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N.º 6.

SESSÃO DE 10 DE MAIO.

1853.

PRESIDENCIA DO Sr. SILVA SANCHES.

Chamada. — Presentes 79 srs. deputados.

Abertura: — Ao meio dia e um quarto.

Acta. — Approvada.

CORRESPONDENCIA

Declarações. — 1.ª Do sr. Lages, que o sr. Guerreiro não tem comparecido nas duas sessões passadas, por motivo de molestia, e talvez deixará de comparecer a mais alguma pelo mesmo motivo — Inteirada.

2.ª Do sr. Cyrillo Machado, de que o sr. Affonso Botelho não póde comparecer á sessão de hoje por justificado motivo. — Inteirada.

3.ª Do sr. Sampaio, participando que o sr. José Estevão não póde comparecer ainda á sessão de hoje, por continuar o seu incommodo de saude — Inteirada.

Officios. — 1.º Do sr. Saraiva de Carvalho, participando, que por incommodo de saude não póde comparecer á sessão de hoje. — Inteirada.

2.º Do ministerio da justiça, acompanhando a certidão extraída do processo de tomadia contra Jarael Cagy, contendo assim o despacho que houve por valida a mesma tomadia, satisfazendo por esta fórma a um requerimento do sr. Santos Monteiro. — Para a secretaria.

3.º Do ministerio da guerra, acompanhando as informações, que por esta camara lhe foram pedidas, a respeito da pertenção do capitão das extinctas milicias, José Alexandre da Silveira e Serpa. — Á commissão de guerra.

4.º Do ministerio da marinha e ultramar, dando os esclarecimentos que lhe foram pedidos em um requerimento do sr. Arrobas ácerca dos barcos a vapôr, pertencentes ao estado. — Para a secretaria.

Representações. — Da junta de parochia e mais

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habitantes da freguezia de Agueda, do concelho do mesmo nome, districto de Aveiro, pedindo que se estabeleça o imposto indirecto de um real sobre cada quartilho de vinho, que durante oito annos alli se vender em differentes pontos da freguezia, a fim de, com o seu producto, occorrerem ás despezas com reparos na igreja da freguezia, e custo de ornamentos, paramentos, e alfaias sagradas. — A commissão de administração publica, ouvida a ecclesiastica. Deu-se pela meia destino ao seguinte

1. Requerimento. — Requeiro que se peça ao governo, pelo ministerio dos negocios ecclesiasticos e de justiça, informe com a maior urgencia possivel, porque titulo ou tabella legal se recebe na camara ecclesiastica do Porto a quantia de 56$196 réis, quando qualquer conego da sé é nomeado para alguma das dignidades, como ha pouco aconteceu ao actual thesoureiro da mesma sé, e igualmente informe porque titulo ou tabella legal se recebem iguaes propinas e emolumentos na collação dos parochos. — Pinto de Almeida.

Foi remettido ao governo.

2. Requerimento. — u Requeiro que se peça ao governo pelo ministerio da fazenda, uma relação circumstanciada de assentamento das pensões e suas vagaturas, tudo na fórma que prescreve a portaria de 26 de abril de 1851 para ser presente annualmente ás côrtes, ti — D. Rodrigo de Menezes.

Foi remettido ao governo.

3. Requerimento. — «Requeiro que o governo, pelo ministerio competente remetta a esta camara uma conta exacta e circumstanciada de toda a prata exportada com despacho das alfandegas de Lisboa e Porto desde a publicação da lei de 30 de janeiro de 1851, até ao ultimo de dezembro de 1852, e da que se tem despachado para o mesmo fim desde este dia até hoje.» — Barão de Almeirim.

Foi remettido ao governo.

4.º Requerimento. — u Requeiro que o governo mande a esta camara:

1.º — Uma conta da importancia dos direitos arrecadados pela alfandega do Porto, provenientes da introducção de cereaes hespanhoes, desde que se pôz em execução o tractado da navegação do Douro até ao dia 30 de dezembro de 1852.

2.º — Uma conta da despeza que se tem feito com as casas fiscaes, e empregados da fiscalisação nas margens do Douro, desde o Porto até á raia de Hespanha. 1

3. — Uma conta dos cereaes exportados de Lisboa para o Porto nos oitos annos anteriores á execução do regulamento para a navegação do Douro; e da mesma nos primeiros oito annos depois do mesmo regulamento estar em vigor.

4.º — Uma conta da introducção de cereaes hespanhoes para deposito no Porto; e da exportação destes nos oito annos primeiros depois da execução do dicto regulamento.» — Barão de Almeirim.

Foi remettido ao governo.

5.º Requerimento. — Requeiro que se peça ao governo, que pelo ministerio da marinha envie a esta camara uma nota da despeza do material, que effectivamente, se tem feito por aquelle ministerio em cada um dos tres ultimos annos em que estão liquidadas as contas daquelle ministerio. Sendo essa nota confeccionada por verbas dos respectivos orçamentos.

Que igualmente se peça ao governo que pelo mesmo ministerio declare quanto ha ainda a dispender durante o anno economico de 1853 a 1854 para concluir o pagamento do vapôr Duque de Saldanha. Qual é a verba do orçamento donde tem de sair os meios para satisfazer aquella despeza, “Arrobas. Foi remettido ao governo.

6.º Requerimento. — Requeremos que o governo mande com urgencia a esta camara pelo ministerio competente os seguintes esclarecimentos.

1. Que quantidade de agua-ardente, e de que qualidade, foi despachada para Lisboa e Porto, em cada uma das diversas alfandegas do Algarve durante os ultimos tres mezes; declarando-se os nomes dos carregadores, e das embarcações que a levaram.

2.º Que agua-ardente, e de que. qualidade, durante o referido prazo deu entrada nas alfandegas de Lisboa (municipal) e Porto, com procedencia dos portos do Algarve, designando-se especificadamente a quantidade proveniente de cada porto. « = Bivar — Ortigão — Palma.

Foi remettido ao governo.

1.º Parecer (n.º 31 A): — Requerem a esta camara D. Thereza Maillard de Andrade Salasar d'Eça, e suas filhas D. Henriqueta Freire, D. Adelaide Freire e D. Thereza Freire, viuva filhas do fallecido marechal de campo João freire de Andrade Salasar d'Eça, pedindo se lhes conceda uma pensão vitalicia, em remuneração dos relevantes serviços que enumera, e expõe especificadamente, em serviço diplomatico no anno de 1842, em ser obrigado a emigrar em 1828 pela sua fidelidade ao governo legitimo, sendo por isso os seus bens sequestrados, e soffrendo graves prejuizos, em ser encarregado pelo Immortal Duque de Bragança de recrutar em paizes estrangeiros, formando os dois corpos que foram chamados d'infanteria da Rainha, e em ter servido todo o tempo da restauração, e sendo mandado em companhia do marquez de Loulé communicar a Sua Magestade Fidelissima a Rainha, a fausta noticia de estar restabelecido em Lisboa o governo legitimo.

A commissão é de parecer, que qualquer que seja a importancia dos serviços allegados, em vista do artigo 75. § 11.º da carta constitucional, não pertence á camara deferir a pertenção das supplicantes.

Sala da commissão, 24 de Abril de 1853. — F. Joaquim Maya — Justino Antonio de Freitas = Antonio dos Santos Monteiro — José Maria do Casal Ribeiro — Augusto Xavier Palmeirim.

Foi logo approvado.

2.º Parecer (n.º 31 B): — D. Carlota Joaquina Mascarenhas Valdez, viuva do vice-almirante Francisco J. do Canto e Castro Mascarenhas, requer a esta camara que attendendo aos serviços prestados por seu marido, e a algumas pensões que gosava «de que foi privada por differentes motivos; e as suas actuaes circumstancias, lhe conceda uma pensão de l:440$000 réis annual como se tem concedido a outros officiaes generaes de correspondente graduação.

Expõe que lendo requerido á camara em 1845 para este mesmo fim, o requerimento fôra remettido ao governo em virtude do parecer da commissão de fazenda desse tempo, que foi approvado.

Expõe mais que o governo indeferiu o requerimento com o despacho — Escusado — em 18 de maio de 1849

Recorre a supplicante de novo a esta camara, para que a attenda.

VOL. V — MAIO — 1853.

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A commissão em vista do artigo 75.º 11. da carta constitucional e de parecer que não pertence á commissão.

Sala da commissão, 24 de abril.de 1853. — F. Joaquim Maia = Justino Antonio de Freitas = Antonio dos Santos Monteiro — José Alaria do Casal Ribeiro = Augusto Xavier Palmeirim.

Foi logo approvado.

3.º Parecer (n.º 31 C): — Na commissão de fazenda foi presente o requerimento de D. Maria Galdina da Silva Valle Lobo, cessionaria de sua avó D. Anna Joaquina da Piedade Trovão, viuva do major José Joaquim de Sousa Trovão, e de sua mãe D. Genoveva Francisca Trovão, viuva de Maximo Joaquim da Silva Valle Lobo, em que expondo o seu estado de penuria e necessidade, pede a esta camara lhe conceda uma pensão vitalicia em remuneração dos serviços de seu avô, que se acham decretados, para poder alimentar a si, a sua mãe e a sua avó.

Com quanto possam ser attendiveis as circumstancias da supplicante, -é de parecer a commissão, em vista do $ 11. do artigo 75. da carta constitucional, que não pertence á camara o deferir lhe.

Sala da commissão, 26 de abril de 1853. — Joaquim Maia — Justino Antonio de Freitas = Augusto Xavier Palmeirim — Antonio dos Santos Monteiros José Maria do Casal Ribeiro.

Foi logo approvado.

4.º Parecer (n.º 31 D): — Foi remettido á commissão de fazenda o requerimento da D. Leonor da Silva Pessanha, viuva do brigadeiro D. José Miguel de Noronha, em que expõe os serviços de seu defunto marido, que combateu em toda a guerra peninsular, serviu em Montevideo até o regresso das tropas ao reino, e foi um dos encarcerados na torre de S. Julião, e commandou por quatro ânuos a 9.ª divisão militar na ilha da Madeira, e governou ultimamente por tres annos Cabo-Verde, aonde foi victima da febre e pede uma pensão a exemplo de outras para affastar de si e de seus dois filhos as privações, que u cercam.

Com quanto possam ser attendiveis as circumstancias da supplicante, a commissão é de parecer que em vista do § 11.º do artigo 75.º da carta constitucional não pertence a esta camara attender a sua pertenção.

Sala da commissão, em 26 de abril de 1853. — F. Joaquim Maia — Justino Antonio de Freitas = Augusto Xavier Palmeirim — Antonio dos Santos Monteiro — José Maria do Casal Ribeiro.

Foi logo approvado.

5.º Parecer (n. 31 E), — Foi presente na commissão de fazenda o requerimento da camara municipal de Santarem, em que expõe, que é credora á fazenda nacional pela quantia de 1:413$767 réis, provenientes do disfructo que a mesma fazenda nacional tirara no espaço de 27 annos, em que possuirá as terras do rocio de Alemquer e de Vallada, quantia que já foi liquidada e julgada por sentença, e pede a esta camara que lhe vote no orçamento uma verba de 2:000$000 réis annualmente por ser de urgente necessidade para acudir a muitas obras e despezas de que o concelho carece.

Não vindo junto ao requerimento documento algum, que prove o que nelle se allega; e menos que sobre esta pertenção tivesse requerido ao governo, e houvesse algum despacho. Parece á commissão que no estado em que se apresenta o pedido, não póde ser tomado em consideração por esta camara.

Sáia da commissão, 27 de abril de 1853. — Justino Antonio de Freitas-z = Antonio das Santos Monteiro = F. Joaquim Maia = Augusto Xavier d'Almeirim = José Alana do Casal Ribeiro.

Foi logo approvado.

Pareceu. (n.º 31 F.): — A commissão de administração publica, foi presente o requerimento de Francisco Maria da Silva Torres -escrivão da camara municipal de Estremoz, em que pede á camara dos deputados lhe decrete uma recompensa de seus longos serviços naquelle cargo e em outras commissões do serviço publico; e outro sim uma-medida legislativa, que regule as jubilações, aposentadorias e reformas, dos empregados municipaes. A commissão é de parecer que não tem logar o pedido.

Sala da commissão 26 de abril de 1853. — Francisco Carvalho, Presidente = A. Rodrigues de Sampaio. = A. E. Giraldes Quelhas. — José de Moraes Faria e Carvalho. = Canha Rivara. = Antonio Ferreira Macedo Pinto, Secretario.

Foi logo approvado.

Perecer. (in. 31 G): — Foi presente á commissão de guerra o requerimento documentado de Frederico Jorge Siemce Seguier, pedindo que lhe seja garantido o posto de major das extinctas milicias, por quanto, tendo adherido com outros portuguezes ao convite da regencia, estabelecida na ilha Terceira em nome da Rainha a Senhora Doria Maria Segunda, para se fazer na ilha Graciosa a acclamação da caria constitucional e dos direitos da mesma Augusta Senhora, solemnemente lhe foram garantidos por portaria da dicta regencia de 4 de julho de 1831 a sua posição militar naquelle momento, e a de todos os outros officiaes alli existentes; se desde logo procedessem á mencionada acclamação como effectivamente fizeram no dia 10 do referido mez e anno.

A commissão julgando a pertenção do supplicante de bastante momento, e parecendo-lhe por outro lado que importava a resolução de um principio delicado, e de um direito, resolveu pedir á illustre commissão de legislação que se dignasse emittir o seu parecer ácerca da materia sujeita.

A commissão de guerra portanto offerecendo á consideração da camara o parecer daquella illustre commissão, e adoptando como suas as razões alli produzidas intende igualmente que o governo não carece de lei para tornar effectiva ao supplicante promessa que lhe foi feita em nome da regencia, porque já assim o tem feito a outros militares sem necessidade de providencias legislativas.

