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SESSÃO NOCTURNA DE 22 DE JULHO DE 1887

Presidencia do exmo. sr. José Maria Rodrigues de Carvalho

Secretarios os exmos. Srs.

Francisco José de Medeiros
José Maria de Alpoim Cerqueira Borges Cabral

SUMMARIO

Na primeira parte da ordem da noite entrou em discussão o projecto n.° 166, que ficára adiado na sessão anterior nocturna. - Apresentam propostas os srs. João Pinto, Abreu Castello Branco, Feliciano Teixeira e Francisco de Medeiros. - O projecto foi approvado sem prejuizo das propostas, que foram todas remettidas á commissão. - E' approvado sem discussão o parecer n.°, 160, que comprehende tres projectos de lei: 1.°, dividindo o circulo eleitoral n.º 38 (Ovar) em tres assembléas eleitoraes; 2.°, dividindo o concelho da Azambuja em tres assembléas eleitoraes; 3.º, dividindo o concelho do Cartaxo em duas assembléas eleitoraes. - É approvado o projecto n.º 152, annexando ao concelho e comarca de Odemira a freguezia S. Martinho das Amoreiras, do concelho de Ourique. - É approvado o projecto n.º 156, annexando á comarca de Santo Thyrso a freguezia de S. Miguel das Aves, ora pertencente á comarca de Villa Nova de famalicão. - è approvado o projecto n.º 150 (determinando que a assembléa eleitoral do circulo de Villa do Conde tenha a sua séde em Vairão), depois de algumas observações do sr. Avellar Machado, a que respondeu o sr. Simões Ferreira. - É approvado o projecto n.º 159, dividindo o concelho de Bouças em quatro assembléas eleitoraes.
Na segunda parte da ordem da noite continuou a discussão do projecto de lei n.º 186 (reforma da pauta das alfandegas), usando da palavra, como relator, o sr. Matoso Santos, que ficou ainda com a palavra reservada para a sessão seguinte.

Abertura da sessão - Ás nove horas da noite.

Presentes á chamada 58 srs. deputados. São os seguintes: - Moraes Carvalho, Serpa Pinto, Alfredo Brandão, Alfredo Pereira, Alves da Fonseca, Oliveira Pacheco,
Mazziotti, Pereira Carrilho, Santos Crespo, Augusto Fuschini, Miranda Montenegro, Victor dos Santos; Elizeu Serpa, Goes Pinto, Madeira Pinto, Estevão de Oliveira, Feliciano Teixeira, matoso Santos, Fernando Coutinho (D.), Almeida e Brito, Francisco Beirão, Francisco de Barros, Francisco matoso, Francisco Machado, Francisco de Medeiros, Severino de Avellar, Guilherme de Abreu, Sá Nogueira, Candido da Silva, Pires Villar, João Pina, Franco de castello Branco, Teixeira de Vasconcellos, Rodrigues dos Santos, Correia Leal, Alves matheus, Silva Cordeiro, Oliveira Valle, Simões Ferreira, Jorge de Mello (D.) Jorge O'Neill, Alves de Moura, ferreira Galvão, Barbosa Collen, Pereira e matos, Ruivo Godinho, Abreu castello Branco, Figueiredo Mascarenhas, Alpoim, José Maria de Andrade, Barbosa de Magalhães, Rodrigues de Carvalho, José de Saldanha (D.), Santos Moreira, Santos Reis, Julio Graça, Julio Pires, Julio de Vilhena, Poças Falcão, Manuel Espregueira, Marianno de Carvalho, Miguel Dantas, Pedro Monteiro, Dantas baracho, Estrella Braga e Visconde de Silves.
Entraram durante a sessão os srs.: - Mendes da Silva Baptista de Sousa, Antonio Centeno, Antonio Villaça, Ribeiro Ferreira, Gomes Neto, Guimarães Pedrosa, Tavares Crespo, Jalles, Simões dos Reis, Lobo d'Avila, Fernandes Vaz, Soares de Moura, Vieira de Castro, Joaquim da Veiga, Oliveira Martins, Avellar Machado, Dias Ferreira, Laranjo, Abreu é Sousa, Vieira Lisboa, Pinheiro Chagas, Marçal Pacheco, Marianno Prezado e Tito de Carvalho.

Não compareceram á sessão os srs.: - Albano de Mello, Anselmo de Andrade, Sousa e Silva, Antonio Castello Branco, Campos Valdez, Antonio Candido, Antonio Ennes, Pereira Borges, Moraes Sarmento, Antonio Maria de Carvalho, Fontes Ganhado, Barros e Sá, Hintze Ribeiro, Urbano de Castro, Augusto Pimentel, Augusto Ribeiro, Bernardo machado, Conde de Castello de Paiva, Conde de Villa Real, Eduardo de Abreu, Eduardo José Coelho, Elvino de Brito, Emygdio Julio Navarro, Freitas Branco, Firmino Lopes, Castro Monteiro, Francisco Ravasco, Lucena e Faro, Frederico Arouca, Gabriel Ramires, Guilhermino de Barros, Sant'Anna e Vasconcellos, Casal Ribeiro, Baima de Bastos, Cardoso Valente, Scarnichia, Izidro dos Reis, Souto, Rodrigues, Dias Gallas, Santiago Gouveia, João Arroyo, Menezes Parreira, Sousa Machado, Alfredo Ribeiro, Joaquim Maria Leite, Amorim Novaes, José Castello Branco, Ferreira de Almeida, Elias Garcia, Pereira dos Santos, Guilherme Pacheco, Vasconcellos Gusmão, José de Napoles, Ferreira Freire, Oliveira Matos, José Maria dos Santos, Simões Dias, Pinto de Mascarenhas, Lopo Vaz, Mancellos Ferraz, Luiz José Dias, Bandeira Coelho, Mariuel, d'Assumpção, Manuel José Correia, Manuel José Vieira, Brito Fernandes, Matheus de Azevedo, Miguel da Silveira, Pedro Victor, Sebastião Nobrega, Vicente Monteiro, Visconde de Monsaraz, Visconde da Torre, Wenceslau de Lima e Consiglieri Pedroso.

Acta - Approvada.

Não houve expediente.

PRIMEIRA PARTE DA ORDEM DA NOITE

Continuação da discussão do projettO n.º 166, que ficara pendente na sessão nocturna, anterior

O sr. Presidente: O sr. relator Silva Cordeiro requereu que as emendas mandadas para a mesa fossem enviadas á commissão, sem prejuizo da votação do projecto.
Vou consultar a camarada este respeito.
Foi approvado o requerimento.
O sr. João Pinto: Não desejo tomar tempo á camara e por isso limito as minhas considerações a mandar para a mesa a seguinte proposta.
(Leu.)
Uma simples justificação.
No projecto exigem-se seis annos de serviço e alem d'isso o curso de theolpgia dos seminarios; e eu na minha emenda proponho que se exija apenas um anno quando houver a formatura em direito ou em theologia.
Leu-se na mesa. É a seguinte:

Proposta

Proponho que ao artigo 1.º n.º 3.º do projecto se acrescente «bem como os actuaes, professores provisorios que, tendo um anno de bom e effectivo serviço, se mostrarem habilitados com a formatura em direito ou theologia». = João Pinto.
Foi admittida.

O sr. Silva Cordeiro: - Pedi a palavra unicamente para dizer que a commissão tomará em toda a consideração a proposta mandada para a mesa pelo illustre deputado que me precedeu, e dará sobre ella o seu parecer.
O sr. Abreu Castello Branco: - Mando para a mesa um additamento.
É o seguinte:

Additamento

Proponho que o n.º 3.º do § 1.º, ás palavras «latim e litteratura» se acrescente «philisophia e geographia» e ás
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palavras «continente do reino» se acrescente «e ilhas adjacentes». = J. F. Abreu Castello Branco.
Foi admittido.

O sr. Felliciano Teixeira: - Mando para a mesa as seguintes propostas, que a commissão de instrucção superior apreciará como entender justo. Vão tambem assignadas pelo sr. Manuel José Vieira.
Leram-se na mesa. São as seguintes:

Propostas

Proponho, como substituição aos n.ºs 1.º e seguintes do projecto de lei n.º 166, os seguintes artigos:
Artigo 2.º Os actuaes professores provisorios dos lyceus que se mostrarem habilitados com a carta de algum curso supeior, em contando seis annos de bom e effectivo serviço nos mesmos institutos.
Artigo 3.º Os actuaes professores provisorios que completam quinze annos de bom e effectivo serviço no ensino official, não tendo carta de qualquer curso superior.
Artigo 4.º Fica revogada a legislação em contrario. = Feliciano João Teixeira.
Artigo 2.º Os actuaes professores provisorios que se mostrarem habilitados com amis de uma carta de quaesquer cursos superiores, em cujos annos tiverem obtido o primeiro premio, poderão ser collocados na propriedade da cadeira que regem, qualquer que seja o seu tempo de serviço. = Feliciano João Teixeira = Manuel José Vieira.

Propomos que ao projecto n.º 166 se acrescente o seguinte:
Artigo... As cadeiras de lyceu actualmente regidas por professores de instrucção superior com cursos analogos ás disciplinas cujo ensino lhes estiver confiado, poderão deixar de ser postas a concurso emquanto permanecerem as mesmas circumstancias. = Manuel José Vieira = Feliciano João Teixeira.
Foram admittidas.
O sr. Francisco de Medeiros: - Mando para a mesa uma proposta.
É a seguinte:

Proposta

Proponho que em os n.ºs 1.º, 2.º e 3.º do artigo 1.º, onde se diz «seis annos» se diga «tres annos». = Francisco de Medeiros.
Foi admittida.
Foi approvado o projecto sem prejuizo das propostas, que foram enviadas á commissão.
É lido na mesa e entra em discussão o parecer n.º 140.
É o seguinte:

PROJECTO DE LEI N.º 140

Senhores - Á vossa commissão de administração publica foram presentes tres projectos de lei de iniciativa parlamentar, cujo objectivo é uma nova divisão de assembléas eleitoraes, e cuja rasão de procedencia é a falata de cumprimento da disposição da lei de 21 de maio de 1884, artigo 42.º, onde se preceitua que as commissões de recenseamento que houvessem de se reunir em janeiro de 1885 procedessem á divisão das assembléas eleitoraes do respectivo circulo, nos termos da legislação vigente, devendo as mesmas assembléas ser constituidas por 500 a 1:000 eleitores approximadamente.
É obvia a intenção da lei. Dividir a população eleitoral, facilitando a todos os eleitores o mais prompto e mais commodo accesso á urna.
Nem todas as commissões de recenseamento cumpriram, porém, o preciso da lei, e agora só por lei especial se póde fazer o que as commissões deviam de Ter feito, nos precisos termos do artigo 24.º da lei de 23 de novembro de 1859.
E a vossa commissão entende que esta rasão geral basta para que taes projectos sejam presentes á vossa consideração, alem das considerações especiaes que podem apreciar-se nos relatorios que os precedem.
Pelo que é de parecer, de accordo com o governo, que sejam approvados os seguintes projectos de lei:

1.º

artigo 1.º O circulo eleitoral n.º 38, Ovar, será dividido em tres assembléas eleitoraes: a 1.ª com séde na igreja matriz de Ovar, e composta dos eleitores das freguezias de Ovar e Arada; a 2.ª com séde na igreja parochial de Vallega; e composta dos eleitores das freguezias de Vallega e S. Vicente de Pereira, a 3.ª com séde na igreja parochial de Esmoriz, e composta dos eleitores das freguezias de Esmoriz, macedo e Cortegaça.
Art. 2.º Fica revogada a legislação em contrario.

2.º

Artigo 1.º O concelho de Azambuja divide-se, para as eleições de deputados, em tres assembléas: a 1.ª, com séde na villa da Azambuja, composta dos elitores da respectiva freguezia e dos de Aveiras de Baixo e Villa Nova; a 2.ª, com a séde em Aveiras de Cima, composta dos eleitores d'essa freguezia; a 3.ª, com séde em Alcoentre, composta dos eleitores d'essa freguezia e dos de Manique.
Art. 2.º Fica revogada a legislação em contrario.

3.º

Artigo 1.º O concelho do Cartaxo, pertencente ao circulo n.º 83, é dividido em duas assembléas eleitoraes: a 1.ª, com séde na freguezia do cartaxo, composta dos eleitores das freguezias de Valle de Pinta, Ereira, Pontevel e Cartaxo; a 2.ª, com séde na Freguezia de Vallada, composta dos eleitores da mesma freguezia.
Art. 2.º Esta divisão serve para as eleições de deputados e para as eleições districtaes e municipaes.
Art. 3.º Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões da commissão, em 30 de junho de 1887. = E. J. Coelho = Vicente R. Monteiro = José Maria Barbosa de Magalhães = Antonio Simões dos Reis = Castello de Paiva = Julio Cesar de faria Graça = José de Saldanha Oliveira e Sousa = J. Simões Ferreira, relator.

N.º 102-C

Senhores. - O artigo 42.º da lei de 21 de maio de 1884 mandou que as commissões de recenseamento, que tivessem de reunir-se em janeiro de 1885, procedessem á divisão das assembléas eleitoraes do respectivo circulo, nos termos da legislação vigente, devendo as mesmas assembléas ser constituidas por 500 a 1:000 eleitores approximadamente.
A legislação então, quanto aos demais requisitos a que essa divisão devia satisfazer, era o decreto eleitoral de 30 de setembro de 1852, e quanto ao tempo em que devia ser feita e ás reclamações e recurso que contra ella se podiam interpor, eras a lei de 23 de novembro de 1859.
A commissão do recenseamento eleitoral de Ovar, porém, não procedeu a essa divisão no praso legal, que, segundo o artigo 20.º da citada lei de 23 de novembro de 1859 e os quadros annexos á lei de 21 de maio de 1884, era até 25 de fevereiro de 1885, dia em que devia estar tambem organisado o recenseamento geral do concelho para ser exposto ás reclamações. Interpoz-se recurso contra essa omissão para o juizo de direito, que d'elle não tomou conhecimento. De fórma que ainda hoje vigora n'aquelle circulo a antiga divisão das assembléas eleitoraes, com os graves defeitos que a ultima reforma da legislação eleitoral pretendeu remediar. Bastará dizer que o edificio dos paços do concelho é a séde de duas das assembléas eleitoraes logo quanto essa divisão é encontraria á regra 2.ª do § 2.º do artigo 41.º do citado decreto eleitoral, sem

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mesmo ser preciso acrescentar que esse edificio não satisfaz a nenhuma das muitas outras condições de segurança, capacidade, livre accesso e commodidade para os eleitores.
Por estas considerações, e como já agora, nos termos do artigo24.º da lei de 23 de novembro de 1859, só por lei póde ser alterada essa divisão, tenho a honra de submetter á vossa apreciação o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.º O circulo eleitoral n.º 38, Ovar, será dividido em tres assembléas eleitoraes: a 1.ª, com séde na igreja matriz de Ovar, e composta dos eleitores das freguezias de Ovar e de Arada; a 2.ª, com séde na igreja parochial de Vallega, e composta dos eleitores das freguezias de Vallega e de S. Vicente de Pereira; a 3.ª, com séde na igreja parochial de Esmoriz, e composta dos eleitores das freguezias de esmoriz, de Maceda e de Cortegaça.
Art. 2.º Fica revogada a legislação em contrario.
Lisboa e sala das sessões da camara dos senhores deputados, 24 de maio de 1887. = O deputado por Ovar, Barbosa de Magalhães.

