigo do meu paiz; fui logo coberto de vituperios e de injurias, esgotou-se contra mim toda a litteratura da ignominia, affronta e ultraje!... Bom era, senhores, que aquelles escriptores que escrevem os artigos, onde se encontra lai linguagem, não se limitassem só a escrevel-os e porventura a votar nesta camara pelo caminho de ferro, antes de se conhecer as condições do contracto pelo qual esse caminho deve ser levado a effeito; seria util
que fizessem mais alguma coisa no sentido de conservar a estas coisas a dignidade que ellas comportam, e que não escondessem os seus capitaes deixando de concorrer com elles para effectuar essa obra de que tanto alarde fazem.
Eu intendo que era mais regular e mais conveniente ter trasido á camara o contracto definitivo que este projecto n. 27; porém este projecto veiu; e o governo ainda que conhece a razão, a utilidade de vir antes o contracto que o projecto em discussão, por um capricho, não quer retirar o projecto em virtude de consideração alguma.
O governo, sr. presidente, está resolvido a continuar a ser governo custe o que custar, e dê por onde der, e então quando se sente fraco, falla logo em caminhos de ferro, de maneira que o caminho de ferro é para tudo!
E por esta occasião repelirei aqui o que noutra parte me contaram relativamente a um dicto do sr. ministro das obras publicas, — que s. ex.ª fallando com uma alia personagem disse-lhe — então esteve na inauguração do caminho de ferro?... Eu não dou a noticia como certa, mas disseram-me que a resposta de s. ex.ª foi — isso é como o homem das botas — disse-me uma pessoa que ouviu isto ao sr. ministro das obras publicas... (O sr. Ministro das obras publicas: — Não é verdade) — Eu podia citar á camara a pessoa com quem isto se passou, e se o fizesse, veria a camara a importancia daquelle cavalheiro — Ora além disto parece-me que toda a gente pensa que este negocio do caminho de ferro não é real; o mesmo sr. ministro das obras publicas e o do reino não crêem na realidade daquelle caminho de ferro — Eu vi o que se passou na inauguração. Estive lá, fui lá para ver a gente, fui á festo, e parece-me que toda a gente quando voltou, vinha envergonhada, ou como envergonhada. Com isto não quero dizer que eu não quero caminhos de ferro; quero caminhos de ferro, e se fosse grande capitalista, se tivesse uma grande fortuna, tinha dado um grande documento da sinceridade deste meu desejo, fazia-me accionista do caminho de ferro; fazio-o porque creio na efficacia dos caminhos de ferro; creio mais do que crêem aquelles cavalheiros que tanto blasonam nesta camara, mas que escondem o seu dinheiro e não se fazem accionistas do caminho de ferro — Peço ao sr. ministro que me faça o favor de apresentar uma lista dos accionistas portuguezes. — Este é um argumento forte; — quando se publicar alista dos proprietarios e capitalistas portuguezes que tenham assignado para o caminho de ferro, só então, só quando existirem accionistas portuguezes, é que o paiz póde acreditar na realidade do caminho de ferro: mas o que eu vejo é que aquelles que tem dinheiro, que tem capitaes escondem-nos muito bem escondidinhos, não assignam para o caminho de ferro nem com uma acção de 100$000 réis!... Parece-me que isto me dá direito para desconfiar da realisação do tal caminho de ferro
Eu não quero tomai mais tempo á camara com esta questão, sobre a qual na verdade tudo quanto se tem dicto, é extemporaneo, porque o que está em discussão, não é o contracto com Hislop, é o projecto n.º 27; e eu espero que quando este negocio vier á camara, venha não como projecto de contracto, mas um contracto acabado e definitivo em todas as (suas relações; p quando vier esse contrario á ca-
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mara, então é que me parecem que podem e devem ter logar muitas das observações que se tem apresentado já nesta discussão — Parece-me que com aquillo que disse, fiz um grande serviço ou obsequio á camara, por que leremos o gosto de ouvir os engenheiros que tem estado calados (Riso); e eu desde já prometto a s. ex. que não hei-de responder-lhes hoje, por que sobre a discussão na generalidade não direi mais palavra.
Quando vier o contracto prometto que hei-de tomar a palavra, e entrar na questão não tambem como desejaria, mas o melhor que puder.
O sr. Placido de Abreu: — Sr. presidente, se o parecer na sua generalidade não tem sido por ora combalido, era desnecessario que os membros da commissão pedissem a palavra para o defender. (Apoiados).