Assim a commissão reconhecendo a justiça do supplicante e com tudo de parecer que não compele á camara o deferir-lhe.

Sala da commissão 28 de abril de 1853. — José de Pina Freire da Fonseca. Presidente = A. Xavier Palmeirim. = ss A. de Mello Brayner. = A. J. Vasconcellos e Sá. = A. L. F. Camarate. = Carlos Ciryllo Machado. = Placido Antonio da Cunha Abreu.

Foi logo approvado.

O sr. Uivar — Mando para a mesa uma representação da camara municipal de villa real de Santo Antonio, pedindo a approvação do projecto de lei do

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«r. Honorato Ferreira, para a creação de mu alfandega de sello no Algarve, e que esta seja em villa real de Santo Antonio.

Eu já apresentei representações de outras camaras do Algarve, pedindo que a alfandega do sello seja collocada nas localidades que as mesmas representações indicam, e nenhuma duvida tive em as apresentar, por que, approvando-se o projecto, ao governo pertence escolher a localidade mais conveniente. Por agora peço á illustre commissão de fazenda que dê alguma attenção áquelle projecto do sr. Honorato Ferreira, para o estabelecimento d'uma alfandega de sello no Algarve, que não só acabará com o monopolio que sobre aquella provincia se exerce, mas favorecerá o commercio; e além disso tende a extinguir o contrabando que em alguns pontos existe.

O sr. Santos Monteiro: — O meu collega, e deputado pelo Algarve, acaba de recommendar á commissão de fazenda que tenha este negocio em consideração: eu, para o socegar, devo dizer, que a Commissão de fazenda não tem lá nem o projecto do sr. Honorato Ferreira, nem as differentes representações que á camara têem vindo. As representações das camaras do Minho, e do Algarve estão na commissão do commercio e artes; quando ellas forem á commissão de fazenda, eu espero fazer, em beneficio dos meus constituintes, tanto quanto fôr possivel com a minha posição especial, por intender o negocio. Mas não poso deixar de notar, que todas as representações da provincia do Minho pedem que a alfandega do sello que houver de crear-se, seja em Vianna; e as representações do Algarve, cada ama dellas pede, que a alfandega de sello que houver de crear-se seja no ponto donde é a representação.... (O sr. Bivar, e outros srs. deputados pediram a palavra).

O sr. Presidente — É uma irregularidade entrar agora nesta discussão, que, se podesse ter logar, só devia ser ámanhã, quando se desse destino á representação.

O sr Bivar: — Eu quero unicamente dizer, que julgava que o projecto do sr. Honorato Ferreira estava na commissão de fazenda; não estando, applico a minha recommendação á commissão de commercio e artes.

O sr. Palma: — O sr Camarate encarregou-me de participar, que não comparecia por incommodo de saude: e por esta occasião envio para a mesa um requerimento, que prende com a questão, que ha pouco foi tractada pelo sr. deputado Bivar, sobre a creação de alfandegas de sello no Algarve.

Se por ventura este negocio estivesse affecto á commissão de fazenda, nenhuma recommendação lhe fazia, porque confio em todos os sem membros, e muito principalmente no zêlo, e actividade do sr. deputado Santos Monteiro; mas, permitta-me elle com tudo observar-lhe, que o pedido das camaras do Algarve, para que a alfandega do sello se colloque no porto donde representa mais camaras, prova o desejo de dar maior desenvolvimento commercial ás suas respectivas localidades.

O requerimento que envio para a mesa, tem por fim mostrar, pelos esclarecimentos que peço, que é um grande absurdo o que alguem diz em Lisboa — que uma alfandega de sello no Algarve, tende a augmentar alli o contrabando. O requerimento é o seguinte (Leu).

O sr. Presidente: — Os esclarecimentos pedir-se-hão em quanto á participação da não Comparencia á sessão, por motivo justificado, do sr. Camarate, queira o sr. deputado mandar uma nota para a mesa; e por esta occasião novamente aviso todos os srs. deputados de que, quando tiverem a fazer participações desta natureza, peçam a palavra logo no principio da sessão, declarando para que a pedem, a fim. de se dar conta dessas -participações atites da leitura da correspondencia.

O sr. Cezar de Vasconcellos; — Na sessão passada apresentei a camara um requerimento dos capitães de infanteria da guarda municipal de Lisboa, em que pediam que esta camara tomasse uma providencia quanto ao modo porque se estavam fazendo as deducções da decima nos seus vencimentos; por isso que, sendo capitães do exercito escolhidos pelo governo para servirem na guarda municipal de Lisboa, que é um serviço mais penoso, e mais violento, cio que aquelle que lhes pertence no exercito, são «pesar disso lesados nos seus vencimentos, porque, vencendo como commandantes de Companhias da guarda municipal 34$000 réis, sem entrar nesta cifra quantia alguma a titulo de gratificação, faz-se-lhes a deducção de decima na totalidade deste vencimento, em quanto que no exercito dividindo-se este vencimento em 24$000 reis de soldo, e 10$000 réis de gratificação, sómente se lhes faz deducção no soldo, recebendo integralmente a gratificação, sendo deste modo maior a deducção que soffrem no serviço da guarda municipal, do que no exercito.

Daqui resulta que o governo ha-de ter difficuldade em encontrar officiaes, que elle procura sempre escolher, de uma certa capacidade, e intelligencia, para do exercito irem ser commandante! das companhias da guarda municipal.

Por isso mando para a mesa um requerimento pedindo que esse requerimento que apresentei na Sessão passada, seja enviado á commissão de fazenda para que esta na occasião de examinar o orçamento, na verba relativa aguarda municipal, tenha em vista a pertenção destes officiaes requerentes, que é dó toda a justiça. O requerimento que mando para a mesa, é o seguinte. (Leu.)

Ficou para segunda leitura.

O sr. Pegado: — Mando para a mesa um parecer da commissão do ultramar.

Ficou para se lhe dar andamento amanha.

O sr. Garcia Peres. — Mando para a mesa o seguinte requerimento. (Leu.)

Ficou para segunda leitura.

O sr. Palmeirim: — Sr. presidente, mando para a mesa 3 pareceres da commissão de guerra. Um delles diz respeito ao requerimento de que fallou o sr. Cezar de Vasconcellos dos officiaes da guarda municipal: e é a Commissão de parecer que este requerimento, e os papeis que lhe dizem respeito sejam remettidos ás commissões de fazenda, é de administração publica, por isso que no ministerio do reino Se tractam os negocios que dizem respeito á guarda municipal. Parece-me que a apresentação deste parecer dispensará o requerimento que O nobre deputado fez ha pouco.

O sr. Barão de Almeirim: — Sr. presidente, quando ainda agora se leu na mesa uni parecer da commissão de fazenda, sobre uma representação da camara municipal de Santarem, eu não assisti á leitura do

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parecer, mas depois fui á mesa tomar conhecimento delle e agora pedi a palavra a v. ex.ª para fazer algumas reflexões ao mesmo parecer.

O sr. Presidente. — Mas o parecer já foi approvado.

O Orador — Eu queria explicar á illustre commissão que nenhum fundamento tinha para dar o parecer que deu.

O sr. Maia (Francisco): — A commissão não se apresentaram nenhuns documentos, não existem na commissão.

O sr. Presidente: — Eu já disse aos srs. deputados que quando tractassem de discutir ou fallar sobre qualquer materia, era muito inconveniente entabolar conversos...

O sr. Barão de Almeirim: — Todos os documentos que a commissão diz que não existem, estão na secretaria, e eu intendia que não seria fóia de proposito mostrar que a illustre commissão não devia concluir da maneira como concluiu, baseando o seu parecer na falta de documentos. Eu apresentei o anno passado uma representação igual a esta, e juncto a essa representação existiam os documentos, que o governo mandou a esta casa em virtude de um requerimento que eu havia feito pedindo esses documentos, e devem estar na secretaria. Quando este anno apresentei esta representação da camara municipal de Santarem, pedi que esses mesmos documentos fossem remettidos á illustre commissão de fazenda, e depois de tanto tempo de demora na apresentação do parecer, vem dizer-se hoje que á commissão não foram presentes esses documentos! Por consequencia eu intendo que esses documentos existem na secretaria, devem ser presentes á commissão e dar um novo parecer sobe este objecto depois do exame de todos os papeis que chamar a si.

O sr. Presidente: — O regimento não permitte que se abra discussão de novo sobre aquillo que acabou de ser approvado pela camara. Eu estou constantemente a recommendar attenção. Os inconvenientes de não se prestar attenção acabam de reconhecer-se: mas agora tenham paciencia, eu, não dou mais a palavra sobre este incidente.

O sr. Macedo Pinto — Sr. presidente, mando para a mesa uma representação do conselho da escola medico-cirurgica do Porto, em que pede a approvação do projecto apresentado pelo sr. Eduardo de Magalhães Coutinho. Reservando-me para occasião opportuna, abstenho-me de entrar agora em algumas reflexões a este respeito.

Ficou para se lhe dar destino na sessão seguinte.

O sr. Pessanha (João); — Mando para a mesa uma proposta a fim de renovar a iniciativa do projecto de lei n.º 28 da sessão de 1851, para ser novamente elevada a 6:000$000 a prestação concedida no Visconde de Santarem, para o costeamento dos trabalhos litterarios de que se acha encarregado.

Sr. presidente, o projecto cuja iniciativa renovo, teve por origem uma proposta do governo, sendo ministro o sr. conde do Tojal, proposta que mereceu a approvação das commissões diplomatica e do orçamento na camara de 1851; mas aquelle projecto não chegou a discutir-se em consequencia da dissolução da mesma camara.

Em 28 de julho do anno proximo passado renovei a iniciativa sobre esse projecto, a qual tambem então não teve seguimento, em virtude da outra dissolução da camara; e uso agora outra vez do meu direito pedindo a v. ex. que dê o competente destino á dita minha proposta, logo que ella tenha a ultima leitura.

Segundo as communicações feitas ao governo pelo nosso ministro em París, os importantissimos trabalhos litterarios, e publicações de que se acha encarregado aquelle distincto sabio portuguez, tem soffrido graves difficuldades em rasão da escacez de meios pecuniarios do auctor, o qual pelas suas obras, tantos e tão valiosos serviços tem prestado a nossa patria, e ás sciencias (Apoiados).

Eu tenho seguido constantemente o systema de votar por todas as economias possiveis nas nossas despezas; mas em objecto desta transcendencia parece-me que a economia de 1 ou 2 contos de reis, é uma mesquinhez vergonhosa e injustificavel (Apoiados).

Ficou para segunda leitura.

O sr. Bordallo — Mando para a mesa os dois seguintes projectos de lei. (Leu).

Transcrever-se-hão quando tiverem segunda leitura.

O sr. Jeremias Mascarenhas: — Mando para a mesa tambem dois projectos de lei.

Ficaram para segunda leitura (E então se transcreverão).

O sr. Julio Pimentel — Sr. presidente, pedia a palavra para apresentar um parecer da commissão de commercio e artes sobre o projecto de lei do ir. Santos Monteiro para a elevação dos direitos da praia..

Quando hontem se reclamou a apresentação deste parecer, instou-se para que quando se apresentasse, fosse dado com urgencia á discussão. Eu peço essa urgencia, e que seja igualmente impresso no Diario do Governo de ámanhã.

Leu-se na mesa.

O sr. Santos Monteiro: — Queria pedir que fosse impresso no Diario do Governo de ámanhã, que v. ex. o desse para ordem do dia quanto antes, e que se imprima tambem o parecer da commissão de fazenda, que é o contrario do que deu a commissão de commercio e artes; e agradeço a esta commissão o ter-me collocado n'um terreno, ao qual esperava chegar mais tarde. Eu estou enganado.... a exportação da praia...

O sr. Presidente: — Não entremos agora na discussão da materia.

O Orador: — Eu o que peço a v. ex.ª é que o parecer se mande imprimir, e que o dê para ordem do dia quanto antes, porque tenho medo que este parecer faça mais mal que o projecto do sr. Lourenço Cabral (Apoiados;.

O sr. Cunha Sotto-Maior; — Está um bonito parecer.

Decidiu-se que o parecer se imprimisse com urgencia juntamente com o da commissão de fazenda.

O sr. Presidente: — Consulto agora a camara sobre se quer que se imprima tambem no Diario do Governo.

O sr. Avila: — Eu acho que é uma calamidade a impressão desse parecer no Diario do Governo.

Foi rejeitada.

O sr. Visconde da Junqueira: — Mando para a mesa o seguinte requerimento (Leu).

Ficou para se lhe elar destino na sessão seguinte.

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ORDEM DO DIA.

Discussão do projecto n.º 27 — na especialidade (Vide sessão de 6 deste mez)

Artigo l.

Leu-se na mesa a seguinte

Substituição. — Artigo 1.º «é declarada de utilidade publica e urgente, sem dependencia de decreto do executivo, toda a expropriação que os traçados devidamente approvados mostrarem necessaria para o começo, continuação, e conclusão de qualquer caminho de ferro, quando o contracto e os meios para a sua construcção tiverem sido previamente auctorisados pelo poder legislativo.

Art. 2.º «Fica revogada toda a legislação em contrario. — Lousada.

Foi admittida.