N.º 107-BB

Senhores. - O concelho da Azambuja divide-se actualemnte, para as elições de deputados, em duas assembléas eleitoraes: uma com a séde na villa da Azambuja, a que se juntam as freguezias de Aveiras de baixo e Villa Nova, composta de 117 eleitores; a outra com séde em Alcoentre, a que se juntam as freguezias de Manique e Aveiras de Cima, composta de 1:416 eleitores.
Considerando que esta divisão não se harmonisa com o artigo 42.º da lei de 21 de maio de 1884, que manda constituir cada assembléa com eleitores em numero de 500 a 1:000 approximadamente, quando a de Alcoentre tem 1:416;
Considerando que tal divisão se não harmonisa com a commodidade dos povos, por isso que a freguezia de Aveiras de Cima, aliás a mais central do concelho e que conta só por si 602 eleitores, é obrigada a ir votar a Alcoentre, que fica no extremo noroeste do mesmo concelho;
Considerando, finalmente, que é mais commoda e mais consentanea com os habitos dos povos, a divisão em tres assembléas, sendo uma na villa da Azambuja, actual cabeça do concelho, e as outras duas nas antigas cabeças dos dois concelgos, que lhe foram annexados, Alcoentre e Aveiras de Cima:
Tenho a honra de propor o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.º O concelho da Azambuja divide-se, para as eleições de deputados, em tres assembléas: a primeira com a séde na villa da Azambuja, composta dos eleitores da respectiva freguezia e das de Aveiras de Baixo e Villa Nova; a Segunda com séde em Aveiras de Cima, composta dos eleitores d'essa freguezia; a terceira com séde em Alcoentre, composta dos eleitores da respectiva freguezia e da de Manique.
Art. 2.º Fica revogada a legislação em contrario.
Lisboa e sala das sessões da camara dos senhores deputados; 4 de junho de 1887. = O deputado pelo circulo n.º 71, Pedro Antonio Monteiro.

N.º 135-D

Senhores. - No regimen constitucional não basta que a lei conceda aos cidadãos o direito de manifestarem o seu voto na escolha dos seus representantes, ou dos que devem gerir os negocios publicos.
É indispensavel tambem assegurar-lhes o exercicio d'este direito, predicado que era pratica não converter n'uma ficção, ou n'um onus penoso de difficil cumprimento.
É preciso que os collegios sejam organisados por fórma, que os eleitores possam, sem grande incommodo e sem percorrer longas distancias, comparecer e depor o seu voto na urna respectiva.
Foi, de certo, tendo em vista estas idéas, que a lei de 21 de maio de 1884 preceituou, que as commissões de recenseamento reunidas em janeiro de 1885 procedessem á divisão das respectivas assembléas eleitoraes, comtando que cada uma d'estas não fosse constituida com menos de 500 eleitores.
Acontece, porém, que o concelho do Cartaxo, que faz parte do circulo n.º 83, tem cerca de 3:000 eleitores e uma só assembléa, onde devem votar, não só os eleitores das freguezias de Pontevel, Ereira, Valle da Pinta e cartaxo, mas ainda os de Vallada, que ficam a 12 kilometros de distancia d'aquella assembléa!
Resulta d'aqui, que o eleitor d'esta freguezia para exercer o direito de votar tem de fazer uma jornada de 24 kilometros, 12 para ir á assembléa e 12 para regressar a sua casa. Acresce, que de inverno a estrada de Vallada á ponte de Sant'Anna está muitas vezes coberta de agua, em consequencia das cheias que invadem o campo, e n'estas occasiões é inteiramente impossivel áquelles eleitores concorrerem á urna, por maiores que sejam os desejos de o fazerem.
Em taes circumstancias é evidente a necessidade da creação de uma nova assembléa eleitoral na freguezia de Vallada, para que os eleitores da mesma freguezia ali possam exercer o direito de votar, alem de que, em harmonia com a lei, tem mais de 500 eleitores.
Por estas considerações e porque a alteração proposta de modo algum contraria quaesquer interesses legitimos, e antes vae satisfazer as justas aspirações dos povos d'aquella freguezia, tenho a honra de submetter ao vosso esclarecido exame o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.º O concelho do Cartaxo, pertencente ao circulo n.º 83, é dividido em duas assembléas eleitoraes, a primeira com séde na freguezia do Cartaxo, e composta dos eleitores das freguezias de Valle da Pinta, Ereira, Pontevel e Cartaxo; a Segunda com séde na freguezia de Vallada, e composta dos eleitores da mesma freguezia.
Art. 2.º Esta divisão serve para as eleições de deputados e para as eleições municipaes e distictaes.
Art. 3.º Fica revogada a legislação em contrario.
Sla das sessões, 25 de junho de 1887. = O deputado pelo circulo do Cartaxo, Antonio Francisco Ribeiro Ferreira.
Foram sucessivamente approvados os projectos que continha o parecer.

Leu-se na mesa o projecto n.º 152
É o seguinte:

PROJECTO DE LEI N.º 152

Senhores. - As vossas commissões reunidas, de administração publica e de legislação civil, examinaram com a devida attenção as representações dos cidadões eleitoraes da freguezia de S. Martinho das Amoreiras, e da camara minucipal de Odemira, e a proposta de lei do deputado pelo circulo n.º 90, a fim de quem a freguezia de S. Martinho das Amoreiras, ora pertencente ao concelho e comarca de Ourique, no districto de Beja, seja desannexada d'este concelho e comarca e annexada ao concelho e comarca de Odemira, no mesmo districto, para todos os effectivos civis, politicos e elitoraes, fazendo parte do julgado de Odemira.
Os motivos allegados são justificados pelas rasões de conveniencia publica e do commercio d'estes povos entre si, pela fórma que representam, e aprece ás vossas commissões que seja convertido em lei o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.º A freguezia de S. Martinho das Amoreiras, que actualemente pertence ao concelho e comarca de Ourique, é ennexada ao concelho e comarca de Odemira, para todos os effeitos civis, politicos e eleitoraes, e fica fazendo parte do julgado de Odemira.
Art. 2.º Fica revogada a legislação em contrario.
Sala da commissão; 1 de julho de 1887 = E. J. Coelho = Barbosa de Magalhães = Julio Cesar de faria Graça = Antonio Simões dos Reis = José de Saldanha Oliveira e

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Sousa = Joaquim de Almeida Correia Leal = F. de Medeiros = J. A. da Silva Cordeiro = A. L. Tavares Crespo = Castello de paiva = Luiz Emilio Vieira Lisboa = Conde de Villa Real = J. Simões Ferreira, relator.

N.º 129-B

Senhores deputados da nação. - Os cidadãos eleitores da freguezia de S. Martinho das Amoreiras, do concelho e comarca de Ourique, no districto de Beja, vem pedir á representação nacional a annexação da sua freguezia ao concelho e comarca de Odemira, no mesmo districto, para todos os effeitos civis, politicos e eleitoraes, a cujo concelho e comarca pertenceram por mais de trinta annos, até
que por carta de lei de 7 de maio de 1884 foi esta freguezia desannexada do seu antigo concelho e comarca, e annexada ao concelho e comarca de Ourique, d'onde pretendera separar-se por motivos de ordem publica de interesses mutuos de parentesco, amisade e tendencias d'este povo para com os seus vizinhos de Odemira, com quem sempre viveram na melhor harmonia em suas relações civis e commerciaes, que mais entretêem com o porto do rio de Odemira, por onde exportam os seus productos agricolas e importam o que lhes é necessario á sua industria e commercio, como allegam em sua representação, em cujas circumstancias não se acha a villa de Ourique.
A camara municipal de Odemira acompanha o sentir dos cidadãos eleitores da freguezia de S. Martinho das Amoreiras, e pede tambem a annexação d'esta sua antiga freguezia para o seu concelho e comarca, por conveniencia publica d'estes povos que representa, enviando a sua representação ao parlamento.
Na organisação dos antigos municipios attendeu-se sempre á maior commodidade dos povos e ás suas relações de amisade e commercio e justas aspirações para a aggregação das freguezias no regimen municipal, como attesta a historia dos antigos municipios, e ainda hoje vigora na lei do reino este mesmo principio de ordem publica.
N'estas circumstancias, tenho a honra de apresentar á sabia consideração da camara dos senhores deputados a representação do povo de S. Martinho das Amoreiras e da camara municipal de Odemira, acompanhada do seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° A freguezia de S. Martinho das Amoreiras, que actualmente pertence, ao concelho e comarca de Ourique, será annexada ao concelho e comarca de Odemira, para todos os effeitos civis politicos e eleitoraes, e fará parte, do
julgado de Odemira.
Art. 2.° Fica revogada, a legislação em contrario.
Sala das sessões da camara dos senhores deputados, em 20 de junho de 1887 = José Maria de Andrade.
Foi approvado sem discussão.

Entrou em discussão o projecto n.º 156.
É o seguinte:

PROJECTO DE LEI N.° 156

Senhores. - A vossa commissão de legislação civil examinou com a devida attenção o projecto de lei apresentado em sessão de 12 de fevereiro de 1880, e a renovação da iniciativa feita pelo sr. deputado Oliveira Pacheco, com o fim de annexar á comarca de Santo Thyrso, districto do Porto, para os effeitos judiciaes e politicos, a freguezia de S. Miguel das Aves, que ora pertence á comarca de Villa Nova de Famalicão, districto de Braga; e
Considerando que tal annexação é pedida instantemente e com ponderosos fundamentos pelos habitantes da freguezia referida em duas representações que acompanham este projecto de lei e renovação de iniciativa, ambas cobertas com numerosas assignaturas, inclusive as do parocho, regedor e junta de parochia;
Congiderando que por lei de 23 de junho de 1879 já a dita freguezia de S. Miguel, das Aves foi desannexada do concelho de Villa Nova de Famalicão, a que então pertencia, e annexada ao de Santo Thyrso para os effeitos administrativos e fiscaes;
Considerando que o da maxima conveniencia para a boa execução das leis, e regular exercicio, das funcções judiciaes e administrativas, a coincidencia das circumscripções em que essas funcções se exercem;
Considerando que o facto da freguezia de S. Miguel das Aves pertencer á comarca de Famalicão para os effeitos judiciaes e politicos, quando já pertence, ao concelho de Santo Thyrso para os effeitos administrativos e fiscaes, sobre ser inconveniente, por considerações de ordem publica, é altamente prejudicial aos interesses dos habitantes da referida freguezia, que, para exercerem os seus direitos ou cumprirem as suas obrigações, se vêem forçados a recorrer aos poderes publicos de duas circumscripções distinctas e distantes, com grave incommodo e não pequeno despendio de tempo e dinheiro;
Considerando que a freguezia referida tem todas as suas relações commerciaes e agricolas com a villa de Santo Thyrso, séde da comarca, da qual dista apenas 5 ou 6 kilometros, tendo com ella excellentes communicações quer pela estrada real de Guimarães ao Porto, quer pela via ferrea de Bougado a Guimarães, ao passo, que dista de Famalicão cerca de 14 ou 15 kilometros de pessimos caminhos;
Considerando que, decretada a annexação que se pede, continua a comarca de Famalição a ser de 1.ª classe e uma das melhores do reino;
Considerando que este projecto já foi discutido e approvado n'esta camara, em sessão de 19 de fevereiro 1884:
A vossa commissão, tendo ouvido a de administração publica, e o governo que se não oppoz, tem a honra de apresentar ao vosso exame e approvação o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° É annexada á comarca de Santo Thyrso, districto admnistrativo do Porto, a freguezia de S. Miguel das Aves, que ora pertence á comarca de Villa Nova de Famalicão, districto de Braga, para todos os effeitos judiciaes e politicos, ficando a fazer parte da assembléa eleitoral de Roriz.
Art. 2.º Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões, 4 de julho de 1887. = Joaquim de Almeida Correia Leal = A. fonseca = Francisco de Castro Matoso = Antonio Maria de Carvalho = E. J. Coelho = Antonio Simões dos Reis Luiz Emilio Vieira Lisboa = F. de Medeiros = Antonio Lucio Tavares Crespo, relator.

A commissão de administração publica, tendo examinado o projecto a que se refere a mensagem supra, e que tem por fim a annexação da freguezia de S. Miguel das Aves á comarca de Santo Thyrso, para os effeitos judiciaes e politicos, é de parecer, na parte que lhe respeita, que é de conveniencia a approvação d'esse projecto.
Sala das sessões, 1 de julho de 1887. = E. J. Coelho = Vicente R. Monteiro = Castello de Paiva = Henrique de Sá Nogueira = Antonio Simões dos Reis = Barbosa de Magalhães = Julio Cesar de Faria Graça = José de Saldanha Oliveira e Sousa = J. Simões Ferreira.

N.º 140-0

Renovo a iniciativa do projecto de lei apresentado em sessão de 12 de fevereiro de 1880. O qual tem por fim annexar á comarca, de Santo Thyrso, districto administrativo do Porto, a freguezia de S. Miguel das Aves que ora pertence á, comarca de Villa Nova de Famalicão, districto de Braga, para todos os effeitos judiciaes e politicos ficando a fazer parte da assembléa eleitoral de Roriz.
Sala das sessões, 28 de junho de 1887. = O deputado, Antonio Carneiro de Oliveira Pacheco.

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Senhores. - A vossa commissão de legislação civil examinou altentamente o projecto de lei, que foi apresentado na sessão de 12 de fevereiro de 1880, e a renovação da iniciativa feita pelo sr. deputado Guimarães Camões, pedindo-se que a freguezia de S. Miguel das Aves, que por virtude da lei de 23 de junho de 1879 foi desmembrada da comarca de Villa Nova de Famalicão, districto administrativo de Braga, e annexada á de Santo Thyrso, do districto do Porto, apenas nos effeitos administrativos e fiscaes, o seja tambem nos effeitos judiciaes e politicos.
E considerando que a annexação da dita freguezia, assim pedida para os effeitos judiciaes e politicos, é de maxima vantagem para os habitantes da mesma freguezia, pois que por este modo não têem de recorrer, como até hoje, aos poderes publicos de duas comarcas distinctas com grave prejuizo nos seus interesses;
Considerando que decretada para todos os effeitos a annexação que se pede, continua a comarca de Famalicão a ser de primeira classe e uma das melhores do reino;
Considerando que este projecto já foi discutido e votado n'esta camara na proxima anterior legislatura, não o sendo porém na camara dos dignos pares por falta de tempo para isso;
A vossa commissão tem a honra de apresentar ao vosso exame e approvação o projecto como está concebido e redigido.
Artigo 1.º é annexada á comarca de Santo Thyrso, districto administrativo do Porto, a freguezia de S. Miguel das Aves, que ora pertence á comarca de Villa Nova de Famalicão, districto de Braga, para todos os effeitos judiciaes e politicos, fazendo parte da assembléa eleitoral de Roriz, concelho de Santo Thyrso.
Art. 2.º É revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões, 16 de março de 1885. = João Ribeiro dos Santos = Novaes = Garcia de Lima = Luiz de Lencastre = Joaquim Germano de Sequeira = João Marcellino Arroyo = Martinho Camões = Franco Castello Branco = Pereira Leite, relator.

N.º 5-I

Renovo a iniciativa do projecto de lei apresentado em sessão de 13 de fevereiro de 1880, annexando á comarca de Santo Thyrso a freguezia de S. Miguel das Aves, que ora pertence á comarca de Villa Nova de Famalicão.
Sala das sessões, 17 de janeiro de 1885. = O deputado, Martinho Camões.

