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Sessão de 15 de maio de 1879

Presidencia do ex. mo sr. Francisco Joaquim da Gosta e Silva

Secretarios — os srs.

Antonio Maria Pereira Carrilho Augusto Cesar Ferreira de Mesquita

SCMMAIHO

Entra-se cedo na ordem do dia. — Continua a discussão do capitulo 1.º do orçamento do ministerio da marinha; continua o sr. Pires de Lima o seu discurso, principiado na ultima sessão, responde-lhe o sr. ministro da marinha, interino, e fica ainda pendente a discussão do referido capitulo.

Abertura — As duas horas e um quarto da tarde.

Presentes á abertura da sessão 60 deputados — Os srs.: Adriano. Machado, Carvalho o Mello, Alfredo de Oliveira, Alfredo Peixoto,. Alipio Leitão, Braamcamp, Gonçalves Crespo, Avila, Carrilho, Ferreira de Mesquita, Pereira Leite, Victor dos Santos, Barão de Ferreira dos Santos, Carlos de Mendonça, Cazimiro Ribeiro, Diogo de Macedo, Moreira Freire, Costa Moraes, Firmino Lopes, Mesquita e Castro, Pinheiro Osorio, Francisco Costa, Sousa Pavão, Guilherme de Abreu, Paula Medeiros, Freitas Oliveira, Jeronymo Pimentel, Jeronymo Osorio, Melicio, Brandão e Albuquerque, Scarnichia, Barros e Cunha, Sousa Machado, Almeida e Costa, J. J. Alves, Pires de Sousa Gomes, Laranjo, Frederico da Costa, Namorado, Teixeira de Queiroz, Taveira de Carvalho, Luiz Bivar, Luiz Garrido, Faria e Mello, Pires de Lima, Correia do Oliveira, Alves Passos, M. J. Vieira, Aralla e Costa, Pedro Jacome, Visconde 'de Balsemão, Visconde de Sieuve de Menezes.

Entraram durante a sessão — Os srs.: Adolpho Pimentel, Fonseca Pinto, Osorio de Vasconcellos, Torres Carneiro, Pereira de Miranda, A. J. Teixeira, Mendes Duarte, Fuschini, Neves Carneiro, Saraiva de Carvalho, Zeferino Rodrigues, Caetano de Carvalho, Sanches de Castro, Emygdio Navarro, Hintze Ribeiro, Mouta e Vasconcellos, Dias Ferreira, Tavares de Pontes, Figueiredo de Faria, José Luciano, Ferreira Freire, Borges, Sousa Monteiro, Barbosa du Bocage, Luiz de Lencastre, Freitas Branco, Manuel d'Assumpção, Rocha Peixoto, Macedo Souto Maior, Pinheiro Chagas, Miguel Tudella, Pedro Correia, Pedro Barroso, Rodrigo de Menezes, Visconde da Aguieira, Visconde de Andaluz; Visconde da Arriaga, Visconde de Moreira de Rey.

Não compareceram á sessão — Os srs.: Agostinho Fevereiro, Tavares Lobo, Emilio Brandão, Lopes Mendes, Arrobas, Pedroso dos Santos, Barros e Sá, Pinto de Magalhães, Telles de Vasconcellos, Avelino de Sousa, Bernardo do Serpa, Conde da Foz, Goes Pinto, Filippe de Carvalho, Fortunato das Neves, Francisco de Albuquerque, Gomes Teixeira, Pereira Caldas, Van-Zeller, Frederico Arouca, Palma, Silveira da Mota, Costa Pinto, Anastacio de Carvalho, João Ferrão, J. A. Neves, Ornellas de Matos, José Guilherme, Rodrigues de Freitas, J. M. dos Santos, Pereira Rodrigues, Mello Gouveia, Sá Carneiro, Julio de Vilhena, Lopo Vaz, Lourenço de Carvalho, Almeida Macedo, M. J. de Almeida, M. J. Gomes, Nobre de Carvalho, Marçal Pacheco, Mariano de Carvalho, Miranda Montenegro, Miguel Dantas, Pedro Carvalho, Pedro Roberto, Ricardo Ferraz, Thomás Ribeiro, Visconde de Alemquer, Visconde da Azarujinha, Visconde do Rio Sado, Visconde de Villa Nova da Rainha.

Acta — Approvada.

EXPEDIENTE

Officios

1;° Da camara dos dignos pares do reino, acompanhando Sessão de

quatro exemplares da synopse dos trabalhos da camara, o outros tantos da estatistica do pariato.

Enviado á secretaria...'

2.° Do ministerio do reino, acompanhando, em satisfação ao requerimento do sr. J. J. Alves, a consulta feita em 1867 pelo conselho da escola medico-cirurgica do Lisboa com respeito á reforma do ensino medico. Enviado á secretaria.

Participação

O sr. deputado Fortunato Vieira das Neves encarregou-me de communicar á camara, que falta á sessão de hoje, e faltará a mais algumas, obrigado por motivos de desgosto de familia. = Jeronymo Pimentel.

Inteirada.

Representações 1.ª Dos srs. Antonio de Moura Soares Velloso e visconde 3a Ermida, por si e como representantes de uma companhia em via de constituição, declarando que, tendo-lhos sido concedida a construcçâo e exploração da linha ferrea de entroncamento no caminho de ferro do Minho para Santo Thyrso, Vizella o Guimarães, carecem de que lhes sejam concedidos tambem beneficios identicos aos que têem gosado outras emprezas de utilidade publica existentes no reino.

Apresentada pelo sr. deputado Rodrigo de Menezes e enviada á commissão de fazenda.

2.ª Da junta de parochia da freguezia de Monte Redondo, pedindo promptos reparos para os campos de Leiria. '

Apresentada pelo sr. deputado Melicio e enviada á commissão de obras publicas.

3.ª Das juntas do parochia das freguezias dos Marrazes, Milagres e Amor, no mesmo sentido.

Apresentada pelo sr. deputado Melicio e enviada á commissão de obras publicas.

SEGUNDAS LEITURAS

Projecto do lei.

Senhores deputados da nação portugueza. — É do dominio publico e o governo não o ignora tambem, pelas repetidos queixas que lhe têem sido de continuo enviadas de todos os angulos do paiz, que a lei de 16 de abril de 1874 não satisfaz cabalmente, como era de esperar, n'este ramo de serviço publico, ás necessidades dos povos.

A lei de 16 de abri] de 1874, apesar de trazer comsigo beneficios do reconhecida vantagem, "não deixou por isso de trazer tambem graves inconvenientes, que urge remediar.

A divisão comarca, filha d'esta lei e operada em virtude do decreto de 15 de dezembro de 1874 e subsequentes, collocou muitos concelhos em cireumstancias tristes é de certo difficeis, por terem de procurar com muita difficuldade e a longas distancias a justiça, que muitas vezes lhes" é indispensavel para a decisão dos seus pleitos judiciaes.

Sem querermos attribuir a motivos menos justos estas lacunas, que acompanham quasi sempre a execução de uma lei nova, é certo, porém, que o concelho de Carrazeda de Anciães foi um dos que mais soffreu com a execução de tal lei.

Com elle não soffreram menos muitos outros, que me não faço cargo de mencionar aqui, por isso que é convicção minha que não serão esquecidos pelos seus representantes e.

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os seus interesses por elles 'menos dignamente advogados.

O concelho de Carrazeda de Anciães tem uma população de 3:197 fogos; dois terços d'esta população distam da sede da comarca de Moncorvo, do que faz parte, 40 ou mais kilometros; o outro terço da sua população não fica a uma distancia inferior a 20 kilometros.

Esta distancia, de certo importante em assumpto de lai ordem, não poderá ser por vós julgada ou considerada imaginaria, desde o momento em que souberdes que são precisos tres dias para ir do concelho do Carrazeda de Anciães á séde. da comarca em Moncorvo resolver qualquer pendencia judicia], ainda a mais insignificante.

Esta circumstancia, que deve actuar poderosamente no vosso animo, é acompanhada de outras não menos dignas de mencionar-se, o para as quaes chamo a vossa attenção e do governo.

Os caminhos pelos quaes o concelho de Carrazeda se communica com o do Moncorvo são difficeis e em algumas epochas do anno intransitaveis, por causa dos muitos ribeiros que os cortam, o sobretudo pela ribeira de Villariça, que tem epochas no anno em que se não póde atravessar, e, quando dá passagem, é algumas vezes ainda com muita dificuldade e grave risco de vida.