O sr. Bordalo — (Sobre a ordem) Tinha pedido a palavra sobre a ordem sómente para fazer uma breve reflexão. Eu associo-me inteiramente a tudo quanto disse o illustre deputado pelo Porto a respeito do projecto em discussão, entretanto parece-me que a sua substituição tem mais relação com o artigo 3.do que com o artigo 1.º Convidaria pois o nobre deputado a apresentar a substituição ao artigo 3., na certeza de que pode contar com o meu humilde voto, e tambem com o auxilio da minha palavra se fôr necessario

O sr. Presidente — Essa observação já eu hontem fiz ao illustre deputado; mas elle quer, segundo eu intendo, substituir todo o projecto por aquelle artigo

O sr. Lousada — (Sobre a ordem) V. ex.ª hontem fez-me uma admoestação, que eu recebi com a submissão com que me cumprir recebê-la: masv.ex.* deve estar certo de que nesta casa ninguem respeita mais do que eu as observações feitas por V ex.ª; no entretanto peço licença para dar a razão porque eu não segui o caminho, que v. ex.ª linha por mais acertado O nosso regimento (se nós lemos regimento), diz no artigo 50, que se discutirá a materia de qualquer proposta na sua generalidade. O como deve intender-se esta generalidade, nem está definido no artigo lembrado, nem eu tambem ainda aqui vi tractar desse assumpto. Quanto a mim, não sei se bem se mal, intendo que a discussão na generalidade de qualquer projecto não imporia nada mais do que saber, se o projecto é necessario, ou se o projecto e util, por que um projecto póde não ser necessario, porque as providencias que nelle se queiram estabelecer já estejam estabelecidas em outra lei, e póde não ser util por trazer inconvenientes a doutrina nelle consignada. Intendo que é nisto que consiste a discussão na generalidade de qualquer projecto; e por conseguinte, eu que vi começar a discussão deste, de que ora nos occupamos, n'um campo um pouco mais largo e vasio do que aquelle que me parecia dever ser, deixei correr a discussão, até que, para assim dizer, ella amainasse e viesse aos seus verdadeiros lermos. Quando assim o estava esperando, succedeu que a discussão fosse terminada por um requerimento que se fez para se haver a materia por sufficientemente discutida na generalidade, e conseguintemente eu não tive occasião de poder apresentar a minha substituição naquella discussão em geral; mas isto não me impede de dizer a v. ex. francamente, que eu intendo que ella não leria muito cabimento nessa discussão na generalidade; porque estou persuadido do que acabo de

dizer, isto é, de que a dicussão na generalidade só deve abranger a necessidade ou a utilidade da medida, e eu creio que ninguem deixa de reconhecer a necessidade e utilidade da providencia que o governo apresentou, e que a commissão redigiu por nina outra maneira, restringindo e apertando para as expropriações de um certo e determinado caminho de feno, aquillo que o governo mais amplamente linha proposto na generalidade para todas as expropriações necessarias para os caminhos de ferro, quaesquer que elles tenham de vir a ser. Assim pois intendendo eu que nós não devemos fazer uma lei limitada, mas que a devemos fazer ampla e generica, persuadi-me de que, quando se tractasse do artigo 1.º, podia apresentar a minha substituição, reduzindo a uma these generica aquillo que me parecia ter sido expressamente applicado para uma hypothese particular. Agora v. ex.ª, que, além de ser o presidente desta casa, de certo está muito mais habilitado para poder esclarecer-me, dirá se eu commetti filia, não apresentando a substituição quando se tractou da generalidade do projecto, na certeza de que, se a commetti, foi involuntaria, porque nunca desejo alterar a regularidade dos trabalhos, e desmanchar a ordem que se deve seguir na discussão.

O sr. Presidente — Segundo a practica que eu tenho da casa, as substituições apresentam-se mais naturalmente na discussão da generalidade; mas isso não impede que se apresentem tambem na da especialidade

O sr. Justino de Freitas — Sr. presidente, pedi hontem a palavra depois que o sr. deputado Louzada mandou para a mesa uma proposta de substituição, que me parecer tender a alterar inteiramente todo 0 pensamento do projecto, e por isso julgo-me na necessidade de dar á camara alguns esclarecimentos sobre os motivos, porque a commissão intendeu que devia alterar a proposta do governo de accordo com o mesmo governo

Sr. presidente, a proposta do governo reduzia-se simplesmente a estabelecer uma regra geral para as expropriações para o caminho de ferro, e a commissão meditando sobre o objecto, reconheceu que o fim do governo não se podia obter facilmente, e pelo menos II ser involvido em graves difficuldades. Todos sabem que o caminho de ferro de leste não estava sanccionado nem auctorisado por uma lei, e a primei) n difficuldade que o governo podia encontrar quando procedesse ás expropriações em virtude de uma auctorisação vaga, era da parte dos expropriados o disputar-lhe o direito com que procedi a essas expropriações, visto que não havia auctorisação alguma sobre esse objecto Foi esta uma das razões, porque a commissão intendeu que era necessario auctorisar por um artigo expressamente, aquillo que estava na cabeça de todos. Não ínvia senão o programma do governo; havia além disso o decreto de 30 de agosto a respeito do caminho do feiro do norte, que devia entroncar no caminho de feno de leste, mas não havia auctorisação alguma explicita a este respeito: por consequencia aqui tem o sr. deputado a não porque a commissão de accordo com o governo julgou de primeira necessidade o auctorisar o governo a respeito do caminho de ferro de leste. Teve tambem a commissão em vista, como bem notou o sr. Carlos Bento, que era necessario não sanccionar e admittir que o governo podesse fazer qualquer cami-

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nho de ferro, sem que viesse pedir auctorisação ás côrtes, principio que o governo tinha já reconhecido, promettendo vir apresentar o contracto definitivo.

A commissão não quiz dar preferencia ao caminho de ferro de leste, como disse o sr. Carlos Bento; se não se occupou do caminho de ferro do norte, foi porque o governo não sollicitou similhante medida, e não porque a reputasse prejudicial. Pela minha parte desejo muito que o governo tenha meios para levar a effeito esse caminho, porque se o caminho de ferro de leste é do maximo interesse publico, porque nos aproxima de todas as capitaes da Europa e póde facilitar o nosso commercio em geral, o caminho do norte não póde deixar de trazer grande interesse ao paiz, o seu fomento particular, e o augmento de agricultura e commercio interno.

Isto que levo dicto parece-me bastante para justificar o artigo 1.º, e quando se tractar do artigo 3-º mostrarei que a substituição do sr. Louzada não amplia a proposta do governo, antes a restringe.

Concluirei, dizendo que o sr. ministro das obras publicas, assistindo á discussão que teve logar na commissão, acceitou de bom grado o pensamento de projecto, reconhecendo que era justo o fim que a commissão leve em vista.

O sr. Cardozo Castello Branco: — Sr. presidente, parece-me que o sr. Louzada quer a eliminação dos artigos 1. e 2.º, ficando o projecto reduzido á sua substituição. Eu não concordo nisto; acho que o illustre deputado confunde cousas muito differentes e distinctas.

Nós não temos lei alguma que designe quaes são as obras que devem ser approvadas por uma lei, quaes as que devem ser approvadas por um decreto, e quaes as que podem ser approvadas por algumas auctoridades; mas havendo nos outros paizes constitucionaes tende ha legislação sobre expropriações, leis que fazem esta distincção, o certo que em todas essas leis se determina expressamente que a construcção de caminhos de ferro não possa ser auctorisada sem que sejam decretados por lei; e é de accordo com isto que lá se faz e para remediar esta falta da nossa legislação, que se exarou no projecto o artigo 1.º, o qual não tracta de maneira nenhuma de expropriações. As expropriações tem dois processos distinctos, e o sr. Louzada confundiu-os; os processos são a verificação e declaração da utilidade publica das expropriações, e a liquidação e reparação dos prejuisos causados por ella.

O artigo I. estabelece que deve fazer-se a construcção do caminho de ferro de leste; e é necessario que o estabeleça, porque não ha lei nenhuma que o tenha estabelecido, e porque a nossa legislação que determina os meios de fazer as expropriações, reconhece que a primeira cousa que ha a fazer, para se verificar qualquer expropriação, é que o expropriador apresente no administrador do concelho respectivo, a lei ou decreto pelo qual foi julgada de necessidade a obra que vai emprehender.

A commissão poderia talvez estabelecer uma these geral no artigo 1., comprehendendo todos os caminhos de ferro, ou dizendo — é preciso uma lei para se auctorisar a construcção de qualquer caminho de ferro; — mas não se achou habilitada para o fazer, isso depende de muitas averiguações e circumstancias para designar hem quaes são as obras que devem ser decretadas por uma lei, e quaes aquellas que devem ser decretadas pelo governo; e por isso é que limitou a disposição do artigo ao caminho de ferro de leste, e mesmo porque não ha inconveniente nenhum em que o governo venha pedir á camara por uma lei autorisação para qualquer outro caminho.

Intendo, portanto, que o artigo sobre o qual o governo concordou com a commissão deve ser approvado.

Se acuso se apresentar mais alguma razão, a que eu intenda que devo responder, pedirei novamente a palavra para esse fim.

O sr. Avila: — Eu quero unicamente ponderar que a substituição do sr. deputado Louzada não ficava prejudicada sendo tomada em consideração depois de approvado o artigo 1.º

O pensamento que domina na substituição do sr. Louzada é que se não dê ao governo uma auctorisação para fazer um caminho de ferro sem que se approve o contracto, por virtude do qual se ha de fazer essa construcção, ou sem que se votem os meios precisos para essa mesma construcção.

Pela minha parte intendo que era melhor que se fizesse uma lei geral de caminhos de ferro, por virtude da qual o governo ficasse auctorisado a abrir concurso e acceitar propostas: entretanto como não acontece isto, e como só tenho diante de mim o projecto da illustre commissão, intendo que o não posso rejeitar tractando-se simplesmente da approvação do artigo 1.º O artigo 1.º diz — E auctorisada a construcção de um caminho de ferro de Lisboa á fronteira de Hespanha, passando por Santarem. — Ninguem póde rejeitar este artigo, porque nenhum de nós quer, que não se construa este caminho. No artigo 2.º estabelece-se, que essa construcção não possa effectuar-se sem que o contracto respectivo seja approvado pelas côrtes, ou sem que sejam votados por lei os meios necessarios para a mesma construcção. Ninguem póde rejeitar este artigo, que é uma homenagem á prerogativa parlamentar. Segue-se o artigo 3.º, e quando se tractar delle, declaro desde já ao illustre deputado que hei de tomar em consideração a sua substituição, que tem alli o seu logar proprio. Eu desejava pois, que o illustre deputado tivesse a docilidade de não insistir no que propõe, e reservasse a sua substituição para quando se tractar do mesmo artigo. A substituição do illustre deputado remove uma grande parte das difficuldades que a redacção do artigo 3.º apresenta, difficuldades, que eu hei de apontar quando se entrar na discussão do mesmo artigo. Repilo, que o mais conveniente é discutirem-se e approvarem-se os artigos 1.º e 2. pelos quaes eu voto, e tractar no artigo 3.º da materia da substituição que foi mandada para a mesa.

O sr. Louzada: — Sr. presidente, o illustre deputado o sr. Avila previniu-me em uma grande parte do que eu queria dizer sobre a razão que tive para não esposar a doutrina do artigo I. quanto á sua inserção neste projecto de lei. Eu continuo a persistir na idéa de que não deve auctorisar-se caminho de ferro nenhum senão depois que o governo tiver apresentado a proposta de contracto definitivo com todos os traçados, planos, ou plantas conforme o julgar melhor e mais conveniente: e bem assim em quanto igualmente não houver indicado os meios pelos quaes esse projectado caminho hade poder ser levado á execução.

Não me parece que este artigo 1 º deva passar como está, porque póde haver posteriormente á publicação desta lei o reconhecimento de que este caminho deva

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passar por outro logar que não seja o designado no artigo, e por tanto isso que se quer aqui determinar de um modo certo e preciso, não me parece conveniente, porque e se depois se conhecer que não convem seguir o traçado já indicado, fica o governo embaraçado de poder fazer a alteração que fôr julgada mais conveniente. (O sr. Avila: — Não o pode fazer) Pois então se se reconhecer que havia mais conveniencia em que o caminho fosse por outro sitio que não seja o de Santarem, já se vê que não se poderá depois de passar este artigo 1.º determinar outro ponto?... (Vozes: — Não póde) Então porque auctorisamos um contracto e designarmos desde já um caminho ou logar por onde deva passar a linha ferrea sem lermos presentes os traçados e mais plantas, em vista dos quaes possamos vêr até que ponto é vantajosa a direcção que se lhe indica? Além de que, como hei de eu auctorisar uma cousa sem saber porque ella se faz, nem porque modo, nem porque meios haja de ser levada á execução?!! Eu mesmo ignoro qual seja o motivo particular que haja para desde já determinar-se que o caminho á fronteira de Hespanha deva passar por Santarem, ignoro se ha nisso alguma conveniencia; e conseguintemente em quanto se me não provar e demonstrar qual seja essa grande conveniencia, eu não posso por isso prestar o meu voto ao artigo 1 0 do projecto, e como lho não posso dar, intendia ser mais conveniente o substituir a minha emenda no projecto da commissão, para com ella sómente nos occuparmos agora com o negocio das expropriações, deixando tudo o mais para quando vier o projecto dos traçados e as mais plantas respectivas ao caminho de ferro que está em projecto O artigo 2.º eu tambem o reputo inutil, porque acho escusado o dizer-se aqui, que o governo ha de fazer aquillo que já por disposições anteriores elle é obrigado a fazer: o governo é obrigado a trazer á camara o contracto definitivo independentemente de ser aqui consignada uma similhante prescripção. O artigo 3.º tambem o julgo desnecessario, e julgo que o projecto ficando reduzido ás proporções da substituição que mandei para a mesa, ficará como deverá ficar, isto é, limitado ao preciso para que o governo, as auctoridades e quaesquer empresarios se vejam desassombrados dos embaraços que a lei actual de 23 de julho de 1850 ainda apresenta a quem tem de requerer qualquer expropriação por utilidade publica.