N.º 104

Senhores. - A vossa commissão de legislação civil examinou o projecto de lei apresentando na sessão de 13 de fevereiro de 1880, e a renovação da iniciativa feita pelo sr. deputado Guimarães Camões.
Já este proje foi convertido na lei de 23 de junho de 1879, pela qual a freguezia de S. Miguel das Aves, que pertencia ao concelho de Villa Nova de Famalicão, districto de Braga, ficou annexada ao concelho de Santo Thyrso, districto administrativo do Porto; mas entendeu se que a annexação se fizera unicamente para os effeitos administrativos e fiscaes, e não para os judiciaes e politicos. D'esta fórma, os habitantes da freguezia têem de recorrer aos poderes publicos de dois concelhos em diversos districtos para o exercicio de seus direitos, o que é moroso, incommodo e despendioso.
E, considerando que a annexação terá vantagem se for para todos os effeitos legaes;
Considerando que não se altera a classificação das duas comarcas, ambas de primeira classe, antes a menor augmenta em população;
Considerando que estas rasões procedem no que respeita á parte politica:
A commissão tem a honra de apresentar ao vosso exame e approvação o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.º é annexada á comarca de santo Thyrso, districto administrativo do porto, a freguezia de S. Miguel das Aves, que ora pertence á comarca de Villa Nova de Famalicão, districto de Braga, para todos os effeitos judiciaes e politicos, fazendo parte da assembléa eleitoral de Roriz, concelho de Santo Thyrso.
Art. 2.º É revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões, 20 de março de 1882. = João Ribeiro dos Santos = Luiz de Lencastre = J. A. Neves = Azevedo Castello Branco = José Novaes = Luiz A. Gonçalves de Freitas = A. de castro P. Côrte Real = Firmino J. Lopes, relator.

N.º 64-FF

Renovo a iniciativa do projecto de lei apresentado em sessão de 13 de fevereiro de 1880, que tem por fim annexar á comarca de Santo Thyrso, districto do Porto, a freguezia de S. Miguel das Aves, que ora pertence á comarca de Villa Nova de famalicão, districto de Braga, para todos os effeitos judiciaes e politicos, fazendo parte da assembléa eleitoral de Roriz, do dito concelho de Santo Thyrso.
Sala das sessões, 7 de fevereiro de 1882. = Martinho da Rocha Guimarães Camões.

N.º 85-D

Senhores. - Os habitantes da freguezia de S. Miguel das Aves, da comarca de Villa Nova de famalicão, representaram perante esta camara no anno proximo passado ácerca da justiça e conveniencia de ser a sua freguezia annexada ao concelho de Santo Thyrso para todos os effeitos legaes.
D'esta representação nasceu o projecto de lei apresentado pela respectiva commissão de administração publica, do teor seguinte projecto de lei:
« Artigo 1.º É annexada ao concelho de Santo Thyrso, districto administrativo do Porto, a freguezia de S. Miguel das Alves, que ora pertence ao concelho de Villa Nova de famalicão, districto de Braga.
«Art. 2.º Fica revogada a legislação em contrario.
«Sala das sessões da commissão de administração publica, 29 de março de 1879.»
foi este projecto approvado pelos poderes legislativos, e convertido em carta de lei em 23 de junho de 1879.
E porque esta carta de lei determina que seja annexada ao concelho de Santo Thyrso, districto administrativo do Porto, a freguezia de S. Miguel das Aves, que pertencia ao concelho de Villa Nova de Famalicão, districto de Bragança, entendeu-se, e a meu ver com rasão, que a dita freguezia fôra annexada ao concelho de Santo Thyrso unicamente para os effeitos administrativos, e não para os judiciaes e politicos.
Este modo de ser é altamente prejudicial aos interesses dos habitantes da referidafreguezia, e á commoda e facil administração das justiças, pois que havendo, como ha, intima relação entre os poderes administrativo e judicial, torna-se sobremodo incommodo, moroso e despendioso aos povos d'aquella freguezia ter de recorrer aos poderes publicos em dois concelhos que distam um do outro 10 kilometros approximadamente.
É, pois, indispensavel que a annexação da fraguezia de S. Miguel das Aves ao concelho de Santo Thyrso se faça para todos os effeitos legaes, sendo certo que tal annexação não altera a classe a que pertencem as comarcas de Villa Nova de famalicão e de Santo Thyrso, porque constando aquella de cincoenta e duas freguezias, e esta de trinta e uma, e sendo ambas de primeira classe, separar uma freguezia da primeira comarca, que é maior, para a juntar á Segunda, que é menor, é apenas fazer por igualar as duas comarcas, que deveriam ser iguaes.
Na parte politica mais alguns inconvenientes advem aos povos da freguezia de S. Miguel das Aves, pois que, tendo se der recenseados no concelho de Santo Thyrso, e tendo-se-lhes designado a assembléa em que devem exercer os

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2010 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

seus direitos politicos, no concelho de Famalicão, ficam inhibidos de exercer estes direitos em Famalicão por falta de recenseamento, e em Santo Thyrso por faltade designação de assembléa eleitoral.
Por todas estas considerações tenho a honra de vos apresentar o seguinte
Artigo 1.° É annexada á comarca de Santo Thyrso, districto do Porto, a freguezia de S. Miguel das Aves, que ora pertence á comarca de Villa Nova de Famalicão, districto de Braga, para todos os effeitos judiciaes e politiços, fazendo parte da assemblea eleitoral de Roriz do dito concelho de Santo Thyrso.
Art. 2.º Fica revogada a legislação, em contrario.

Camara dos deputados, 12 de fevereiro de 1880. = Antonio Augusto Soares Rodrigues Ferreira, deputado por Santo Thyrso.
Foi approvado sem discussão.

Entrou em discussão o projecto n.° 150.
É o seguinte:

PROJECTO DE LEI N.° 150

Senhores. - Á vossa commissão de administração publica foi presente o projecto de lei n.° 117-A, de iniciativa parlamentar, onde se dispõe que seja mudada a sede da assembléa eleitoral de Gião, no circulo eleitoral n.° 25, Villa do Conde, para a igreja matriz de Vairão, do mesmo circulo e concelho.
Esta assembléa eleitoral é composta das freguezias de Vairão, Malta, Canidello, Fajozes, Fornello, Gião e Macieira, e mal se comprenende a rasão por que a séde da assembléa tem sido Gião, visto como nem a freguezia de Gião é a mais central em relação ás outras seis, nem a igreja matriz tem condições de capacidade e luz para n'ella se celebrarem os actos eleitoraes, alem de outra circumstancia especial, que vem allegada no relatorio que precede o projecto abaixo transcripto.
O contrario, porém, se dá na igreja e freguezia de Vai-rão, sendo a igreja espaçosa e ciará, e sendo a freguezia a mais central no grupo das sete que constituem a assembléa, proporcionando assim uma grande commodidade ao povo eleitor e uma apreciavel garantia para a genuinidade e legalidade dos actos eleitoraes.
Pelo que é a vossa commissão de parecer que seja approvado o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° A assembléa eleitoral do circulo n.° 25, Villa do Conde, que é cqnstituida pelas freguezias de Vairão, Malta, Canidello, Fajozes, Fornello, Gião e Macieira, terá a sua séde na igreja; matriz de Vairão
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões da commissão, em 2 de julho de 1887. = E. J. Coelho = Vicente R. Monteiro = Julio Cesar de Faria Graça = José de Saldanha Oliveira e Sousa = Henrique de Sá Nogueira = Antonio Simões dos Reis = José Maria Barbosa de Magalhães = J. Simões Ferreira, relator.

N.º 117-A

Senhores.- O circulo eleitoral n.° 25, Villa do Conde, está dividido em quatro assembléas, que têem a sua respectiva séde nos paços do concelho de Villa do Conde e nas igrejas matrizes da Junqueira, Villar de Pinheiro e Gião, sendo esta assembléa de Gião composta, alem da freguezia d'este nome, das freguezias seguintes: Malta, Canidello, Fajozes, Vairão, Foenello e Macieira.
Considerando que a freguezia de Gião, sede da assembléa d'este nome, não é a mais central das freguezias que constituem a assembléa, conforme determina o n.° 2.° do § 2.° do artigo 41.º° do decreto, eleitoral de 1852;
Considerando que a igreja matriz de Gião é bastante escura e tem uma porta interior que, communicando com a residencia do parocho, tem dado logar, mais de uma vez, a tumultos e desordens que convem evitar:
Considerando que a freguezia de Vairão é mais central, a sua igreja matriz tem muita luz, e não offerece communicação alguma interior, porque é a igreja do concelho de Vairão;
Considerando, finalmente, que, segundo o artigo 24.° da lei eleitoral de 1859, alteração alguma se póde effectuar, em relação á séde das assembléas, sem que essa alteração seja sanccionada pelas côrtes:
Tenho a honra de vos apresentar o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.º A assembléa eleitoral do circulo n.° 25 da Villa do Conde, a qual é constituida pelas freguezias de Vairão, Malta, Canidello, Fajozes, Fornello, Gião e Macieira reunir-se-ha ou terá sua séde na igreja matriz de Virão.
Art. 2.º Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões da camara dos senhores deputados, 15 de junho de 1887. = o deputado pelo circulo n.º 25, Julio Cesar de faria Graça.

O sr. Avellar Machado: - Desejo saber se o governo foi ouvido acerca d'este projecto se a commissão teve conhecimento das informações do governador civil e da camara municipal respectivos.
O sr. Simões Ferreira: -A commissão ouviu o governo, e teve as informações necessarias para dar o parecer no sentido em que o deu.
O sr. Avellar Machado: - A resposta do illustre relator não me saitisfez. S. V exa. não me disse se foram ou não presentes á commissão as informações do governador civil e da camara municipal.
Se houve informações da camara municipal do concelho e do governador civil do districto, e se essas informações são completamente favoraveis ao projecto, não tenho duvida em o votar; mas, se não houve taes informações, ou se ellas não lhe foram favoraveis, eu não o posso nem devo votar, e peço que se me reserve a palavra para fazer ainda algumas considerações depois de ouvir as explicações que o sr. relator vae sem duvida dar-me.
Não desejo contrariar o projecto; o desejo é que a camara o vote com perfeito conhecimento de causa.
(Interrupção.)
Repito; eu não digo que não vote este projecto, mas desejo votal-o com a convicção de que elle é util para a causa publica. O parecer diz:
(Leu.)
Ora, v. exa., sr. presidente, sabe perfeitamente que, segundo o regimento d'esta camara, todos os pareceres ácerca de projectos de lei têem de declarar se sobre o assumpto foi ou não ouvido o governo; e no caso de se não fazer menção d'este facto, diz ainda o regimento, que se suppõe que «não foi ouvido o governo,» ou que, sendo ouvido, «foi de opinião contraria ao projecto».
Por consequencia, peço ao sr. ministro, do reino, ou ao sr. ministro da justiça, que nos digam se, em harmonia com o regimento, da camara, o governo, foi ou não ouvido sobre este assumpto, e qual a sua opinião, acerca, da projectada alteração.
Como a camara sabe, quando um parecer qualquer não declara se é tomado em harmonia com o governo, entende-se que não foi elle ouvido, ou que não concordou com a materia.
O sr. Presidente: - O sr. relator da commissão já disse ao sr. deputado, que fôra ouvido o governo.
O Orador: - Então devia ter isso sido declarado no parecer.
Eu não posso nem por instantes duvidar da palavra do illustre relator da commissão; mas como não faço obra pelo projecto, repito que o parecer devia declarar se sobre o assumpto foi ou não ouvido o governo.
(Interrupção.)

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SESSÃO NOCTURNA DE 22 DE JULHO DE 1887 2011

É portanto uma falta, da parte da commissão, que eu não posso deixar de notar. Entretanto, não está supprida ainda a Segunda parte da minha pergunta, que é - se o governador, civil e mais estações competentes foram tambem ouvidos sobre o assumpto.
As commissões eleitas pela maioria da camara são soberanas, podem fazer o que quizerem. Mas se nós começâmos a prescindir sem criterio de todas as indispensaveis informações officiaes, ácerca de qualquer assiumpto; então é melhor prescindirmos de vir aqui, não haver discussão e fazerem s. exas. o que quizerem, considerando-se que foi tudo muito bem feito! Basta já de attentados ao systema parlamentar.
Todas as commissões se esforçam ou devem esforçar por apresentarem pareceres conscienciosos, (Apoiados.) e sendo assim, urge que colham as mais completas e seguras informações relativamente aos assumptos sujeitos ao seu exame. Mas, a continuar a seguir-se este pessimo precedente, realisar-se-ha então o que n'uma das ultimas sessões disse o illustre deputado o sr. dr. Antonio Candido: - «não podemos deixar de viver n'uma dictadura permanente, porque está isso em o nosso modo de ser politico.»
Comquanto o illustre relator da commissão asseverasse ter sido ouvido o governo, e nem sequer por um momento eu queria duvidar da palavra de s. exa., entretanto esta sua declaração não consta do parecer, assim como tambem não conta, como eu já affirmei, que tivessem sido ouvidas sobre o assumpto as estações competentes.
Varro, portanto, a minha testada, protestando energicamente contra esse mau systema de levar de afogadilho, todos os projectos, ainda mesmo os que só têem em vista desorganisar a pouca administração que possuimos.
Muitas Vezes, com os melhores intuitos, faz-se desorganisacão em logar de se fazer organisacão.
Quando o governo apresenta um projecto qualquer suppõe-se que ao menos esse projecto foi estudado, pelas repartições competentes, e obedece: a um principio, a um systema. Mas os projectos de iniciativa particular de qualquer sr. deputado, alterando a organisação administrativa, ecclesiastica ou judicial, desacompanhados das informações dos corpos locaes, têem, em geral, quasi sempre por fim satisfaser antes interesses politicos de occasião, do que melhorar a administração.
A serie de projectos d'esta ordem acabará por desorganisar todo o mechanismo administrativo, que já anda bem fóra dos eixos. (Apoiados.)
(Interrupção, do sr. Carrilho, que não se percebeu.)
O illustre deputado o sr. Carrilho, refere-se a mim?
O sr. Carrilho: - Não, senhor.
O sr. Orador: - Pois se s. exa. se quizesse referir a mim, eu declararia ao illustre deputado, que, apesar de ser official do exercito, é-me absolutamente indifferente, pessoalmente fallando, que a lei que melhora as tarifas de soldo passe ou deixe de passar na presente sessão legislativa.
Felizmente contentei-me sempre em viver com o pouco que possuo, acceitando a paga que o estado me dá no fim de cada mez seja ella quanto for.
Nunca apresentei aqui, nem em repartição alguma, pedido de melhoria de vencimento quer para mim, quer para a minha classe; e se disse que votava o projecto do augmento das tarifas, é porque tenho a convicção arreigada de que se não póde exigir bom serviço a funccionarios de qualquer ordem e principalmente, aos militares, sem que se lhes assegure e as suas familias uma modesta independencia. Exija-se-lhes o cumprimento rigoroso das suas obrigações, mas pague-se-lhes condignamente. (Apoiados)
E os e os officiaes do exercito, que têem por dever sacrificar a vida em defeza do paiz, e na manutenção da ordem e das publicas liberdades, não podem ser uma excepção á regra. (Apoiados.)
O sr. Presidente: - Peço ao sr. deputado que se occupe do projecto em discussão.
O Orador: - O áparte do sr. Carrilho é que me obrigou a estas explicações. Mas eu vou terminar.
Já manifestei o meu modo de ver sobre este assumpto. A camara faça o que quizer, na certeza de que estes preojecticulos de iniciativa individual desorganisam mais do que organisam a administração.
Seguidamente foi approvado o projecto.
Entrou em discussão o projecto de lei n.º 159, que foi logo approvado.
É o seguinte:

PROJECTO DE LEI N.° 159

Senhores. - Examinou a vossa commissão de administração publica o projecto de lei n.º 150-A., de iniciativa do sr. deputado José Ventura dos Santos Reis, onde se dispõe uma pequena alteração na organisação das quatro assembléas eleitoraes em que se divide o concelho de Bouças, que faz parte do circulo eleitoral n.º 32.
Pequena alteração dizemos, porque realmente pequena é, sendo que o concelho fica, com o mesmo numero de assembléas eleitoraes, que ora tem, ficando todas nas mesmas sédes actuaes, havendo só a mudança de duas freguezias de umas para outras assembléas.
Assim a freguezia de Aldoar, que hoje faz parte da assembléa eleitoral de Matosinhos fica, pelo projecto, fazendo parte da assembléa de Ramalde, e a freguezia de S. Marinho de Guifões, que está na assembléa de Leça do Balio, entra na assembléa de Matosinhos.
Esta mudança justifica-se pela maior proximidade em que ficam essas duas freguezias das assembléas para onde se propõe a mudança, e ainda se justifica pela melhor divisão com que fica o concelho para os actos eleitoraes, ficando todas as quatro assembléas mais nas condições estabelecidas pela lei de 21 de maio, de 1884, do que tudo resulta maior facilidade para o concurso á urna.
Pelo que é a vossa commissão de parecer que seja approvado o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° O concelho de Bouças, que faz parte do circulo eleitoral n.° 32, fica dividido em quatro assembléas: a primeira, com séde na igreja parophial de Matosinhos, composta d'esta freguezia e mais das freguezias de Leça da Palmeira, S. Martinho de Guifões e Nevogilde; a segunda, com séde em Leça do Balio, composta d'essa freguezia e mais das freguezias de S. Mamede da Enfesta e de S. Thiago de Costoias; a terceira, çom séde em Ramalde, composta d'essa freguezia e mais da freguezia de Aldoar; e a quarta, com a séde em Parafita, composta d'essa freguezia e mais as de Lavra e Santa Cruz do Bispo.
Art. 2.º Fica revogada a legislação em contrario.
Sala da commissão, em 9 de julho de 1887. = E. J. Coelho = Conde de Villa Real = Henrique de Sá Nogueira = Julio Cesar de Faria Graça = José de Saldanha Oliveira e Sousa = J. Simões Ferreira, relator.