Ponderando estas rasões, alem das muitas que em suas representações o municipio d'este concelho tem feito sentir ao governo, julgam que o concelho de Carrazeda do Anciães, pela sua riqueza agricola, pela sua população, e, emfim, pela distancia que o separa da sede da comarca a que pertence, está no caso de formar por si só uma comarca, sem que para isso preciso do auxilio dos concelhos limitrophes.

Por isso tenho a honra de vos propor o seguinte

PROJECTO DE LEI

Artigo 1.° E elevado a comarca do 3.ª classe o concelho de Carrazeda de Anciães, no districto de Bragança, e que actualmente faz parte da comarca de Moncorvo, tendo por séde a respectiva villa de Carrazeda de Anciães.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões, 14 do maio de 1879. = Cazimiro Ribeiro = José Guilherme =A. Osorio de Vasconcellos = Rodrigo de Menezes = Henrique F. de Paula Medeiros = Diogo de Macedo = Visconde de Andaluz.

Enviado á commissão de legislação civil.

Projecto de lei

Senhores. — Tendo-se levantado duvidas sobre a interpretação do § unico do artigo 115.° do novo codigo administrativo, o convindo esclarecer, a sua disposição, visto que deve haver a maior clareza nas disposições legaes sobre lançamento de impostos;

Considerando que os funccionarios publicos, sendo collectados n'uma quota igual á que recáe sobre as contribuições predial, industrial, sumptuaria o renda de casas, ficam muito aggravados, visto que os seus vencimentos, por serem fixos, offerecem uma base infallivel á insidencia do imposto, O que não succede com as rendas dos proprietarios e industriaes, que são sempre calculadas equitativamente;

Considerando que os mesmos funccionarios são geralmente mal retribuidos, o por isso não devem ser cerceadas os seus minguados vencimentos; mas attendendo a que elles participam das camaras municipaes, e por isso não devem ser competentemente dispensados de contribuírem para ellas:

Por todas estas rasões tenho a honra do submetter á consideração da camara o seguinte

PBOJECTO DE LEI

Artigo 1.° As camaras municipaes só podem lançar sobre os ordenados, gratificações e emolumentos dos empregados administrativos, judiciaes e ecclesiasticos e de fazenda em exercicio ou aposentados, sobre os ordenados e gratificações do3 professores de instrucçâo superior, secundaria e primaria em exercicio ou jubilados, sobre os soldos dos militares reformados e sobre os vencimentos das pensionistas do estado o regressos, metade da quota que lançarem sobre as contribuições predial, industrial, sumptuaria o renda de casas.

Art. 2.° Fica por esta fórma interpretado o § unico do artigo 115.° do codigo administrativo.

Sala das sessões da camara, 14 do maio de 1879. = Ferreira Freire.

Enviado á commissão de administração publica.

O sr. Jeronymo Pimentel: — O nosso collega, o sr. Fortunato Vieira das Neves, encarrega-me de participar a v. ex.ª e á camara, que falta á sessão de hoje, o talvez a mais algumas, por motivo de desgosto de familia.

N'este sentido mando, pois, -para a mesa uma declaração. -

Ha dias perguntei á mesa se já tinham1 vindo os esclarecimentos que pedi do • ministerio das obras publicas, em 25 do abril, e a resposta que o sr. secretario me fez é obsequio de dar, foi que não tinham ainda chegado.

A minha pergunta não tinha por fim censurar o ministerio das obras publicas por não ter com brevidade expedido os documentos que eu tinha pedido.

Se os documentos que nós aqui pedimos não nos são enviados com a urgencia que era para desejar, é de certo pela falta de pessoal que ha nas repartições, não podendo por esse motivo satisfazer com a maxima regularidade as requisições que nós fazemos.

Careço, todavia, d’esses documentos para entrar na discussão de um parecer que já foi distribuido n'esta casa; por isso peço a v. ex.ª que novamente, e com urgencia, renovo as minhas instancias.

Visto estar com a palavra aproveito esta occasião para pedir á commissão de fazenda que, com a maior brevidade que seja possivel, dê um parecer ácerca de um projecto de lei que eu tive a honra do apresentar juntamente com o meu collega e amigo, o sr. deputado por Guimarães, para se dispensar da contribuição predial os edificios em que estão estabelecidos os asylo3 de beneficencia.

Estou certo que a illustre commissão do fazenda não se demorará a dar parecer sobre este projecto) porque me parece que é de toda a justiça.

Chamo igualmente a attenção da commissão de fazenda para um projecto de lei, cuja iniciativa foi renovada por mim este anno, e que tem por fim a creação de um logar de ajudante technico do chefe da repartição "do sêllo dá casa da moeda.

Este projecto, repito, foi apresentado por mim em uma das sessões passadas, e foi por mim renovada este anno a sua iniciativa.

Chamo tambem a attenção das commissões de fazenda e obras publicas para um projecto de lei que foi assignado por varios Sra. deputados, para a construcçâo de um porto de abrigo na ilha das Flores. ¦

¦ Chamando a attenção das commissões de fazenda e obras publicas para este projecto, não quero com isto dizer que comprometia a seu favor o meu voto, talvez vote contra elle. _ ¦

Entendo que todos os projectos aqui apresentados devem merecer das commissões um parecer, qualquer que elle seja, ou favoravel ou contrario. (Apoiados.)

A camara municipal do concelho de Villa Nova de Famalicão, encarregou-me de apresentar aqui uma representação, na qual pede que não seja approvado um projecto de lei, que já teve parecer, em virtude do qual. é transferida para o concelho de Santo Thyrso, no districto do Porto, a freguezia de S. Miguel das Aves, que pertence ao concelho, á comarca e ao circulo de Villa Nova de Famalicão, no districto de Braga.

Esta freguezia por aquelle projecto, passa para Santo Thyrso, só para os ffeitos administrativos, ficando para

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os effeitos politicos e judiciaes pertencendo ao districto de Braga e a comarca de Villa Nova de Famalicão.

Peço a v. ex.ª o favor de mandar dar a esta representação o competente destino, pedindo ás commissões aquém for remettida, que tome na devida consideração o pedido feito pela camara municipal.

O sr. Dias Ferreira: —O illustre deputado, o sr. Emilio Brandão, que não tem podido comparecer na camara por motivo de doença, encarregou-me de apresentar uma representação da camara municipal do concelho de Santo Thyrso e de numerosos cidadãos seus municipes, em que solicitam do corpo legislativo a approvação do projecto de lei, pelo qual a companhia constructora do caminho de ferro do entroncamento, na linha do Minho por Santo Thyrso, Vizella e Guimarães, seja isenta dos impostos o direitos de importação, como já o têem sido outras companhias.

Peço que esta representação seja enviada á respectiva commissão, a qual de certo tomará este reclamação na consideração que merece.

O sr. J. J. Alves: — Sr. presidente, em todas as nações civilisadas a pesquisa e o estudo das aguas mineraes tem merecido e continua a merecer a especial attenção dos governos e parlamentos, porque vêem n'isto um elemento de riqueza.

Em Portugal começou a desenvolver-se o seu estudo; mas é elle ainda muito limitado em referencia ao grande numero de origens conhecidas e desconhecidas no nosso paiz.

Algumas das já exploradas rivalisam com as dos paizes estrangeiros, resultando d'aqui não termos de ir procurar nos estranhos o que possuimos entre nós.

O governo portuguez conhece melhor do que eu a necessidade de se continuarem os estudos das aguas mineraes, porque d'aqui se tira uma fonte de riqueza para o paiz, prestando-se ao mesmo tempo importantissimos beneficios no tratamento de varias doenças.

Aguardo os esclarecimentos que peço no meu requerimento, para depois chamar a attenção do governo para assumpto tão importante.

¦ O requerimento é o seguinte. (Leu.)

Temos um exemplo no estabelecimento de Vidago, que actualmente é frequentado não só por nacionaes como por estrangeiros.

Temos que fazer muitas analyses de aguas, as quaes hão de trazer grandes riquezas para o paiz; e o sr. ministro dos negocios estrangeiros, que é um distinctissimo professor na escola polytechnica, e que foi meu mestre, sabe perfeitamente a importancia d'este assumpto.

Eu peço, pois, a v. ex.ª que, logo que estes documentos sejam enviados á camara, me dê conhecimento, para eu depois poder charmar a attenção da camara para este assumpto.

Peço tambem á illustre commissão de fazenda que dê andamento a um requerimento apresentado pelo sr.ª D. Anna Luiza Demitilia Rodrigues de Matos, a qual pede que se lhe pague uma. divida contrahida com seu tio.