O sr. Placido de Abreu: — Sr. presidente depois da explicação fiança e leal que deu o sr. Justino de Freitas, ácerca da maneira porque o artigo 1.º foi assim redigido, e da necessidade de passar como está, parece-me que deviam ter cessado todos os escrupulos. O illustre deputado mesmo não sabia como apresentar as duvidas que dizia ler a respeito da determinação deste artigo; porque s. s.ª umas vezes tem fallado em expropriações, mitras nas garantias á propriedade, outras em não se dever conceder a auctorisação sem prévia apresentação do traçado, emfim muitas cousas que não veiu nada, inteiramente nada para o objecto ou materia do artigo 1.º E como este artigo é a proposição generica de que haja um caminho de ferro, parece-me que não pode sustentar-se discussão sobre elle: quando se tractar do artigo 3.º, então é que tem todo o cabimento tractar da materia da substituição apresentada pelo illustre deputado.

E pondo-se lago á votação o

Artigo 1.º — foi approvado.

Artigo 2.º — approvado. Artigo 3.º

O sr. Avila: — Sr. presidente, a proposta originaria do governo dizia o seguinte — «As expropriações «a que fôr necessario proceder-se para a construcção “ dos caminhos de ferro e suas dependencias, são declaradas de utilidade publica, a qual será reconhecida e decretada pelo governo.» — Esta redacção comprehende quasi o pensamento da substituição apresentada pelo sr. Louzada; esta redacção foi substituida pela commissão da maneira seguinte — «As expropriações que forem necessarias para a construcção deste caminho de ferro (o de leste) e suas deu pendencias são declaradas de utilidade publica; e fica desde já o governo auctorisado a leva-las a effeito.» — Eu peço licença á commissão para lhe dizer que este fica desde já, é uma cousa que não posso comprehender. O artigo 3.º diz o seguinte — «O contracto ou outros quaesquer meios porque a construcção houver de ser levada a effeito ficam dependentes da approvação do poder legislativo.» — Ora ninguem negará que as expropriações são uma parte importante do contracto, e da despeza da construcção do caminho de ferro. Por consequencia se o caminho de ferro é feito por uma companhia, esta companhia faz as despezas das expropriações, se não ha algum I contracto especial entre a companhia e o governo, por virtude do qual o governo carregue com as despezas das expropriações; mas não se pode negar que, se por ventura o governo carregar com estas despezas, o governo precisa que se lhe votem os meios necessarios para lhes fazer frente: e se ellas ficam a cargo da companhia, é evidente que os meios para essa despeza estão no respectivo contracto entre o governo e a companhia.

O artigo 2.º comprehende os meios, por virtude dos quaes se hão-de fazer as expropriações; mas tendo-se votado já o artigo 1.º, por elle não se dá ao governo senão a auctorisação pera a construcção de um caminho de ferro, auctorisação que é restringida pelo artigo 2.º, em relação ao qual se disse que, apesar de que a construcção é auctorisada, comtudo essa auctorisação não poderá ter effeito em relação ao thesouro, sem que por uma lei sejam votados os meios necessarios para a mesma construcção. E foi por esta occasião que o meu amigo o sr. Castello Branco, respondendo u observação que eu fiz quanto á inauguração do caminho de ferro, cuja construcção não estava auctorisada, disse: — Se por ventura a companhia quizer numa quinta começar agora os trabalhos de um caminho de ferro, ninguem lh'o poderá prohibir; mas essa despeza que ella fizer, nada tem com o thesouro. Até ao momento em que se approvou o 1. e o 2.º artigo, não se concedeu ao governo cousa nenhuma, porque o governo não póde fazer o caminho de ferro, visto que ainda não se acham votados os meios, nem pode fazer construir o caminho de ferro por uma companhia, porque o contracto ainda se não acha approvado.

Pergunto pois á commissão o que é que ella quer dizer pelo artigo 3.? Quererá dizer que o governo fica auctorisado desde já a levar a effeito as expropriações? Importa isto dizer que o governo póde fazer expropriações logo que este projecto se converta em lei? Se imporia, está este artigo em contraposição com o artigo 2.º E com que meios ha-de o governo pagar as expropriações?

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O sr. ministro das obras publicas foi muito explicito nas respostas que deo ás minha? perguntas, e s. ex. deu explicações, que eu já tinha perdido a esperança de ouvir, em vista do que o illustre ministro linha dicto na sessão precedente. Parece-me que s. ex.ª disse na sessão precedente que por maiores que fossem as provocações da camara, ou de alguns srs. deputados, não diria nada do contracto em quanto elle se não achasse concluido (O sr. Ministro das obras publicas: — Nesse intervallo assignei eu as bases) proposição que foi applaudida estrondosamente pela camara intendi que o nobre ministro podia ter motivos de conveniencia, pelos quaes não quizesse dizer cousa nenhuma, mas pareceu-me que o querer a camara ignorar o que havia neste negocio, era ministerialismo de mais.

O illustre ministro acaba de dizer que assignou as bases nesse intervallo, portanto pôde depois dar as explicações que antes havia negado; mas s. ex.ª não foi comtudo bastante explicito nas suas respostas á pergunta que eu lhe dirigi sobre expropriações. Todas as minhas duvidas a este respeito consistem em saber se o nobre ministro intende que este projecto convertido em lei e auctorisação bastante para fazer expropriações; isto é, se póde fazer estas despezas, quando o artigo 2.º diz expressamente que é necessario que se votem os meios para que essas despezas possam ter logar. Veja a illustre commissão como ha-de responder a isto. Já ouvi dizer que o pensamento que a commissão teve em vista foi que, como estas expropriações dependem do traçado do caminho de ferro, e como este traçado não está ainda approvado, nem o podia estar sem estar tambem approvado o contracto, o desde já do artigo 3.º não podia dizer cousa nenhuma. Se isto assim é, então tire-se do projecto, porque é uma decepção.

Desejo portanto chamar a attenção da camara e da illustre commissão para a redacção do artigo 3.: provavelmete as explicações que me serão dadas não me satisfarão, mas reservo-me para propôr a eliminação da ultima parte deste artigo, depois dessas explicações.

O sr. Cardozo Castello Branco — Eu vou explicar qual foi o pensamento da commissão, e parece-me que á vista das explicações que vou dar, ha-de ficar satisfeito o illustre deputado. Póde ser que a redacção do artigo precise de alguma emenda; mas talvez que não precise depois das explicações que pretendo dar.

Já disse quando fallei a primeira vez, que neste negocio de expropriações ha duas operações a considerar — a primeira é a da verificação e declaração da utilidade publica das expropriações; — a segunda é a da liquidação e reparação dos prejuizos que resultam destas expropriações — A lei actual estabelece processos para cada uma destas operações. Para se verificar e declarar a utilidade das expropriações, estabelece a lei de 23 de julho dois meios, ou estas expropriações se declaram por lei quando a lei diz que se devem fazer em taes e taes propriedades; mas quando a lei só declara em geral a utilidade da expropriação sem declarar que ella se deve fazer em certas e determinadas propriedades, então a expropriação deve fazer se por um decreto, e para se fazer por um decreto estabelece a lei um processo muito moroso. Segue-se a liquidação e reparação dos prejuizos que residiam das expropriações: para isto tambem ha dois

processos na lei actual, um que chamarei processo ordinario, e que tambem é mais moroso, e outro mais summario, ou summarissimo, que tem logar quando se declara de urgencia a expropriação.

Eis-aqui os processos que a lei actual estabelece para se verificar e declarar a utilidade das expropriações, e para se liquidar e reparar a importancia dos prejuizos cansados. A commissão intendeu que estes processos eram demorados, e que para as expropriações de um caminho de ferro devia haver uma providencia especial. As expropriações de um caminho de ferro não estão na mesma proporção que estão as de outra qualquer obra publica, muito principalmente sendo uma linha ferrea tão extensa como é a que parte por Lisboa á fronteira de Hespanha, a qual exige grande numero de expropriações, para cada uma das quaes não era possivel fazer-se lei especial. Portanto a commissão intendeu que devia adoptar-se um meio que abbreviasse a morosidade que a lei estabelece para expropriações, e intendeu que não havia inconveniente algum em que o processo das expropriações, isto é, o processo pelo qual se deve considerar de utilidade publica uma expropriação, começasse desde já; porque o caminho de ferro não se póde demorar muito tempo logo depois de começado; depois das obras começadas, os trabalhos hão-de continuar motu continuo; não é possivel que se esteja á espera de se verificar se são, ou não, de utilidade publica as expropriações que se julgar necessario fazerem-se.

Foi por todas estas razões que a commissão intendeu, que não havia inconveniente algum em começar desde já o processo de liquidação dos prejuizos que resultam das expropriações, mesmo antes de fazer-se o contracto com a empreza; por isso que havendo urgencia e conveniencia em que começassem os trabalhos do caminho de ferro, era comtudo impossivel fazerem-se as expropriações segundo o processo ordinario estabelecido na lei de 23 de julho de 1850.

Mas perguntou o meu amigo o sr. Avila — quem paga estas expropriações? A isto responderei: que por ora ninguem as paga; os meios com que ellas devem ser pagas, estão providenciados no artigo 2.º: o governo póde começar o processo não só para a expropriação considerada de utilidade publica; mas para a liquidação dos prejuizos, até ao ponto que tudo esteja prompto, a fim de ter logar a indemnisação estabelecida na carta constitucional. Eis aqui qual é o pensamento da commissão; póde ser que elle não esteja bem explicito no artigo do projecto, mas em todo o caso póde approvar-se o artigo, salva a redacção

O sr. Cunha, Sotto-Maior: — Eu approvei tanto o 1, como o 2.º artigo do projecto, e nisto dei um documento da minha sinceridade nesta questão, se acaso ella podia ser posta em duvida: agora parece-me que a camara me ha de dar licença para não approvar o artigo 3.º, e não o approvo porque não quero ser contradictorio comigo mesmo. A maioria póde ser contradictoria quantas vezes quizer; mas o que não póde é pertender que eu seja contradictorio comigo, e com aquillo que ha pouco approvei. Eu approvei o artigo 2.º que diz — o contracto, ou outros quaesquer meios porque o caminho de ferro ha de ser levado a effeito, dependem da approvação do corpo legislativo — e no artigo 3.º diz-se — o governo

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fica desde já auctorisado a levar a effeito estes meios — Ora este artigo é que eu não posso approvar; não foi para approvar absurdos, que Deos me deu uma tal ou qual intelligencia.

Este artigo 3.º está em hostilidade aberta e mani- festa com o artigo 2.º que a camara já approvou, e com o artigo 5.º que ha de approvar: porque pelo artigo 3.º fica o governo desde já auctorisado para expropriar, e não se falla no previo pagamento das expropriações. O sr. Cardoso Castello Branco disse ha pouco que não se tractava de indemnisar a expropriação, que isto ficava para depois. — Declaro que não sou da opinião do illustre deputado, apesar de reconhecer que s. ex. é um abalisado jurisconsulto, na maneira como quiz intender a lei de 23 de julho de 1850. Posso concordar em que o processo estabelecido por esta lei seja um tanto moroso; mas permitta-me o nobre deputado lhe diga, que nesta lei de 23 de julho ha o, artigo 50) º, que estabelece um processo summario. E este artigo, que ninguem quer citar, que eu cito e que vou lêr á camara... (Uma voz: — E para casos de urgencia). Se admittis o mais, admitti o menos. Pois de que se tracta se não da urgencia? De que se tracta, é de reconhecer urgente a expropriação, como caso de utilidade publica; e sendo necessario proceder-se a esta expropriação, considerada como urgente, a urgencia acha-se declarada na lei de 23 de julho, de uma maneira muito mais clara do que pede a commissão e o governo. (Apoiados)

Eu vou lêr o artigo 50.º, e parece-me que depois de o lêr, se ha-de reconhecer, que este artigo 3.º do projecto é inutil, ou é um pleonasmo redundante, e nada mais. Peço a attenção da camara para o artigo 50.º que diz o seguinte. (Leu.)

Ari. 50.º «Quando depois de verificada, e declarada a utilidade publica de qualquer expropriação, nos lermos da presente lei, houver urgencia em começar, continuar, ou concluir a obra, e fôr prejudicial esperar para isso, que na expropriação ou occupação temporaria das propriedades para ella necessarias, se preencham todas as formalidades estabelecidas por esta lei para a liquidação e indemnisação, declarada a urgencia por decreto, a auctoridade, companhia, empresario ou individuo, que pertender á expropriação ou occupação, requererá que se proceda á avaliação, na conformidade do artigo 16.º e seguintes; e feita ella, havendo opposição, fará o deposito provisorio, na conformidade do artigo 46.º, e com o respectivo conhecimento, requererá, e o juiz lhe mandará dar posse da propriedade, e o processo proseguirá seus termos, segundo o mesmo artigo 46.»

Que mais quererá o governo e a camara O que o governo quer é expropriar e não pagar; porque se acaso o governo quizesse expropriar e pagar, não era necessaria toda esta balbúrdia em que tem lançado a camara. (Uma voz: — Lá está o artigo 5.º). É verdade que o artigo 5.º estabelece o previo pagamento; mas este artigo 3.º diz — que fica o governo auctorisado desde já para fazer as expropriações — pois se assim é, eu tenho o direito de perguntar ao governo, com que meios conta para pagar as expropriações?

Li este artigo é muito misterioso para mim; póde ser que o não seja para aquelles que estão mel tidos nos arcanos do caminho de ferro; mas para mim o artigo suscita mais de uma apprehensão, e uma das que me occorre neste momento, é que na somma dos 50 contos de réis determinados para cada kilometro, não se comprehende o preço da expropriação....

O sr. ministro das obras publicas: — Comprehende.

O Orador: — Pois se comprehende, a companhia deve estar habilitada com o numerario sufficiente para expropriar e pagar; mas isto não está claro, porque no artigo 3.º diz-se que fica o governo auctorisado para expropriar, e não se falla no pagamento; a este respeito não se diz uma unica palavra.