N.º 150-A

Senhores deputados. - O concelho de Bouças, que faz parte do circulo n.° 32, está actualmente dividido em quatro assembléas, eleitoraes com a sua respectiva sede em Matosinhos, Leça de Balio, Perafita e Ramalde, sendo a assembléa de Matosinhos composta das freguezias de Matosinhos, Leça da Palmeira Aldoar e Nevogilde, e a de Leça de Balio, das freguezias de Leça de Balio, S. Mamede de Infesta, S. Thiago de Costoias e S. Martinho de Guifões.
Succede, porém, que a freguezia de Aldoar da assembléia de Matosinhos se acha mais proxima da séde da assembléa de Ramalde, e que a freguezia de S. Martinho de Guifões dista muito menos da séde da assembléa de Matosinhos do que da de Leça de Balio, a cuja assembléa pertence.

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2012 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Por isso tenho a honra de propor á vossa consideração o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.º O concelho de Bouças, que faz parte do circulo n.º 32, fica dividido em quatro assembléas com as suas respectivas sédes em Matosinhos, Leça de Balio, Ramalde e Perafita, ficando a pertencer á primeira as freguezias de matosinhos, Leça da Palmeira, S. Martinho de Guifões e Nevogilde; á Segunda, Leça de Balio, S. Mamede de Infesta e S. Thiago de Costoias; á terceira, Ramalde e Aldoar; á Quarta, Perafita, Lavra e Santa Cruz do Bispo.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Camara dos senhores deputados, 1 de julho de 1887.= José Ventura dos Santos Reis, deputado pelo circulo n.° 32.

SEGUNDA PARTE DA ORDEM DA NOITE

Continuação da discussão do projecto de lei n.° 186 (reforma das pautas)

O sr. Matoso SantoS (relator): - (O discurso será publicado quando s. exa. o restituir.)
O sr. Presidente: - A ordem do dia para amanhã é primeira parte a discussão dos projectos n.ºs 188, 187, 168 e 142, e na Segunda parte, a continuação da discussão d'este projecto.

Está levantada a sessão.

Era meia noite.

Discurso proferido pelo sr. deputado Antonio Candido Ribeiro da Costa, na sessão de 15 de julho, e que devia ler-se a pag. 1767, col. 2.ª

O sr. Antonio Candido: - Tenho a honra de responder ao illustre deputado, o sr. Dias Ferreira. É uma honra sempre, e para todos, cruzar a palavra com a eloquencia d'este orador vehemente, que põe em todas as discussões a nota viva e o amplo folego do seu grande e luminoso talento. Para mim, alem de subida honra, é uma satisfação muito grande.
A primeira vez que fallei n'esta casa, foi para lhe responder; e d'essa hora inolvidavel, em que a minha consciencia e a minha validade estiveram tão illudidas, não se desprenderá jamais a recordação do insigne parlamentar, que me fez então uma das maiores gentilezas que ainda tenho recebido n'esta casa!
Já vae longe essa hora; e pena tenho eu, muito grande, de não ter podido dizer- lhe as palavras de Goethe: - pára, és perfeita assim... Mas não pude; e, desde então para cá, o desgosto de mim mesmo subiu ao ponto que se verá!
D'esta vez, como da primeira, estou em profunda divergencia com o meu, nobre amigo. Discordámos profundamente em politica, em administração e em philosophia da historia. Mas isto não obsta a que comecepor lhe render duas homenagens, perfeitamente devidas: uma de respeito pela sinceridade e pela coherencia das suas convicções, a outra de admiração pela boa tempera da sua eloquencia, mascula e vibrante. (Apoiados.)
Discutirei o que houve de substancial no discurso de s. exa., que foi muito: a sua theoria do regimen representativo e a classificação, que fez, de dictaduras; as rasões que deu para explicar a indifferença do paiz pela politica; o modo como comprehende e critica o procedimento do ministerio no uso e abuso da constituição do estado; a sua apreciação das praticas financeiras do governo; as suas idéas ácerca da reforma administrativa e da organisação judiciaria... Tudo isso versarei, como poder e souber, dentro de rasoaveis limites de tempo.
E s. exa. não me levará muito a mal que o deixe só nas fugas e divagações que se permittiu, as quaes não qualificarei de impertinentes, dizendo, apenas que são de muito secundario interesse n'este debate...
Assim não o acompanharei nos merecidos louvores que dirigiu ao sr. ministro da justiça pela sua lei, tão liberal, sobre fianças, nem combaterei a critica prematura com que, pretendeu ferir desde já a projectada creação dos juizes de instrucçao criminal; tambem não me faço cargo de provar, porque me seria facil, que o governo não exorbitou das suas faculdades, em Lisboa nem no Porto, quando quiz e conseguiu manter a ordem publica perturbada; (Apoiados.) e não irei com s. exa. pelas interminaveis columnas do Times á procura d'aquelle famoso correspondente, que perpetrou o gravissimo delicto, de ignorar que o chefe do partido liberal d'este paiz, é, não o sr. José Luciano de Castro, mas o proprio sr. José Dias Ferreira, não obstante s. exa. dar-me a este respeito uma impressão... incompleta! (Riso.)
Temos cousas de grande valia a tratar, e o tempo hão chega para tudo.
Mas antes, de oppor desenvolvidamente as minhas idéas ás do orador, a quem tenho de responder, ha de consentir-me s. exa. que me volte para o sr. Julio de Vilhena, e tente defender o parecer, que tive a honra de apresentar, das severas accusações com que aquelle illustre deputado pretendeu fulminal-o.
É o sr. Julio de Vilhena um parlamentar distincto, (Apoiados.) erudito, elegante, copioso em doutrina e com fino sabor litterario; por tudo isto é bem natural que eu o comprimento antes de reduzir ao seu pouco valor os argumentos que exhibiu contra mim.
O sentimento de admiração é um dos prazeres de espirito que em mim são mais agudos, e uma das mais gostosas inspirações da minha palavra. (Vozes: - Muito bem.).
E o sr. Dias Ferreira não estranhará que continue a proceder, como tenho procedido até aqui, muito embora comprehenda e confesse que a sua apreciação sobre optimismo critico do parlamento e da imprensa é, em grande parte, acceitavel.
O sr. Julio de Vilhena achou que o parecer, que mandei para a mesa, era microscopico, serodio e contradictorio.
Da sua adjectivação, que foi muito variada, destaco os termos mais humilhantes.
(Interrupção do sr. Julio de Vilhena.)
Agradeço muito essas palavras; mas, se não disse isto, disse cousa similhante.
O sr. Julio de Vilhena esperava um relatorio enorme que versasse todos os capitulos da dictadura, e fosse um repositorio, precioso e vasto, de todas as doutrinas as mais complexas, as mais variadas. Esperava isto e, a final... apparece-lhe um modesto parecer, curto, facil, simples, legivel e comprehensivel em tres minutos! É de levar o desapontamento e a indignação, aos espiritos mais valentes, e aos corações mais frios.
Effectivamente o parecer não resolvia a grande questão de saber se devia, ou não, pertencer ao governo a faculdade de annexar uma freguezia de um concelho a outra freguezia de concelho diverso; (Riso.) tambem nada indicava sobre a conveniencia ou inconveniencia, de eleger, ao mesmo, tempo, os vogaes effectivos e substitutos das corporações administrativas, ou deixar em vigor a velha doutrina do codigo de 1842; a respeito da contabilidade local por annos civis ou economicos, nem palavra dizia...; e era inteiramente omisso ácerca de outros momentosos assumptos, que s. exa. discutiu no seu longo e substancioso discurso. (Apoiados.)
Confesso humildemente estas deficiencias, mas tenho ainda a pretensão de poder provar que o parecer diz precisamente tudo quanto a commissão do bill tinha que dizer: que o procedimento do governo, assumindo o exercicio de funcções legislativas, é justificavel pelas proprias rasões que dá o governo, as quaes portanto, seria inutil repetir, - e que essas providencias, apreciadas no seu

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SESSÃO NOCTURNA DE 22 DE JULHO DE 1887 2013

conjuncto, merecem a confirmação parlamentar. (Muitos apoiados.) O governo não tem ácerca do seu trabalho, nenhuma idéa de que seja perfeitissimo, e, se a tivesse, eu não concordaria com elle. O governo e a commissão entenderam que se devia deixar á iniciativa do parlamento e dos membros do gabinete a apresentação de quaesquer modificações aos decretos dictatoriaes.
Eis o que se passou; eis tudo o que havia a exarar no Aparecer da commissão do bill.
É claro que, se em vez de decretos em vigor, se tratasse de quaesquer projectos de lei, na sua forma ordinaria, o relatorio devia ser, e seria, mais argumentado e desenvolvido.
A opposição sabe muita cousa, e eu, com ella tenho aprendido n'esta sessão parlamentar; mas não póde saber tudo. Ignora, por exemplo, a litteratura especial d'este genero de pareceres; por meu mal não a ignoro eu, vi-os todos, e posso affirmar que são, em geral, extremamente reduzidos. O que tive a honra de subscrever occupa uma media, sensata e prudente, com relação a todos os outros. Ha maiores e ha mais pequenos.
É certo que esta especie de pareceres faz excepção ao conhecido relatorio portuguez, tão bojudo... como inane. (Apoiados - Riso.) Mas ainda bem. Tenho para mim que, em relatorios e discursos, metade da metade seria mais que bastante. (Apoiados.)
O projecto appareceu muito tarde, acrescentou o sr. Julio de Vilhena. Esta accusação não é contra o governo; continua a ser contra a commissão. O governo cumpriu o seu dever apresentando a respectiva proposta a 23 de abril; e, como a accusação é contra os membros da commissão, em nome d'elles respondo:
Quando esta camara elegeu a commissão do bill, não lhe impoz a obrigação de apresentar os seus trabalhos n'um periodo de tempo certo e determinado. Por isso a commissão devia apresental-os quando entendesse, e não tem de dar contas a ninguem do que era, e é, para ella um acto de consciencia. (Vozes: - Muito bem.)
Para relatar a dictadura parcial de 1884 gastou-se um mez, e entre a apresentação do parecer da commissão e a sua entrada em ordem do dia decorreram vinte e seis dias. A proposta de lei do governo tem a data de 20 de janeiro de 1885, a apresentação do respectivo parecer a de 20 de fevereiro do mesmo anno, e entrou em discussão a 26 de março. E tratava-se de uma dictadura parcial, (Apoiados.) não é inutil repetil-o...
Mas o parecer é contradictorio, diz-se ainda briga com elle o projecto, que é a sua conclusão. Se a commissão pensou em alterar os decretos dictatoriaes; se, n'esse intento, realisou alguns trabalhos; se só deixou de trazer á camara o resultado da sua analyse e do seu estudo, porque, a final, julgou que fosse melhor deixar tudo á iniciativa do parlamento, - como é que propõe a confirmação, pura e simples, das providencias que o governo decretou desde 17 de julho de 1886 até 17 de março de 1887?! Onde fica a noção logica das cousas?! Para onde fugiu o bom senso dos homens que constituem a commissão do bill, e, nomeadamente, o do seu relator?!
Este relator, este indigno relator, sou eu; e - santo Deus! - poderei salvar-me da dura entalação em que me apertou a má vontade do sr. Julio de Vilhena, mais severo julgador das regras da logica e das tradições do nosso relatorio, do que dos principios liberaes e das normas do parlamento?! (Riso - Apoiados.)
Vejamos.
Diz o parecer:

«A commissão especial, incumbida de dar parecer sobre os actos de natureza legislativa, que foram praticados pelo governo desde 17 de julho de 1886 até 17 de março do corrente anno, vem apresentar á vossa superior consideração o reaultado do seu trabalho.
A Commissão conformou-se, depois de maduro exame, com as circumstancias de ordem politica e as considerações de interesse publico que os ministros adduzem e desenvolvem nos relatorios dos seus respectivos decretos; e, sem deixar de ponderar aqui que só gravissimos motivos podem relevar o poder executivo de ter exercitado, faculdades que pertencem a outro poder do estado, entende que o procedimento do governo tem valiosas rasões que o explicam e fundamentam, e que aquellas providencias, promulgadas dictatorialmente, merecem ser confirmadas por esta camara.»

Não ha reparo n'estes dois primeiros periodos. São singelos, não têem floreios de estylo, e nem sequer trazem referencia, a uma nota erudita! (Riso.) Mas, com alguma benevolencia, o illustre deputado deixa-os passar, creio eu, sem a marca tremenda do seu stygma.
O terceiro periodo diz:

«Tendo adoptado, a principio, o pensamento de propor emendas e substituições a algumas disposições dos decretos do governo e realisado, n'este sentido, alguns trabalhos, - a commissão julgou a final que seria mais conveniente deixar a iniciativa do governo e da camara quaesquer modificações a fazer naquelles decretos, pela fórma que á sua sabedoria parecesse melhor ou mais regular.»

Se ha modificações a fazer nos decretos, se a commissão chegou a preparar algumas, se está disposta a acceitar as que venham da iniciativa do governo ou da camara, como é que se propõe depois, numa fórma absoluta, a confirmação da dictadura?!
Mas não se propõe tal; mas essa fórma não é absoluta; mas o sentido geral do projecto de lei ha de entender-se de harmonia com o seu preambulo! Ora o preambulo do projecto é o seguinte:

«N'estes termos, e pelas rasões expendidas, a vossa commissão converte a proposta do governo no seguinte projecto de lei...»

