1690 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
Esses factos a respeito dos quaes desejao uma resposta qualquer, suppondo que s. exa. deverá ter informações do seu delegado no districto respectivo, são os seguintes:
Depois da horrorosa catastrophe de que foram victimas grande numero de habitantes da cidade do torto, v. exa. sabe que houve em, todo o paiz, um movimento geral uma expansão sem limites e digna em favor, não só das familias das victimas necessitadas, mas de todas aquellas que, não havendo padecido soffrimentos pessoaes, em virtude da cathastrophe, todavia, haviam ficado collocadas n'uma situação tal, que necessitavam de soccorros, quer de origem official, quer particular.
Foi assim, sr. presidente, que a classe commercial do Porto, congregando-se n'uma grande commissão, composta de oitenta e dois, commerciantes d'aquella cidade, e procedendo á realisação de varias medidas tendentes a arranjar uma grande, quantidade, de dinheiro, conseguiram juntar uma quantia de perto de 4:000$000 réis. Em breve, porém, levantaram-se, dissidencias dentro da propria commissão, havendo quem entendesse que aquelle dinheiro devia ser enviado á commissão central de soccorros, que tinha a sua séde nos paços do concelho d'aquella cidade e entendendo outra parte da, commissão, a sua maioria que o dinheiro devia, ser entregue á associação commercial do Porto.
Travou-se lucta a este respeito sem que fosse possivel, depois de uma discussão prolongada, chegar se a um accordo qualquer sobre este ponto.
Passados dias, a mesa que, presidia a essa grande Commissão convocou-a para uma reunião á qual faltou grande numero dos seus membros, por imaginarem que n'ella nada mais se trataria senão de questões de expediente. O resultado foi que os membros presentes, apesar deferem conhecimento da opinião discordante da maioria dos seus collegas, resolveram nomear de entre si uma pequena commissão executiva, encarregada de resolver sobre o destino a dar aos soccorros angariados.
Essa sub-commissão reuniu-se e, deliberou que o capital detido fosse enviado á commissão central de soccorros.
Já na reunião da grande commissão se tinha apresentado um protesto contra, essa deliberação, por isso que ella fôra tomada, em condições de não representar a vontade da maioria dos seus membros.
Até aqui era um facto puramente particular unica e exclusivamente da alçada do corpo commercial d'aquella cidade, e eu não alludiria a elle, se porventura não tivesse assumido uma outra attitude; mas é aqui que o caso começa a ser extraordinario e a respeito d'elle é que eu desejo ouvir uma explicação do sr. ministro do reino.
O presidente da sub-commissão officiou ao thesoureiro da grande commissão a fim de entregar á commissão central os soccorros no valor de 4:000$000 réis. O sub-secretario, desconhecendo a, legalidade da ordem que lhe era dada, recusou-se a cumpril-a.
O que imagina v. exa. que fazem os membros da sub-commissão? Dirigem-se ao governador civil, e este officia ao thesoureiro da grande commissão a fim de que elle entregue á commissão central de soccorros o dinheiro angariado para que esse capital tivesse o destino que s. exa. entendia que devia ter.
Tenho presente a, copia do officio do governador civil d'aquelle districto ao thesoureiro da commissão, bem como a copia da intimação dirigida pelo administrador do bairro occidental, Francisco Mendes de Araujo, ao thesoureiro da sub-commissão em resultado de ordens emanadas do chefe do districto.
Diz assim o officio:
«Illmo. e exmo. sr. - Tendo-me requerido a maioria da commissão nomeada na reunião de negociantes e empregados commerciaes para obter soccorros para as victimas do incendio do theatro Baquet, a qual reunião teve logar em 6 do corrente, que tomasse eu as resoluções que julgasse convenientes, para que o thesoureiro d'essa commissão fizesse entrega dos fundos em seu poder á commissão central, provenientes das subscripções e donativos, visto ter sido essa resolução da maioria da mesma commissão, vou rogar a v. exa. se digne fazer entrega d'aquelles fundos ao thesoureiro da mesma commissão central, Manuel Carneiro Alves Pimenta, que passará o devido recibo. - Deus guarde a v. exa. -Porto, 30 de abril de 1888.- Illmo. sr. António José Martins Ferreira Junior. = O governador civil, V. Costa e Almeida.»
Agora a intimação:
«Francisco Mendes de Araujo, habilitado com o curso superior de letras e administrador do bairro Occidental por Sua Magestade Fidelissima El-Rei que Deus guarde.
«Mando ao secretario do meu cargo, e no seu impedimento ao official de diligencias respectivo, que, para cumprimento do officio de s. exa. o sr. governador civil d'este districto expedido pela quinta repartição sob o n.° 45 d'esta data, intime Antonio José Martins Ferreira Junior, morador na calçada dos Clérigos, n.° 23, d'esta cidade, thesoureiro da sub-commissão de negociantes e empregados commerciaes que promovem peditorio é subscripções para soccorrer as familias das victimas do incendio do theatro Baquet, para que, entregue immediatamente, depois de intimado, a quantia, que tem em seu poder, em importancia superior a réis 3:800$000, á Manuel Carneiro Alves Pimenta, thesoureiro da grande commissão central de soccorros presidida por Sua Magestade a Rainha, conforme resolveu a dita commissão em sessão de 14 de abril ultimo. Da intimação se passará certidão para os devidos effeitos.
«Porto, e administração do bairro occidental, 5 de maio de 1888. - E eu José Antonio de Carvalho Brandão o escrevi. = Araujo.»
E á intimação fez-se, como consta da contra-fé que tambem aqui tenho por copia.
Como a camara acaba de ver estes documentos comprovam o que deixo dito.
Depois d'este facto, que me abstenho de commentar, emquanto não lograr ouvir à resposta do sr. presidente do conselho ás perguntas que vou dirigir lhe, verificou-se um outro, que mostra como o sr. governador civil do Porto se deixou levar por allegações que não são justas nem verdadeiras.
No officio que elle dirigiu ao thesoureiro da grande commissão, assim como na intimação, dava a entender que a resolução de entrega os soccorros angariados á commissão; central, fora deliberada pela commissão, mas esta affirmação foi completamente destruida e declarada pouco exacta pela carta dirigida por um certo numero de individuos que fazem parte d'essa commissão central, por isso que pouco antes de se receber a intimação, a commissão tinha resolvido fazer a entrega dos fundos á redacção do Commercio do Porto, jornal que se tem sempre conservado fóra do campo das paixões politicas, parecendo por isso a esses individuos que deviam confiar o dinheiro á redacção d'áquelle jornal para que fizesse a distribuição.
O officio dirigido á redação do Commercio do Porto era assignado por quarenta e cinco membros da commissão, negociantes da cidade do Porto, e que constituiam a maioria visto que a mesma commissão era composta de oitenta e dois individuos.
Em presença do que acabo de expor, pergunto ao sr. ministro do reino:
1.° Se s. exa. tem conhecimento d'estes factos;
2.° Se approva os actos a que me referi do seu delegado de confiança no districto do Porto;
3.° Quaes são os textos da lei em que a mesma auctoridade se fundou para auctorisar ou defender a sua ingerencia em questões de ordem puramente particular.
Aguardando a resposta do sr. ministro do reino a estas tres perguntas, peço desde já que me seja dada a palavra depois de s. exa. fallar.
(S. exa. neto reviu as notas tachygraphicas.)