E que significa dizer que o governo fica auctorisado desde já para expropriar, quando no artigo 2.º se diz que os meios porque a construcção houver de ser feita, ficam dependentes da approvação do corpo legislativo? Não posso por tanto votar por este artigo, e permitta a commissão dizer que tenho este artigo por provisão encapotada, lin desejo fallar de uma maneira clara, e dizer aquillo que sinto, ale mesmo para que, se nesta casa houver uma intelligencia mais pequena que a minha, o que não creio, mas suppondo mesmo que a haja, essa intelligencia compreenda bem o meu pensamento.

Esta questão não é uma questão de logica nem de principios, é uma questão de grammatica; e logo que se diz — fica desde já o governo auctorisado a levar as expropriações a effeito — eu tenho direito de perguntar onde está o dinheiro para se se pagarem. A expropriação não póde ter logar senão depois do previo pagamento; e por conseguinte, a camara não póde ter duvida em acceitar as minhas observações, visto que não as acceitando póde dar-se o caso do governo ficar armado para expropriar e não pagar; porque em querendo pagar recorre ao artigo 5.º da lei, e em não querendo pagar recorre ao artigo 3.º Se acaso acontecer que o governo tenha de expropriar a propriedade de um seu valido, ou amigo, applica o artigo 5.º, e se acaso acontecer que a propriedade é de um cabralista, ou de um seu inimigo, o governo applica-lhe o artigo 3.º A este, diz-lhe — espere para depois — e ao outro paga-lhe logo; de maneira que u lei tem um sim e um não, e por consequencia eu não posso votar por ella.

Portanto, ainda que estou morto pelo caminho de ferro, e que deseje fazer-lhe algum serviço de lai modo que se o governo estabelecesse uma quotisação para o caminho de ferro, e eu não tivesse essa quota, pedia ao governo que trocasse a minha quotisação por um trabalho braçal; não obstante tudo isto, digo que não posso approvar o artigo tal qual se acha. Portanto, como a carta garante o direito de propriedade, intendo que não deve haver a menor duvida em se modificar o artigo, e por isso mando para a mesa uma proposta para se eliminar a ultima parte do artigo 3.º

É a seguinte

Proposta. — «Proponho a eliminação das palavras — e fica desde já o governo auctorisado a leva-las a effeito.»»! — Cunha Solio-Maior.

Foi admittida:

O sr. Justino de Freitas — Sr. presidente, não posso deixar de me mostrar maravilhado pelo zelo que os illustres deputados teem mostrado no empenho de combater este artigo, parecendo desconhecer a propria legislação que fizeram em 1850. Até agora o governo podia fazer aquelles caminhos que quizesse, podia fazer as estradas á vontade, e como muito bem lhe parecesse, porque na lei de 23 de

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1850 se achara determinado o modo de proceder ás expropriações que fossem necessarias para esse fim. Por esta lei se determinou o modo do se expropriar certa e determinada propriedade, e isto por uma lei, ou quando a expropriação fôr urgente por um decreto do executivo; mas os illustres deputados já esqueceram o que esta lei determina, e não querem consentir que o governo obre em conformidade com o que ella dispõe. (Uma vou: — Não é para o caminho de ferro.) Então os illustres deputados não tiveram esse cuidado e esse zelo que agora mostram pelo direito-de propriedade, para perguntar ou exigirem que se apresentassem os meios para pagar a expropriação que se pertendesse fazer. (O sr. Avila: — É porque nunca se abusou da palavra dessa maneira). O sr. deputado ainda hontem abusou da palavra para explicar o modo por que se fazem os caminhos de ferro na Allemanha, e eu estou mostrando que os illustres deputados estão desconhecendo a legislação que fizeram. (O sr. Avila: — O illustre deputado é que não conhece essa legislação). Conheço-a muito bem, e a commissão não quiz collocar o governo em peiores circumstancias do que o estava pela lei de 23 de julho de 1850, porque se acaso quizesse approvar a proposta do governo, não fazia cousa nenhuma, porque o governo estava auctorisado a expropriar como quizesse, decretada que fosse a utilidade publica; mas a commissão intendeu que devia offerecer esta garantia para se proceder á construcção do caminho de ferro, e a discussão tem mostrado que ella previu as duvidas que podia haver, se não tivesse vindo este artigo.

Mas diz-se — ha uma contradicção em se approvarem as expropriações, sem estar primeiramente approvado o contracto do caminho de ferro. — Ora, eu não sei que o contracto tenha alguma cousa com as expropriações; o governo póde contractar sem fazer expropriações, podia expropriar por si, póde mesmo ajuntar-se com o empresario por differentes modos para fazer estas expropriações; póde tomar sobre si esse risco, e no caso de não ser approvado o contracto correr elle o risco sobre si; por consequencia persuado.me que não ha inconveniente algum em pôr esta declaração que a commissão consignou no artigo 3.º — fica desde já o governo auctorisado a leva-las a effeito — o modo de se fazerem estas expropriações lá está na lei, e é por isso que se inseriu no projecto o principio do artigo 5.º Não ha, portanto, perigo em se declarar, que as expropriações serão desde já levadas a effeito, e que se os nobres deputados intendem que o governo vai fazer expropriações, podem depois accusa-lo. (O sr. Cunha: — Depois do roubo practicado). Pois o illustre deputado chama roubo pagando-se? Aqui está o artigo 5., que diz o seguinte (Leu). Esle principio está consignado na lei de 23 de julho, e por consequencia não ha esse perigo que o illustre deputado antevê, e a commissão persuado-me que não podia proceder de outro modo, mesmo para evitar quaesquer duvidas em vista do artigo 1.º e do artigo 2.º

Agora em quanto á objecção do sr. Cunha, direi que quasi toda a lei de 23 de julho foi tirada da lei de 3 de maio de 18-11, e que todos que tem escripto sobre ella reconhecem que o processo é moroso, e lamentam que os jurisconsultos que entrevieram na sua feitura, não reconhecessem que a disposições dessa

lei embaraçavam a marcha rapida que muitas vezes deve haver nestas expropriações; o eis aqui as razões porque a commissão julgou dever abbreviar o processo, quando se reconheça que as expropriações são urgentes e de utilidade publica. A Commissão bem sabe o artigo 50 da lei de 23 de julho, mas intendeu que devia dar mais uma garantia aos expropriados, que é a da audiencia do conselho de obras publicas, e proceder ás informações que fossem necessarias; por que até aqui o governo pela urgencia podia decretar e proceder immediatamente ás expropriações, hoje não póde sem se verificar esta condição de ser ouvido o conselho de obras publicas, e sem proceder a todas as informações necessarias. Eis aqui a razão porque a commissão exarou o artigo desta maneira; e parece-me portanto que não póde ser arguida de tomar todas as medidas que dessem as maiores garantias aos expropriados nas providencias que o governo houver de adoptar.

O sr. Corrêa Caldeira: — Sr. presidente, deixei de fallar na generalidade deste projecto, e votei pelos artigos 1.º e 2.º, respondendo assim ao cumprimento que n'uma das sessões passadas dirigiu a este lado da camara o sr. Casal Ribeiro, quando disse, que os deputados da direita não queriam caminhos de ferro. Ainda bem que o sr. Casal Ribeiro já sabe que os deputados da direita querem caminhos de ferro. Mas s. ex.ª que duvidou do que nós queremos, ou nos attribuiu o que não queremos, é justo que saiba o que não podemos querer.

Sr. presidente, para os deputados deste lado da camara não quererem caminhos de ferro, era necessario que fossem ignorantes, e desconhecessem que os caminhos de ferro são hoje o mais poderoso elemento da civilisação, que tende a destruir todas as barreiras que separaram uns dos outros, durante todo o tempo que comprehende a historia, os differentes povos. Acredito que o illustre deputado, posto que nosso adversario politico, não levará a injustiça de suppôr os deputados da direita ignorantes até este ponto; pelo menos nem nós acceitamos o diploma, nem a competencia do juiz. (Apoiados da direita) Mas assim como os deputados do lado direito jámais quizeram que o caminho de ferro do norte fosse pretexto para se espoliar o banco de Portugal do fundo de amortisação, assim tambem não querem que o caminho de ferro de leste sirva de pretexto para dissipações do governo; que seja invocado para com elle se justificarem e sustentarem todos os caprichos, todas as demazias, todas as usurpações que tem commettido este gabinete. (O sr. ministro das obras publicas: — Peço a palavra por parte do governo) e que para, a todo o risco e a todo trance, sustentar uma companhia que não está sufficientemente habilitada, se passe por cima de todas as leis, de todos os principios, e de todas as formulas do governo representativo. Isto é o que a direita não quer, e que tem direito de não querer.

O sr. ministro da obras publicas, mostrou-se neutro dia como particularmente offendido Me eu lhe ter dicto que as condições do caminho de ferro deviam ter sido ha muito tempo presentes ao corpo legislativo, porque nesta fórma de governo não ha misterios. S. ex.ª disse em voz altisonante, que se a minha insinuação tendia a provoca-lo a que desse conhecimento á camara das condições desse contracto, declarava altamente que não as havia de revelar em quanto o contracto não estivesse assignado. — Esta

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declaração foi estrepitosamente applaudida, o confesso a verdade que me admirou mais o applauso do que a declaração do sr. ministro; porque esse applauso, perdõem-me os illustres deputados, é o esquecimento da regra fundamental desta fórma de governo. (Uma voz: — Está enganado) Se estou enganado, perguntarei o que significa a occultação, e a difficuldade das revelações sobre este ponto? Sr. presidente, o que isto significa é que as condições do contracto não são as condições do programma o concurso publico, e que portanto esse concurso publico foi uma burla; que o contracto foi mais oneroso do que devia ser, se fosse feito sobre as bases do programma, porque, se fossem as mesmas, não havia necessidade de fazer misterios desse contracto. Os illustres deputados já se esqueceram do que se tem escripto, desde ha muito tempo, dessa maxima tão apregoada — de que os contractos das obras publicas som praça davam largas a todas as inferencias desairosas para os ministros que os faziam — ] Não faço eu essas inducções, porque o meu fim não e irrogar a menor injuria ao illustre ministro das obras publicas ou ao ministerio.

Tambem s. ex.ª sendo-lhe lembrado, que tendo concorrido tres companhias a este concurso publico, era melhor que se tivesse posto novamente em praça O contracto com as modificações que se fizeram nas suas bases, perguntou como o havia de fazer, se só uma destas companhias satisfez á caução provisoria 1 Pois tão importante é essa condição, que fallando a todas as outras, o sr. ministro insistisse comtudo em contractar com essa companhia? Pois fazem-se innovações ião importantes no contracto, como aquellas de que já fallei, e não se põe de novo em praça?

Tem por ventura s. ex. a segurança de que senão obteriam com outra companhia condições tão vantajosas como as que s. ex. diz que tom obtido desta? Não sei em que s. ex. se funda. Ignora pois s. ex. que apesar de todas as modificações feitas no contracto que antes declarou, ainda assim o preço do caminho de ferro por kilometro, comparado, fica inferior nos contractos feitos nos paizes da Europa, excepto os primeiros contractos do caminho de ferro de Inglaterra, que, como já explicou o illustre deputado e meu amigo o sr. Avila ficou carissimo? Não se trouxeram aqui já para exemplo os ultimos calculos feitos na Suissa, sobre caminhos de ferro! Quererá s. ex. que lhe lembrem os da Algeria? Quererás, ex. tambem que lho lembrem os contractos feitos em Hespanha? Pois se esses contractos ficando por menos custo que os nossos ainda assim se reputam lezivos em todas as suas condições, como é que s. ex. póde comparar aquelle que se pertende fazer entre nós? Que necessidade haverá de os pagar tão caro, sem se recorrer primeiro a todos os meios possiveis para alterar um preço mais barato?... Eu linha necessidade de entrar neste campo, porque s. ex. n'outro dia intendeu que essa insinuação se dirigia á sua pessoa; não tenho motivo pessoal de despeito, não devo injuria, nem beneficio a s. ex., não pertendo nem quero injuriar o nobre ministro: faço aquillo que julgo conveniente em desempenho do meu dever como deputado da nação, porque tenho obrigação de investigar os actos dos srs. ministros, e approva-los ou censura-los, quando intenda que isso deva fazer.

O illustre deputado o sr. Justino de Freitas, porque os deputados da direita tinham duvida sobre o modo como está redigido o artigo, disso que não intendiam a lei de 23 de julho de 1850. Ora na verdade não esperava que o illustre deputado a quem tracto ha muito tempo com especial deferencia, viesse lançar uma insinuação desta natureza na camara tanto mais indisculpavel, quanto menos provocada. «Os deputados da direita que approvaram a lei de 23 de julho de 1850, só agora têem zelo por se pagarem as expropriações, pois que até então podia o governo decreta-las e não lhes importava que as pagasse.» Não sabe o illustre deputado que a lei de 23 de julho estabelece regras geraes sobre as expropriações, tornando o seu pagamento inteiramente dependente, para essas differentes obras, da discussão do orçamento? (O sr. Avila: — E a lei das estradas) Não sabe que estava votada a lei das estradas que marcava a cifra que se podia dispender?... Assim não é que se argumenta, e peço ao nobre deputado note que não era este o ponto das observações que a direita tinha feito com relação a este artigo.