Nós vimos que o sr. deputado Avila declarou que votava pelo parecer, que o sr. Cunha fez igual declaração; que todos estão accordes em votar pela construcção de um caminho de ferro, e nestas circumstancias, que ha pois que defender da parte da commissão ou da maioria da camara?.. Nada; absolutamente nada, porque nada lia impugnado (Apoiados).
Quer por ventura o sr. Cunha, quando diz, que nesta questão ninguem por parte da commissão, nem» da maioria combate a opposição, a opposição que tambem quer a construcção do caminho de ferro, quer que qualquer membro da commissão ou da maioria da camara, só para fazer a vontade ao sr. deputado, venha impugnar a construcção do caminho de ferro!.. Não é possivel fazer-se lai. (Apoiados).
Sr. presidente, tudo quanto se tem dicto por parte de alguns srs. deputados, é mais proprio da discussão do contracto definitivo, que da discussão do projecto n. 27: (Apoiados) quando esse contracto vier a camara, então eu entrarei tambem na questão debaixo de todas as suas relações, e fallarei tambem acêrca de muitos pontos, que ora tem sido tractados na actual discussão; e de passagem direi, que depois das explicações dadas pelo sr. ministro, conhece-se que algumas das observações feitas pelo lado da opposição com relação ás condições do contracto, não tem fundamento algum, e até o sr. Avila, em vista de algumas das observações que ultimamente fez o sr. ministro, desistiu de parte das duvidas e objecções que anteriormente a essas explicações linha apresentado.
Mas ainda a respeito de differentes cousas que o illustre deputado disse, quando entrarmos na discussão do contracto, eu responderei a s. ex.ª e direi muito francamente á camara qual é a minha opinião.
Agora a respeito do sr. Cunha dizer — que o acto da condição que estabelece o preço de 50:000$000 réis por cada kilometro, é a maior rapina que se tem feito, e póde fazer, direi, que uma tal expressão é a expressão mais mal cabida, mais despida de fundamento que se póde apresentar; é uma expressão que mostra — que o sr. Cunha não estudou esta materia; porque se a tivesse estudado, havia de vêr que caminhos de ferro houve em Inglaterra, como o de Gran-ville, que custaram cada kilometro 81 contos, e em França alguns houve que custaram 51 contos; e se isto aconteceu assim naquelles paizes, em que se dão
circunstancias muito mais favoraveis a muitos respeitos, que entre nós, que admira que em Portugal se estabeleça o preço de 50 contos por cada kilometro quando de mais a mais é o primeiro ensaio que vamos fazer de caminhos de ferro?
Pois se os caminhos de ferro em Inglaterra, tirado o termo medio, têem custado 84 contos de réis por kilometro, e os caminhos de ferro em França 54 contos de réis por kilometro, e isto não é rapina naquelles paizes, ha-de ser rapina em Portugal um caminho de ferro que custa 50 contos por kilometro? Pois se naquelles paizes, onde se dão circunstancias mais favoraveis a muitos respeitos do que entre nós, onde se tem trabalhado por longos annos em caminhos de ferro, o kilometro sae ainda por aquelle preço; neste paiz, onde o caminho de ferro é materia completamente nova, hade-se estranhar que elle custe por kilometro 50 contos?.. Digo isto para mostrar a s. ex.ª que é perfeitamente gratuito, que não soffre analyse, que é uma expressão exaggerada, o que s. ex.ª disse quanto a rapina, que é uma accusação que não devia lançar-se no parlamento, porque quando se dizem expressões de tal ordem, é necessario que antes se meditem muito, e não se tragam aqui só para fazer effeito; é necessario descer á analyse dos factos, e juntar a isto o estudo da doutrina.
Sr. presidente, eu como já disse não pretendo cançar a camara, e por isso pouco mais direi. Não tenho conhecimento especial das condições do contracto, e como não o tenho, não entro em analyse nenhuma a respeito dellas; quando o contracto vier á camara, hei-de estuda-lo e aprecia-lo, e não terei duvida em entrar na questão.
Agora ha uma circunstancia sobre a qual desejo responder. O sr. deputado Avila estranhou que eu désse um apoiado ao illustre ministro da fazenda n'uma questão propriamente de arte. Se s. ex. meditasse que as questões, ou condições de arte e de orçamento fazem variar completamente uma obra; certamente s. ex.ª havia de vêr logo que o meu apoiado queria dizer que aquillo que o sr. ministro disse, era o que em regra se fazia. S. ex. disse que em regra uma segunda via tem mais um quinto da despeza de uma só via; em regia, em construcções ordinarias, não é para todas as excepções, e todos os casos especiaes; foi debaixo desta idéa que eu dei o apoiado no sr. ministro da fazenda, e sustento, essa mesma doutrina. Um quinto que nós tomamos é como regra geral, é como principio propriamente de construcção; mas não se segue que este principio não possa ser alterado em relação a esta ou áquella construcção.