Se é licito pedir uma divida, creio que é justo pagal-a; por isso peço á illustre commissão que dê o seu parecer a este respeito.

¦ Leu-se na mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro que, pelos ministerios das obras publicas o reino, seja enviada a esta camara nota das analyses de diversas aguas mineraes do reino, feitas desde 1834 até ao presente, quaes as despezas feitas com similhantes trabalhos, e se alguma commissão existe actualmente encarregada pelo governo para continuar os estudos de hydrologia medica do reino. —J. J. Alves, deputado por Lisboa.

Foi enviado ao governo.

O sr. Presidente: — Vae entrar-se na ordem do dia, e tem a palavra o sr. Pires de Lima para continuar o seu discurso.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do capitulo 1.° do orçamento do ministerio da marinha

O sr. Pires de Lima: — Esta camara entendeu e muito acertadamente a meu juizo, que, discutindo o orçamento, não se devia limitar apenas a verificar a conformidade das verbas n'elle descriptas com as disposições das leis vigentes, mas que devia ir mais longe e examinar o modo por que estão organisados entre nós os serviços nas varias provincias da administração publica, inquirir os senões o os defeitos que n'estes serviços existem, e ponderar a necessidade de lhes acudir para os attenuar e corrigir com as reformas que os principios da sciencia e as cireumstancias dos povos aconselham, e que as necessidades da nação imperiosamente reclamam.

Eu, seguindo o exemplo do3 meus collegas que discutiram o orçamento do ministerio do reino, e o orçamento do ministerio da guerra, entendi tambem que era esta a occasião opportuna para apreciar o procedimento que o governo da metropole tem tido com relação ás nossas colonias, sobretudo no que respeita á administração ecclesiastica» Entendi que era este o logar mais opportuno, apesar de haver um orçamento especial do ultramar, porque n'esse orçamento especial não ha logar algum onde eu podesse. apresentar estas considerações geraes á camara.

Gomo v. ex.ª sabe, e a camara não ignora, o orçamento do ultramar está dividido por seis differentes provincias e o que tenho a dizer não se refere especialmente a uma ou outra, mas refere-se simultaneamente a todas.. Parece-me, portanto, que ao encetarmos a discussão do orçamento do ministerio da marinha e ultramar e tratando-se no capitulo 1.° do ministro e secretario d'estado dos negocios da marinha e ultramar e do pessoal das duas direcções, marinha X3 ultramar, aqui têem logar e cabimento as minhas reflexões.

Quando se discutir, se se discutir, o orçamento especial dos negocios do ultramar, eu então, percorrendo minuciosamente cada uma das differentes verbas que n'esse orçamento estão descriptas nos capitulos da administração ecclesiastica, mostrarei a injustiça com que ali são contemplados os differentes funccionarios da igreja em as nossas colonias. ¦% Mas essa discussão fica adiada para mais tarde, e agora limito-me unicamente a apresentar considerações geraes como exige a natureza da discussão que occupa a attenção da camara, sem comtudo me furtar a vir uma outra vez apontar uma ou outra verba do orçamento especial do ultramar, unicamente como meio de prova para corroborar as asserções que enunciar.

Esta questão de que comecei hontem a occupar-me, e vou continuar hoje, não é uma questão politica. Não póde nem deve haver n'ella divergencias partidarias. (Apoiados.) Aqui todos nós somos portuguezes que amámos não só o engrandecimento das nossas colonias, mas que devemos estimar tambem os fructos e lucros que á metropole podem advir do progresso d'ellas.

Não devemos pensar só em as nossas pessoas e no dia de hoje, devemos pensar tambem no bem dos nossos concidadãos de alem mar & no futuro da civilisação.

Devemos congregar os nossos esforços, as nossas attenções, os nossos cuidados e estudos para tratarmos seriamente, da questão das colonias que infelizmente, diga-se a verdade, têem sido altamente desprezadas desde 1834 até hoje e quasi completamente postas de parte.

E quando assim fallo não me refiro só á administração ecclesiastica.

E certo que n'estes ultimos tempos mais alguma attenção se tem prestado á questão ultramarina; mas o nosso cuidai

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do tem sido e 6 ainda muito inferior o está muito áquem das necessidades reaes das colonias.

O abandono em que as deixámos durante largos annos ha sido tolerado pela Europa, porque esta tem tido a America para onde mandar o excedente da sua população e os productos que lhe sobejam do seu consumo. As circumstancias, porém, mudaram e mudaram consideravelmente.

A grande republica dos Estados Unidos tomou um desenvolvimento tal, que hoje chega a supplantar na Europa a propria Inglaterra. Não importa, exporta, e os seus productos industriaes e agricolas invadem os mercados europeus, e a perfeição d'aquelles e a barateza de ambos dão-lhe já reconhecida superioridade.

Depois o excedente da população ingleza que ía para a America, trata hoje de convergir para outro ponto, e procura estabelecer-se na Africa, porque na America encontra ultimamente uma concorrencia que não póde vencer, que é a concorrencia dos chins, os quaes consomem menos, e produzem mais do que os filhos da nossa altiva e fiel alliada.

Até agora a Inglaterra quasi não precisava da Africa, hoje tudo lhe aconselha a que olhe para esta parte do mundo com séria attenção. E se Portugal não tratar, como lhe cumpre, do engrandecimento das colonias e do promover o seu desenvolvimento, receio muito que, nós os portuguezes que ali temos mais terreno, mas que de menos força dispomos, sejamos expropriados, por utilidade da 'civilisaçào, do que tantos esforços e tão heroicos sacrificios custou aos nossos maiores.

Portanto dizia eu, e repito, que todo o tempo que consumirmos com a questão do ultramar não é tempo perdido; todos os esforços que empenharmos, pondo de parte qualquer dissidencia politica, para promover o engrandecimento, o progresso e a civilisaçào nas possessões que os nossos avós descobriram no continente africano e na Asia, todos esses esforços serão bem vindos e bem empregados.

O assumpto, porém, para que eu deseja chamar a attenção da camara n'este momento é o estado deploravel da administração ecclesiastica no ultramar. '

E declaro que pelos defeitos que se encontram n'este e nos outros ramos da administração colonial, não quero irrogar censuras sómente a este ministerio, mas a todas as situações e a todos os governos, porque todos os partidos e todos os gabinetes que se têem succedido no poder desde 1834 até hoje, têem culpas no cartorio. (Apoiados.)

É necessario que sejamos, antes de tudo, justos. N'esta questão não me lembro que pertenço a um partido; lembro-me primeiro que tudo e acima de tudo que sou portuguez.

Eu disse que circumscrevia as, minhas observações ao estado da administração ecclesiastica, que é verdadeiramente deploravel no ultramar.

Como hontem tive occasião de ponderar, e hoje repito, o fallar de padres, n'este logar, é realmente tarefa ingrata. De experiencia sei que em geral os poderes publicos d'esta terra, não morrem de amores pelo clero, antes com apparencias benevolas lhe são grandemente hostis.

São os factos que se incumbem de provar esta affirmativa. ¦ _

Ainda no principio d'esta sessão legislativa o sr. ministro da fazenda veiu a esta camara propor o augmento de 10 por cento no imposto predial sobre os bens que constituem o patrimonio ecclesiastico e sobre as propriedades da igreja, ainda não desamortisadas.

Creio bem que este projecto está destinado a soffrer morte ignominiosa, que é a morte do esquecimento nos archivos da commissão. Não passa, mas a vontade do governo era clara. O pensamento que o inspirou era evidentemente de hostilidade ao clero, hostilidade aberta e não disfarçada, hostilidade que nem recuou diante do principio da justiça e do preceito da carta, que exige sim, que todos contribuam na proporção dos seus haveres para os encargos do

estado, mas que no mesmo tempo prohibe que se invente uma excepção odiosa contra a classe clerical, que não têem menos direitos do que as outras classes, e á qual se pretendia vexar e opprimir sem rasão, extorquindo aos membros d'ella uma contribuição superior aquella que pagam os outros cidadãos portuguezes.

Esta camara tambem, que se digna de ouvir-me com tanta attenção, attenção que eu não mereço e que muito me penhora, tambem cede um pouco á influencia do meio em que vive, e deixa-se levar mais de uma vez pela corrente das idéas que vogam nas regiões officiaes.