A lei de 23 de julho de 1850 tractou da expropriação por utilidade publica, e a camara perdoe-me (visto que os deputados da direita foram accusados de não saberem da lei) que diga alguma cousa sobre ella. É sabido que a propriedade é um direito respeitavel, respeitabilissimo, e sobre o respeito desse direito é que se funda a sociedade politica; mas esse direito é limitado de um lado pelo direito de terceiro, e por outro lado pela utilidade publica; quando é limitado pelo direito de terceiro não tem perigo algum a correr, porque o direito de terceiro ninguem o desconhece, e lá tem os tribunaes que o protegem; mas quando esse direito é limitado por utilidade publica, então o perigo é grande, porque de um lado fica o cidadão só, isolado, combatendo n'uma lucta desigualissima com o poder publico, coma sociedade, e com o interesso collectivo que toma o nome de utilidade publica: para se decidir esta contenda é que se torna necessaria uma garantia que estabeleça condições tão bem calculadas, que nem a utilidade publica fosse sacrificada aos interesses individuaes, nem q interesse do cidadão fosse, sem garantia nenhuma, espesinhado e sacrificado a uma supposta utilidade publica, que muitas vezes póde ser que seja falsamente invocada.

Sr. presidente, da necessidade de conciliar estes dois principios, nasceram differentes leis: em França por exemplo, as leis sobre expropriações datam de 1790 As leis dessa época, e de 1793 deixaram esta legislação n'um vago de difficuldades, de que resultaram uma immensidade de inconvenientes Veiu a lei de tantos de setembro de 1807, que para cortar as difficuldades das leis anteriores, entregou ao governo a faculdade de declarar de utilidade publica, decretar a expropriação, e fixar o preço della; e ficou por consequencia o interesse da propriedade particular inteiramente exposto ás demasias e caprichos do governo. Isto deu logar a uma immensidade de queixas que trouxeram em resultado alei de 8 de março de 1810, pela qual quasi se remediaram parte dos inconvenientes das leis anteriores, e em virtude della a declaração de utilidade publica ficou ainda pertencendo ao governo; mas a expropriação e indemnisação foram entregues aos tribunaes. Appareceu todavia uma reacção em sentido contrario á primeira, por causa de delongas no processo; houve clamores e muitas queixas; porque as partes muitas vezes não queriam ceder, por ler havido exaggeração nas avaliações e

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uma serie de difficuldades que produziram a lei de 1833. Esta lei de 1833 quiz conciliar de novo os differentes inconvenientes, e estabelecendo, por assim dizer, quatro periodos na expropriação por utilidade publica, e admittiu a intervenção do jurado na avaliação das expropriações. Apparecendo porém novas difficuldades, veiu depois a lei de 3 de maio de 1844, que reproduziu a parte essencial das disposições da lei anterior; mas que teve por fim principal, segundo o seu curto titulo, a execução provisoria, ficando o governo auctorisado para decretar a urgencia de certos trabalhos. E notem os illustres deputados que na lei de 3 de maio de 1841, cujas disposições a este respeito estão substanciadas no artigo 50 da lei de 23 de julho, se contém todas ás regras do processo.

Feito este rapido esboço, pergunto agora — que quiz fazer a commissão? Se a lei declara a utilidade da expropriação de certa e determinada propriedade, acabam todas as difficuldades (Apoiados) e principia o processo da liquidação, que não tractarei de extender miudamente á camara para não a fatigar. Mas decretada a expropriação por lei ou decreto o empresario ou o governo requer, com o documento que a decretou, que sejam citados todos os individuos interessados na propriedade, a que venham a juizo declarar, qual a natureza da mesma propriedade, e quaes os encargos que tem, e finalmente nomearem-se louvados. Seguem se a isto differentes fórmas estabelecidas na lei; vem a sentença, e depois da sentença o deposito do valor da indemnisação; e finalmente com o conhecimento, de que está verificado o deposito, o empresario ou o governo requerem ao juiso, que lhes seja adjudicada a propriedade. Isto é pouco mais ou menos o processo da lei de 3 de maio.

Decretada pois a urgencia nada ha mais a fazer, senão o deposito, em que os louvados concordarem com relação á propriedade, e a expropriação corre por diante, embora se dilate.

Parece-me pois. que estabelecida no projecto, pelo artigo 3.º, a these geral de que as expropriações são declaradas de utilidade publica, nenhum obstaculo poderia achar-se na execução da obra, de que se tracta; e que por tanto, era só e unicamente isto, que a illustre commissão devia querer. Porém não foi assim: a commissão accrescenta as palavras, que estão no fim do artigo 3.º — fim desde já o governo auctorisado a leva-las a effeito.

Ora apezar das explicações dadas a este respeito, principalmente pelo illustre deputado o sr. Cardoso Castello Branco, não posso comprehender, qual a razão que justifique estas palavras, que apenas se me apresentaram nos olhos, me suscitaram graves apprehensões a respeito deste projecto, e muito mais depois das explicações; porque, uma de duas, ou se ha de concordar na sua eliminação, como propoz o meu illustre amigo o sr. Cunha, ou a insistencia na conservação dellas significa, o que disse o mesmo sr. Cunha, que o governo continuando no seu proposito de sustentar uma companhia, que não tem meios para emprehender a obra que se vota, quer auxilia-la, fazendo elle todas as expropriações á sua custa. E nem póde ser outro o verdadeiro fim da insersão destas palavras no artigo; porque declarado o principio, de que estas expropriações são de utilidade publica, não é necessario auctorisar o governo a começar o processo..

Sr. presidente, o que estas palavras significam é,

que a companhia não existo legalmente habilitada, não está convertida em sociedade com os seus estatutos, nos termos do codigo commercial, devidamente approvados, nem está habilitada, porque não tem meios para pagar as expropriações, e quer-se a todo o custo que continue para continuarem estas especulações politicas (O sr. Cunha: — Commerciaes): sim commerciaes (O sr. Ministro das obras publicas: — Eu tenho a palavra, e logo responderei): por isso o governo obtem por este modo, menos claramente, uma auctorisação para elle começar desde já a pagar estas expropriações: porque note v. ex. bem, que o sr. ministro provocado hontem, não disse nada que contrariasse isto, que eu acabo de dizer.

Agora pergunto eu, apparecendo no orçamento uma verba para o caminho de ferro de 580 contos, é verdade que ainda não está approvada, tem essa resposta; mas combinando uma cousa com outra, se passar este artigo como está, com que direito amanhã hei-de eu accusar o governo, auctorisado pela disposição do art. 3., se intentar uma expropriação e não a pagar?

Intendo pois de absoluta necessidade de que a illustre commissão explique claramente qual a sua intenção ou o pensamento, que teve inserindo aqui disposições que não estavam na proposta do governo; que declare, digo, a sua intenção formalmente a camara, para que em materia de tanta gravidade ella possa votar desassombradamente. Se por este projecto se quer desde já habilitar o governo a fazer as expropriações pagando-as á sua custa, a fim de que os trabalhos do caminho de ferro continuem, então voto essa auctorisação ao governo, mas voto-a com a consciencia do que vai votar. O que nós não queremos é que debaixo de palavras misteriosas se vote uma couza em que possa parecer que não entrámos bem; não senhor, nós queremos votar contra ou a favor, como intendermos, mas com as palavras no seu sentido natural.

Mas sr. presidente, a camara votou no art. S.º que o contracto do caminho de ferro, ou outro qualquer meio de se levar a effeito esta obra hão de ficar de-dependentes da approvação do corpo legislativo, e quer votar agora no art. 3.º uma disposição que annulla completamente essa garantia do art. 2.º! Pois não sabem todos que a importancia dessas expropriações são um grande elemento do augmento da despeza desta obra 1 Pois não se tem ouvido aqui todos os dias que as despezas enormissimas com as expropriações para o caminho de ferro em todos ou em quasi todos os paizes da Europa, são os que leiu elevado o custo destas construcções a sommas fabulosas? Pois tem-se contractado a construcção do caminho de ferro daqui a Santarem pelo preço de 50 contos por kilometro que é uma cousa que custa a acreditar depois de tudo quanto aqui se tem dicto, do preço por que se tem feito o caminho de ferro em outros paizes, do que se tem passado no reino vizinho a este respeito e do que ainda agora está passando e o governo a junta o pagamento das expropriações a esse custo! Pois ainda ha de intender-se que as expropriações ficam fóra do calculo do custo de cada kilometro de caminho de ferro!... Se as expropriações entram nesse custo para que é necessario auctorisar o governo a pagal-as? Ou quer-se auctorisar o governo a fazer um emprestimo á companhia para a habilitar assim a começar a obra? Não

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sahia que o governo estava tão rico que podia fazer esse emprestimo! E a companhia que faz um contracto para fazer obra tilo importante, precisa que o governo lhe faça um emprestimo para começar essa obra!

Mas ainda ha mãi.: s. ex.ª tinha obrigação de não gastar um real em quanto as 30:001) libras do deposito de Londres não fossem pagas, porque assim o tinha dicto n'um documento official. Ora pergunto eu, se esta lei passar, julga-se s. ex. em virtude della auctorisado a pagar a expropriações? Não duvido que sim, e que isto aconteça; porque assim como o sr. ministro se julgou auctorisado, tendo publicado um programma com certas e determinadas condições, n fazer innovações sucessivas necessarias neste contracto, até o ponto de estabelecer bases que são totalmente differentes das que foram publicadas nesse programma, dando ao mundo o espectaculo notavel de um governo que faz uni contracto differente daquillo de que deu conhecimento ao publico como bases desse contracto; desde que isto se faz, nada duvido que o sr. ministro não obstante a declaração de que não gastaria um real sem estarem pagas essas leiras de 30:000 libras. ainda venha a fazer mais a despeza das expropriações.

Porque são lautas as contradicções que tem havido sobre este negocio, publicadas mesmo em documentos officiaes, que não deve admirar nada disto. O governo disse n'um documento official saído do ministerio das obras publicas, que a companhia Hislop tinha mostrado estarem passadas acções por dois terços do seu capital social; e pedindo eu aqui por mais de uma vez que s. ex.ª tivesse a bondade de mandar uma relação dos nomes dos accionistas, ainda agora estou á espera delles... Provavelmente entra isto tambem no numero das revelações que s. ex. declarou não queria apresentar á camara, porque ia nisso a conveniencia do estado — é das taes revelações que o sr. ministro só faz, quando trouxer o contracto definitivo.

E importará tambem a conveniencia doestado que não se saiba como se ha-de fazer esta obra, quaes as condições ou as bases porque se ha-de regular o contracto!... Não é assim que se tractam cousas desta ordem. Se o sr. ministro intendeu que devia modificar as condições do programma que publicou para a (construcção do caminho de ferro de leste, quando viu que a primeira companhia não satisfazia as condições do mesmo programma, fizesse publicar um novo com as modificações que intendesse deviam ser feilas, e veriamos se em novo concurso se apresentavam propostas mais vantajosas para o estado. Mas querer a todo o custo sustentar companhias que não apresentam a condição necessaria por onde se mostrem competentemente habilitadas para fazer a obra que se propõe (esta ou outra) não digo que seja impossivel justificar as intenções de s. ex., mas de certo não são os melhores meios, não são os que deveria empregar em um negocio de tão alta importancia como ministro de um paiz constitucional.

Sr. presidente, sabe v. ex.ª o que resulta de se sair em negocios desta importancia das regras estabelecidas? E o que está acontecendo, e de que s. ex.ª tem conhecimento, no reino visinho. Lá tambem se fizeram concessões, pouco mais ou menos como esta, ainda que não ha uma só que se possa comparar em demasia de preço a esta; e todavia levantou-se um clamor unisono contra similhantes concessões, que foram in andadas suspender, e estão hoje sujeitas ao conselho real...

O sr. Presidente: — Peço licença para novamente advertir ao illustre deputado que o que está em discussão, é o artigo 3.º

O Orador. — Eu estou a acabar: parece-me que as idéas não são como corpos fysico que se arranjam á vontade, é necessario deixar uma certa latitude, aliás não se póde dizer nada. Dizia eu pois que aquellas concessões não tinham comparação nenhuma com a nossa, não ha uma só que não seja por um preço menor. Mesmo nessa construcção do caminho que corresponde á fronteira de França, no terreno montanhoso dos Pyrinéos, anda por 40 contos o preço de cada kilometro, aqui, nesta cordilheira de Lisboa a Santarem cada kilometro custa 50 contos! Lá entra o material de circulação e tambem entra um telegrafo electrico... (O sr. Ministro das obras publicas — Tambem cá entra um telegrafo electrico.) Então porque não teve a bondade de nos dizer isso hontem? (O sr. Ministro das obras publicas: — Vou dizendo aos bocados.) Ah! Vai dizendo aos bocadinhos; não acho isso bom. Felicito o sr. ministro por ter estabelecido essa condição; mas hontem não se dignou communicar-nos isso; quiz-nos fazer uma surpreza.

Sr. presidente, termino as minhas observações porque não quero abusar mais tempo da benevolencia da camara. Parece-me ter demonstrado que nós intendemos a lei de 33 de julho de 1850 pelo menos tão bem como o illustre deputado, e que me parecia que estavam satisfeitas todas as indicações que a sciencia deseja, que a utilidade publica pede para a execução prompta e regular daquellas obras, se a illustre commissão conviesse em que se retirassem do artigo as ultimas palavras, que não podem significar senão o que eu disse, isto é, auctorisar o governo a fazer um emprestimo á companhia na importancia das expropriações que intender indispensaveis para a continuação dos primeiros trabalhos. Se eu quizesse prevalecer-me de outras informações, podia citar auctoridades que confirmassem aquillo que eu digo por méra conjectura, referindo-me mesmo ao que se prepara na commissão, mas eu não o quero fazer. Concluo votando pela proposta que mandou para a mesa o meu illustre amigo o sr. Cunha Sotto-Maior.

