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Existe entre nós tendo soffrido algumas modificações pelas leis de 1857 e 1659; mas na parte que diz respeito ao processo, interpreta claramente a disposição da carta.

Qual foi o modo como a lei de 23 de julho de 1850 entendeu esta disposição? Eu leio á camara o seu artigo 1.°, porque a leitura d'elle é mais eloquente do que tudo quanto eu possa dizer para mostrar que a disposição estabelecida na carta é doutrina preceptiva e preceito constitucional.

Diz o artigo 1.°: «A expropriação de qualquer propriedade rustica ou urbana, por causa de utilidade publica, nos termos do § 21.° do artigo 145.° da carta constitucional da monarchia, só poderá ter logar depois de verificada e declarada essa utilidade pela fórma estabelecida nesta lei».

Qual foi o modo com a lei que regula a materia das expropriações entre nós, que é a lei de 23 de julho de 1850, entendeu, a doutrina consignada no § 21.° da carta constitucional? É que aquella disposição era preceito constitucional, e que só se referia á propriedade rustica e urbana, porque era só para essa que, em harmonia com a disposição do § 21.º do artigo 145.° da carta, se permittiu a expropriação, sendo declarada de utilidade publica. E é contra 0 que estabelece a carta constitucional, interpretada authentica e legalmente pela lei reguladora das expropriações, que nós vamos estabelecer a expropriação por utilidade publica de objectos moveis! Mas a disposição não é só extravagante olhada por este lado; a disposição que se encontra no artigo 17.0 do projecto torna se mais incomprehensivel, e são manifestos os absurdos da doutrina que d'ella resultam, confrontando a com as demais disposições da lei de 23 de julho de 1850.

A base da expropriação é a utilidade publica legalmente verificada; e a utilidade publica legalmente verificada quando existirá? Em que casos poderá verificar-se? Quando a necessidade da acquisição de um objecto torna impossivel a sua substituição, e o estado d'elle não póde prescindir, por assim o exigir o bem do maior numero de cidadãos ou o publico em geral...

(Sussurro.)

Peço a v. ex.ª que me reserve a palavra, porque continuarei quando o estado da camara o permittir, não porque entenda que vou levar a convicção a camara sobre o que possa resolver a respeito d'esta questão; mas porque entendo que qualquer deputado, quando está discutindo uma questão tão seria e tão grave como esta (apoiados), e quer consignar bem a sua opinião para protestar contra qualquer resolução que possa tornar-se contraria ao seu entender, parece-me que esse deputado, em virtude do regimento, tem direito a ser ouvido com alguma attenção (apoiados); e se isto não póde ser, eu prescindo da palavra porque não quero cansar a camara, ou peço a v. ex.ª que m'a reserve, para continuar quando a camara estiver em estado de me ouvir.

(Pausa.)

O sr. Presidente: — Queira mandar as suas propostas (riso).

O Orador: — Não conclui.

O sr. Presidente: — Então não interrompa o seu discurso.

O Orador: — A prova de que não conclui é que estou de pé, porque o regimento diz que = o deputado prescindiu da palavra quando se senta =. Alguma cousa conhecedor do regimento conservei-me de pé para mostrar que não tinha renunciado a palavra.

Dizia eu que a expropriação por utilidade publica não é, nem póde ser nunca uma cousa decretada a capricho, não póde, nem deve ser nunca uma cousa decretada por conveniencia que não seja aquella que os interesses publicos legalmente verificados mandára attender; e a expropriação que se pretende decretar pela disposição do artigo 17.° não está em nenhum d'esses casos. A expropriação, como já disse, quando decretada por utilidade publica, tem em vista a necessidade e impossibilidade da substituição do objecto que se pretende obter; que esta necessidade ou a impossibilidade resultante d'ella se póde dar a respeito da propriedade immovel, é uma cousa que todos comprehendem; e é por isso que sendo proclamado como direito inviolavel e sagrado o direito ide propriedade por todos os legisladores, e em todos os codigos das nações civilisadas, a par d'esse principio de inviolabilidade da propriedade, nós vemos, como excepção, a limitação unica que ella póde soffrer, com relação a immovel, se entende, e não com relação a propriedade movel, a qual póde com facilidade substituir se (apoiados). Mas, se ainda o projecto apresentasse como base para a decretação da expropriação das machinas e dos utensilios á fabricação do tabaco, a utilidade publica, baseada n'uma necessidade real, que determinasse o interesse resultante dessa utilidade, comprehendia-se; mas quando essa expropriação é determinada, como se diz no relatorio do projecto para o governo poder, liquidar com o contrato actual os lucros que elle {poderia obter, para reverterem para o estado; aonde está aqui a utilidade publica legalmente verificada, no sentido que estabelece a lei fundamental do estado? Pois o governo, a pretexto de interesses que tenha tirado, uma empreza qualquer de uma industria a que se dedicou, e por um privilegio que lhe foi concedido, póde ir expropriar essa empreza dos lucros que auferiu durante a epocha em que foi concedido esse privilegio, ou que possa auferir depois d'elle extincto? (Apoiados.)