Quantas Vezes v. ex.ª, sr. presidente, não tem ouvido n'essa cadeira onde está sentado, palavras de desfavor para o clero portugez, ao qual eu me ufano de pertencer? 1 Quantas vozes?! E seja-mo permittido dizel-o de passagem, lamento -que isso tenha acontecido n'esta assembléa. (Apoiados.) As palavras aqui proferidas, ouve-as toda a nação. A influencia que ellas exercem é larga e é profunda. (Apoiados.)

Nós, que somos já fracos pela nossa pequenez, mais fracos nos tornamos, se porventura queremos estabelecer antagonismos e rivalidades entre as differentes classes sociaes.

Nós só podemos ser grandes se vivermos unidos todos. (Apoiados.) Mas se o professor vier a esta casa e disser mal do padre, o mathematico do jurisconsulto, o lavrador do empregado publico, o industrial do capitalista, e o medico mal de todos; (Riso)-que lucros advirão á patria de tanta maledicência? Que cohesão poderá haver nas forças d’esta terra nos dias aziagos para vencer o perigo commum, que ameace subverter-nos a todos?

Na sociedade, todas as classes' são uteis; (Apoiados.) todas são prestadias, todas têem o seu logar. (Apoiados.)

Cada uma d'ellas deve trabalhar zelosamente dentro da esphera da actividade que lhe é propria. (Apoiados.) E aquella que prestar á sociedade os serviços que puder, dentro dos limites dos seus recursos, deve considerar-se benemerita da patria e merecer inquestionavelmente as bençãos publicas. (Apoiados.)

Hontem disse, que nas nossas provincias ultramarinas, não havia padres em numero sufficiente, para satisfazer as necessidades espirituaes das nossas vastas possessões. Citei documentos o apontei factos.

Hoje vou ainda lembrar um que assenta em documentos officiaes e que confirma as minhas affirmativas.

A provincia de Moçambique, no dizer do sr. Bulhões, que é auctoridade n'estes assumptos, mede 300 leguas de comprido desde o Cabo Delgado até á bahia de Lourenço Marques, e 200 na sua maior largura desde a embocadura do Zambeze á do Zumbo.

Pois com toda esta extensão o orçamento apenas lhe dá treze padres.

Repare a camara que o effectivo parochial é sempre muito inferior ao orçado, e veja que abundancia de padres não ha em Moçambique.

Este facto e outros que apontei, assim como as considerações que adduzi, parece-me que devem ter demonstrado á camara exuberantemente que no ultramar não ha padres sufficientes.

O sr. Sousa Machado: — Apoiado.

O Orador: — Mas faltam tambem seminarios onde se preparem convenientemente alumnos bastantes para exercerem o ministerio parochial no ultramar.

Para demonstrar esta verdade percorrerei, ainda que rapidamente, todas as nossas provincias ultramarinas, começando em Macau e acabando em Cabo Verde, sem me esquecer de fallar do collegio das missões ultramarinas estabelecido em Sernache do Bomjardim.

Comecemos por Macau. Em Macau ha um seminario muito frequentado. Diz o sr. Corvo que em 1872-1873 tinha 160 alumnos.

Ora, uni seminario com 160 alumnos deve preparar an-

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nualmente 20 missionarios, suppondo a hypothese da ausencia de força maior que obrigue algum a interromper o curso. E 20 padres é numero insufficiente para as necessidades da provincia.

A prova está em que o collegio das missões ultramarinas de Sernache do Bomjardim, tendo preparado 26 missionarios nos ultimos cinco annos, mandou para Macau, China e Timor, isto é para as igrejas dependentes de Macau, 11 missionarios.

O sr. Scarnichia: — Estão todos em Timor.

O Orador: — Não duvido.

O sr. Scarnichia: — Em Macau não ha nenhum.

O Orador: — Peço desculpa a v. ex.ª

Eu regulo-me pelos documentos officiaes. Não tenho conhecimentos d'esta materia, resultantes de observação propria, porque nunca fui ás nossas possessões, e agora é já tarde para emprehender tão larga viagem.

Os documentos, officiaes dizem que foram 3 para Macau, 1 para Timor e 1 para Hai-nan, China.

Isto é o que dizem os documentos officiaes. Eu considero official o que affirmou o illustre bispo de Bragança na camara dos dignos pares por occasião de se discutir o projecto da Guiné.

O illustre bispo de Bragança é o superior do collegio das missões ultramarinas.

Mas quer fossem todos para Timor, quer fossem só parte, a conclusão é a mesma.

Foram do collegio de Sernache, logo não os havia em Macau. Logo o seminario de Macau não chega, é insuficiente.

Mas o peior não é isso. O peior é o estado em que se 'acha o seminario.

Ouça a camara o testemunho do sr. Corvo, o qual hei de ter necessidade do invocar mais veze3. Vou ler o relatorio que s. ex.ª apresentou n'esta camara em 1875, aliás muito bem elaborado, como tudo quanto sae da sua penna.

N'este relatorio encontram-se as seguintes palavras: «.apenas ha a notar á deficiencia de professores habilitados para leccionar algumas disciplinas.

Este apenas vale um discurso. E um bom seminario, tem boas condições, apenas faltam professores habilitados! Falta insignificante. Uma bagatella.

A camara comprehende bem o que vale um estabelecimento litterario que apenas tem a deficiencia de professores habilitados para algumas das disciplinas. (Apoiados.). Este é o estado do seminario de Macau. Note-se, que dos do ultramar este é o que está em melhores condições.

Vindo de Macau para a índia encontramos n'esta tres seminarios descriptos no orçamento, o de Rachol no arcebispado de Goa, o de Alape no bispado de Cochim e o da Feira d'Alva no arcebispado de Cranganor.

Pedi na camara differentes informações a respeito dos seminarios do ultramar. Essas informações não vieram ainda. Não admira isso. Faço idéa de como tem andado a administração colonial.

Conheço um pouco da administração do paiz, e pelo estado d'esta calculo como andará aquella.

Essas informações não vieram.

Estou convencido de que o nobre ministro não as tendo na secretaria, tratou de as obter do ultramar, e naturalmente não chegam senão para o anno.

Não tenho informações muito circumstanciadas a respeito d'estes seminarios da India, mas desconfio que elles estão muito mal.

Podem avaliar-se os recursos dos dois ultimos, ponderando que o estado dá a cada um a larga dotação de réis 500$000 annuaes.

Vejam que grandes estabelecimentos litterarios podem ser com a dotação de 500$000 réis! E todos elles dão numero tão abundante de missionarios e de padres, que segundo hontem demonstrei pelas contas do gerencia do es-

tado da India, relativas ao anno do 1876-1877 faltavam na provincia 40 por cento dos padres que devia haver. D'aqui póde concluir-se o estado em que estão.

Deixemos a India e vamos a Moçambique.

Em Moçambique não ha seminario, mas ha de haver; não sabemos quando.

O sr. Luiz de Lencastre: — Lá ha seminarios.

O Orador:: — Eu posso dizer a v. ex.ª quaes são os seminarios que lá ha.

O sr. Luiz de Lencastre: — Tambem eu.

O Orador: — Pois eu peço a s. ex.ª e a todos os meus collegas que têem conhecimento d'este assumpto que peçam e usem da palavra e que venham esclarecer a discussão.

Digo isto em boa paz e no interesse da patria, porque é necessario que. cada um traga para esta causa que é commum, que é do interesse de nós todos, o contingente do sou saber, da sua instrucção e.do seu estudo.

Como já disse, e agora repito, esta questão não é de um partido, é de todos, aqui não p3de haver divergencias partidarias.

Mas voltemos a Moçambique........

A respeito do seminario de Moçambique, disse o sr. Corvo no seu relatorio de 1875:

«O novo prelado tenciona fundar, á custa da sua propria fazenda, um seminario em Moçambique. O governo julgou dever auxiliar com a verba de 800$00p réis esta util fundação.»

Em Moçambique não ha seminario, ha de haver, construido e fundado á custa da propria fazenda do prelado, e de uma dotação orçamental de 800$000 réis.

Não está concluido, mas vae concluir-se com presteza!

No anno 3:000 está prompto!

Esta obra na presteza da sua feitura deixará a perder, de vista as obras de Santa Engracia. (Riso.)

Imagine-se o que um pobre prelado, tendo de congrua 1:200$000 réis, que é o que está no orçamento, e vivendo em Moçambique, póde fazer á custa da sua propria fazenda, e com um subsidio de 800$000 réis, para concluir com brevidade o seminario!

Da costa oriental de Africa venhamos á costa occidental, do Moçambique venhamos a Angola.

