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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Discurso do sr. deputado Pinheiro Chagas, preferido na sessão de 8 de setembro, e que devia ter sido publicado a pag. 565 do Diario da camara

O sr. Pinheiro Chagas: — Por muito poucos minutos abusarei hoje da attenção da camara.

Não tomo sobre mira a responsabilidade de protelar este debate, que já vae demasiadamente largo; vou limitar-me apenas a resumir as idéas apresentadas por mim na sessão anterior.

V. ex.ª e a camara viram que eu, depois de ter accentuado bem (e não tratei de o demonstrar, porque tinha a confissão dos proprios conferentes), que as conferencias democraticas significavam a propaganda socialista, procurei provar (e a camara mostrou que abundava nas minhas idéas) que o socialismo não era outra cousa senão uma das formas da reacção, e asseverou portanto que se nós, pelo respeito que nos merece a liberdade de pensamento, toleravamos a expressão d'estas idéas, não podiamos por fórma alguma sympathisar com ellas, como decerto sympathisariamos com idéas avançadas, ainda que não estivessem nos limites estrictos da lei, mas que significassem comtudo as aspirações liberaes d'aquelles que as expendessem.

Eu escusava de alargar a demonstração d'este facto, porque me bastava citar a auctoridade de uma voz insuspeita, do grande tribuno hespanhol Emilio Castelar, um dos homens mais liberaes da Europa (apoiados): Foi elle mesmo que n'um prologo recente, que rapidamente se tornou celebre como tudo quanto sáe da penna d'aquelle illustre publicista, foi elle mesmo que disse que o socialismo não era mais do que a reacção para as sociedades asiaticas.

O illustre deputado, o sr. Barros e Cunha, acaba de resumir, brilhantemente n'uma phrase só todo o meu pensamento; fê-lo quando disse que já houvera outra internacional, na santa alliança. Exactamente, a santa alliança e a internacional são as duas formas da reacção; eis a synthese do meu discurso.

Ha mais um facto que vem demonstrar estas affinidades incontestaveis, e é que o unico jornal em Lisboa que ousou no primeiro momento applaudir os crimes da communa, foi o jornal que representa o absolutismo e a reacção.

Foi elle que considerou a communa como instrumento da Providencia, para castigar os crimes dos impios liberaes.

Mas um dos grandes predicados da liberdade é aproveitar tambem aquelles que a combatem e a odeiam.

Portanto não tenho duvida alguma em defender o direito de reunião nos limites das leis existentes, até para os inimigos da liberdade.

Nós temos uma lei que garante esse direito, é a lei de 15 de junho de 1870. Mas n'este ponto estou completamente de accordo com a primeira opinião do illustrado partido historico, que declarou no seu orgão official (como eu li hontem á camara), que aquella lei não estava convenientemente regulamentada. Effectivamente assim é, e temos a prova d'isso no que se está passando, porque é um facto que essa lei não define bem o que são reuniões publicas debaixo do ponto de vista legal; tanto assim que nós vemos cavalheiros muito illustrados, muito versados n'estas materias, estarem em desaccordo, quando se trata de saber se as conferencias deviam estar sujeitas á lei que regula o ensino, ou á lei que regula as reuniões publicas.

Mas concedamos lhe o beneficio da lei, que rege as reuniões publicas. Eu fui accusado de uma certa confusão nas minhas idéas; é possivel que a minha exposição fosse effectivamente confusa; estou muito mais habilitado aos trabalhos de gabinete do que ás lutas da palavra, e, fallando pela primeira vez na atmosphera do parlamento, era possivel que não apresentasse claramente as minhas idéas. Comtudo tenho a intima convicção de que ellas são bem claras, e bem definidas (apoiados).

Entendo que o direito de reunião está plenamente garantido pela lei de 15 de junho; mas entendo tambem que ha casos excepcionalissimos em que o poder executivo, que tem sobre si a responsabilidade de velar pelo socego publico em presença de circumstancias imprevistas que se tenham dado, póde tomar certas providencias que attenuem aquelle direito, tomando perante o parlamento a responsabilidade que lhe cabe (apoiados).

Esta doutrina é seguida nas nações mais liberaes, como a Belgica, a Inglaterra e os Estados Unidos. Ainda ha pouco tempo, nos Estados Unidos, receiando o poder executivo que houvesse desordens em uma procissão de protestantes, impediu a procissão para evitar as desordens. É claro que estes casos devem ser incontestavelmente excepcionalissimos, e por isso as providencias devem ser igualmente excepcionaes (apoiados).

Eu vou figurar um exemplo em favor d'esta opinião, é ao mesmo tempo respondo a um argumento do illustre deputado, o sr. Barros e Cunha, que me precedeu n'este debate.

S. ex.ª dizia hontem que «tem combatido energicamente a manifestação das idéas ibericas»; mas disse tambem que «as combatia com a sua penna e a sua palavra, sem que entendesse que se devia tolher aos seus adversarios o direito de exposição das suas opiniões, ainda mesmo que taes opiniões firam, como na verdade ferem profundamente, o nosso sentimento nacional».

Estou plenamente de accordo com o illustre deputado; mas s. ex.ª entende mais; entende que são inuteis quaesquer restricções, porque o patriotismo do nosso povo põe cobro energicamente a esses abusos da palavra.

«N'umas conferencias, que começaram arealisar-se no palacio dos duques de Cadaval, diz o illustre deputado, desde que, pelo aviso que lhe distribuiram, o povo soube que se ía fazer uma prelecção contra a nossa independencia, teve a guarda municipal de intervir para evitar que o prelector fosse deitado pela janella fóra, e elle nunca mais teve vontade de fazer conferencias».

Devo confessar que não me parece por este modo sufficientemente garantida a liberdade das prelecções. S. ex.ª diz que «não vale a pena coarctar essa liberdade, porque apor nas o prelector expozer as suas idéas ibericas, o povo atira com elle pela janella fóra, e fica o negocio concluido» (riso). Dizia-se que o governo da Russia era o despotismo temperado pelo regicidio; este systema parece-me a liberdade de prelecção temperada pela pancadaria no prelector (riso).

Sr. presidente, entremos na verdade dos factos. Eu estou convencido de que não somos um povo selvagem, e que, em circumstancias normaes, ainda mesmo que a exposição das idéas ibericas fira, como fere, immensamente o nosso sentimento nacional, nós não commetteriamos taes excessos contra os que expozessem essas idéas.

Mas, aqui vae o exemplo que eu queria apresentar—no dia 1 de dezembro, quando todos os espiritos andam mais ou menos entontecidos com os fumos patrioticos, inebriados com as recordações de independencia, gloria e liberdade, se qualquer cavalheiro annunciasse que faria uma prelecção em sentido iberico, e para combater a revolução de 1640, s. ex.ª, sendo ministro do reino, consentiria que essa prelecção se fizesse? De certo não consentia.

É um caso excepcional; e, se o governo se contentasse com a garantia da policia, vinha a opposição á camara e formulava uma accusação analoga aquella dos seis soldados que o sr. Carlos Bento expoz tão espirituosamente; al-