Concluo dizendo a v. ex.ª que em quanto ao projecto em discussão, como não tem sido combatido, não era possivel ser defendido, e em quanto aos preços que têem custado os caminhos de ferro em outros paizes, e áquelle que poderiam custar no nosso; e quando vier o contracto á camara, não terei duvida em entrar mais de espaço nessa questão, como puder e intender, e responderei ao illustre deputado conforme as circunstancias o permittirem.
O sr. Saidos Monteiro: — Peço a v. ex.ª que queira consultar a camara sobre se a materia do projecto está sufficientemente discutida na sua generalidade.
Julgou-se discutida, e foi approvado o projecto na generalidade.
(J sr. Justino de Freitas: — Peço que se dispense
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o regimento para passarmos desde já á especialidade.
Assim se resolveu.
Entrou em discussão o artigo 1.º
O sr. Carlos Bento: — Sr. presidente, tractarei de ser rapido sobre caminhos de ferro; por uma certa côr de propriedade devo ser rapido, ainda que devo dizer á camara que desgraçadamente entre nós a concepção e que é rapida, a execução é morosa: a experiencia tem-m'o demonstrado sufficientemente. Decidimos com summa facilidade; o pensamento em toda a parte e o acto mais laborioso, entre nós é o mais rapido; agora a execução não é assim; nós povos meridionaes, dotados de uma imaginação brilhante, encaramos os obstaculo, para nos parecerem pequenos, diante da força dos nossos desejos; em theoria ninguem vai mais longe, ninguem sobe mais alto; na practica não succede, o mesmo, porque nos falla o ardor, principiámos a desfallecer, principia a inconstancia mudando o objecto da nossa paixão e da nossa sollicitude; e nós, que ardentemente um dia antes não recuavamos diante de consideração nenhuma, principiámos a hesitar e a transigir com a menor difficuldade que nos apparece na practica.
Sr. presidente, entre outras modificações que devemos adoptar, é decerto esta uma dellas — devemos copiar da laça saxonia, tanto quanto pudermos, a tenacidade que a distingue; devemos copiar della esta teima com que um homem lucra durante 20 annos com uma idéa, e por fim descobre alguma cousa practicavel, realisavel, como por exemplo Ericson, que tractou durante 20 annos de substituir o processo actual da locomoção a vapôr, e acha ou suppõe achar um meio de fazer uma importante economia no combustivel. Devemos imitar a raça saxonia neste ponto, nós que tractamos de a imitar, ou desejamos de a imitar em tantas outras cousas.
Sr. presidente, eu felicito esta camara, por ler inserido neste projecto a clausula da auctorisação parlamentai para a construcção de um caudilho de ferro de Lisboa á fronteira; eu felicito sinceramente a ca-maia por esta circumstancia. Sem dirigir accusação a ninguem, sem suspeitar as intenções de ninguem, eu intendo que não basta invocar o nome de interesses materiaes, para que nós nos déramos desprender de todas as considerações da legalidade; porque, sr. presidente, eu intendo como um distincto economista — que as qualidades moraes são forças productivas. A legalidade é altamente productiva, e toda a companhia que se apresentar sollicitando accionistas depois de poder invocar uma decisão do parlamento, tem outra foiça, tem outra facilidade para os adquirir que não tinha uma companhia que se apresentasse sem esta sancção parlamentar. (Apoiados) Ainda bem que o justo tambem é util! Ainda bem que o direito tambem é altamente productivo!
Sr. presidente, ultimamente quando um capitalista da nação visinha, D. José Salamanca, tractou de sublocar um contracto de caminho de ferro a uma companhia franceza composta de capitalistas importantes taes como Ardouin e outros, vi com prazer que no programma daquella companhia se dizia com toda a insistencia — note-se bem, olhem que as vantagens concedidas a esta companhia, apoiam-se em unia lei votada no parlamento. Tanto e verdade que o systema representativo e um elemento, grande elemento de interesse materia!! É ò unica que conheço em nações que não têem outros habitos, porque, sr. presidente, eu não quero fazer o processo a todos os systemas, entretanto sei que ha nações onde não existe o systema representativo, mas onde ha um tal habito de cumprimento das condições que uma vez se acceitaram, que essas nações, apezar de lhes faltarem as fortes garantias do systema representativo, acham credito porque cumpriram deveres.