A respeito de Angola dá-nos noticia o illustre bispo, que diz assim no relatorio que eu já tenho citado á camara mais de uma vez:

«Só no fim de cinco annos e de repetidas ordens do governo é que se póde alugar casa para elle (seminário) e principiar a funccionar com alumnos externos...»

Isto escrevia o illustre prelado em 1878, no anno passado.

Calculo a camara os esforços que é necessario fazer para manter regularmente um seminario em Angola, quando foi necessario empregar cinco compridos annos só para alugar a casa, e isto apesar das instantes e repetidas ordens que o ministro dava aos governadores, porque, desenganemo-nos, lá no ultramar quem governa são mais os governadores do que os ministros. (Apoiados.)

Levaram cinco compridos annos para alugar a casa, depois alugou-se a casa e estabeleceu-se lá o seminario com uma modestia realmente extraordinaria.

Foi aberto, segundo diz o illustre prelado, para principiar a funccionar com alumnos externos.

Que seminario é este que principia a funccionar com alumnos externos?!

Isto não é seminario, é um curso de aulas ecclesiasticas onde aquelles que se dedicam ao ministerio do altar podem receber instrucção ecclesiastica, mas nunca a educação ecclesiastica, que é cousa muito differente e aliás necessaria, indispensavel para o missionário.

Em Angola, póde-se dizer, não ha cousa alguma, é necessario fazer tudo.

Mas deixemos Angola, o vamos a S. Thomé e Principe.

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Ahi não ha absolutamente nada, nem mesmo o projecto ou a tentativa de um seminario que ha de ser construido á custa da propria fazenda do prelado, e de um subsidio de 8000000 réis, como em Moçambique; ahi nem mesmo se trata de fazer arrendamento de uma casa, arrendamento que só se possa concluir em cinco annos. Ahi, repito, não ha absolutamente, nada.

Vamos a Cabo Verde. Eu de Cabo Verde não tenho informações officiaes. Sei só que do collegio de Sernache tem ido para lá missionarios.

Portanto, convenço-me de que o seminario de Cabo Verde tambem não está nas circumstancias normaes, que as necessidades do ultramar exigem. É este o estado dos seminarios nas colonias.

Olhemos agora para o collegio das missões ultramarinas, estabelecido em Sernache do Bonjardim.

Antes de tudo, eu tenho de declarar a v. ex.ª que qualquer palavra que eu porventura diga em desfavor d'este estabelecimento, não é inspirada nem remotamente pelo intuito de censurar o illustre prelado que o dirige cuja piedade e cuja sciencia eu reconheço, e a cujo merecimento presto homenagem do meu sincero respeito.

Conheço bem, e estou muito longe de pretender amesquinhar o zêlo e abnegação do sr. bispo de Bragança, director do collegio central das missões ultramarinas em Sernache do Bom Jardim.

Sei bem quantas diligencias e cuidados emprega em o dirigir acertadamente; e os senões ou defeitos que n'elle se encontram (tantos e taes que na minha opinião o collegio não corresponde por isso ao fim para que foi creado), ponho-os á conta da força dos: acontecimentos, e não da falta de attenção o disvellos do illustre prelado incumbido de o governar.

Posto isto, digo que o collegio das missões ultramarinas em Sernache do Bom Jardim está muito longe de corresponder ao seu fim. (Apoiados.)

Em primeiro logar não tem capacidade senão para 50 alumnos, alumnos que no collegio lêem de estudar as disciplinas preparatorias e as disciplinas theologicas. Quer dizer, o collegio de Sernache do Bonjardim só póde dar promptos em cada anno lectivo seis a sete missionarios. Mais não.

Ora calcule v. ex.ª, e calcule a camara o que são seis a sete missionarios para as seis, ou antes, sete, que hoje são, amplíssimas provincias que nós temos no ultramar.

É claro que este collegio não póde pelo acanhado das suas dimensões corresponder ao fim para que foi creado.

Disse que este collegio póde preparar annualmente apenas seis ou sete alumnos quando muito; mas de facto tem preparado menos n'este3 ultimos, annos. Segundo as affirmativas do illustre bispo de Bragança, na camara dos dignos pares, n'estes ultimos cinco annos, tem preparado vinte e seis alumnos, o que dá a media de cinco a seis por anno.

Cinco ou seis missionarios é muito pouco para as necessidades das nossas provincias ultramarinas.

Sei que, com o fim principal de alargar o numero dos alumnos destinados ás nossas missões, se submetteu ao exame d'esta camara um projecto que tem por fim crear um collegio filial no convento de Chefias, subordinado ao collegio central de Sernache do Bomjardim. Quando esse projecto entrar em discussão, hei de discorrer mais largamente sobre o assumpto.

Por agora só declaro que, agradando-me muito o pensamento fundamental que presidiu á sua elaboração, discordo, e discordo profundamente, em muita3 das suas disposições, do sentir do auctor. Mas, emfim, isto fica para mais tarde.

Voltando a fallar do collegio de Sernache do Bomjardim, notarei que este collegio, não só pelo acanhado das suas dimensões está muito longe de satisfazer aos fins para

que foi creado, mas ainda pelo modo por que está n'elle organisado o ensino; pelo local em que se acha estabelecido, e ainda pela falta de cadeiras que lá devia haver, e que infelizmente não ha.

No collegio de Sernache do Bomjardim ha o mesmo ensino para todos os, alumnos, qualquer que seja a colonia -para que os destinem.

Em minha opinião ha n'isto um erro e um erro grande. E note-se que isto não é censura, torno a repetir, e desejo que esta idéa fique, bem clara. Quando muito será divergencia do opinião entre mim e quem julgar o collegio bom organisado.

Soja licito a cada um pensar livremente, e livremente tambem dizer o que entende. Quanto a mim, a uniformidade do ensino no collegio de Sernache do Bomjardim, para todos os alumnos, é um systema mau. E não ponho os inconvenientes d'este systema á conta da responsabilidade da administração da casa, mas á conta da lei de 12 de agosto de 1856, que creou e organisou o collegio.

Em meu parecer os missionarios devem receber uma educação religiosa adequada ás circumstancias da localidade para onde são destinados. Nós temos do preparar principalmente missionarios para as nossas possessões da India e para as nossas possessões do continente da Africa.

As idéas, que vou apresentar, não são producto da minha phantasia, mas resultado do estudo consciencioso de muitos documentos, dos quaes não faço menção especial para não fatigar a camara.

Em muitos livros estrangeiros, porque os estrangeiros sabem mais d’isto que nós, tambem encontrei larga base para assentar a minha opinião sobre o assumpto.

Isto posto, direi que a preparação dos missionarios que nós houvermos de mandar para a índia, deve de ser muito differente d'aquella que precisam os que destinarmos ao continente da Africa. A instrucçâo e educação de uns não póde ser a dos outros.

Na índia temos numero consideravel de parochias, muitas das quaes estão occupadas por missionarios estrangeiros. Saro é o paquete que chegue á India, que não leve missionarios europeus, principalmente francezes e italianos. Creio até que ha uma companhia, Messageries impériales que ainda hoje dá passagem gratuita aos padres catholicos ¦• que queiram ir para o Oriente.

Ora, em regra, estes missionarios têem uma esmerada educação, não só theologica mas litteraria. (

O clero de Goa, ao contrario, não por culpa d'elle, que é muito intelligente e applicado, mas por falta de recursos e pelo3 defeitos dos seminarios da provincia, tem uma educação muito mesquinha, muito acanhada e muito inferior ás necessidades das missões do Oriente. D'ahi resulta que os indigenas filhos d'aquella provincia preferem aos padres seus patricios os padres europeus, que têem uma educação mais profunda e completa. Os goanos não estão tão atrazados como estão os africanos. A Africa está na sua infancia, sobretudo a Africa central.

E digo a Africa central, porque a austral já tem um um grande desenvolvimento, devido aos hollandezes e sobretudo aos inglezes.

Mas a índia não está, como a Africa, na sua infancia. A índia tem tradições gloriosíssimas, e sobretudo uma litteratura riquissima, mais rica do que nenhuma da Europa.

E não sou eu que o digo, é uma das auctoridades mais competentes no assumpto, é Lamartine no seu Curso do litteratura:

Nos tempos felizes, de que me recordo com saudade, o nos quaes a falta de saude, os desgostos e os cuidados me não tinham ainda quebrado o corpo nem assoberbado o espirito, quando eram mais larg03 03 meus ócios, e eu tinha mais vagar para ler e estudar, deliciava-mo durante horas e horas saboreando o poema Malahabarata, escripto primi-

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tivamente em sanskrito, do qual Lamartine diz, e creio que com rasão, ser superior ao proprio Homero.

