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1846 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

appareceu, é coherente, e homogenio, é harmonico. Trava-se, de longa data, a natureza intrinseca da historia do nosso paiz, e tambem de velha data (desde o berço da monarchia) aos tres elementos preponderantes no meio social em que vivemos: clero, nobreza e povo. Scindida a representação nacional, abertas as duas casas do parlamento sob o novo regimen representativo, e traduzindo uma d'ellas mais propriamente a vontade popular, devia a segunda traduzir os dois elementos excluidos. D'ahi, naturalmente, esta dupla feição: vitalicia, para o primeiro, hereditaria para o segundo, como hereditarias eram as prerogativas da classe.
Continua o artigo: «nomeados pelo Rei por ser então a presumida mais sua directa defensora; e sem numero fixo».
Assim devia ser, digo eu ainda. Sabe-se que n'esta engrenagem de poderes do systema representativo, como em outras fórmas de governo, podem levantar-se embaraços, que é conveniente debellar de prompto; de contrario, as consequencias são as vezes funestissimas.
Qual o caminho a seguir?
Para o ministerio temos a demissão. Para as camaras temos a dissolução.
Mas ha uma camara vitalicia... que pois fazer?
Do mal, o menos: salvemo-nos com aquillo a que no moderno parlamentarismo se houve por bem chamar - as fornadas.
E assim appareceu na lei, por necessidade, mais uma porta aberta, que reverteu depois em desprestigio para a outra casa do parlamento. Isto por culpa de todos os partidos.
Dizia portanto eu que o artigo 39.° da carta era coherente, homogeneo, harmonico. (Apoiados.)
Mas, sr. presidente, o scenario hoje transmudou-se, por completo. O theatro onde têem de representar-se estas scenas do pacto fundamental, quer para os actores, quer para os espectadores (todos igualmente interessados) e outro, radicalmente diverso. Caem os vinculos, caem os prazos de vidas, vem as leis de desamortisação; todo este concurso de privilegios que cintavam uma classe, por fórma a intrincheiral-a n'um recinto vedado, n'uma atmosphera de isolamento, desappareceu, evaporou-se.
As classes fundiram-se. O alto clero encontra se hoje, é claro, precisamente na mesma situação.
A nobreza ainda existe, (se interpretarmos esta palavra sob uma feição diversa) e, debaixo do meu ponto de vista ha de existir sempre, modificando-se, como tudo no mundo se modifica, soffrendo a transformação evolutiva do meio social em que vive, como tudo no meio social se transforma. Mas, na funcção que lhe attribuo, ha de existir sempre.
O alto clero tambem existe. Ha, porém, uma unica differença; e aqui se radica, e aqui começa a pôr-se a claro e a manifesto a minha opinião: é que a nobreza é povo como o povo, o alto clero é povo como o povo. A differença para mim está simplesmente n'isto. N'elle reside a soberania. É principio axiomatico de direito publico, e o espirito, e a letra da carta constitucional quando no seu artigo 12.° diz: «os representantes da nação são o Rei e as côrtes»
Não ha hoje camara alguma no paiz que represente individualmente uma classe.
A nobreza, tal qual hoje existe, tem representantes distinctissimos n'esta casa do parlamento; a nobreza, tal qual hoje existe, tem representantes distinctissimos na outra casa do parlamento.
Não ha balizas, não ha barreiras; todas representam o paiz, repito ainda, e acaba de o confessar o proprio artigo 1.° do projecto.
Portanto (sejamos coherentes): representantes do povo, pelo povo devem ser eleitos; eleitos pelo povo, signifique a eleição popular alguma cousa. Haja um praso, curto ou longo, porque eu comprehendo os inconvenientes d'estas eleições, de seis annos, de nove annos, se quizerem, como se faz n'alguns paizes, lá fóra, denominadamente na Suecia; mas, terminado esse praso, consulte-se de novo a vontade do paiz.
E eu não me illudo com as eleições do meu paiz, como tão pouco me illudo com as eleições de paiz algum. Eu bem sei que tudo isto é uma ficção, um sonho, uma phantasmagoria. Mas, sr. presidente, sotoposto o principio, assentados os fundamentos, e deixar que a vontade se levante o edificio das legitimas conclusões! Á vontade! Ha erro? ha vicio? procuremol-o na base; arranquemos o principio dos alicerces.
Acceito o suffragio, o suffragio universal que todos queremos, o suffragio universal para que todos tendemos, o suffragio universal para que eu tambem tendo, bom grade, mau grado meu, não se queixem de mim; queixemo-nos uns dos outros: eu cruzo os braços e tiro as conclusões.
Tambem sei que e sempre vantajoso não quebrar de prompto o fio das tradições; muito ao contrario, convem que a pouco esse fio se vá enfraquecendo, por fórma que, quasi insensivelmente, elle se parta depois. (Apoiados.)
Mas, tinhamos para isso, alem dos pares actualmente existentes, cujos direitos eu não quizera não ver preteridos, qualquer disposição com caracter transitorio, que salvasse em todo o caso o principio.
E aqui tem v. exa., como profunctoriamente, bem ou mal, sem me valer de legislação estrangeira, e soccorrendo-me apenas das condições do meio social em que vivo, a minha opinião se determinou neste sentido. Assim vou justificando a moção de ordem que tive a honra de mandar para a mesa. Errarei? Não errarei? Valha-me ao menos de desculpa a minha boa vontade.
Se quizesse lançar mão da legislação vigente nos outros paizes cultos, eu não seria dos peior quinhoados; pondo de parte, entre outros paizes em circumstancias diversas do nosso, a Inglaterra, fortemente consolidada no systema representativo, que, não possuindo constituição, e o paiz que mais constitucionalmente se rege no mundo, que tem uma nobreza e obedece a uma larga legislação consuetudinaria, e a Russia, a respeito de cuja organisação social não emittirei com maior franqueza as minhas opiniões, em attenção ao melindroso do logar que occupo, mas cujas tremendas luctas intestinas alguma cousa traduzem e significam.
Falla-se nas imminentes hostilidades entre a Inglaterra e a Russia. Pois, sr. presidente, se poderoso e o inimigo externo da Russia, poderosissimo tambem, mil vezes mais poderoso e o seu inimigo interno que se arrasta como a vibora, por não poder caminhar de outra fórma, que lavra a occultas e na sombra, como a toupeira, por não poder luctar a luz do dia! Com rasão? Santissimo e o fim a que mira; desgraçados e deploraveis os meios de que se serve. (Apoiados.)
Alem de outros paizes, militam em favor da minha opinião todos estes modernamente constituidos: a Servia, a Roumania, a Bulgaria, a Grecia e até a propria Belgica, que tantas affinidades tem com o nosso.
Disse alguem, sr. presidente, criticando a litteratura ingleza, esse prodigio de litteratura, a respeito da qual já Taine affirmou outra não conhecer que mais fundamente revolvesse o coração e o espirito, disse alguem que o trabalho monumental de Byron tinha em si alguma cousa de forte como o veneno, e de original como o peccado.
Ora, quer-me parecer que, adoptando as medidas um tudo-nada mais radicaes por mim defendidas, nós não poderiamos facilmente incorrer na pecha de sermos tachados de veneno ou de peccado (Riso.) e isto pelo motivo simplicissimo de que nem eramos fortes nem eramos originaes.
A constituição de 1838 já consignava a mesma disposição em um dos seus artigos.
Tenho tocado de leve em muitos pontos para não roubar a camara o tempo que me não pertence, e mesmo porque