Sr. presidente, voto pois com a maior satisfação pela inserção deste artigo no projecto que discutimos. E devo declarar, que prefiro immensamente a construcção do caminho de ferro de que se tracta, á construcção de um caminho de ferro, que foi decretado dictatorialmente. Digo, sr. presidente, que prefiro immensamente a construcção do caminho de ferro de leste de que se tracta, á construcção do caminho de ferro do norte que foi decretado dictatorialmente; e lisonjeio-me de que o pensamento parlamentar seja superior ao pensamento extra-parlamentar, embora este pensamento extra-parlamentar nascesse de corações cheios de bons desejos, e fosse filho das lucubrações de cabeças cheias de intelligencia. Felicito-me deste pensamento parlamentar, pelo menos manifestado parlamentarmente, porque sei que o ministerio tambem linha este pensamento da construcção do caminho de ferro de leste, e tem leito todas as diligencias para elle se realisar; mas por ora o votado extra-parlamentarmente é o do norte, e o votado parlamentarmente é o de leste; a vantagem é toda a favor da iniciativa deste caminho de ferro, porque, sr. presidente, neste ponto, em pontos de caminhos de ferro, decretar um caminho de ferro sem os necessarios estudos, é decretar o arrependimento a maior parte das vezes.
Desejo muito que o estudo a que se proceder a respeito da construcção do caminho de ferro do norte, mostre que são illusorios os receios que elle inspira, e que lenhamos a esperança de que as difficuldades que elle apresenta, hão de ser dissipadas brevemente, listas duvidas não são minhas, são de naturaes e estrangeiros. Ainda ha pouco, n'um escripto recente a respeito do caminho de ferro de Portugal e Hespanha, eu li que a Peninsula devia por ora renunciar á idéa de construir aquelles caminhos de ferro, cujas difficuldades do terreno fossem da natureza das que apresenta o norte de Hespanha; que deve renunciar a esta idéa, porque não ha capitaes sufficientes para se empregarem nelles, nem o desenvolvimento de industria correspondente. Tambem felicito a camara por uma outra circumstancia, e vem a ser: que neste ponto geral em discussão não apparece divergencia de lado nenhum da camara; a circumstancia de que todos os lados da camara votam por este projecto e muito importante, porque, desenganemo-nos, obras desta natureza todas as vezes que não tenham o caracter de legalidade a respeito do maior numero possivel de suffragios, são muito difficeis de realisar. Creio que não ha ninguem que queira para si o exclusivo de levar a effeito obras desta natureza; é preciso que na adopção de cellas medidas importantes Indo seja dirijido de modo que possam ser acceitas pelo maior numero, para que o triunfo não seja de um pai lido, mus de um principio. L por esta occasião citarei o que aconteceu no parlamento inglez. Quando no parlamento inglez se tractou da abolição da lei dos cereaes, um deputado extremo da opposição redigiu unia moção em favor da liberdade do commercio, mas offensiva ao ministerio tory, que então existia, o qual todavia
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adoptava o principio que se proclamava: então levantou-se lord Palmerston, que estava tambem na opposição, e disse — redijamos esta moção de maneira que possa ser acceitavel por todas as pessoas que estão convencidas da conveniencia desta doutrina, por que de outro modo será o triunfo de um partido, mas não de um principio. — Por consequencia façamos nós o mesmo nestas questões, como aquella de que nos occupamos agora, procurando o mais possivel fazer triunfar o principio e não um partido.
Folgo muito que este projecto não seja combalido por nenhum lado da camara, isto mostra que ha utilidade e conveniencia geral, e todas as vezes que se salvarem as apparencias, e se contar com o maior numero de votos, é mais uma indicação para que seja-mos regulares, quanto possa ser.