N'estes termos... Em quaes termos?
Nos termos do parecer, evidentemente; e no parecer ha duas idéas distinctas: a da confirmação dos decretos dictatoriaes, julgados no seu conjuncto, isto é, no pensamento e na utilidade geral de cada um, e a da possibilidade de modificações n'uma ou n'outra disposição particular d'esses decretos. (Muitos apoiados.)
O parecer e o projecto são pequena cousa, occupam pouco espaço, mas o illustre deputado regenerador não os quiz ver de uma só vez!
É minha a culpa?!
A situação de espirito em que se encontrou a commissão do bill não é nova, não é original. Na mesma situação se encontraram antigas commissões d'esta camara, e exprimiram-se de modo igual.
Lerei dois pareceres. O primeiro, relativo á dictadura de 1851, diz assim:
(Leu.)
Assignam-no, entre outros, os seguintes nomes.: Silva Pereira, Duarte Nazareth, Thomás de Aquino de Carvalho, Justino de Freitas, Rodrigues Sampaio e Alves Martins.
Vou em excellente companhia!
O segundo parecer diz respeito á dictadura de 1869, e tem, como relator, o meu eloquentissimo mestre e amigo, o sr. Alves Matheus, que póde dar-me lições, e a muita gente, sobre o modo de redigir. (Apoiados.)
Eil-o:
(Leu.)
Está defendido o parecer. A hermeneutica é os bons exemplos são por elle. E agora, sem assumir uma attitude aggressiva, que repugnaria ao meu temperamento e á mi-
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2014 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

nha posição, posso perguntar: Diante de uma dictadura tão larga, depois de tantas ameaças proferidas contra o governo e contra a maioria desde o começo da sessão, que vale, que quer dizer, que significa moralmente esta critica, impertinente e pequena, á redacção do parecer?!
Onde está aquelle furor terrivel com que havia de ser combatido e esmagado o ministerio?! Para onde fugiram os que se annunciavam, com mais crueldade do que modestia, (Riso.) julgadores inexoraveis d'esse grande crime?!
Foi a demora na apresentação do parecer que amansou as coleras da opposição regeneradora?! Mas a demora é uma circumstancia aggravante, segundo ella diz, e circumstancias d'esta ordem elevam, não diminuem, a responsabilidade e a pena! Seria a coincidencia da apresentação do parecer com este augmento de temperatura?! Mas então de pouco depende conservar-se ou extinguir-se esse fervor liberal, de que tamanho e tão postiço alarde se tem feito aqui, nem sempre com sensata opportunidade... (Muitos apoiados.)
Sr. presidente, defendi o parecer, mas não foi por mim que o defendi. Foi pelos illustres deputados que commigo o assignaram. Doeu-me que se pretendesse maguar a commissão, em que ha distinctos homens de letras, a par de outros que occupam logar eminente na sciencia, no fôro e no parlamento. (Apoiados.)
Se se tratasse só de mim, deixaria passar a censura.
Nos tempos que vão correndo, e com os pessimos costumes parlamentares que se propagam aqui de dia para dia, não é muito infeliz aquelle a quem só ferem a vaidade!
(Vozes: - Muito bem).

Volto a collocar-me diante do sr. Dias Ferreira.
Começou o meu illustre amigo por fazer uma classificação de dictaduras em tres especies: a dictadura que resulta da revolução, a dictadura que se origina na revolta, e aquella que nasce de difficuldades parlamentares, invenciveis por outro modo; e achou que não tinha cabimento em nenhuma d'essas classes, a dictadura d'este governo, a que deu a pittoresca designação de dictadura por amor da arte.
Estou intimamente convencido de que esta classificação de dictaduras foi inspirada ao illustre orador pelo estudo despreoccupado e consciencioso da nossa historia constitucional. Mas algum malicioso, e ha muitos n'esta casa, (Riso.) poderia talvez dizer que o que s. exa. quiz foi apenas dar fóros de boa doutrina á sua dictadura de 1868, que foi de 1.ª classe, á sua dictadura de 1870, que foi de 2.ª classe, e, para o que désse e viesse, deixar um espaço em aberto para a terceira dictadura, a da ultima classe, a qual é bem possivel que s. exa. tenha de exercitar ainda n'este paiz. (Riso. - Apoiados.)
Tenho aqui a nota de todas as dictaduras geraes realisadas n'este paiz, desde a de 11 de setembro de 1836 até á que discutimos agora, limitada pelas datas de 17 de julho de 1886 e 17 de março da 1887.
Li todos os pareceres das respectivas commissões, e passei pela vista as discussões mais importantes que houve a respeito d'elles.
Para que fiz eu tudo isto? Pará que tive tão grande trabalho?
Não foi para exautorar os meus adversarios politicos que tivessem de se empenhar n'esta discussão; tambem não foi para repetir mais uma vez o velho argumento, velho e nunca efficaz, dos precedentes historicos. (Apoiados.)
Ainda que podesse annullar a auctoridade moral dos meus adversarios, e provar, á evidencia que têem as mesmas responsabilidades de que hoje accusam ao governo, não o faria. Conheço que este processo tem effeitos vistosos na oratoria parlamentar. Se não convence, confunde; é já alguma cousa. Mas não gosto d'elle.
Depois de se ter illaqueado um adversario nas proprias contradicções, - e isto, na politica portugueza, é extremamente facil, - fica ainda alguma cousa a fazer: fica ainda a necessidade de justificar, com solidos argumentos, a opinião que se tem, ou de explicar e defender, com boas rasões, um acto que se praticou. Por que se não ha de ir logo ao essencial?! (Muitos apoiados)
Alem d,isso esta especie de argumentação fere e magôa sempre a dignidade, que é a nobreza inviolavel de cada um, ou a vaidade, que é o melindre mais vivo e a susceptibilidade maior de todos nós. E eu não gosto de ferir, de magoar ninguem. (Apoiados.) Tomára eu oppor, com a minha palavra, um dique a este vicio, humilhante e ignobil, da maledicencia parlamentar: parasita damninho, escalracho da peior especie, que devora e esterilisa tantas forças do espirito e tantos sentimentos do coração! Nunca assisto a estes espectaculos, em que a camara, ultimamente, se tem prodigalisado tanto, que me não recorde d'aquella viva e luminosa imagem de Henri Heine, que comparava as discussões d'esta indole á lucta de miseraveis febricitantes, que, na enfermaria de um hospital, arrancassem uns aos outros as ligaduras e se escalavrassem mutuamente as feridas ensanguentadas! (Vozes: - Muito bem.)
O argumento dos precedentes politicos, na fórma em que é usado entre nós, não me seduz a mim e já não engana ninguem. Não prova, não convence, não persuade. Liquida apenas uma cousa, de que nós e o paiz devemos estar absolutamente convencidos, isto é, que na comprehensão e na pratica dos deveres constitucionaes não nos differençamos notavelmente uns dos outros, valemos quasi o mesmo, e... não valemos muito!
O sr. Consiglieri Pedroso: - Apoiado, apoiado.
O Orador: - Felizes, os que não têem historia! Eis o que póde dizer-se dos povos, das mulheres e dos republicanos... portuguezes. (Riso.)
Disse eu que não nos differençâmos muito uns dos outros, que valemos todos quasi o mesmo. É o effeito de um determinismo historico absolutamente incombativel; e a camara vae permittir-me que diga a este respeito, rapidamente, o que penso. A occasião não é inopportuna, porque, discutindo-se uma dictadura, tocâmos na substancia da lei fundamental do paiz; e depois, se a alguem prejudica, se a alguem faz mal este modo de tratar as questões, é... só a mim!
Os partidos formam-se, como é sabido de toda a camara, por affinidade de temperamentos, e consolidam-se e fortificam-se depois pela historia. Um dos partidos, o conservador, acceita e defende a acção immediata dos principios estabelecidos e das instituições fundadas; o outro colloca-se logo na parte mais evolucionavel d'esses principios e d'essas instituições. No espaço intermedio dos dois partidos, ou ao seu lado, formam-se ás vezes novos grupos, resultantes de uma degeneração organica, ou correspondentes a verdadeiros estados de consciencia.
O sr. Marçal Pacheco: - Apoiado.
O Orador: - Qual das duas ultimas proposições applaude v. exa.? (Riso.)
O sr. Marçal Pacheco: - Ambas. (Apoiados.)
O Orador: - É justo.
Para que haja partidos, e para que os partidos representem verdadeiras forças politicas, a primeira cousa indispensavel é que haja temperamentos; o que, na minha linguagem, quer dizer o mesmo que caracteres.
Havia aqui bons temperamentos e solidos caracteres, ao tempo em que se estabeleceu o regimen representativo?
Não havia.
Os ultimos dois seculos da nossa historia evidenceiam tristemente esta verdade sociologica:
A decadencia da povos, quando tem por origem uma lesão profunda na sua economiaou na sua moral, é inteiramente irremediavel!
Sob a acção deprimente e sob a influencia esterilisadora do absolutismo monarchico, do fanatismo religioso e da conquista oriental, o nosso caracter descêra a tão baixo es-

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SESSÃO NOCTURNA DE 22 DE JULHO DE 1887 2015

tado, que era bem de ver que não tinhamos força bastante para sopesar os encargos e cumprir as obrigações do novo regimen, que o exemplo da Europa nos recommendava, nos impunha! E este regimen, que, tendo a democracia por base, só póde fortificar-se e desenvolver-se pela virtude geral, segundo a bella phrase de Montesquieu; este systema, quer tranformava subitamente o homem mais servil, mais ignaro, mais indigente, n'uma força viva do Estado, dando-lhe o direito de dizer, com uma lista diante da urna, o mesmo que dizia Luiz XIV diante do parlamento da França; este systema, em vez de nos dar milagrosamente a vitalidade, a instrucção civica, aptidão para o trabalho, o sentimento do dever, a comprehensão clara e viril dos nossos destinos, veiu apenas provar mais uma vez que elle só é viavel, só é fecundo, só é praticavel e justo, quando se desentranha da propria raça como na Inglaterra, ou encontra, para se estabelecer e acclimar, condições especiaes de ethnologia e de historia, como na Belgica e na Hollanda. (Muitos apoiados.)
Até 1851, n'esse primeiro periodo constitucional, que nós falsamente consideramos como a idade aurea da liberdade portugueza, a ponto de nos irritarem as palavras severas de Alexandre Herculano e de Oliveira Martins, quando affirmam que não passou de primeiro acto do uma comedia de mau gosto, apenas cortado, uma ou outra vez, por um lampejo de virtude ou por um rasgo de heroismo; n'esse primeiro periodo, é que havia era a lucta apaixonada, vehemente, de ambições pessoaes e partidarias, travada entre soldados, que tinham o habito da profissão, ou entre ideologos, que tinham a paixão da escola! Nada mais. (Vozes: - Muito bem.) Depois de 1851, o utilitarismo economico substituiu, esse estado de cousas, em que a sociedade valia menos e os homens valiam um pouco mais do que valeram d'ahi em diante. Nos dois periodos só o optimismo de uma critica facil deixará de ver que houve tudo, tudo o que quizerem, menos a fundação de costumes, adequados ao novo regimen, e sem taes costumes a liberdade é chimerica como os sonhos, a liberdade é inane e vã como uma palavra sem sentido! (Vozes: - Muito bem.)
Succedeu por isso que as dictaduras se repetiram entre nós como em paiz algum da Europa, incluindo a propria Hespanha no tempo dos pronunciamentos militares, sem que o espirito popular se rebellasse contra essas infracções, idealmente gravissimas, da nossa lei constitucional. (Apoiados.)
Até 1852 houve as dictaduras geraes de 1836, de 1842, de 1844, de 1846 e a de 1851. Nada menos de cinco! Desde 1852 houve as de 1868, foram duas, a de 1870, e esta. Quatro ao todo!
Dictaduras parciaes não conto. Quem, d'entre os que já foram ministros, não, tem sido dictador n'uma hora, ao menos n'uma hora?! (Muitos apoiados.) Qual dos senhores que ainda não foram ministros, mas têem tanto direito e tanta vontade de ser ministros, promette e jura aqui que não ha de ser dictador?
(Pausa.)
Silencio em toda alinha! (Riso. - Vozes: - Muito bem.) Aprenda quem vê e ouve. E se nós quizessemos passar da superficie para a intimidade das cousas, se não tivessemos o mau habito de nos contentarmos com palavras, se quizessemos dizer a verdade toda, teriamos de confessar que, desde 1836 até hoje, tem havido em Portugal dictadura permanente: (Muitos apoiados.) parlamentar quando as camaras estão abertas, do poder executivo no resto do tempo! (Apoiados.)
Os homens nunca fazem uma obra perfeita. A complicação constitucional é muito grande para que possa constituir uma excepção a esta regra.
Sendo uma inducção historica de seculos na Inglaterra, é claro que não podia, n'uma hora, sobrepor-se aos costumes do continente, radicar-se na alma dos povos, fructificar e desenvolver-se como em meio proprio. Trazia, é certo, muitos principios applicaveis, como a divisão e a independencia, dos, poderes, a liberdade de pensamento, de palavra e de acção, e o que se chama garantias individuaes, mas isso não era, tudo; isso era apenas a fórma exterior do systema, o seu prospecto evidente. O essencial faltava. Faltava a vida local, que é o fundamento, e a nutrição de todas as liberdades civicas; faltava a imprensa, que não póde ser a tribuna particular, egoista, de um homem ou de uma facção, (Muitos apoiados.) mas deve ser, como na Inglaterra, a copia impressionada e inspiradora da alma dos partidos; faltava a opinião, que é a atmosphera virificante do espirito publico; (Apoiados) falatava a existencia de orgãos sociaes, bem definidos, com interesses determinados, de cujo movimento e equilibrio podesse resultar o progresso e a variedade da politica. (Muitos apoiados.)
Planta sem raiz sufficiente, a germinação do systema representativo tem sido ao aqui enfezada e doentia; aggregado doutrinario de elementos acceitaveis, e de outros repugnantes para a indole e a educução do nosso povo, a sua alma não teve ainda reacção bastante para repellir o que lhe não convinha; não fez, infelizmente, como o mar, que expulsa e rola para a terra as impurezas e corrupções que cáem nas suas aguas vivas. (Apoiados.)
Vejo as cousas assim, e creio que as vejo bem.
Por isso quando ouço a voz dos nossos oradores politicos, aqui ou lá fóra, verberando indignamente as dictaduras... dos adversarios, creio na sinceridade com que fallam, não duvido de que lhes vem do coração as palavras que proferem com tanto accento viril, - mas lamento que, em vez de se collocarem na realidade dos nossos costumes, tenham ido aquecer-se, para este effeito, ao fogo de theorias irrealisaveis, e subam á região longinqua de ideaes cada vez mais distantes, cada vez mais inacessiveis! E lembram-me aquelles illuminados da idade media, de que fallam as velhas chronicas, que, excitados pela comtemplação ardente dos mysterios e pelas visões da fé, rompiam abruptamente em imprecações e ameaças contra o mundo, que não comprehendiam nas condições ineluctaveis da sua anarchia e da sua miseria, contra o mundo de que elles proprios faziam parte, igual ás outras, tão inferior como as outras!
A minha palavra é desconsolada e triste. Mas não se faz por outro preço, o estudo e a meditação da nossa historia constitucional. O coração vem pesado e caído, com pouca esperança, e nostalgico das velhas illusões... e quando se tem uma organisação incorregivelmente idealista, - ía dizer poetica, para frisar bem esta inferioridade de talento... quando se é assim, grande desgraça é querer passar da ilusão geral, immenso véu que cobre a humanidade e o mundo, tecido pela imaginação e despedaçado pelo raciocinio, sempre, n'uma tragedia eterna! (Muitos apoiados. - Vozes: - Muito bem, muito bem.)
Presinto que se, ha de dizer de mim que, para defender uma dictadura, neguei a liberdade, o progresso moral, a civilisação politica...
Não será verdadeiro quem o disser.
Eu não nego o que é evidente, eu não renuncio ao que amo. O poder está desarmado de todas as tyrannias, a acção individual é plenamente livre. O pensamento de cada um busca as suas inspirações onde quer. A sciencia forma-se, diffunde-se, propaga-se sem peias, nem restricções de especie alguma. A arte... até da propria moral se vae emancipando! (Muitos apoiados.) A lei civil reconhece e protege todas as fórmas de vida honesta, independentemente de crenças religiosas e de profissões partidarias. A hierarchia social, tão legitima e tão irreductivel como a hierarchia da natureza, mal resiste á ácção niveladora d'este tempo, porque, permittido todo o esforço contra o que é, contra o que está, a emulação veste as