A litteratura indiana tem monumentos superiores aos da litteratura europêa.

A índia possue uma litteratura já feita, tem uma civilisação muito1 adiantada, e exige nos seus padres grande cultura intellectual. Quando apparece lá um pobre padre, educado nos seminarios mal montados que nós temos no Oriente, esse padre não tem prestigio nem auctoridade alguma, o é posto de parto o preterido pelos padres europeus.

Os goanos suppõem o suppõem bem que os padres, educados na Europa sobrelevam aos seus patricios em illustração o cultura.

Os padres europeus que são ali em maior numero são os padres francezes e italianos; portuguezes poucos ou nenhuns.

E seria para desejar que nós mandássemos muitos preparados no collegio de Sernache do Bomjardim, e tendo recebido uma esmerada educação litteraria e theologica, de modo que podessem rivalisar com os padres francezes e italianos e até supplantal-os, se fosse possivel.

Esta é minha opinião, fundada, não em experiencia e observação propria, porque nunca estive na índia, mas nas informações dadas pelos livros e pelos documentos officiaes que tive occasião de ler.

O sr. Luiz de Lencastre: — Apoiado.

O Orador: — Folgo muito que o illustre deputado, o sr. Lencastre, que residiu largo tempo no Oriente, venha confirmar com o seu testemunho auctorisado a verdade das minhas apreciações.

Ora esses padres que devemos mandar para Goa podem ser educados no collegio de Sernache do Bomjardim com sufficientes conhecimentos litterarios o theologicos.

Não nos deve mesmo causar medo a differença do clima, porque mais facilmente resiste um europeu que vae para a Asia do que o que vae para a Africa..

Em relação aos missionarios que devemos mandar para a Africa, muda o caso completamente de figura.

Em primeiro logar, a meu parecer, os missionarios da Africa devem ser educados na Africa.

O sr. Sousa Machado: — Apoiado.

O Orador: — Educar um europeu no collegio de Sernache do Bomjardim, em um clima inteiramente differente d'aquelle em que tem do viver, e mandal-o depois para a Africa sem preparação alguma, é sujeitarmo-nos a perder em um curto espaço de tempo os muitos sacrificios, os muitos cuidados e o muito tempo que tivemos de gastar em preparar um missionário.

O sr. Sousa Machado: — Apoiado.

:0 Orador: — Note-se bem. Não quero que os missionarios que mandarmos para Africa sejam sempre indigenas; é necessario que haja missionarios indigenas e missionarios europeus.

E vou dizer a rasão d'este meu pensar.

No continente africano, o missionario tem um grande prestigio, só pelo facto de ser missionário.

Affirmam-no todos os escriptores.. E isto acontece não só em Africa, mas em todas as nossas Colónias.

A respeito de Timor, por exemplo, já o nosso collega respeitavel official de marinha, o sr. Scarnichia, me contou um facto presenceado por s. ex.ª

Havia em Timor (e desculpe-me a camara esta pequena digressão) um padre chamado Gregorio.

Eram frequentes ali as desordens, e quando o governador, se via afflicto para restabelecer a tranquillidade publica, o que não era raro, mandava chamar o padre Gregorio. Apparecia este e com elle o socego. Era o anjo da paz.

O sr. Scarnichia: — Apoiado.

O Orador: — O apoiado com que acaba do me honrar o meu illustre collega prova: exactidão d'este facto, e como este podia contar muitos outros.

Fecho a digressão e continuo no desenvolvimento das idéas que ía apresentando. Em geral, em todas as nossas possessões ultramarinas, um missionário, só pelo facto de ser missionário, tem um grande prestigio e uma grande auctoridade.

Bem sei que muitas vezes os indigenas os martyrisam o victimam, mas note-se que o preto, quando pratica estes actos é ordinariamente cedendo ás intrigas dos negreiros, porque v. ex.ª sabe perfeitamente que a escravatura diminuo o acaba pela acção dos missionarios. Os maiores inimigo; dos negreiros são os missionarios. Ninguem lhes prejudica mais os interesses. E é isso natural. Se o não fizessem faltariam aos preceitos do evangelho que diz que no céu ha um só Deus, que é pae de todos, e na terra uma familia unica, do que todos somos membros e onde todos somos irmãos.

Os missionarios contribuem efficaz e poderosamente para a extincção da escravatura, estado tão contrario á dignidade humana, como opposto ao dogma da fraternidade pregado por Jesus Christo.

O missionário é o inimigo declarado e intransigente da escravatura; o negreiro, o "flagello e o perigo maior do missionário. '.

Fóra, porém, dos negreiros, este nada receia dos homens nos sertões da Africa. É immensa a auctoridade que elle tem, é immenso o seu ascendente no espirito do negro.

O sr. Sousa Machado: — Apoiado.

O Orador: — Mas quando o missionário reune á qualidade de missionário a de europeu, a sua auctoridade e prestigio são ainda maiores.

O sr. Sousa Machado: — Apoiado.

O Orador: — No interior da Africa estão estabelecidos muitos europeus, que são geralmente respeitados pelos negros. E para não citar muitos nomes, lembrarei só o sr. Anchieta, que ha muitos annos está em Angola, vivendo no sertão, prestando serviços e serviços relevantes á patria e á sciencia, e com tal abnegação e desinteresse que bem merece ser apontado como modelo e exemplo n'esta epocha tão egoista e tão interesseira. (Apoiados.)

O sr. Anchieta está ha muitos annos no interior do continente africano, vivendo no meio dos pretos, e vivendo com elles na melhor harmonia. Nem um unico desgosto o tem affligido, a não ser, vergonha é dizel-o, da parte das auctoridades portuguezas.

O sr. Bocage: — Apoiado.

O Orador: — Estimo muito que o sr. dr. Bocage confirmo a verdade das minhas palavras.

Nenhum testemunho eu poderia obter mais competente do que o de v. ex.ª, que está hoje, como tem estado sempre desde que o sr. Anchieta deixou Lisboa, em correspondencia official e particular com este illustre naturalista, cujo nome conhecido e respeitado em toda a Europa culta, é uma honra para a sciencia e uma gloria para a patria. (Muitos apoiados.)

Dizia eu, que o europeu só pelo facto de ser branco, exerce um grande ascendente sobre o espirito do negro.

E, sendo assim, facil é de ver que os missionarios encarregados do iniciar os indigenas africanos nos rudimentos da fé, e de os desligar das crenças e praticas do fetichismo para as verdades catholicas, devem ser europeus.

O sr. Sousa Machado: — Apoiado.

O Orador: — O trabalho da iniciação é muito difficil. Arrancar o negro das superstições recebidas na infancia e enraizadas n'uma raça ha seculos, é empreza que só deverá ser tentada e poderá ser realisada pela auctoridade do missionário branco.

Porém, logo que estejam fundadas igrejas e convertidos á fé os pretos, a obra começada por europeus, poderá ser confiada sem perigo a missionarios indigenas.

O sr. Sousa Machado: — Apoiado.

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O Orador: — O prestigio d’estes será sufficiente para conservar os neophitos na sua nova religião.

Este systema rasoavel é seguido pelos estrangeiros.

rio Cairo ha um estabelecimento de missões e em Argel ha outro. Do primeiro saem missionarios para o Soudão Oriental, do segundo para o Sahará ou Soudão Occidental.

São todos educados, porém, ou quasi todos, em Africa para se acostumarem ao clima, que é o peior inimigo dos europeus no continente africano.

Muitos dos missionarios são indigenas Estes resistem mais ao tempo, não estranhara o clima, vivem no meio que lhe é proprio.

Eu desejava tambem que os nossos missionarios, quer indigenas, quer europeus, que se destinam para a África, fossem educados na Africa para assim se costumarem ao clima.'

E sendo adoptado este meu alvitre, poder-se-ia escolher para fundar o collegio de missões africanas uma das ilhas de Cabo Verde, ou melhor ainda, uma das terras menos insalubres de Angola, não digo" do litoral, que em geral é mau, mas no interior, onde ha pontos em que o clima é menos áspero. '

Já fallei a este respeito com um dos nossos collegas, que muito respeito, e que é muito conhecedor das cousas de Africa, e por este me foi indicado um ponto sobre o qual tomei depois informações mais minuciosas e que reconheci ser effectivamente muito asado para um estabelecimento de missionarios. Refiro-me a Huilla no districto de Mossamedes. ' •

Mas a educação dos missionarios africanos deve de ser Inteiramente differente da dos que nós mandamos para a índia.