Agora passarei a offerecer diversas considerações a respeito do modo porque ha-de ser executado o caminho de ferro de que se tracta. O nobre ministro, no desenvolvimento de idéas em que manifestou o estudo que tem feito deste objecto, disse: que ainda estava contractando sobre este ponto com uma companhia. E claro que desde que s. ex.ª declarou que não se podia ainda considerar este contracto como leito e concluido, o contracto está fóra do alcance da discussão desta casa: entretanto s. ex. já apresentou na discussão algumas indicações, que talvez fóra util combater. Em primeiro logar peço licença para dizer ao nobre ministro, meu amigo, que tambem me parece que não se deve pensar desde já no estabelecimento de duas vias no caminho de ferro de leste; assim como não devemos ser tão ambiciosos de velocidade, como se vê do programma do governo de 6 de maio. Parece conveniente, com relação ao ponto a que se referiu o nobre ministro, que se deve simplificar e adoptar o menos que se puder, o pomposo; e até me parece que devemos desde já adoptar todas as circumstancias que nos possam lisonjear de que este caminho se ha de conseguir. Quem duvida da realisação do caminho de feno, engana-se, porque nós havemos de ter caminhos de ferro por força; póde ser uma questão de tempo, mas não uma questão de facto. (O sr. ministro das obras publicas: — Apoiado)
E pois necessario vêr se podemos, por meio de melhoramentos fazer com que estas despezas não sejam Ião excessivas. Eu devo dizer a esta camara que não julgo a nossa actual situação economica a mais favoravel para que as nossas esperanças devam sei as mais ardentes a similhante respeito; eu não intendo que a nossa situação economica seja a mais favoravel para as nossas esperanças lerem o menor fundamento, para que dentro de pouco tempo possamos estar habilitados para levará execução certas obras, como a actual, concernente» aos interesses materiaes do paiz. Tanto isto é assim, que da parte do governo leiu havido algum procedimento que está de accordo com esta minha idéa, de remover todos Os embaraços, que por virtude talvez de algumas medidas, existem no nosso mercado e nos mercados estrangeiros, medidas que em parte tem trazido a desconfiança que actualmente existe. Todo o procedimento, pois, tendente a removei estes embaraços, que existem fóra o dentro do paiz, são outros tantos meios para se adquirirem certos melhoramentos materiaes, e para se faz tem mais depressa os caminhos de feno. Estou certo que o sr. ministro da fazenda nesta parte servira o sr. Ministro das obras publicas. (Piso)
O nobre ministro fallou de obras de arte para a construcção do caminho de ferro, e citou alguns planos estrangeiros, e entre elles o plano dos americanos: a este respeito tomo a liberdade de advertir que imitemos quanto pudermos, os americanos do norte: s. ex.ª sabe melhor do que eu, a perfeição que preside á factura dos caminhos de feno daquella nação. Em França sabemos nós que em 1846, apesar da perfeição apparente dos caminhos de ferro, que alli existem, houve uma catástrofe, da qual o actual presidente do conselho de ministros o nobre duque de Saldanha, escapou de ser victima, apesar do pomposo daquellas construcções. O mesmo direi a respeito de se fazerem ceitas obras para diminuir os raios das curvas e augmenta! os declives: die n sr. ministro que isto são condições de segurança; é verdade, mas esta segurança póde obter-se não sendo tamanha a velocidade. Tambem intendo que não devemos ser muito ambiciosos de velocidade; nós vemos que no programma de 6 de maio se estabelecem 10 legoas por hora, quando os americanos lendo caminhos de ferro ha muitos annos, transitam apenas 20 milhas por hora. Se nós não foi mos tão ambiciosos dessa velocidade, da rapidez das nossas communicações, havemos de poupar muito mais no capital empregado do que nesta empreza.
Além de que a applicação que ultimamente se principia a dar nos caminhos de ferro aos trens articulados de mr. Arnoux, fez com que, sem compromettimento da segurança, se possa descer ás maiores curvas, do que as que até agora geralmente se estabelecem.
Tambem me parece, que senão deve desde já pensar no estabelecimento de duas vias no caminho de que se tracta; assim como não sejamos tão ambiciosos de velocidade, como se vê do respectivo programma; e com relação á parte a que se referiu o sr. ministro das obras publicas, parece-me conveniente simplificar, adoptar o menos que se puder, o pomposo.
Eu vou lei minar, sr. presidente, e a dizer a verdade, parece-me, que todos estão de accôrdo; mas devo fazer ainda uma reflexão sobre o que diz respeito ao contracto. Eu intendo que a companhia, que já começou a fazer despeza no ponto relativo ao caminho de ferro, de que se tracta, quando não seja approvado o contracto, não deve perder a importancia das despezas que houver feito; deve receber uma indemnisação. Os que aproveitarem estas vantagens do que houver feito, não devem obte-las de graça; portanto outra companhia, cujo contracto fôr approvado, quando o que com a actual o não seja, deve pagar as despezas das obras feitas, de que se aproveitar.