Aonde está a boa fé dos contratos? Pois o actual contrato do monopolio do tabaco quando foi á praça, quando apareceram individuos a licitar não era, já lei do estado daquella que estabelecia entre nós a regie? Era. E não foi debaixo d'esse intuito que esses individuos licitaram? Foi.

E o governo póde agora por uma lei que não seja essa, ao abrigo da qual se fez um contrato, ir em nome d'ella auferir interesses para o thesouro, interesses que uma lei que já existia garantia, quando fez esse contrato? Não posso comprehender aonde esteja aqui o bom principio que podesse determinar uma similhante disposição!

Mas não ha só isto, ha mais ainda. O governo decreta a expropriação, e o objecto, como diz o projecto, passa logo a ser propriedade do governo. E diz o projecto: «O governo depositará, como garantia do preço d'esta expropriação, uma quantia igual aquella pela qual as ditas bemfeitorias; machinas e objectos moveis passaram do contrato dos doze annos para os actuaes contratadores».

Isto é que vae de encontro a todos os bons principios que regulam a expropriação e, mesmo contra o preceito constitucional estabelecido na carta. Tornarei a ler as ultimas palavras do § 21.° do artigo 145.°: «Previamente indemnisado do valor d'ella». Não pretendo fazer uma prelecção juridica, não estou n'essas circumstancias porque tenho ainda muito para aprender com as pessoas mais competentes n'esta materia do que eu, e que estão n'esta casa; comtudo permitta-me a camara que diga que tres elemento essenciaes é necessario que se dêem conjunctamente para se verificara expropriação. É a utilidade publica, é o justo preço da cousa a expropriar o a indemnisação precisa.

Aos juizes que são meus collegas na camara perguntarei se apresentando-se-lhes um processo para julgarem uma expropriação em que não houvesse qualquer d'estes requisitos, se proferiam sentença que a declarasse valida? Não o faziam de certo, porque não só iam contra o preceito constitucional estabelecido no § 21.° do artigo 145.° da carta, mas contra o processo regular estabelecido na lei de 23 de julho de 1850. Permittam me V. ex.ª e a camara que eu rapidamente lhes diga como a lei de 1850 providenciou a este respeito.

Para evitar, a morosidade da expropriação, reconhecida a utilidade publica e que era de conveniencia a sua acquisição desde logo, a lei permitte a indemnisação por meio de consignação do preço, mas depois de feita a avaliação do objecto a expropriar. Tão cautelosa e tão prudente foi a lei de 1850 que determinou que, quando a sentença em primeira instancia fosse contra o expropriando, no caso de haver litigio sobre o valor da cousa, o expropriante depositasse unicamente o equivalente á avaliação que se tinha feito do objecto a expropriar; mas que no caso da sentença em primeira instancia ser contra o expropriante, este podesse sim apossar-se desde logo do objecto fazendo a consignação do valor, mas com mais a terça parte do que resultasse da avaliação.

Eis-aqui qual é a boa doutrina, aquella que está consignada na lei de 23 de julho de 1850, e aquella que se deriva como corollario logico e necessario do preceito constitucional estabelecido na carta. Mas na hypothese do projecto nem ha indemnisação previa, nem ha de mais a mais o justo preço. Não ha indemnisação previa, porque o projecto concede ao governo (peço á camara que note isto) o depositar como garantia do preço da expropriação uma quantia igual aquella que o objecto tinha ha oito ou dez annos. Pois isto é serio? Poderá dizer alguem que póde ser garantia da indemnisação previa e do justo preço do objecto expropriado, o deposito que se faça do valor que esse objecto tinha oito ou dez annos antes?