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fórmas de um direito, a chimera passa como programma do futuro.
Sei tudo isto, vejo tudo isto, e não me esqueço nunca de que, sé não fôra a liberdade politica, eu não teria a gloria de fallar aqui, e jazeria no silencio e na obscuridade como tantos que me precederam; - instrumentos que a natureza fez inutilmente, scentelhas que nenhum vento pôde erguer e inflammar! (Vozes: - Muito bem.)
Mas é amar e servir a liberdade dizer tudo o que se pensa, e eu penso, que, perfeita como facto individual, excellente como lei civil, efficaz como negação, historica, bella e sublime como aspiração moral, está ainda muito longe de ser, como condição positiva da politica, o instrumento facil e util que se julgou que elia seria. Tendo sido na Inglaterra um costume desigual, lentamente progressivo, - fez-se logo, nos paizes latinos, geral como uma abstracção da philosophia, indefinida como um sentimento do coração! Era isto racional?! (Muitos apoiados.)
Conheço que a assembléa recebe sympathicamente as minhas palavras. Está de accordo commigo, visivelmente, (Apoiados.) A minha franqueza, que parece arrojo, é, a final, a simples coragem de dizer o que todos sentem!
É bem singular o genio portuguez! Mixto de fé e de scepticismo, de submissão e de revolta, de optimismo e de critica, de aferro ás tradições e de sympathipa effusão para tudo que é novo! Ainda ha pouco, e em cousa de tanta monta como a funcção social de punir, se exemplificou este estranho caracter. Viu-se como era facil acceitar uma theoria de escola, que, antes de penetrar as instituições de outros paizes tem lá de esperar longo tempo, e como parallelamente a esta qualidade nacional, existia, e se fazia valer, um forte instincto de justiça e uma grande dóse de senso commum!
N'um pequeno estudo cobre os costumes inglezes, que li ha pouco, é posto em relevo este facto curiosissimo; em geral, a litteratura de um povo manifesta e exalta a qualidade opposta ao caracter d'esse povo. Os romanos que tinham o coração duro, produziram Virgilio, que é a suavidade e a doçura na arte; os italianos, que são de sua natureza prolixos e diffusos, tiveram o poeta mais conciso e o prosador mais avaro de palavras, Dante e Machiavel; os francezes, tão alegres e faceis, têem, na grande serie das suas glorias, Calvino, Pascal e Guizot; a Inglaterra, que é um paiz de preconceitos invenciveis, gerou o dramaturgo mais livre e ousado que ainda nouve, Shakespeare!
Em Portugal não se verifica isto. A sua litteratura não é muito nacional, e nada diz a este respeito. Mas a politica, que absorve a sua sciencia e a sua arte, revela perfeitamente o duplo caracter da nossa sociedade, que tanto se enthusiasma por aquillo em que acredita, como applaude freneticamente o contrario, d'aquillo que faz! (Apoiados.)

O sr. José Novaes, que é um eloquente orador, vigoroso e sympathico, (Apoiados.) lembrou á camara a minha opposição á dictadura de 1884, - dictadura da vaidade, como eu lhe chamei então, - e que diz ver uma contradicção entre a minha attitude de hoje e a que assumi em 1885.
Enganou-se redondamente o meu illustre amigo. Vae ver que se enganou.
É certo que combati asperamente n'esta casa, a dictadura de 1884. Castiguei, como pude, esse mau acto politico, praticado pelo sr. Fontes. Relendo agora as palavras que proferi então, devo dizer que as achei demasiadamente severas; o illustre homem de estado, a quem me dirigia com acerbas recriminações, morreu,- e eu tenho a alma muito aberta, exageradamente aberta, á tristeza das cousas! (Vozes: - Muito bem.) Mas recordo-me bem de que o que me indignou, o que accendeu a minha palavra, é que pez na minha voz uma nota mais viva e ardente, não foi o facto, dá dictadura em si; foi a convicção em que estava, e estou ainda, de que essa dictadura era completamente inutil, não passava de uma ostentação de força do poderoso estadista, de um capricho do seu amor proprio, que a critica hoje deve perdoar-lhe inteiramente, attendendo a que elle tantas vezes serviu, com a sua vontade energica, os maximos interesses da politica e da administração. (Apoiados.)
Os meus correligionarios, que constituiam a opposição d'essa epocha, insurgiram-se contra o sr. Fontes Pereira de Mello com toda a sinceridade das suas convicções, e como estavam na montanha, collocaram a inspiração da sua eloquencia no mesmo pincaro, tão proximo das nuvens, em que a collocou agora o sr. Dias Ferreira, em que a colocou as opposições de todos os tempos... (Riso.)
Fallei depois de todos, e eis o que disse:

«Eu sou menos hostil ás dictaduras que muitos dos eloquentes oradores que me precederam n'este debate. Comprehendo a sua indignação, que é sincera, que é verdadeira, que é flammejante de todos os affectos, que a paixão pela liberdade inspira e merece; mas penso que esta nobre sentimentalidade recáe em factos e doutrinas, que a melhor critica d'este momento não acceita, não justifica. N'esta hora adiantada da sciencia, parece-me a mim que, em vez de subirmos á origem metaphysica dos systemas, puro nimbo em que nada se distingue e só se vê o que se quer ver, devemos antes baixar á analyse das condições positivas em que assenta toda a moderna politica. (Apoiados.)
«As dictaduras são violações directas da soberania nacional, e, considerada esta como um poder real, verdadeiro, permanente, as dictaduras são crimes gravissimos, e não ha pena que seja para ellas castigo bastante. São como aquelles crimes que o legislador grego deixava fóra da lei, por serem monstruosos, por serem impossiveis. (Apoiados.)
«Mas a soberania popular tem ainda hoje o caracter que se lhe attribuiu no fim do seculo passado, e até meiado do seculo actual? Mas a soberania popular, de que não fallo sem o respeito devido a uma cousa augusta, feita de illusões e de verdade, de poesia e de realidade, de sonhos e de factos, consagrada nos melhores livros que têem sido escriptos pela penna dos homens, santificada pelas revoluções mais redemptoras que têem sido determinadas pela aspiração de justiça e pela paixão da liberdade; mas esta soberania tem hoje, na consciencia humana, a mesma comprehensão radical das escolas de ha trinta annos?
«Não. Não tem.
«O que é positivo é que a soberania popular, inspiração e fundamento de todo o direito publico moderno, está enredada, compromettida, esterilisada pelos_ processos que a servem e pelas instituições que a rodeiam. É cousa singular! foi o espirito burguez que estabeleceu, este notavel progresso humano, e foi elle, depois, que o perverteu e o inutilisou! Creou-o e perdeu-o!!... É que a burguezia, a gloriosa burguezia que, desde a idade media, agitou e moveu todos os grandes ideaes da consciencia humana, rompendo as resistencias do poder, atravessando ás fogueiras do fanatismo, pondo na arte e na sciencia intenções moraes e revolucionarias, levando a sua coragem até ao heroismo e o seu heroismo até ao martyrio, erguendo pacientemente e levantando, apesar de tantas difficuldades, a grandiosa fabrica dos ultimos seis seculos da nossa historia; é que esta burguezia, depois de ser, por tanto tempo, protestante, divergente, aspiradora do melhor, tornou-se no que hoje se vê, - uma classe de ficções e privilegios, conservadora de todos os seus interesses, que mantem acima de tudo, que sustenta apesar de tudo! (Muitos e repetidos apoiados.)
«Consagra o voto universal, mas sujeita a todas as dependencias a consciencia do eleitor; (Apoiados.) funda a liberdade politica, o que se chama liberdade politica, e cerca generosamente de honras e dignidades a representação parlamentar, mas... não se esquece de lhe prender uns certos dos occultos, que, em determinados momentos, a des-

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concertam e paralysam!» (Vozes: - Muito bem. - Muitos e repetidos apoiados.).
Vê-se, portanto, que não mudei de opinião, que estou ainda hoje na mesma situação de 1885. A verdade não é um acto da vontade, mas á coherencia é uma obrigação do caracter; (Vozes: - Muito bem) e posto que a coherencia seja não a conservação das mesmas idéas e a repetição das mesmas palavras, mas a conservação da mesma sinceridade de coração e do mesmo espirito de verdade com que se observa e estuda as cousas, é todavia certo que o melhor meio de zelar, essa qualidade é meditar sempre, profundamente, os actos da intelligencia e as resoluções da vontade.

Sr. presidente desde, que ha regimen representativo em Portugal as dictaduras têem-se succedido com pequenos intervallos; e, desde que ha dictaduras sempre se tem produzido, para as justificar, estas duas rasões a sua urgencia, a sua utilidade.
Nas memoraveis sessões de 21 de janeiro e 8 de abril de 1837, Passos Manuel, defendendo a dictadura da revolução, traçou o programma da justificação de todas as dictaduras e a sua palavra, sentimental e heroica, ficou como exemplo que ainda não deixou de ser procurado.
O que é pena é que, tendo sido copiada a sua palavra, não tenha podido ser imitado aquelle coração de fino oiro sem mescla, aquella consciencia purissima, aquelle caracter ingenuo e ardente, ideal da democracia feito eloquencia e abnegação, alma sympathica e amoravel, em cuja amplidão, couberam á vontade a liberdade com todas as suas utopias e o povo com todas as suas miserias! (Muitos apoiados.)
Não imagine a camara que julgo possivel a formação de um partido com homens como Passos Manuel. Não. Elle era bom de mais, e anjos não podem governar, homens. (Risos). Mas vae mal á sociedade em que faltam inteiramente estas eminencias do coração e do espirito que, umas vezes, como as grandes montanhas, são ás primeiras reveladoras da luz que mal, desponta no horisonte; - e, outras vezes, são como o céu do poente, onde a claridade solar reverbera ainda, ao tempo em que já, vão altas as sombras na pyramide da noite! (Vozes - Muito bem.)
É pena que não haja d'essas eminencias do coração e do espirito! É pena que está bella especie esteja extincta! Por isso andâmos; hoje n'este; complicado e inextricavel enredo de pequenos pensamentos, de pequenas palavras de pequeninas discussões, que, diga-se a verdade, é mais do tempo e da doutrina do que de outra cousa, porque ainda ha pouco, a respeito da França, da propria França, Julio Simon escrevia esta phrase terrivelmente exacta: Les plus grands choses devinnent petites par la petitesse des âmes!
Na nossa historia parlamentar, há um protesto energico e valioso, um só, contra as dictaduras feitas n'este paiz e contratos processos ordinarios da sua justificação. Firma-o um grande nome. Esse protesto é de Silvestre Pinheiro Ferreira, e escreveu-o o illustre publicista como membro da commissão que deu parecer a respeito da dictadura de 1844. Diz assim:
(Leu.)
Este protesto que resume um capitulo de direito publico, devia ser gravado em letras de oiro no pedestal da liberdade,se a liberdade tivesse estatuas em Portugal. É a reposição da boa doutrina sobre os deveres do parlamento; é, em poucas palavras, toda a theoria das relações dos differentes poderes do estado! Mas ninguem o comprehendeu. A sua prosa ficou como uma legenda sublime, indecifravel; antes e depois de Silvestre Pinheiro Ferreira, a politica portugueza obedeceu sempre á outras inspirações. Aqui tem o sr. Dias Ferreira, perfeitamente assignalada, a profunda differença que ha entre nós: o nobre estadista considera, a vida politica portugueza como um grave crime, e por esse crime responsabilisa o livre arbitrio dos nossos partidos militares; eu considero-a como inevitavel degeneração physiologica de um systema, que nunca pôde acclimar-se e desenvolver-se em Portugal. Parece-lhe a dictadura uma cousa anormal, violenta, e vibra contra ella a sua voz em threnos indignados; eu estudando-a, não nos livros didacticos, mas na historia do meu paiz, vejo-a sempre, vejo-a em tudo, atravez das ficções transparentes que a envolvem; e, se não tivesse receio de escandalisar a melindrosa consciencia do meu amigo dir-lhe-ia até que a dictadura aberta e franca é... a única fórma util que a politica tem assumido entre nós!

A dictadura do actual governo, apreciada no seu conjunto, é facilmente justificavel, na logica dos nossos costumes politicos. Na logica dos nossos costumes, repito, seria grande insensatez querer julgal-a com o coração de Passos Manuel ou com a severidade critica de Silvestre Pinheiro Ferreira. Estamos em 1887...
Poderia ser menos longa, menos vasta. Mas eu direi logo as circumstancias que attenuam o procedimento do ministerio.
A reforma administrativa foi a origem e a rasão principal da dictadura; e a promulgação da reforma era necessaria, era urgente. Era necessaria desde a organisação da parte electiva da camara alta. Era urgente em face da questão de Braga e Guimarães.
(Interrupção.)
A questão de Braga e Guimarães não sei se foi moito grande ou se foi muito pequena; o que sei é que muita gente dizia que o ministerio progressista, encontrando logo, nos começos da sua vida, esta complicação politica tinha os dias contados; e o que sei tambem é que um homem do estofo e da pujança de Fontes Pereira de Mello suou agua e sangue sem poder resolvel-a! (Muitos apoiados.)
Mas disse já aqui o sr. Julio de vilhena, quando se discutiu a resposta ao discurso da corôa: porque não veiu o governo á camara com o projecto dos municipios especiaes? Porque não pediu á camara que lhe votasse esse projecto e já não tinha necessidade de se collocar em dictadura?
A camara, a que o eminente parlamentar se referia, era a camara de 1886, hostil, na suar grande maioria, ao governo. Podia o governo entender-se com ella em assumpto de tão grave importancia?! E, alem d'isso, o projecto dos municipios especiaes, parte integrante de um vasto plano administrativo, não podia ser versado e decidido fóra d'esse plano; e creio que não é censuravel o governo, porque não tinha á mão, para o dia immediato ao da sua ascensão ao poder, um projecto de código completo e perfeito! (Muitos apoiados.)
A outra rasão apresentada pelo sr. José Luciano de Castro, e com a qual não quiz concordar o sr. Dias Ferreira, foi a necessidade de organisar, por nova fórma, a parte electiva da camara alta. Isto chegou a inflammar a opposição, e os illustres deputados a inflammarem-se n'este final da sessão... é caso raro, inverosimel; mas chegaram a inflammar-se. (Riso.)
Todos conhecem a organisação da camara dos pares depois da reforma de 1885. Dada esta organisação, e tendo o governo naturalmente necessidade d viver não podia fazer senão uma das tres cousas: revogar dictatorialmente a lei eleitoral da camara alta, dissolver; as corporações locaes ou apresentar a reforma administrativa. Foi este o alvitre que acceitou.
Qualquer dos outros meios...
(Interrupção do sr. Arroyo.)
Está v. exa. enganado: oprimeiro meio era a publicação da lei eleitoral em dictadura. A dictadura eleitoral é uma dictadura como qualquer, outra, em primeiro logar; depois, a revogação da lei eleitoral existente provava o simples desejo, de vencer a resistencia que se oppunha ao

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interesse politico do governo, e tinha o grave inconveniente de infamar, desde a origem, os eleitos por essa lei.... (Apoiados.)
Preferiu o ultimo alvitre. Os dois primeiros eram tão violentos como o que prevaleceu; e não tinham a justifi-cal-o, as altas considerações de interesse publico que, na mente do governo, tornavam urgente uma alteração profunda do codigo de Rodrigues Sampaio. Era o unico meio de fazer coincidir, com o legitimo interesse do governo, um verdadeiro serviço geral feito ao paiz. Qualquer dos outros expedientes seria o processo mais simples de garantir a vida desembaraçada do governo; este satisfazia a essa urgencia, e, ao mesmo tempo mostrava que, com esta justa preoccupação, se ligava a de reconstituirá vida administrativas do paiz em bases novas, aconselhadas pela experiencia e, reclamadas pela opinião. (Apoiados.) E eu logo provarei que a reforma de 17 de julho, teve e realisou essa intenção doutrinaria.