Eu desejo, que a companhia, qualquer que ella seja, apresente a principal garantiu, a garantia dos nomes; esta é muito superior ás do concurso; eu prefiro o nome de Rotschild a outros que fossem ao concurso, e tivessem feito depositos, e cujos nomes não valessem mais do que este, e acceito aquelle nome, e as condições por elle propostas, uma vez que não sejam muito onerosas, porque eu não sou dos que seguem a doutrina da materialisação do credito publico; a reputação é um valor, e o caracter de uma pessoa em muitos casos é hypotheca.
Concluo dizendo que tenho muita satisfação de approvar o artigo 1.; e desejo que se removam os embaraços, que na minha opinião, tornam a nossa situação economica pouco favoravel.
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O sr. Lousada: — Sr. presidente, estou persuadido de que toda esta discussão que tem havido, tem sido impertinente ao assumpto de que se tracta.
O que o sr. ministro das obras publicas trouxe á camara, foi uma proposta para levantar as difficuldades, que a lei de 23 de julho de 1850 apresenta a toda a auctoridade, corporação ou individuo que pertende fazer uma expropriação para um objecto de utilidade publica. Eu conheço por experiencia propria as difficuldades, que a dicta lei offerece. Aquillo que actualmente se acha estabelecido a respeita do objecto expropriações, é de lai natureza complicado e difficil, que não poucas vezes se tem desistido de fazer obras mui precisas unicamente pelas difficuldades que os expropriados apresentam á sua realisação.
A lei que rege actualmente o negocio das expropriações comprehende duas diversas qualidades dellas, e vem a ser as que são precisas por necessidade publica, e dessas tracta o artigo 31.º da já cilada lei de 23 de julho, dizendo que um decreto separado daquella lei marcará o modo por o qual se deverão fazer as expropriações derivadas de um similhante motivo, decerto aliás que ainda não appareceu; ou são expropriações causadas por utilidade publica, e é das desse genero, que agora nos estamos occupando. Eu intendo que as expropriações precisas para se fazer o caminho de ferro de Lisboa a Santarem, ou para qualquer outro que se haja de emprehender, são expropriações que se devem classificar como sendo de utilidade publica, e intendo mais que a lei que a respeito dellas se tiver de fazer, não deverá ser uma lei de occasião; mas sim uma lei geral, amplissima e applicavel a todos os casos de similhante genero que possam occorrer. Na lei já cilada está, e sinto que a utilidade publica de qualquer expropriação possa ser declarada ou por uma lei que marque os predios que deverão ser expropriados, ou por um decreto, ao qual deverão preceder certas formalidades. Para que o corpo legislativo pois faça aquella lei, que dispense os preparatorios, que são precisos para a expedição do decreto, é que eu intendo convir a
substituição, que um mandar para a mesa a todo o projecto, que se discute.
Por esta minha substituição fica desde já estabelecido em regra que todos os terrenos comprehendidos em um qualquer traçado de caminho de ferro, como precisos para a sua feitura, são, e ficam desde já e por esta lei, que agora se discute, declarados como sendo de utilidade publica; e por esse modo dispensados os engenheiros, os emprezarios, ou o governo que o mandam, ou querem fazer, exonerados de qualquer processo previo, da verificação da utilidade publica, e antes, desde que a planta do pretendido caminho de ferro estiver feito, e approvado o contracto para a sua construcção, não terão os emprehendedores de uma obra similhante a fazer outra cousa que não seja o verificar a liquidação do preço, por o qual as expropriações pretendidas terão de ser feitas. Mas e porque nesta mesma verificação da liquidação do preço dia e póde haver um methodo mais prompto, e um outro mais demorado, é por isso que eu tambem proponho, que todas as expropriações pie-cisas para este, ou qualquer outro caminho de ferro sejam declaradas-urgentes, habilitando por este modo Os emprezarios de todo e qualquer caminho de ferro, que se haja de fazer em Portugal, a poderem caminhar na sua empreza sem os tropeços e embaraços que de outra sorte lerão de encontrar, quando a declaração da utilidade publica, e a urgencia para obras similhantes não ficarem desde já consignadas na lei, de que ora nos occupamos
A minha proposta pois é a seguinte. (Leu) O sr. Presidente: — Como já deu a hora, ámanhã consultarei a camara se admitte á discussão a substituição mandada pelo illustre deputado; e a ordem do dia e a continuação da que vinha para hoje, e mais d projecto n.º 28. Está levantada a sessão. — Eram quatro horas da tarde.
O REDACTOR
José de Castro Freire de Macedo.