O sr. Ministro das obras publicas (Fontes Pereira de Mello): — Sr. presidente, eu tinha-me felicitado a mim mesmo e ao meu paiz pela acquiescencia unanime, que de todo; os lados da camara se havia dado ao pensamento da construcção de um caminho de ferro de Lisboa á fronteira de Hespanha por Santarem, e sinto profundamente que o illustre deputado que acaba de fallar, e que com os seus collegas nesta casa vota pelos primeiros dois artigos do projecto que continham este pensamento, viesse hoje fazer-me uma aggressão violenta, injusta, e não provocada por mim, de uma maneira que me pareceu impropria do caracter que sempre tenho reconhecido do nobre deputado. Disse s. ex., que este artigo 3.º havia de servir para encobrir os desperdicios que o gabinete tem feito. Indique-me o nobre deputado como é que o governo por este artigo 3.º ha de encobrir os desperdicios que tem feito! Quaes são esses desperdicios? Não tenho eu já declarado á camara positiva e cathegoricamente, que o governo não ha de fazer as expropriações, que quem as faz é a companhia, e que o governo não se julga habili-

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tado a gastar um só real, em quanto as 30:000 libras não forem satisfeitas em Londres, em quanto o governo não estiver auctorisado para fazer estas despezas? Não declarei ainda hontem isto em resposta que dei aos quesitos do sr. Avila? E s. ex.ª mesmo que disse, que eu não tinha sido bastante explicito na resposta a outros quesitos, não confessou que nesta parte eu tinha respondido cathegoricamente, que o governo não se julgava auctorisado (e parece-me que até isso vem no Diario, segundo ouvi ler a s. ex.ª) para fazer a despeza das expropriações, sem estar para isso devidamente auctorisado?... (O sr. Avila: — De certo, mas faltava uma cousa, e era, se s. ex.ª se julgava auctorisado para isso por este projecto). Não, senhor, não me julgo auctorisado. (O sr. Avila: — Muito bem). Eu não quero dar lições de delicadeza ao nobre deputado, porque sei que é muito delicado — ás vezes; (Riso) mas peço perdão para lhe perguntar: que necessidade havia de se dirigir um montão de injurias, inclusivamente á minha honra pessoal?... (O sr. Corrêa Caldeira: — Não, senhor). Pois então peço ao nobre deputado que lenha mais cautella nas asserções que profere no parlamento, porque eu sou bastante melindroso, como s. ex.ª o deve ser e effectivamente é. (O sr. Corrêa Caldeira: — Queira dizer quaes foram as injurias que eu lhe dirigi). N'uma das sessões passadas, quando eu fallava, disse o nobre deputado n'um áparte — para que eram estes mysterios — para que era esta falla de praça? — Pergunto eu, não é isto uma insinuação dirigida ao governo? (O sr. Corrêa Caldeira: — Mas é a verdade). Mas é a verdade!... (O sr. Corrêa Caldeira: — Disse-o o sr. Avila, e v. ex.ª não se offendeu).

O sr. Presidente: — Peço ao sr. deputado que deixe fallar o sr. ministro sem o interromper.

O Orador: — Eu sou o orador nesta caia, que nunca fallo sem ser interrompido, e que nem uma só vez por excepção interrompo; (Apoiados: — É verdade) mas não importa que me interrompam, porque felizmente parece-me que tenho sempre resposta satisfactoria que dar aos meus illustres adversarios. Sr. presidente, tudo se póde dizer, póde-e dizer que não houve segunda praça, e é uma verdade; póde-se dizer que as condições não são vantajosas; póde-se dizer que eu não revelei a natureza e extensão dessas condições, e já declarei que as não revelava até que tivesse assignado o contracto; póde-se dizer tudo, mas tudo se póde dizer de maneira que não offenda os collegas, e não se procure lançai-lhes insinuações odiosas, que elles não merecem (Apoiados) e que tem direito a exigir que lhes não sejam lançadas.

Sr. presidente, eu tenho já dicto mais de um vez nesta camara, que tambem já fui opposição; um illustre deputado que me faz hoje opposição, era então ministro; diga s. ex.ª se eu dirigi uma só insinuação á honra de algum ministro? (O sr. Cunha Sotto-Maior; — Dirigiu, sim senhor; ao sr. visconde de Castellões, quando vendeu a madeira do arsenal). A sua honra, não senhor, peço perdão; o sr visconde de Castellões de certo que zela melhor a sua honra, que o illustre deputado, e s. ex.ª não se queixou nunca nem ao parlamento, nem me consta que em parte alguma, que eu tivesse feito allusão nenhuma a sua honra; eu não era capaz disso. Sr. presidente, a minha regia é esta; se ha injuria pessoal, e necessario que se diga francamente, porque eu sei levantar as injurias, mas não desejo nunca que por uma insinuação que póde passar em virtude das frases parlamentares, se queira lançar uma suspeita sobre o meu caracter, suspeita que intendo profundamente que não mereço... (O sr. Corrêa Caldeira: — V. ex. dá licença?) Pois não...

O sr. Corrêa Caldeira: — Ora, eu disse claramente quando me referi á falta de praça, que se dizia em outro tempo, que a falla de praça em contractos de obras publicas dava logar a todas as inducções desairosas contra os ministros que procediam assim, e accrescentei logo — mas eu declaro que as não faço contra V. ex.ª, nem contra o ministerio. (Apoiado) Fiz esta declaração, e veja v. ex.ª quanto é injusto na apreciação que está fazendo do que eu disse. E isto não é satisfação que eu dê agora, é o que disse ha pouco.

O Orador: — Tenho muita satisfarão em não ler motivo de me queixar do illustre deputado, nem de ninguem; mas s. ex. não deve levar a mal, nem a camara, que desde o momento que se fazem certas insinuações, que reputo offensivas a mim, eu as levante (Apoiado. — O sr. Corrêa Caldeira: — Mas eu não as fiz). Ainda ha pouco o sr. Cunha dizia é uma especulação politica — e o sr. deputado que estava fallando, disse — especulação commercial — especulação commercial!... Quer dizer, que o governo queria sustentar uma especulação contra os interesses do seu paiz!... Ora, pergunto eu, se isto é mais que uma insinuação?

Alas não quero progredir neste terreno porque não gosto delle, porque vou para elle sempre com summa repugnancia, porque estimaria infinito que deixassem de existir neste recinto estas scenas summamente desagradaveis (Muitos apoiados) e que não fizessemos recriminações, creio que injustas, pelo que respeita a mim summamente injustas, e que a fallar a verdade me pungem sobre maneira; seria preciso ter lama nas veias, como disse o sr. Cunha, em logar de sangue, para senão sentir offendido com certas cousas que se tem a consciencia de não merecer. (Apoiados) O contracto definitivo ha de vir á camara; (O sr. Avila: — Muito bem) não haja impaciencia. Não sabe a camara que depois de assignadas as bases da convenção tem de se lavrar a escriptura publica, tem de se passar decreto approvando os estatutos, estatutos que hão de preceder o contracto, e o contracto tem de ser lavrado tambem nas notas do tabellião (do celebre tabellião (Riso) desta vez ha tabellião) numa palavra tem de seguir-se todo o processo que as regras indicam em negocios desta natureza? Nem ao menos querem conceder o tempo material para fazer isto? Não é possivel trazer o contracto hoje nem amanha; tenham os nobres deputados um pouco de paciencia; deixem vir o contracto, examinem-o detidamente, fulminem-o se quizerem, e fulminem o ministro que o fez, mas não estejam a antecipar-se sobre condições que não conhecem, e de que apenas hontem pude revelar á camara uma parte. E já disse ha pouco ao sr. Avila, a razão porque fiz essa revelação: foi porque o governo tinha feito assignar por sua parte as bases da negociação; e por consequencia já me julgava auctorisado, sem comprometter o contracto, a poder revelar algumas das condições. Não queiram pois fazer-me uni crime de não dizer tudo quanto lá vem, e porque não disse que vinha tambem um (ele

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grafo electrico: então linha trazido as basea do contracto á ca mais.

Mas que comparação lia entre este Contracto e os caminhos de ferro que se tem feito em Hespanha?, Basta só attender á circumstancia de que em Hespanha muitos desses contractos não tem sido sujeitos ao corpo legislativo; leni sido feitos puramente pelo governo.... (O sr. Corrêa Caldeira. — Mas havia uma lei que auctorisava os caminhos de ferro) Não, senhor, não havia lei nenhuma que auctorisasse os caminhos de ferro; peço-lhe que leia os ultimos relatorios do senado a respeito de caminhos de ferro antes de serem suspensas as sessões das côrtes em que o senado exigia que antes de se proceder á construcção de qualquer caminho de ferro, antes da sua adjudicação a qualquer companhia, precedesse sempre uma lei especial; creio que é prova evidente de que em Hespanha não havia uma lei que auctorisasse os. caminhos de ferro, e comtudo o governo fazia essas concessões sem dependencia do corpo legislativo. Pergunto se se podem comparar essas concessões com um contracto que não póde ter effeito, em quanto o corpo legislativo não der a sua sentença sobre elle? Não ha comparação possivel. E o illustre deputado que se admirou de que tivessem apparecido subscriptores, não se lembrou que não se podia fazer o contracto definitivo antes de haver os subscriptores; quer dizer: na conformidade do programma, para se fazer o contracto definitivo era preciso que houvesse subscripções, e o illustre deputado admira-se que houvesse quem subscrevesse não havendo contracto definitivo; está n'um circulo vicioso. E se ha de que admirar é da admiração do nobre deputado.

Sr. presidente, é um facto que não houve segunda praça: este facto da falta de segunda praça deve ser appreciado pelo parlamento, quando se discutir o contracto; mas se acaso as modificações que o governo; tem feito ao contrario forem no interesse do thesouro,; cicio que poderá sei justificado o ministro de se ter contentado com a unica companhia que se habilitou devidamente e de ter modificado o contracto definitivo no sentido de utilidade publica; e se forem mais prejudiciaes as condições com que ha de ser feito o condado do que as annunciadas, é este o caso em: que intendo que o parlamento tem direito de censurar o governo, porque não fez a segunda praça: aqui está a que se reduz a questão Mas assumo toda a responsabilidade dos actos que practiquei por parte do governo; o que peço é que me não julguem sem me ouvirem, e a audiencia do governo nesta parte é o exame do contracto.

Sr. presidente, o artigo 3.º de que se tracta parece-me que deve ter alguma emenda de redacção; (O sr. Avila: — Apoiado) mas o sou pensamento póde passar intacto, tal qual o explicou o illustre deputado o sr. Castello Branco; pois segundo o que tenho ouvido aos cavalheiros que combatem este projecto, como elles não se oppoem á existencia do caminho de ferro, e no seu successivo desenvolvimento, que já está approvado, creio que uma vez salva a difficuldade que á primeira vista apparecia em virtude da redacção do artigo, de se julgar o governo auctorisado auctorisação esta disposição; uma vez que se salve este principio fazendo-se uma correcção á redacção, que não posso agora dizer qual é, mas que qualquer membro da commissão póde mandar para a mesa se quizer e a commissão convier (isto não passa de uma opinião minha, porque declaro, que não concordei com a commissão em nenhuma attenção a este projecto, é uma opinião singular minha.) Digo, se a commissão intender como eu intendo que se salva o seu pensamento fazendo uma correcção, fica a questão acabada.

Eu explico como intendo o pensamento do sr. Castello Branco; não era preciso, porque elle explicou o bem, mas torno a insistir nelle. O governo deseja que os trabalhos do caminho de ferro marchem com rapidez, e creio que é o desejo de todos os membros da camara. Para que isto se possa conseguir, o governo acha grandes difficuldades. A lei das expropriações actual contém duas partes distinctas — o processo até no momento de se declarar de utilidade publica a obra que se vai fazer, e o processo da liquidação; o artigo 50. a que alludiu o meu amigo o sr. Cunha, peço perdão para lhe dizer, não vem nada para o caso, porque fica em pé de todos os modos; quero dizer, o governo tem o direito — e para isso não precisava auctorisação da camara, e até me parece que nessa parte o que vem no projecto é de mais — de declarar de urgencia a expropriação; mas peço perdão para dizer que essa idea da urgencia é sempre posterior á de utilidade publica, e para esta é que o governo precisa de auctorisação a fim de simplificar o processo. O sr. Cunha linha querido fazer intender á camara que este artigo 3.º do projecto era inutil, porque o governo no artigo 50. da lei linha auctorisação para isso; não é exacto; o governo no artigo 50.* não tem senão auctorisação para fazer marchar rapidamente o processo, mas depois de ser decretada a utilidade publica. Mas ha uma circumstancia que me induz a crer que este processo ha de correr com facilidade uma vez que se approve a disposição fundamental do projecto.

No ministerio das obras publicas e anteriormente no reino, não ha um exemplo, segundo me affirmam os empregados daquelles ministerios, de haver reluctancia da parte dos proprietarios desde o momento em que passa a lei declarando de utilidade publica a expropriação; mesmo porque o processo que se intentasse, necessariamente o perdiam as partes que o promovessem contra o governo; visto que depois de terem sido ouvidas as estações competentes, depois de ter passado o negocio pelo conselho de estado, declarada a utilidade publica e a urgencia o governo tem na sua mão meios sufficientes para poder fazer marchar rapidamente o negocio das expropriações.

Entretanto os nobres deputados sabem que depois mesmo da declaração da utilidade publica ainda ha o processo da liquidação, e certos prazos fataes, pequenos, mas grandes para o nosso desejo de que estas cousas do caminho de ferro marchem com rapidez: ora, segundo esse desejo, queriamos que o governo podesse ser auctorisado não a verificar as expropriações sem pagar (peço licença para dizer que não ha aqui roubo, palavra que o nobre deputado o sr. Cunha empregou) o governo não quer expropriar e não pagar, não quer que o art. 3.º sirva para uns e o art. 5.º para outros; é bom fazer espirito sobre estas cousas, é agradavel, serve isso de diversão á camara; mas a verdade é que o governo não quer nem póde querer um artigo para uns individuos, e outro para outros. O que o governo intendia era que se tornava de precisão instaurar o processo de liquidação, o processo

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posterior á declaração da utilidade publica, e proseguil-o até ao momento da expropriação, mas que a expropriação não se podia effectuar sem a previa indemnisação; e até um artigo constitucional da curia diz que não se podem fazer expropriações sem a indemnisação previa.