Desde 1870 até 1886 o partido progressista teve... vinte e tres mezes de governo. Foi pouco, realmente! Comprehende-se que, chegado ao poder, sentisse a invencivel tentação de empregar o longo capital accumulado de idéas, administrativas, formado pela meditação e apurado pela critica parlamentar e jornalistica de quatorze annos! Se fosse menos doutrinario, cuidaria de viver; arredando habilmente quaesquer obstaculos e evitando estes escarceus parlamentares; mas, sendo como é, fez o que era natural. (Apoiados.)
Que um partido, como era o partido regenerador, costumado a longas dominações, certo de que se conservava por muito tempo no poder, gosando todas as influencias officiaes na maior escala; que um partido como era este, ao qual foi possivel governar quatorze annos em dezeseis, fizesse dictaduras isso é que é de estranhar, isso é que póde merecer recriminações e censuras aos zeladores da nossa pureza constitucional! E não foram poucas. Lembro apenas estas: a de 1876, a de 1877, a de 1878, a de 1882 e a de 1884 ...
Podia ser menor, mais restricta a dictadura d'este ministerio? Podia. A urgencia de algumas providencias é contestavel e a sua utilidade póde não ser evidente. (Apoiados.) Mas desde que, entre nós; são estes os criterios pelos quaes os dictadores regulam a sua. obra, e os parlamentos determinam o seu juizo; desde que não ha, não póde haver, normas prefixas para o estado politico anormal, que se chama dictadura, a accusação tem apenas fundamento theorico, e não é efficaz, praticamente.

Outra rasão ainda, a ultima. Não é especial d'esta dictadura; absolve ou attenua quasi todas as que tem havido. Indical-a hei apenas.
Em 1853, José Estevão, apreciando n'esta casa as dictaduras de 1851 e 1852, disse estas palavras:
«A verdadeira causa das dictaduras é a indisciplina dos partidos, é a relaxação das discussões parlamentares e o seu aviltamento, desde que se desce ás questões pessoaes e são postos de parte os grandes interesses publicos.»
O grande tribuno tinha auctoridade para dizer estas cousas em 1852; peço apenasr á camara que me reconheça o direito de as repetir!
Estou cansado ...
Vozes: - Descanse, descanse.
O Orador: - A camara tem a generosa amabilidade de me consentir o descanso de alguns minutos; se v. exa., sr. presidente, permitte...
O sr. Presidente: - Da melhor vontade. Interrompo a sessão para v. exa. descansar o tempo que for preciso.
Pausa.
(O orador foi muito cumprimentado.)

O Orador (continuando): - Agradeço a v. exa. e á camara a gentileza que usaram commigo, permittindo-me o pequeno repouso, indispensavel ao meu estado de saude; que não é bom.
Depois de ter dito a minha maneira de ver e comprehender as dictaduras e as rasões com que, em minha consciencia, e dada a orientação politica do paiz, se póde defender a que este governo fez desde 17 de julho de 1886 até 17 de março d'este anno - vou passar em revista, technicamente, alguns dos principaes documentos d'esta dictadura.
O codigo administrativo de 17 de julho, ainda posta de parte a legitima rasão politica que foi adduzida entre as que determinaram a sua publicação, era urgente; reclamava-o a necessidade inadiavel de accudir a varios males produzidos pelo codigo administrativo de 6 de maio de 1878.
Este codigo significa um progresso. importante na vida administrativa do paiz, e valerá como um dos melhores documentos do espirito liberal de Antonio Rodrigues Sampaio. Uma grande parte dá sua obra ficou, não será jamais destruida; e, quanto ao que a experiencia aconselhou que se modificasse ou substituisse, a gloria do saudoso tribuno não perde. A ousadia de um arriscado commettimento equivale á gloria de o haver realisado, escreveu elle no relatorio da sua proposta de lei. E é caso de se repetirem as suas palavras. (Apoiados.)
Antonio Rodrigues Sampaio intentou crear a vida local, estabelecer o governo do povo pelo povo, entregar aos corpos collectivos a gestão dos seus interesses, educar e preparar os cidadãos para a administração geral do estado.
É o seu pensamento; são quasi as suas palavras. Mas elle reconheceu que, para realisar esta empreza, eram necessarias intelligencias que dirigissem, forças que sustentassem e recursos bastantes.
A descentralisação, que o auctor do codigo de 6 de maio de 1878 formula, e que é acceita e continuada pelo codigo de 17 de julho de 1886, estará em harmonia com as condições intellectuaes, economicas e politicas da sociedade portugueza?
Eis uma grande questão, que valia a pena ser tratada agora, e que eu discutiria de boa vontade se a minha qualidade de relator do bill me permittisse esse estudo. Mas direi de passagem o meu pensamento.
Sou relativista em philosophia; não posso, portanto, admittir nada de absoluto na politica nem na administração. A questão da centralisação e descentralisação, tratada em these, parece-me mera logomachia, som de palavras, nada mais... A sociedade é anterior ao estado; a politica é uma obra artificial. As leis porque a politica se organisa são viaveis e uteis, ou não, segundo correspondem ou deixam de corresponder ás circumstancias de logar e de tempo.
Até 1878 regia o codigo administrativo de 1842. Desde 1866 até 1878 ha uma corrente seguida de reacção contra o codigo de 1842. Esta reacção correspondia ás necessidades experimentadas, reaes, da administração publica. O que não quer dizer que não entrasse n'ella uma porção de vontade individual e de preoccupação de escola por parte dos homens illustres que pretenderam reformar-o velho codigo: os srs. Mártens Ferrão, José Dias Ferreira, Rodrigues Sampaio, Luciano de Castro, conde de Valbom. (Apoiados.)
Depois de varias tentativas sem successo vingou o commettimento de Rodrigues Sampaio.
Que enorme differença entre o codigo de 1842 e o codigo de 1878! Mas ter-se-íam dado na sociedade portugueza, no periodo marcado por estas datas, todas as mutações moraes e politicas, que a lei administrativa suppunha, de que partia a intenção do legislador?
Eu creio que não. A pratica constitucional não póde educar-nos; a instrucção publica não se estendeu quanto era preciso; a riqueza geral, como a avalia na sua fórma

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abstrata, é calculo das estatisticas, não é um facto de que resultem para o paiz as condições positivas de bem estar e de independencia, que seriam necessarias para esta especie de selfgouvernement, que a nossa escola liberal tentou estabelecer. (Apoiados.)
Succede com as liberdades administrativas o que succede com os direitos politicos. A ideologia revolucionaria, que é o caracter, da civilisação occidental, vae copiando nas leis todas as theorias da escola; depois o sonho desfaz-se e a esperança mallogra-se na realidade das cousas, na rudeza dos factos, na indignidade Sós homens. E então, não sendo possivel voltar sobre o que está feito, restringir o que for concedido, porque a educação dos povos tem
sido um pouco radical, a unica cousa que ha a fazer é emendar, recompor, diminuir o mal das leis, moderar uma acção excessiva por outra, levantar diques, por assim o dizer, ao desbordamento da torrente, que a paixão é a imprudencia precipitaram n'uma hora menos reflectida! (Apoiados.)
A reforma administrativa de 1886, conservando, na essencia, á mesma alma descentralisadora e liberal do codigo de 1878, tão bellamente e tão convictamente servida pelo superior talento do nobre presidente do conselho, veiu remediar muitos inconvenientes praticos e algumas deficiencias doutrinarias que a experiencia de cada dia apontava e aggravava na obra de Rodrigues Sampaio. (Muitos apoiados.)
Na discussão do orçamento rectificado, um illustre parlamentar, que estimo e respeito pelo seu nobre caracter e pela sua notavel illustração, o sr. Moraes Carvalho, (Apoiados.) clamára que o codigo de 1886 era centralisador, anti-liberal; contrario á sciencia da administração. Outros seus correligionarios tinham, antes, dito a mesma cousa; os srs. Julio de Vilhena, José Novaes e Dias Ferreira já n'esta discussão repetiram, elogiando todos o codigo de 1878. Aprendi e ensinei na Universidade que o grau de descentralisação de duas legislações differentes se determina, comparando-as:
no numero e importancia das attribuições conferidas aos corpos locaes;
na independencia que ellas têem perante o poder executivo;
na responsabilidade que lhes póde, ser pedida perante o poder judicial.
A descentralisação cresce, é claro, na rasão directa de todos estes elementos.
Mas, se o problema fosse apenas dar a estes elementos toda a sua intensidade ideal, nada mais facil e simples! O que constitue a sua complicação é precisamente a applicação pratica d'estes principios, que ha de fazer-se segundo mil circumstancias de observação difficilima.
O codigo de 17 de julho de 1886 conservou todas as attribuições que o codigo de 1878 conferia aos corpos administrativos, e acrescentou-lhes ainda algumas. Em varios artigos, que escuso de citar, estão exaradas algumas faculdades, ainda que de pouco valor, que a lei anterior não concedia as corporações administrativas, ou lhes concedia menos amplamente. A representação das minorias apparece tambem pela primeira vez na eleição dos corpos locaes. Apparece na fórma, mais geral e mais praticavel, das listas incompletas. O artigo 318.° veiu concluir a evolução d'esta idéa, iniciada pelo decreto eleitoral de 30 de setembro de 1852, na parte applicavel as commissões recenseadoras, e desenvolvida pela lei de 21 de maio de 1884, que a adoptou na eleição dos deputados pelos circiilos com séde nas capitães dos districtos.
Ha ainda a creação dos municipios especiaes, nos concelhos de primeira ordem, quando seja requerida pelas respectivas camaras e por dois terços, pelo menos, dos cidadãos elegiveis. Era já idéa do projecto de 1880, com applicação aos municipios de Lisboa e Porto. A lei organica do municipio de Lisboa de 18 de julho de 1885, desenvolveu o principio lançado no projecto de 1880, pela fórma que é sabida.
Para todos os que têem a nobre preoccupaçâo das liberdades legaes, para todos os que querem que a nossa evolução juridica sobrepuje á de todos os paizes em radicalismo administrativo, esta ampliação da idéa de 1880, a todos Os concelhos de 40:000 habitantes ou mais, deve ser profundamente sympathica!
Para mim não o é tanto. Parece-me que ella excede, a cultura mental e politica da sociedade portugueza, e a sua execução, tão parcimoniosa e lenta, dá-me um argumento decisivo. Só dois municipios se aproveitaram da faculdade que lhes foi concedida no artigo 107!
Eu tenho, como todos, talvez mais que muitos, a aptidão de sonhar; mas não sonho que o espirito portuguez possa vencer em tres passos todo o mundo da civilisação politica. Não é, seguramente, como os deuses de Homero... (Apoiados.)
É claro a todas as vistas que se as deliberações dos corpos locaes fossem todas definitivas e inappellaveis, teriamos o regimen federal, administrativo e politico, em toda a sua comprehensão. Realisariamos nós a utupia de Proudhon e de Py y Margall.
São definitivas as que o podem ser: as outras, com caracter provisorio, hão de ficar dependentes de superior confirmação. E, n'este ponto, os dois codigos têem a mesma inspiração. Differem no processo, mas todas as vantagens estão da parte da lei de 1886.
Em vez da confirmação exigida para a validade de algumas deliberações das juntas geraes e das camaras municipaes, segundo o codigo de 1878 - ha hoje, pelo codigo de 17 de julho, a suspensão d'essas deliberações, quando contrarias á lei ou ao interesse publico. Se o governo ou as juntas geraes (segundo a hypothese) não usam do direito de suspensão dentro dos prasos legaes, ficam logo por essa omissão, de todo o ponto validas as deliberações tomadas.
Esta modificação, de somenos valor na theoria, é, praticamente, das mais importantes. Obsta ao inconveniente das demoras indefinidas com que o governo e as juntas geraes illudiam a urgencia das mais momentosas deliberações. (Muitos apoiados.)
Mas o governo intervem agora, mais do que pelo codigo de 1878, como, instituição tutellar dos corpos administrativos; a independencia d'estes, perante o poder executivo é portanto menor... Mas as juntas geraes de districto, que deviam ser como parlamentos locaes, diminuiram consideravelmente de importancia... Mas as juntas de parochia são apenas a sombra do que eram... Mas o systema financeiro d'esta reforma é absurdo, é inexequivel é insustentavel, e o do codigo de 1878 é que era bom, e ha de voltar ainda que seja por uma dictadura!
O governo intervem, mais do que intervinha, na administração local, é certo; mas em que assumptos? Nas manterias de impostos, de saude publica e outras, que, sendo de interesse geral, pertencem, pelo melhor criterio, á missão do Estado. (Apoiados.)
As juntas geraes estão menos sujeitas, e o quadro dos seus serviços é menor. Mas os oito annos volvidos desde 1878 não mostraram que havia exagero na esperança que se depositou n'esses corpos electivos?! (Muitos apoiados ) Mas, se elles, apesar da sua creação artificial, podem produzir algum bem publico, deixarão de o produzir porque a administração dos expostos passou para as camaras municipaes, ou porque passou para o governo o encargo da viação districtal, que já era d'elle em grande parte?! As juntas de parochias estão diminuidas... Esta modificação é tão evidentemente util, que não vale a pena qualquer demora a proval-a. Todos conhecemos a capacidade intelle-

