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SESSÃO DE 23 DE MAIO DE 1888 1693

Fui funccionario publico durante dezeseis annos, e já me referi a isso hoje. Ora, n'uma dada epocha d'esse longo periodo, houve uma vez um individuo, que entendeu que devia fazer pressão sobre mim no desempenho do meu cargo de director da casa da moeda e papel sellado; e eu vou contar o que succedeu.
Esse individuo teve a pachorra, ou a tolice de, durante quinze dias, me ir esperar; e, quando eu saía de manhã da casa de meu pae, onde residia, dava-se um facto curioso.
Quando eu chegava á ma, despontava logo do lado opposto o individuo a que me refiro, e que, atravessando a rua, vinha collocar-se ao meu lado e me acompanhava até perto da casa da moeda e papel sellado.
Á cautela eu saía sempre com unia bengala na mão, resolvido a espancal-o á mais pequena provocação que me fizesse, e repetiu-se a mesma scena durante uns quinze dias ou tres semanas.
Quando saía de manhã para a rua já sabia que tinha de contar com um companheiro, que de certo era mais forte do que eu, tinha bigodes mais fortes do que os meus, mas que não conseguiu que o director da casa da moeda e papel sellado, que eu então era, lhe satisfizesse os caprichos em assumpto que dizia respeito á administração a meu cargo.
Eu trago isto para dizer que reconheço que fora do recinto d'esta casa s. exa. não póde ser responsavel pelos ataques, que me quizeram dirigir, mas está presente o sr. presidente do conselho, que tem a polida civil ás suas ordens, que tem á sua disposição outros meios para garantir a liberdade individual e a segurança dos cidadãos portuguezes, e por isso, se esses meios todos são por s. exa. considerados inefficazes, eu então desde já peço a s. exa. uma auctorisação para porte de arma, prohibida. Desde o momento em que as auctoridades não podem pugnar pelas minhas immunidades, sou obrigado a recorrer a meios extremos.
Fica consignado, pois, que declaro desde já ao sr. presidente do conselho que, desde o momento em que se verifiquem umas certas e determinadas circumstancias com relação á minha segui anca individual, eu conto antecipadamente com a auctorisação para porte de arma prohibida.
Não sei se os termos em que se póde fazer este pedido, são estes ou não; mas como estou no parlamento, e está presente o chefe do governo, dirijo-me directamente a elle.
Posto isto, eu vou dizer do que se trata.
Quando se discutiu aqui a reforma do codigo penal, (creio que se chama assim, e se não for, qualquer dos senhores jurisconsultos presentes, poderá emendar a minha phrase), reforma que foi apresentada a esta camara pelo sr. conselheiro Lopo Vaz de Sampaio e Mello, que então era ministro da justiça, sendo relator do projecto o sr. deputado dr. Frederico de Gusmão Correia Arouca, empreguei eu todos os esforços do que podia dispor, para que ficasse consignado e preceituado na lei que, em Portugal, ninguem poderia escrever artigos em jornaes, sem pôr o seu nome por baixo, por fórma que cada artigo apparecesse publicado com o nome do proprio auctor, para este assumir todas as responsabilidades do que dissesse ou escrevesse, e nunca lhe fosse permittido apresentar um testa de ferro, a quem se dá dinheiro para se responsabilizar pelo que outrem escreve.
Disse eu por essa occasião, que isto me parecia efficaz.
A exigencia da assignatura não coarcta a liberdade individual, o que faz é regular o uso d'essa liberdade, e julgo-a correctivo sufficiente, para a desordem, que já então infelizmente lavrava na imprensa!
Não consegui isto, assim como tenho conseguido muitas vezes o resultado dos meus esforços, com o que nunca fico zangado, nem me indisponho contra os meus collegas, porque desde o momento em que estamos em uma assembléa, na qual deve vingar a opinião da maioria dos seus membros, eu entendo que não é desdoiro para qualquer pessoa não conseguir o que deseja.
O que eu faço pela minha parte é deixar ao tempo, tempo sufficiente para mais tarde me fazer justiça, como já tem succedido em algumas cousas pelas quaes me tenho empenhado n'esta camara.
Em relação á imprensa, todos aqui sabem que eu tenho sempre evitado fazer n'esta casa quaesquer, referencias á sua orientação, e agora, que vou fallar n'ella, declaro terminantemente que, pondo de parte todas as considerações pessoaes que me poderiam levar mais ou menos directamente a occupar-me dos seus desvarios, quero sómente, na qualidade de deputado da nação portugueza, dizer que, em virtude do juramento que prestei n'esta casa, juramento que, embora muita gente se ria d'elle, eu hei de procurar sempre acatar, entendo que, sendo do meu dever concorrer para a existencia de leis sabias e justas, devo procurar desempenhar-me d'elle ,agora.
N'esta ordem de idéas entendo, pois, que devo provocar uma resposta categorica e cabal do sr. ministro do reino, para saber se s. exa. tem a coragem civica para, antes de encerrada a presente sessão, ou no principio da sessão futura, trazer á camara um projecto de lei completo sobre a liberdade de imprensa.
Ha cousas que se dizem na imprensa, que um homem não tolera cara a cara. A este respeito occorre-me o seguinte facto que vou narrar.
Veiu ha annos para Portugal um italiano, conhecido, de nós todos, e chegando cá, procurou estudar o paiz. A primeira cousa que fez foi depois de entrar em um hotel, comprar e ler todos os jornaes que pôde haver á mão, a fim de se orientar sobre a indole do paiz.
Esse trabalho de leitura teve de se repetir mais de uma vez e, passados poucos dias, julgou que estava n'um paiz de hottentotes ou antes de cannibaes, porque nunca vira imprensa que relaxasse mais os costumes publicos e que devassasse mais a vida particular.
Aquelle cavalheiro, impressionado pelo que tinha lido, foi ter com o amigo, a quem estava recommendado, e disse-lhe: «Eu vou-me embora, porque este paiz é impossivel de se viver n'elle; aqui a gente é incommodada constantemente, e inclusivamente é atacada pela imprensa, a qual deveria ser um fiador das liberdades e das garantias individuaes! Vou-me embora». ,
A resposta foi: «Você não se vá embora, demore-se, fique, porque isto não é tão mau como parece a muita gente; você ha de convencer-se de que isto de jornaes não presta para nada. E verdade que n'elles se diz tudo quanto ha, mas depois os mesmos jornaes vem retratar-se, vem pedir desculpas, ou vem dizer que não fôra o auctor dos artigos o individuo que se suppunha ter escripto, mas outro, etc., etc.»
A replica foi: «Póde ser que assim seja, mas respondo a isso que o que está escripto está escripto, e para o futuro, quando se quizer apreciar a honra e o cavalherismo de qualquer individuo pelos jornaes, pude ser que se leia a accusação e que não se leia a defeza, alem do que, pela frauqeza propria da natureza humana, sempre se é mais propenso a acreditar o mal do que o bem».
Tudo isto eu trago para insistir com o sr. ministro do reino a fim de que s. exa. me diga se está convencido da necessidade de se fazer alguma cousa, para pôr cobro a todas essas demasias, a todos esses excessos da imprensa.,
Eu vou ainda mais longe.
Sabe s. exa. muito bem que eu não tenho ambições, ou antes, que tenho só uma, e é a de procurar ser homem de bem, fazendo todas as diligencias para honradamente sustentar a minha familia.
Ora se eu tivesse levado em conta estas circumstancias e o procedimento de alguns individuos, teria feito uma cousa, era ter ha annos atrás, liquidado todos os meus ha-