O missionário africano deve antes de tudo saber latim, que é a lingua do breviario, do missal, da theologia o da igreja.

E quando digo que deve saber latim, não exijo que o saiba como o sr. Sampaio.. (Riso.)

Não é necessario que, elle conservo de memoria e aprecie devidamente as odes de Horácio, as satyras de Juvenal, os conceitos sentenciosos de Tácito e os versos inspirados de Virgilio. Não. Basta que saiba o latim sufficiente para se desempenhar dignamente das funcções, do seu ministerio.

Deve tambem saber a lingua dos povos onde vae missionar para se fazer entender e entender aquelles a quem tem de se dirigir, e com os quaes tem de viver e tratar. Alem d'isso deve saber historia e geographia elementar, estudo indispensavel a todo o homem, principios elementares de theologia dogmática e noções muito desenvolvidas de moral christã, porque o missionário é mestre da religião. Das outras cadeiras de theologia, e das disciplinas subsidiarias talvez possa dispensar as noções profundas o a sciencia' eminente, cuja falta seria digna de reparo em padres, que se achassem ou tivessem de exercer o seu ministerio n'outro meio, ou occupassem grau elevado na hierarchia ecclesiastica. Mas em compensação o missionário africano deve saber principios de sciencias naturaes, de mathematica, de agricultura, de hygiene e até de medicina. Todas estas noções serão proveitosas para elle e para os povos onde' vae missionar, e augmentando o prestigio do missionário, tornarão mais efficaz a sua missão.

O sr. Sousa Machado: — Apoiado. ' O Orador: — Isto posto, sem violencia se póde concluir que o collegio de Sernache póde servir pára missionarios para a índia, mas não para missionarios para a Africa, porque estes devem ser educados na Africa e não em Portugal, e receber educação religiosa, litteraria e scientifica muito differente da dos que vão para a índia.

Sr. presidente, ainda tenho outro reparo a fazer. No collegio de Sernache ainda não ha cadeiras do linguas coloniaes, e é preciso que os missionarios as saibam, e melhor será que as aprendam no seminario, e que d'este sáiam

promptos para começarem logo a exercer com proveito o seu difficil ministerio.

Sei que era Sernache do Bomjardim já se estabeleceu este anno uma cadeira, em que se ensina um dialecto da índia o concani, mas faltam cadeiras"de outras linguas coloniaes, e seja-me permittido dizer de passagem, que o ensino do concani é precisamente o monos util para o missionário, e que este melhor podia dispensar.

No que respeita a colonisaçâo, desprezámos, como em muitas outras cousas, exemplos que nos dão nações mais adiantadas, mais cultas e mais civilisadas do que nós, q creio que d'este desprezo só nos póde advir, e já adveiu, mal e muito mal.

A Hollanda só nomeia para as suas colonias da Oceania empregados que conheçam a lingua que ali se falia, a lingua malaya. Os inglezes exigem nos funccionarios que mandam para as suas possessões da Asia o conhecimento, do marata ou hindustani, e quando não encontra individuos habilitados com o conhecimento de qualquer d'estes dialectos, impõe-lhes a obrigação de aprender um d'elles dentro 'de tres annos, sob pena de cessar a nomeação.

i Este systema dos hollandezes e inglezes é muito rasoavel. Em minha opinião todos os empregados do ultramar, tirando os empregados superiores; porque emfim sendo a nomeação d'esses por tres annos não1 valo a pena obrigal-os a estudar as linguas coloniaes, deviam saber o dialecto ou a lingua dos povos para onde" são mandados»

De outra maneira, ficam sujeitos a muitas fraudes, embustes e enganos a que os levamos interpretes. (Apoiados.)

A Hollanda e a Inglaterra tanto reconheceram a utilidade das linguas colonicas, que estabeleceram nas metropoles cursos em que estas se ensinam.

Nós tambem ternos uma cadeira de sãoskrito. e só isso, mas o conhecimento d'esta lingua hão é dos que produz mais vantagens praticas immediatas para a administração colonial....

Mas quer o governo se convença quer não da necessidade dos empregados que manda para as. nossas possessões saberem os dialectos o linguas coloniaes, do que se deve convencer é que os missionarios não podem prescindir do conhecimento de uns e de outras'. Pois se elles têem do. tratar diariamente com os indigenas, transmittir-lhes os seus pensamentos e receberem as idéas dos povos com quem convivem, como é possivel que ignorem a sua lingua?

Por isso n'um collegio bem organisado de missões ultra-marinas, devia ensinar-se chim aos missionários' do Macau, malayo aos de Timor; (Apoiados.) marata ou hindustani aos da índia.

E, digo marata ou hindustani porque na índia ha tres dialectos, estes dois e ò concani. O primeiro é a lingua litteraria do paiz, na qual ha os monumentos escriptos mais preciosos da índia; o segundo é o mais geralmente usado, é para a índia como o francez é para a Europa; o terceiro, simplesmente fallado, e fallado só na costa, não está bem formulado, tem um uso muito restricto o tende mais a desapparecer do que a aperfeiçoar-se.

Entendo eu portanto, que os 'missionários mandados para a India devem conhecer o hindustani ou o marata e talvez antes aquelle do que este. O concani é o menos util e está longe de ser necessario.

Isto pelo que respeita á Asia e Oceania. Na Africa ha uma quantidade immensa de linguas quasi todas na infancia, sem formas fixas e determinadas, o que tendem a desapparecer. E certo porém, que o desapparecimento de uma lingua só póde realisar-se successivamente pelo decorrer dos annos e talvez dos seculos, e emquanto essas linguas existirem é conveniente que os missionarios que vão levar a palavra de Deus as conheçam para serem entendidos pelos indigenas. Seria absurdo exigir aos missionarios o conhecimento de

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todas as linguas africanas, que são numerosas. Mas ha duas, uma na costa occidental e outra na costa oriental que são mais usadas e que elles não devem ignorar: na costa oriental o macúa, na occidental o bunda ou nebundo.

Já vê portanto a camara que não temos no ultramar numero sufficiente de seminarios convenientemente montados para dar ás colonias os missionarios de que ellas precisam, e que o collegio de Sernache pelo local onde está collocado e pela estreiteza do edificio em que está estabelecido, pela uniformidade do ensino que ministra a todos os seus alumnos, e pela falta de cadeiras de linguas coloniaes, está muito longe de poder corresponder aos seus fins. (Apoiados.)

Disse eu hontem á camara que havia de fallar, não só da falta de padres e de seminarios no ultramar, mas tambem de templos, e é este ultimo assumpto a que vou referir-me agora.

E n'este não preciso cansar-me muito, porque os testemunhos são abundantes, claríssimos e tão eloquentes, que me dispensam de lhes juntar commentarios ou sobrepor considerações. Faliam por si.

Na frente de todos elles colloco as palavras do sr. ministro da marinha na sessão da camara dos dignos pares de 12 de março ultimo.

Referindo-se ao ultramar disse o sr. Thomás Ribeiro:

«Começámos por nem ter lá igrejas, sr. presidente, e algumas que tivemos vão caindo.»

Onde podia eu achar prova mais decisiva e auctoridade mais competente? (Apoiados.)

O illustre bispo de Angola, no relatorio que mais de uma vez tenho citado á camara, diz o seguinte:

«No litoral, e não em todo elle, e pouco mais, apenas ha algumas igrejas e más, e sem utensilios precisos, e sem meios de sustentar o culto com decencia. Basta dizer que o Ambriz, povoação importante, que já tem requerido a categoria de villa, onde ha estabelecimentos commerciaes de differentes nacionalidades, alfandega, hospital, um batalhão, não tinha ha pouco escola, e ainda agora não tem igreja, e o parocho officia n'um quarto da residencia do chefe, onde o povo receia ir, pelo risco de ser esmagado pelo tecto em ruinas; no Dande, centro de muito trato commercial, no Golungo alto, que já foi sede de districto, em Ambaca, cabeça de comarca, succede o mesmo; ajuize-se o resto.»

Ajuize-se do resto, diz o illustre prelado; ajuize-se do resto, digo eu tambem.

Isto não carece de commentarios.

Mas que admira que as igrejas do ultramar estejam n'este estado, se no respectivo orçamento não ha verba alguma especial, nem para edificação, nem para concerto de templos?