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ctual das juntas de parochia e temos, a esse respeito, a mesma opinião. Nem póde haver duas!
Antonio Rodrigues Sampaio tinha a respeito da parochia uma bella idéa, de um platonismo adoravel. Considerando-a como uma associação, natural, germen e escola de toda a vida publica, quiz rodeal-a de direitos e faculdades.
Escreveu no seu relatorio: (Leu.)
A commissão d'esta camara, de que foi relator o sr. Julio de Vilhena orador e publicista notavel, emendou as theorias de Rodrigues Sampaio. Mas deixou passar o sonho parochial - sonho que ficava bem no cerebro do velho tribuno que amou sinceramente a liberdade e o povo, e a quem, na extrema velhice, ainda ouvi fallar com entranhado amor de sua pequenina aldeia, no Minho, á beira-mar! - e á freguezia lá ficou como uma verdadeira entidade administrativa, impondo de attribuições, que nunca comprehendeu bem; que nunca soube executar devidamente! (Muitos apoiados.)
As restricções postas ás faculdades tributarias das corporações locaes são o grande serviço prestado ao paiz pela reforma administrativa de 1886. Isso só era bastante para que a dictadura fosse acceita e absolvido o governo que a exercitou. (Apoiados.)
Disse o sr. Julio de Vilhena que se fallára muito contra o systema financeiro de 1878, mas que nenhuma importancia mereciam simples declamares, filhas da insciencia, ou inspiradas pela politica.
Não eram declamações; eram protestos fundamentados, eram a expressão convicto de argumentos que haviam de convencer e vingar, como convenceram e vingaram a final. (Apoiados.)
E quer o illustre deputado saber uma cousa de que lamentará ter-se esquecido? Attenda:
Em 7 de janeiro de 1885 interpellei aqui o sr. Fontes Pereira de Mello ácerca de uns tumultos que houve no Porto. Eu disse então umas cousas quaesquer que não quero repetir; porque não desejo tomar muito tempo á camara, e affirmei que a origem de aquelles tumultos estava no codigo de 1878; o sr. Fontes, fazendo-me a honra de uma resposta, asseverou o seguinte:
(Leu.)
Aqui tem a opinião de Fontes Pereira de Mello. Tambem elle entendia que era necessario modificar profundamente o systema financeiro do codigo de 1878!(Apoiados.)
O codigo de 1878 innovou idéas utilissimas para a boa gerencia da fazenda local. Faço justiça as pausas e ás pessoas, e não nego nunca o que é devido a alguem. Basta citar o que elle determinou relativamente á contabilidade districtal.
Mas o systema de administração financeira d'esse codigo, formulado com as melhores intenções, não foi bem definido, e deu logar aos mais lamentaveis abusos. Houve juntas de parociiia que chegaram a lançar 200 por cento sobre as
contribuições directas do estado! (Apoiadas.)
O systema financeiro do codigo de 1878 é conhecido.
Segundo a reforma de 1886, os impostos lançados pelos corpos administrativos sobre as contribuições directas do estado predial, industrial, de renda de casas e sumptuaria, assim como sobre os rendimentos, em que não incidirem estas contribuições, consistem n'uma percentagem igual para todos elles. O maximo d'esta percentagem é fixado annualmente pelo poder legislativo, e, emquanto o não for, não p´pde ser augmentado o que está estabelecido.
As contribuições indirectas lançadas pelas camaras municipaes consistem em uns tantos réis lançados sobre os generos sujeitos ao real de agua, ou a imposto que o substituir, o imposto municipal limita-se a uma percentagem addicional á pauta do estado, até o maximo fixado annualmente á pauta do estado, até o maximo fixado annulamente pelas côrtes. Dos generos, que não estão sujeitos ao real de agua, poderão ser tributados sómente aquelles que forem designados na pauta que o governo decretar. A pauta não poderá comprehender os generos isentos expressamente por lei de imposto para o estado. A quota lançada sobre os generos não sujeitos ao real de agua não poderá exceder a 25 por cento do preço corrente de cada genero no mercado do concelho.
As camaras municipaes não contratam emprestimos, não dotam serviços, não fixam despezas, orçamentos, e lançamentos de impostos sem a interferencia consultiva dos quarentas maiores contribuintes...
Ha outras modificações importantes, mas estas resumem o que ha de principal no systema do novo codigo; e, depois de as apresentar á camara, pergunto:
Não era isto o que a opinião reclamava na tribuna e na imprensa?! Sendo a recomposição das finanças publicas a grande preoccupação nacional, o primeiro artigo dos programmas partidarios, o dever mais imperioso do parlamento e dos governos; passando como axioma administrativo que a fazenda do estado não melhora e não progride, se a fazenda local é anarchica é desordenada, - se, como diz o sr. José Luciano no seu lucidissimo relatorio, não se restringe a liberdade de tributar directa ou indirectamente toda a materia collectavel, que as corporações têem exercido sem sombra de fiscalisação, sendo isto assim, deverá negar-se ao reformador do codigo de 1878 a gloria de ter prestado um serviço urgente e utilissimo?! (Muitos apoiados.)
E esta restricção, não é um attentado contra as liberdades locaes. A liberdade, é um direito relativo. Tem limites; e o principal d'elles é o interesse geral do organismo em que ella se exerce. (Vozes: - Muito bem.)
Eu creio que a camara está convencida d'isto; seria de mais repetir-lhe aqui um conhecido apologo famoso na historia romana...
Diz-se: O governo limitou as faculdades tributarias das corporações administrativas, mas conservou-lhes as despezas e ainda lhes augmentou algumas. É certo. Mas esta objecção tem resposta. As corporações locaes ficam, com meios sufficientes para as suas despezas obrigatorias. Terão de diminuir as despezas facultativas, e de limitar a sua audaciosa aspiração de melhoramentos materiaes de toda a ordem.
Isso é um mal?!
Discorrendo pelas generalidades do codigo administrativo, o sr. Julio de Vilhena marcou ainda com a sua censura a renovação integral das corporações administrativas, a classificação dos municipios pela só base da sua população, e a constituição dos tribunaes de contencioso nas capitães dos districtos.
A primeira censura e indevida. Preveniu-a, e desfel-a, o relatorio do projecto de 1880. - A renovação parcial dos corpos administrativos importa a frequencia de eleições, e esta repetição do acto eleitoral, em breve espaço de tempo canga os eleitores, enfada-os, facilmente, os leva á total indifferença e a uma completa abstenção! Para os vogaes excluidos da renovação, o praso de quatro annos, segundo o codigo, de 1878, era excessivamente longo. Não havendo retribuição para esta, especie de mandato, não é facil que a melhor gente se sujeite a exercital-o. E não vale o dizer-se que é util manter nas corporações electivas as tradições e normas da boa administração, pela permanencia de parte dos seus vogaes: a experiencia mostra que os corpos administrativos são, em geral, compostos de vogaes que o foram nos annos anteriores; a boa rasão ensina que são os collegios eleitoraes os mais apitos para conhecer das condires, da sua administração, e por isso a elles deve ficar a reeleição dos vogaes que sejam mais competentes mantenedores das tradições estabelecidas...
A experiencia da Italia e da Hespanha, e o precedente havido nas eleições das misericordias, não valem, não podem contra estas rasões... (Muitos apoiados.)
Tambem a segunda censura é immerecida. Para que ef-

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feitos se fez a classificação dos municipios? Se fosse para se lhes conservar, ou não, a sua autonomia, o illustre deputado teria rasão; em tal caso, o calculado da população deveria combinar-se com o computo da riqueza, é com á medida da extensão dos concelhos. Mas não foi para isso, mas foi sómente para se lhes augmentarem as attribuições administrativas, cujo exercicio depende, não da riqueza, não do territorio, mas da população, maior ou menor! (Muitas apoiados.)
Eu comprehendia que o sr. Julio de Vilhena combatesse os tribunaes do contencioso administrativo, que a reforma creou por todos os lados, de mil maneiras; mas combatel-os pela sua falta de independencia... No fim de tres annos, os juizes administrativos ficam á mercê do governo, que tem de lhes dar collocação. Mas não é isso o que succede, apenas com differença de praso, na magistratura judicial?! E ha de dizer-se, por isso, que ella não tem á necessaria independencia?!
Não ha liberdade fecunda sem responsabilidade proporcional. Os tribunaes do contencioso administrativo obedecem a este principio. (Muitos apoiados.)
Eis tudo, em poucas palavras.
A reforma administrativa de 17 de julho de 1886, apreciada no seu conjuncto, merece a confirmação d'esta camara. Descentralisando o que devia ser descentralisado, remediou a anarchia financeira, que o codigo de 1878 produzíra, e outros inconvenientes que eram inevitaveis na primeira tentativa de administração civil sobre as bases de uma larga independencia local. (Apoiados.)
Esta é a parte mais importante da dictadura, porque a administração civil é o órgão principal da politica. Outra parte, quasi tão importante como esta, que eu preciso de pôr no devido relevo, é a que se destinou a melhorar, as finanças publicas.
Não podia o governo deixar de preoccupar-se com isto. A questão de fazenda é, entre nós e lá fóra a primeira, a maior. N'esta hora convergem para a aggravar duas rasões: ter chegado o momento do balanço e liquidação das enormes despezas feitas com a civilisação material do nosso seculo, e começar a sentir-se o effeito das mil aventuras a que a febre da industria levou em toda a parte, - e a necessidade inilludivel de attender, com uma administração protectora, e humanitaria, as exigencias, cada vez mais imperiosas, do movimento socialista, que era hontem uma doutrina de escola, que é já hoje um instincto da multidão! (Vozes: - Muito bem.)
Alem desta rasão, que é geral, que é applicavel a todos os estados, - não ignora ninguem que, quando o sr. José Luciano foi chamado a organisar este ministerio, não era de leite e rosas a situação financeira do paiz, (Muitos apoiados.) nem o seu credito interno e externo. (Apoiados.) Os ventos, que sopravam de certo ponto do horisonte, eram bravissimos, e o mar estava picado e perigoso... O sr. Hintze Ribeiro não póde, ou não quiz, deitar ás profundas aguas o seu plano, e houve o naufragio que se sabe. (Muitos apoiados.)
Estudando as providencias financeiras, promulgadas em dictadura, distinguem-se duas ordens, duas classes: as que foram decretadas immediatamente e directamente para esse fim, e aquellas que, visando a outro scopo, só por uma fórma indirecta podem contribuir para o melhoramento da fazenda publica. Não é d'estas que fallo.
Na sessão de 6 de junho, o sr. Franco Castello Branco, anticipando-se a esta discussão, e apreciando os decretos publicados pelo ministerio da fazenda durante a dictadura, fez o mais, rasgado elogio do sr. Marianno de Carvalho. Como o illustre deputado, meu prezado amigo, occupa um logar eminente no seu partido vou ler as suas palavras, proferidas então.
(Leu.).
Como ajudante do conselheiro procurador geral da coroa, eu tinha estudado attentamente os decretos de 17 de julho, n.ºs 1.º e 2.º, relativos á aposentação civil, e feito a comparação d'elles com a lei de 15 de junho de 1885.
A impressão que me ficára d'esse estudo não podia ser melhor. Sabia que no orçamento para o exercicio de 1886-1887 as despezas com o pessoal civil inactivo ascendiam a 1.000:000$000 réis, e que segundo o melhor calculo, os dois decretos de 17 de julho diminuiam cerca de 9.000:000$000 réis no deficit ordinario. (Muitos apoiados.)
Mas não é bom, não é agradavel, ouvir isto á palavra eloquente do talentoso deputado da opposição?! (Apoiados.)
Repare a camara.
Os actos mais importantes da dictadura foram estes dois: a reforma administrativa, e os decretos n.ºs 1.º e 2.º de 17 de julho. Quanto á reforma administrativa, o sr. João Franco Branco disse que a votaria se elle fosse mais alem na sua violencia, se ella reduzisse o numero dos concelhos e dos districtos! E, com respeito aos decretos n.ºs 1.º e 2.º de 17 de julho, s. exa, applaude com ambas as mãos o governo por ter promulgado esses decretos sem o concurso do parlamento!
Depois de tudo isto, veja-se e pondere-se a que se reduziram as torvas ameaças com que nos fulminavam; veja-se em que se tornaram as terriveis accusações, terriveis e intermittentes como relampagos, que a opposição vibrára tantas vezes; veja-se se valia a pena dizer o que se disse e fazer o que se fez, quando, a final, a dictadura vem a ter aqui a consagração dos que a malsinavam mais, ou pelo silencio ou pela approvação expressa! (Muitos apoiados.)
Boa lição para os que ainda acreditam na declamação parlamentar! Mau exemplo para futuros ministros em horas, de tentação... (Muitos apoiados.)
É preciso terminar. Já fallo ha hora e meia, e é impossivel que a attenção da camara não esteja fatigadissima.
Vozes: - Não está, não está.
O Orador: - O que hei de eu dizer a respeito da reforma judiciaria e da de instrucção publica?! Que aquella realisou o pensamento de approximar a justiça de quem a necessita ou de quem a requer? Que foram attendidas as circumstancias precarias em que podem ficar alguns funccionarios das comarcas em se crearem julgados municipaes? Que os recursos judiciaes, a que se referiu o sr. Dias Ferreira, estão claramente definidos no decreto de 29 de julho? Que é perfeitamente defensavel a disposição relativa aos juizes de segunda instancia, que não possam ir para os Açores?!
Mas isto está provado e repetido. O nobre ministro da justiça, vindicou perfeitamente a utilidade da sua reforma. (Apoiados.) Nenhum dos argumentos, que lhe foram oppostos, ficou de pé; não hei de eu reerguel-os agora para ter a veleidade de os tombar outra vez.
A respeito da reforma de instrucção secundaria, louvo-me nas palavras do sr. Júlio de Vilhena. A reforma de 1880 é um progresso sobre o systema anterior. A reforma de 1886 é um progresso sobre a reforma de 1880.
Não ha, na politica, problema mais complexo do que o da instrucção publica. (Apoiados.) Para o resolver é preciso conhecer profundamente a psychologia individual e a psychologia social, a alma do homem e a alma da sociedade. As idéas têem uma hierarchia positiva, e os cérebros uma formação gradual. A relação d'estes dois elementos dá o methodo. Quem conhece bem a methodologia em Portugal?!...
Depois, a acção do estado combinada com a liberdade de consciência, questão agitadissima na França desde o famoso ministerio de Ferry; a selecção do pessoal mais apto para o magisterio, e a sua retribuição condigna; a distribuição geographica dos institutos de ensino publico; a organisação burocratica d'estes serviços, que não póde passar de uma acção mechanica, mas deve ser isso pela melhor fórma... todas estas idéas capitães requerem uma meditação profunda, e só depois podem ser applicadas com gloria para

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2022 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

quem as realisa, e com largo proveito para o paiz que as recebe.
Tenho a maior confiança em que o illustre presidente do conselho de ministros, que já declarou que fazia d'isso um dever da sua alta posição, acrescentará aos titulos de gloria, que já tem conquistado, mais este, que é util, que é bello, que é mais que bastante para esmaltar e enaltecer a vida de um homem de estado! (Muitos apoiados.)

Vou concluir. Á camara, que me tem escutado com tanta sympathia, peço ainda dois minutos da sua maior attenção. A dictadura tem o seu vicio de origem e tem alguns defeitos. A fórma do bill e a redacção do parecer da commissão suppõem isto, confessam isto. Mas, se tem de haver mais dictaduras n'este paiz, oxalá que sejam, pelo menos, como esta! A administração civil, as finanças e os serviços publicos não padecerão com ellas. (Muitos apoiados.)
E não estremeçam, não se sobresaltem os espiritos com esta minha previsão, a frio, de futuros dictadores... O grande mal, o mal que se deve temer, é outro. É a viciação da atmosphera moral, em que respirâmos! (Apoiados.)
É a maldita suspeição lançada sobre os caracteres emi nentes de todos os partidos! (Apoiados.) É esta vaidade, de má indole, com que cada um julga penetrar a intenção de todos os actos publicos, só porque póde marcal-os com uma malsinação verosimil! (Apoiados.) É a cegueira com que nós suppomos que não fica n'esta sala, e que não ha de cobrir-nos a todos, a vasa das marés que a paixão pessoal ergue a cada hora! (Muitos apoiados.) É este levantar das espadas, segundo a brilhante imagem do sr. Pinheiro Chagas, não para as vibrar corajosamente, não para ferir de morte o crime, a delapidação, a deshonra, - mas para as deixar cair, diante da galeria, simulando que é por generosidade, quando é apenas por impotencia! (Vozes: - Muito bem.)
Este é o mal; (Interrupção.) as dictaduras não o são.
Appliquei o ouvido á nossa historia constitucional e posso asseverar que as dictaduras, tão repetidas entre nós, não se parecem com esses bruscos estremecimentos, que, na geologia, precedem sempre as grandes convulsões da terra!
Ainda bem?... Ainda mal?...
Permitta-me a camara que deixe estas interrogações sem resposta!
Vozes: - Muito bem, muito bem.
(O orador foi muito cumprimentado por toda a camara.)

Redactor = Rodrigues Cordeiro.

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