Eu apresentei na commissão o meu projecto que cia muito simples, a illustre commissão intendeu que devia accrescentar-lhe algumas outras provisões; como essas provisões não restringiam o pensamento do meu projecto, não tive duvida de as acceitar (esta é que é a verdade) e estou persuadido mesmo que estão ridigidas de sorte — exceptuando esta ultima parte do art. 3., que intendo que póde ler alguma modificação conveniente — que não prejudicam em cousa nenhuma os principios que se devem manter nesta especie de negocios.

Ora o art. 3.º onde se diz «que a previa indemnisação ele. (Leu) é um artigo completamente inutil, e eu li com admiração que em alguns jornaes desta capital se faziam grandes elogios á commissão por ter estabelecido um principio salutar no projecto, que ao governo linha esquecido! listas cousas fazem rir a gente no interior da sua consciencia, mas não merecem resposta. A disposição estava na lei de 23 de julho, e além disso está na caria constitucional, o governo não a podia alterar, nem podia ser mesmo revogada por uma lei ordinaria. Por consequencia desde que o governo offerecia apenas modificação a um ponto unico da lei das expropriações, todos os outros pontos que não estavam prejudicados pela modificação, continuavam em vigor. Mas com quanto me pareça que seja inutil a consignação nesta dei da um principio que está na de 23 de julho e na carta, não impugno que se estabeleça aqui, porque não faz mal

Não continuarei para não dar mais latitude á discussão, porque desejo que este negocio se termine. O governo tem sempre desejo de que os negocios caminhem, as opposições lêem sempre desejo de que os negocios se retardem. E um meio de fazer opposição, e não censuro por isso a nenhum dos que estão collocados nessa situação, e quando tornar a ser opposição, faço o mesmo (O sr. Avila: — Não o faz) Não sei, veremos. O governo deseja que o negocio passe depressa, e intendo que só ha uma cousa a modificar no projecto, e é que a segunda parte do artigo 3.º se redija de maneira que se intenda que o pensamento da commissão é que se instaure o processo desde já para as expropriações, embora se não verifiquem senão pois companhia, cujo contracto fôr approvado pela camara, o depois dessa approvação previa. Nem mesmo os srs. deputados da direita lerão duvida (O sr. Avila: — De certo que n lo) em concordar com esta modificação, que foi a opinião apresentada pelo sr. Castello Bramo, e é a da commissão.

O sr. Cardozo Castello Branco (Sobre a ordem): — O processo necessario ara a verificação da utilidade publica, e para a liquidação das expropriações começa desde já; mas o governo não fica auctorisado para pagar o preço sem previa auctorisação, o governo não póde dispor de um só real para pagamento das indemnisações sem auctorisação previa. Este é o pensamento da commissão; e se a redacção não está bem clara, a commisão não tem duvida em adoptar outra.

O sr. Bordallo; — Sr. presidente, liza rei da pi-lavra para fazer algumas breves observações acêrca do art. 3.º em discussão. Não obstante a declaração que acaba de fazer o illustres deputado que me precedeu, eu acho que este art. 3.º é inteiramente inutil tanto na primeira como na segunda parte.

Quanto á segunda parte que auctorisa o governo para poder desde já levar a effeito estas expropriações de que falla o mesmo artigo, acabou de dizer ha pouco o sr. ministro das obras publicas, que não quer usar da auctorisação para levar desde já a effeito estas expropriação, e não a querendo é inutil dar-se-lhe.

Quanto á primeira parte, a que tracta da declaração de utilidade publica uma de duas, ou se quer declarar em geral que as expropriações que se fizerem para o caminho de ferro de leste são de utilidade; publica, e nesse caso, digo que é inteiramente inutil esta declaração; ou se quer declarar em especial. Sequer fazer a declaração geral vou mostrar que está feita pela caria constitucional, e pela lei de 23 de Julho de 11150. — A carta constitucional no § 21.º do art. 145.º diz o seguinte (Leu).

Por este artigo ve-se que estas expropriações só se podem fazer por utilidade publica, puis diz que esta a unica excepção do direito de propriedade; assim o intendeu a commissão da camara de 1850 quando redigiu o seu parecer hoje convertido na lei de 23 de julho de 1850 — Eu peço licença á camara para ler um pequeno trecho do relatorio feito por essa commissão; é o seguinte. (Leu)

Tracta-se de regular o exercicio de um direito reservado ao estado; e a sua grande importancia avalia-se facilmente quando se reflecte que nelle consiste a unica limitação do direito de propriedade, declarado inviolavel em toda a sua plenitude pela carta constitucional.

A vista disto é manifesto que a lei de 23 de julho de 1850 só permitte as expropriações por utilidade publica, segundo o intendeu aquella commissão que era composta de abalisados jurisconsultos, alguns dos quaes são ainda membros desta camara; e são muito respeitaveis pelos seus conhecimentos tanto os que presentemente estão dentro, como os que estão fóra desta casa.

E o artigo 1.º da lei cilada é ainda mais explicito, e exprime-se assim.

A expropriação de qualquer propriedade rustica ou urbana, por causa de utilidade publica, nos termos do § 21 do artigo 145 da carta constitucional da monarchia, só poderá ter logar depois de verificada e declarada essa utilidade pela fórma estabelecida nesta lei.»

A vista destas considerações é facil vêr que não é preciso declarar de utilidade publica as expropriações que teem de se fazer para o caminho de ferro; nem estas nem outras algumas se podem fazer por outro Ululo: o que é preciso é simplificar o processo para verificar a utilidade publica de cada expropriação que haja de se fazer para o caminho de ferro ou ou-Ira qualquer obra de utilidade geral; e não declarai-o que já está declarado, ou estabelecer como principio o que já se acha consignado na caria e outras leis, que não permittem expropriações senão por utilidade publica.

Não é só no nosso paiz que isto acontece, é em toda a parte; em França acontece o mesmo; e cita

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rei para o provar uma auctoridade muito respeitavel, e que é a de Dellal, que se exprime por este modo:

«Ce genre d'cxproprialion est l'alienation forcée, á charge d'indemniié d1 nn irnmeuble destine á des enterprises dulilili publique.»

Está pois claro que a expropriação é sómente para as obras publicas, isto é, para as obras de utilidade publica; está demonstrado tambem que não podem haver expropriações segundo a curia e a lei de 23 de julho de 1850 senão por utilidade publica. Deduz-se do que tenho dicto, que o artigo 3.º do parecer é inutil; porque a declaração de utilidade publica que se pretende fazer em geral, está já feita; e a auctorisação que se quer dar ao governo, não é por este acceita.

Na França faz-se differença de expropriações para obras que são de utilidade publica, e expropriações para obras de utilidade communal; o processo para _as expropriações que são de utilidade publica, e o processo para as expropriações de utilidade communal, é inteiramente diverso. — O ].* 6 mais simples que o 2.º; e por tanto é necessario declarar se a utilidade que resulta da expropriação, é publica ou municipal, para seguir uma ou outra forma de processo entre nós não é assim, porque em ambos os casos lemos o mesmo processo.

Por esta occasião peço licença para dizer que a commissão que redigiu o parecer de que resultou a lei de 23 de julho de 1850, teve em vista toda essa legislação, e tanto assim que aproveitou a maior parte das disposições da lei franceza de -23 de agosto de 1835 na nossa lei de 23 de julho de 1850. Ha sómente uma differença entre esta, e a franceza de 23 de agosto de 1835. A lei franceza tracta das expropriações por utilidade communal, e a lei de 23 de julho de 1850 portugueza não faz a distincção entre as expropriações de utilidade publica e utilidade municipal.

Se a nossa lei de 23 de julho fizesse a mesma differença entre expropriações de utilidade municipal e de utilidade publica, que se faz em França, era necessario o artigo 3.º do parecer em discussão: mas como acontece o contrario, e não se simplifica o processo das expropriações que hajam de se fazer para o caminho de ferro, por se declararem estas de utilidade publica, é inutil fazer ela declaração, aliás já feita pela caria e lei de 23 de julho de 1850, visto que só por este motivo admittem o principio das expropriações como a unica excepção do direito de propriedade.

O sr. Avila: — Sr. presidente, estou muito satisfeito com a resposta que o illustre ministro das obras publicas deu á minha pergunta, e senti não ler ouvido antes o que s. ex. assevera agora ler já dicto, isto é, que as expropriações não eram feitas por conta do governo.

O nobre ministro reconhece que o artigo 3.º deve ser redigido com mais clareza, não farei por consequencia a este respeito algumas observações que queria fazer em relação ao que disse o meu nobre amigo o sr. Cardozo Castello Branco: notarei só que me não parece que haja redacção conveniente para este artigo sem que elle volte á commissão: votar-se o artigo salva a redacção parece-me que a camara não o fará. O negocio é grave; e a commissão carece por consequencia de não fazer uma redacção que não tenha sido approvada pela camara.

VOL. V — MAIO — 1853.

Não proporei que o artigo volte á commissão, porque estou convencido de que, como a sessão vai acabar, naturalmente a camara não votará hoje o artigo, e a commissão terá occasião de propôr ámanhã a redacção conveniente. (Apoiados)

Agora a camara permittir-me-ha que eu diga duas palavras em relação ao que disse o illustre deputado o sr. Justino de Freitas. Não sei se o illustre deputado está na camara, mas se não está não é culpa minha. Eu disse n'um áparte, queixando.se o nobre deputado de não ser ouvido, ou de ser interrompido, que o nobre deputado estava abusando da palavra: esta expressão é um pouco dura, confesso a verdade; mas a razão porque a pronunciei, foi porque não podia intender que o nobre deputado nos fizesse conscienciosamente a censura que nos estava fazendo, de que nós só agora tinhamos zelo pelos proprietarios, cujas propriedades se carece de expropriar: não podia comprehender que o nobre deputado ignorasse a existencia da lei de 23 de julho de 1850, na qual não só se auctorisa a construcção de certas estiadas, mas se estabelecem os meios para o pagamento das despezas da construcção dessas estradas, e se ordena expressamente o previo pagamento do valor das expropriações, quando essas expropriações sejam necessarias e decretadas segundo a lei de 23 de julho. Por consequencia quando eu, torno a dizer, empreguei essa fraze, empreguei-a porque não podia comprehender que um homem tão instruido, como é o illustre deputado, ignorasse esta lei, e viesse lançar uma tal censura sobre este lado da camara, que a não merece.

A lei de 23 de julho de 1850 auctorisa a construcção das estradas que constam dos mappas que acompanham a mesma lei: essa lei estabelece os meios precisos para a construcção dessas estradas: essa lei-estabelece as regras segundo as quaes se hão de fazer os contractos das mesmas estradas: essa lei diz no artigo 14.º (Leu)

a Nenhumas obras de estradas poderão ser contractadas com quaesquer em rezas ou companhias, sem que sejam preenchidas as seguintes solemnidades, e sem que se estipulem as seguintes clausulas:

1. — Concurso por tempo, pelo menos, de tres mezes, em presença dos planos, descripção das obras, e respectivos orçamentos, elaborados por ordem e conta do governo, ou por elle examinados previamente, se a empreza os apresentar seus.

Entre as condições do concurso estabelecer-se-ha o tempo da duração do contracto.

2. — Adjudicação em hasta publica a quem apresentar melhores condições, e fiança idonea de realisar os trabalhos e de prover á sua conservação.» etc.

E diz no paragrafo unico deste mesmo artigo. (Leu) a Os proprietarios serão previamente indemnisados de toda e qualquer expropriação, prejuiso, ou depreciação, que lhes resulte das obrigações impostas neste artigo; e seguir-se-hão no processo de taes indemnisações as regras estabelecidas na respectiva legislação.»

E no artigo 18.º diz. (Leu)

O governo dará annualmente ás cortes uma conta circumstanciada das obras de estrada feitas pela inspecção geral das obras publicas, ou pelas emprezas, e das sommas despendidas com este objecto; e bem assim das barreiras estabelecidas, e do rendimento que houverem produzido, e o extracto desta conta será impresso no Diario do Governo.»

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De maneira que a lei decretou as estradas, a lei estabeleceu os meios para o pagamento das despezas da sua construcção, a lei estabeleceu as regras pelas quaes se devem effectuar as expropriações; a lei ordenou que a expropriação fosse previamente paga; a lei estabeleceu a fiscalisação do corpo legislativo para todas estas despezas. Que mais queria o nobre deputado que nós fizessemos?... Sinto não o vêr na camara para lhe pedir que me respondesse a esta pergunta.

Por consequencia a censura que o nobre deputado lançou sobre nós, foi completamente gratuita, provou que ignorava a existencia desta lei; e era por eu suppôr que o nobre deputado a não ignorava que disse que o nobre deputado abusava da palavra, porque não me parecia sincera a accusação. (Tinha dado a

hora) Como deu a hora, e vejo que a camara deseja que se levante a sessão, não continuo, e acabo lembrando á illustre commissão, (e parece-me que a commissão annue) que reconheça a necessidade de apresentar uma nova redacção em relação a este artigo, e estou persuadido de que a illustre commissão não deixará de o fazer.

O sr. Cardozo Castello Branco: — Na proxima sessão, ámanhã, a commissão apresentará uma nova redacção ao artigo 3.º (Apoiados)

O sr. Presidente: — A ordem do dia de ámanhã é a que vinha dada para hoje; e se houver tempo interpellações, lista levantada o sessão. — Eram quatro horas da tarde.

O 1.º REDACTOR

J. B. Gastão

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