Quando se manda expropriar qualquer cousa por utilidade publica, não se tem era-consideração, segundo as disposições das leis de 23 de julho de 1850, de 17 de setembro de 1857, de 16 de junho de 1859, só o valor que deriva immediatamente da avaliação que se mandou fazer, da cousa a expropriar, mas o da estimação correspectiva.

No projecto que veiu da outra casa do parlamento poz-se de parte toda a nossa legislação, foram desprezados todos os principios que são garantias essencialissimas do direito de propriedade, estabelecendo-se que desde logo o governo poisa entrar na propriedade do objecto sem garantia nem da indemnisação; previa, nem do justo preço.

E qual é a garantia que se dá de que os expropriandos hão de ser indemnisados do justo preço do objecto? Essa é ainda mais irrisoria e menos seria do que a doutrina que se estabeleceu no § 1.° do artigo 17.º, e é o que faz objecto dos §§ 2.° e 3.° (leu).

Aqui está a grande garantia que se dá aos expropriando, do modo como elle hão obter o justo preço do objecto que se quer expropriar; não é o justo preço e a indemnisação a dar, porque não só é propriedade do estado, quando a indemnisação se vem a verificar, mas até o póde ser com um terceiro com quem o estado tiver contratado a esse tempo, em virtude do que te dispõe no artigo 15.º d'este mesmo projecto.

Ora nada d'isto é serio, nem o póde ser.

Mas houve aqui infracção n'este ultimo paragrapho, de preceito constitucional.

E necessario que nós, como legisladores, como aquelles em quem o paiz tem fitas as suas vistas para ver qual o modo como respeitâmos a santidade dos principios, não nos mostremos ignorantes do que dispõe o codigo fundamental do paiz, e o tenhamos em consideração quando dermos o nosso voto a um projecto de lei qualquer.

Eu, pela minha parte, manifesto bem as minhas idéas; resolvi tomar a palavra para isso, para que fiquem consignadas nos archivos publicos da camara. Póde ser que um dia trocadas as posições, possa isso servir-me ainda de aresto para o conseguimento de um fim qualquer.

Mas arestos d'esta ordem não queria eu ver deixar ahi nos archivos d'esta casa (apoiados).

No artigo 127.° da carta constitucional diz-se assim:

«Nas (causas) civeis e nas penaes civilmente intentadas, poderão as partes nomear juizes arbitros. Suas sentenças serão executadas sem recurso, se assim o convencionarem as mesmas partes.»

É um ponto muito serio, porque trata, nada mais e nada menos, consignado como está, de respeitar os imprescriptiveis direitos que tem todo o cidadão portuguez, conferidos pela carta, a que lhes sejam garantidas as immunidades que a mesma carta lhe concedo e todas as nossas leis civis. Nem a lei commercial, nem a lei civil denega o recurso no juizo arbitral, senão quando as partes expressamente a elle renunciam.

Este é o bom direito, está é a doutrina constitucional.

Mas querer estabelecer o principio, contra a disposição d'este preceito constitucional é contra todas as leis que larga e authenticamente o interpretaram, de que os arbitros decidirão ex aequo et bono, não havendo recurso da sua decisão. Isto é menos que serio, é altamente ridiculo.

Vejamos qual o valor que em direito podem ter as phrases que estão aqui no projecto. Ex aequo et bono.

Appello para o nobre ministro da justiça, não só como homem versado na sciencia de direito, mas como presidente que foi de um tribunal commercial.

O julgamento ex aequo et bono só se permitte aquelle tribunal que attenda unicamente á boa fé dos contratos e ás circumstancias especiaes que podessem determinar o juizo arbitral.

Esta é que é a doutrina corrente; estes é que são os principios.

