1848 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
dinario que mais de uma vez arripiou, convulsionou de enthusiasmo quem teve a fortuna de o ouvir n'esta casa. Dizia o grande tribuno que era catholico porque bebêra essas idéas com o leite, porque seu pae e sua mãe o tinha sido tambem. (Apoiados.)
Por isso eu o sou, e desejando discutir tudo, e tudo amplamente, só não discuto o motivo porque professo esta religião.
Mas quer-me parecer que um parlamento moderno, um parlamento constituinte de hoje, não tem o direito de deixar morrer nas suas commissões um projecto d'esta importancia. Deve discutil-o, deve critical-o, póde combatel-o (nem eu disse ainda que o defendia) mas quer-me parecer que dá de si um conceito menos lisonjeiro deixando-o morrer no esquecimento e nos archivos.
Sr. presidente, no mundo physico sabemos nós que é bem verdade! pois parece que até no mundo moral tudo se gasta também com o uso, tudo se cança, tudo envelhece, tudo succumbe!... O santo principio do livre arbitrio, que na revolução accendeu tempestades, que tem servido de evangelho á geração d'este ultimo seculo, que ainda hoje encontra adeptos fervorosos em muitos homens de illustração e de talento (veja v. exa. como tudo se transforma!) ha tempos a esta parte que se debate nas convulsões da agonia, para dar logar ao novo credo determinista; que a seu tempo tem de cair também!
As opiniões radicaes acabaram; entrâmos n'um periodo de tolerancia; haja também n'este ponto tolerancia para a discussão.
Creio poder afoitamente dizer isto quem já agora solemnemente declara, com a força da consciencia que lhe retreme nas veias, e levanta como estandarte nas mãos, porque esta é a verdade que discutido o projecto, approvado, convertido esse projecto em lei, fia em Deus, nem uma só vez se aproveitará das franquias que elle lhe consente! (Vozes: - Muito bem.)
E agora perguntarei eu: a reconhecida necessidade de outras reformas implicará que estas não sejam necessarias e não devam levar-se a cabo também? Pretendo eu, discutindo este projecto, significar que não desejo reformas na publica administração, na administração colonial, que não desejo a reorganisação do ensino, este conjuncto, esta rede de medidas, em summa, que nos façam acompanhar a passos accelerados também, a evolução vertiginosa que se opera lá fora? Quero significar que não desejo a mais rigorosa attenção para as questões economicas do nosso paiz, para o melindroso das nossas finanças, o que se diz e eu creio ser a nossa questão capital? De certo não.
Eu também sou, devo dizel-o á camara, doidamente enthusiasta pelo derramamento da instrucção no meu paiz.
De muito cedo, de criança, comecei a educar-mo nos livros de um homem cujo nome a ninguém n'esta casa é permittido desconhecer; refiro-me ao sr. D. Antonio da Costa. (Apoiados.) Que de uncção na fé que se evangelisa! Que cegueira na tenacissima perseguição do seu proposito! E, sobretudo, que de proficuos resultados se não têem colhido já!
Este derramamento da iustrucção reputo o eu necessario para accompanharmos o alvoroço instante de todo o mundo civilisado, para attrahirmos o respeito e a consideração, unicos mantenedores da autonomia das nações pequenas, e ainda em parte para obedecermos ao que alguns publicistas chamam o espirito ao tempo, que arrasta, que domina, que se impõe, que satura o ambiente em que vivemos, que se bebe com o ar que respirâmos.
Até, sr. presidente, para que nos approximemos, quanto possível, da realidade d'essa ficção de governo a que se chama o systema representativo, ficção que prefiro, devo confessal-o, a qualquer outra ficção que appareça.
Não que eu queira, bem entendido, fazer da minha terra um paiz de cdoutores.(Risos.)
Alguma cousa sei das apprehensões que lá por fóra se nutrem, na Allemanha principalmente, das apprehensões que se traduzem em muitas paginas de muitos publicistas. Sei que na Allemanha, onde a burocracia tem uma alta cultura intellectual, onde toda u classe media possuo uma instrucção solida, se receia, ha tempos a esta parte, o chamado proletariado das letras.
Mas eu não quero essa educação, c reconheço-lhe todos os inconvenientes.
Não quero roubar á lavoura os braços que lhe pertencem, nem ás fabricas os operarios que as sustentam. Desejo apenas que o lavrador saiba ser lavrador, e o operario saiba ser operario. (Apoiados.)
Delenda Carthago! era o grito de guerra de um velho senador da Roma da republica, firme, solemne, systematico, permanente e inalteravel como a convicção que o dictava. Sem pretender stultamente realisar n'esta casa o typo da velha Roma, delenda Carthago, digo também, derramemos largamente a educação profissional em todo o reino; que não esqueça a educação moral (a educação moral principalmente) para que o povo comprehenda os direitos e os deveres que assistem a todo o cidadão de qualquer paiz, e com dignidade os zele, e com dignidade os cumpra. (Muitos apoiados.)
Vou terminar. E agora, e pois que nos achamos n'um congresso constituinte, consinta-me v. exa. e a camará algumas considerações genericas provocadas por uma acena profundamente desagradavel a que ha dias aqui assisti.
N'estas palavras espero que ninguem veja a politica que n'ellas não ha c, por minha felicidade, hoje não faço n'esta casa. Não, sr. presidente! Ha pouco ainda me resvalaram dos hombros a capa e a batina do estudante, a capa e a batina que me alimentavam illusões, que me sustentavam e mantinham nos principios da rasão e da justiça.
Eu detesto todas as tyrannias, venham ellas d'onde vierem.
A tyrannia de um homem só sobre muitos, hoje, é hedionda, é revoltante, e não se comprehende. A tyrannia de muitos sobre um ou sobre poucos comprehende-se, mas é mais hedionda, mas é mais revoltante ainda. (Apoiados.) Em materia de tyrannias, eu admitto e acceito apenas uma: é a tyrannia do trabalho, que se impõe a despeito de todos os despeites, é a tyrannia do trabalho que subjuga.
ssim como em matéria suicídios (n'este caso uma tyrania também) se por um desgraçado pendor do meu caracter, se, por uma talvez fraqueza do meu espirito, sou levado a desculpal-os a todos, eu justifico apenas um: é o do homem que abancado a uma mesa de trabalho deixa que a testa se lhe descampe, que os cabellos lhe embranqueçam, que se lhe cavem precocemente as rugas nas faces, em prol da humanidade que defende, em prol da verdade que demanda. (Vozes: - Muito bem.)
Este suicidio não o peço, mas se apparece, justifico-o; não o desejo, não o reclamo, não o imponho, mas uma vez diante de mim, sanctifico-o também.
Ha, porém, uma tyrannia que eu mais que todas aborreço. E a tyrannia do demagogo.
E não me digam que sou velho, que sou rhetorico, que faço phrases, que desenterro cadaveres!
Não, sr. presidente! Não ha assumpto que seja velho quando as circumstancias o reclamam; não ha considerações transitadas em julgado quando o império da necessidade as chama de novo ao debate.
Essa tyrannia é o lendário monstro da fabula que se multiplica nos meios da sua deshonesta propaganda.
Já que tantas vezes d'elle fallamos, por distração, consinta-me v. exa. que ao menos uma vez lhe faça a minha referencia para o tomar a serio. Começa por ser desleal, porque lucta com quem não póde defender-se, e acaba por possuir apenas a cultura necessaria para melhor saber ser cobarde.
Arremesse-lhe v. exa. ás fauces a ventura, o socego e a honestidade de milhares de familias, a honra dos filhos, a