Julgamento ex aequo et bono aos arbitros, que têem de dar a sua opinião sobre o valor de um objecto a expropriar! Pois haverá equidade no modo de considerar o valor de um objecto cuja expropriação se decreta? Cada vez me convenço mais de que nós estamos n'um paiz que não é aquillo que se quer inculcar (apoiados).

O sr. Sant'Anna e Vasconcellos: — Peço a palavra para um requerimento. Declaro desde já que é para se prorogar a sessão até se votar este parecer.

O Orador: — Pelo ligeiro estudo que fiz sobre esta materia, vejo que algumas das disposições d'estes artigos não podem ser approvadas pela camara, porque são contrarias ás doutrinas e aos preceitos constitucionaes consignados e garantidos na lei fundamental do paiz.

Mas que utilidade publica ha em se decretar esta expropriação? Segundo se diz no relatorio do projecto, o governo quer auferir para o thesouro os interesses que deviam tirar os actuaes contratadores.

E necessario não pensar um momento para escrever cousas d'estas n'um relatorio. O governo póde expropriar por utilidade publica, mas a utilidade publica não quer dizer o interesse pecuniario para o governo, resultante da expropriação de um objecto qualquer. A utilidade publica não póde, nem quer dizer isto

Mas quando a utilidade publica entendida pelo modo por que se entende n'este projecto, quizesse dizer isto, quer v. ex.ª e a camara ver como o governo se illude completamente, sobre o modo de tornar exequivel esta disposição?

O governo decretada a expropriação chama a si a propriedade dos objectos, e para garantia dos objectos cuja propriedade já tem, faz um deposito pelo valor que estes objectos tinham ha oito annos. Encorpora estes objectos no monopolio que vae arrematar, e esses objectos vão dar lhe um lucro, lucro que o thesouro não tinha se não fossem expropriados, que é aquelle que o governo deve auferir da venda d'esses objectos. Este lucro é o junto preço da cousa expropriada, e portanto o valor real da indemnisação.

E creia o governo que os individuos que d'elles foram expropriados têem nas nossas leis o remedio para evitar esse desfalque que se lhes quer fazer á sua fazenda commercial, e esse remedio é o que está consignado em todas as nossas leis; elles podem vir a juizo com uma acção rescisória, a fim de serem indemnisados d'estes lucros que o governo auferir na proporção do valor dos objectos que expropriou. A isto é que o governo fica sujeito.

Pois o governo póde dizer que expropria por utilidade publica certos objectos para ir commerciar com elles? Isto é que o governo não póde dizer (apoiados). Pois os lucros que o governo vae tirar d'esta especulação era que vae entrar, não os ha de repor aos expropriados? Decididamente que sim, e decididamente que sim por uma rasão muito obvia. Como a lei manda indemnisar previamente, e que essa indemnisação seja o justo preço das cousas, está claro que o justo preço das machinas não é aquillo que o governo lhes quizer dar, mas aquillo que realmente ellas valerem na praça (apoiados).

Aqui está como se legisla entre nós, legisla-se assim!

Mas pergunto agora ao nobre ministro, e desejava que s. ex.ª, não digo que desse toda a consideração ao que estou dizendo, mas que tivesse a condescendencia de responder a uma simples pergunta, e é se o governo intenta auferir tambem d'esta expropriação os lucros que com estes objectos possam tirar aquelles que forem á praça licitar no novo contrato que se vae fazer, findo o praso dos seis mezes? Desejava saber se tambem o governo tem em vista na licitação que se vae fazer, os interesses futuros que possam tirar os individuos para quem passarem os objectos que se vão expropriar?

Muito estimaria que o sr. ministro da fazenda me respondesse a isto, mas s. ex.ª não póde responder de certo porque sabe perfeitamente que a licitação n'este caso, quando quizesse confrontar os lucros futuros, não podia recaír senão sobre o lucro eventual, e então a licitação para os individuos que iam á praça não tinha base segura.

Aqui está o absurdo da doutrina que se estabelece no artigo 17.°.

E o governo, para ir expropriar bens que pertencem a particulares, não dá outra rasão senão o lucro que o estado vae auferir, lucro que de maneira alguma póde determinar essa expropriação, porque já mostrei que não póde aferir-se por aqui o principio de utilidade publica nu expropriação de um objecto qualquer. Mas o governo quiz