Para as igrejas do reino ha uma verba rasoavel que em epocha de eleições se augmenta consideravelmente, (Apoiados) mas no ultramar parece que o governo, nem mesmo em tempo de eleições se lembra de ser devoto. (Riso. — Apoiados.)

Eu disse que no orçamento do ultramar não havia verba alguma especial para igrejas, mas não disse bem.

Effectivamente ha ali tres verbas que me parecem destinadas para concertos de igrejas, ou para fabricas parochiaes na provincia da índia.

Duas são de 120$000 réis cada uma, e a terceira de 50$000 réis; total 290$000 réis fracos.w

O orçamento diz: «consignação para a igreja de Assolná, para a igreja de Velim, e para a igreja de Linhares.»

Não comprehendo bem o sentido da palavra consignação applicada a igrejas.

Creio que o orçamento aqui, para ter côr local, foi redigido n'algum dialecto do paiz, e, comtudo, parece-me que não se perdia nada que este, como todos os documentos officiaes, fossem escriptos em bom portuguez. (Apoiados.)

Em todo o caso a verba é destinada unica e exclusivamente a tres templos, ou tres igrejas, e é insignificantíssima.

A verdade é que não ha no ultramar, nem seminarios, nem padres, nem templos, como exigem as necessidades das nossas possessões.

O sr. Sousa Machado: — Apoiado.

O Orador: — Quer v. ex.ª e a camara ver a prova cabal d'isto? Está no orçamento do ultramar.

Examinando este documento vê-se que para a administração ecclesiastica das seis provincias do ultramar, desde Cabo Verde até Macau, se destina uma verba de réis 89:333198.

Note-se que esta verba não chega a ser toda gasta, como eu hontem demonstrei á camara.

Mais de um terço da verba destinada á administração ecclesiastica na índia não se gasta, e em muitas outras possessões uma parte consideravel não se gasta tambem, porque não ha padres.

Parece-me portanto, que não exagero, calculando que d'aquella verba apenas se gastarão 60:000$000 réis com a administração ecclesiastica, em todas as nossas possessões.

E sabe a camara quanto se gasta annualmente com obras publicas em Angola, isto é só n'uma provincia? A bagatella de 66:000$000 réis. Note-se que d'esta verba não deixa provavelmente de se gastar nem um real.

De modo que para obras publicas n'uma só provincia, destinamos e gastámos mais do que em toda a administração ecclesiastica de todas as nossas colonias.

Isto é uma vergonha para Portugal. Não se me leve a mal que eu a revele alto e bom som, porque é necessario pôr um termo a este abandono com que no ultramar tem sido tratado o elemento religioso. (Apoiados.)

Não sou inimigo dos melhoramentos materiaes.

A camara faz-me a justiça de acreditar que eu quero estradas, caminhos de ferro e telegraphos electricos; quero todos os inventos da moderna civilisação, não sou inimigo do progresso. Quando porém se trata de civilisar as nossas colonias, parece me que não devemos cuidar só da materia, mas tambem alguma cousa do espirito. (Apoiados) O homem não vive só de pão.

As condições climatéricas das nossas possessões, e talvez tambem que em grande parte o atrazo de muitas d'ellas, obrigam os missionarios a grandes inclemencias e a grandes sacrificios.

. O governo da metropole aggrava todas essas inclemencias e sacrificios, condemnando os missionarios ao martyrio da fome.

O padre não vae, não póde ir missionar para os nossos dominios de alem mar, com o mesmo intuito que leva o filho do Minho para o Brazil, para fazer fortuna. Longe de mim similhante idéa. O que eu quero, o que a justiça exige é que lhe não falte o sufficiente.

A nação portugueza ao enviar um padre para o ultramar, deve dar-lhe o que elle precisa para subsistir e viver decentemente. Mais ainda, quando o missionário, por uma velhice precoce, resultante menos dos annos, do que do clima e do trabalho, trabalho improbo e pesado, se inutilisar para o ministerio parochial, de rasão é que tenha garantido o socego nos poucas dias em que tenha de viver. Sem rodeios nem circumloquios, declaro que é vergonha, o vergonha grande, mandar um padre qualquer para as colonias, não lhe dar lá os meios de vida, e quando elle, farto de trabalho, consumido pelas febres, e com a saude perdida, quer voltar para o continente, abonar-lhe apenas a bagatella de 6$000 réis mensaes. Assim é impossivel obter padres no ultramar.

O sr. Sousa Machado: — Apoiado.

O Orador: — Um dia apresentei n'esta casa uma representação dos padres de Moçambique.

Geria então a pasta da marinha o sr. Corvo. Chamando

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A attenção de s. 'ex.ª para o assumpto da1 representação,

-pedi que se melhorassem as condições deploraveis em que

¦ vive o clero ultramarino.

O sr.'Corvo respondeu-me, dizendo: «Os padres têem rasão, 'recebem pouco, estão mal remunerados, mas emfim, todos os empregados do ultramar se acham nas mesmas cireumstancias, e então resignem-se com a sua sorte, que é a sorte de todos os nossos funccionarios coloniaes.»

Ora, isto não é verdade. Eu não sei se os. empregados

do ultramar estão bem ou mal remunerados; o que sei é que não ha proporção alguma entre a congrua dada pelo orçamento aos parochos do ultramar e os vencimentos que percebem os differentes funccionarios civis, administrativos, judiciaes, militares, etc.

O bispo de Angola, por exemplo, recebe 1:920$000 réis annuaes e o secretario geral do governo da provincia recebe 2:000$000 réis. Vejam a proporção que ha entre a congrua d'aquelle e o ordenado d'este!

Ao lado do secretario geral está o governador, que recebe 6:000$000 réis, o a pequena distancia o chefe da expedição de obras publicas, que recebe uma verba tão avultada, que até houve vergonha de a descrever no orçamento.

O sr. Adriano Machado: — Apoiado.

O Orador: — Mas esqueçamos a pequenez da congrua d'este prelado, e vamos a olhar para os parochos. Os parochos ainda estão em peiores cireumstancias. Sabe a camara quanto recebem 11 dos parochos que existem em -Cabo Verde? A congrua annual é de 60#000 réis. Igual quantia recebem os guardas da alfandega da mesma provincia!

No orçamento de Cabo Verde o parocho é equiparado ao guarda da alfandega..0 sr. Sousa Machado: — E verdade, apoiado. O Orador: — Em S. Thomé e Principe a maioria dos parochos recebe 90$000 réis; na índia ha 79 parochos que recebem 71 $000 réis. No orçamento da índia ha uma cousa engraçada. Não muito distante dos parochos, vem o ordenado para um mandador da officina de machado do arsenal que está aposentado, o qual recebe, sem fazer nada, 78$570 réis, ao passo que o parocho, que faz serviço, que trabalha, ganha 71$000 réis!

Confrontemos a magreza d'estas congruas com o ordenado que recebem os outros funccionarios publicos e comecemos o confronto pela magistratura judicial. Não se pense que eu quero que os membros da magistratura judicial não sejam bem remunerados no continente, e mais bem remunerados ainda no ultramar. No continente ha imprensa para corrigir as aberrações dos juizes, ha a força da opinião publica para impedir os seus desatinos.

No ultramar não ha tanta vigilancia nem tantas garantias. A falta de meios póde ser pretexto para abusarem juizos pouco escrupulosos.

Quero por isso que fique completamente garantida a sua independencia, não só a independencia legai, mas a independencia para a sua subsistencia. Portanto, não quero regatear o dinheiro que se dá ao juiz do ultramar. (Apoiados.)

Os juizes que vão para o ultramar são muito uteis á sociedade, sobretudo para a punição dos crimes; mas força é dizel-o, recebem ordenados que não estão em proporção alguma com as congruas dos parochos.

Não se pense que o parocho serve só para administrar os sacramentos. O parocho tambem presta muito grande serviço á sociedade, e contribue efficazmente para o respeito da lei.

Não castiga os crimes como o magistrado judicial, mas previne-os, o que é inquestionavelmente melhor. Quando o clero for austero, illustrado e zeloso no cumprimento dos seus deveres, muitos crimes se evitarão pelos esforços d'elle. (Apoiados) Os padres tiram muito trabalho aos tribunaes de justiça, e contribuem efficazmente para diminuir a estatistica criminal. E eu creio que a sociedade lucra mais em evitar que se pratiquem crimes do que em punil-os depois de commettidos.

Não é só isso. É que ha muitos crimes occultos, que escapam á acção dos tribunaes; crimes de que o poder judicial não tem conhecimento,10s'quaes não escapam ao conhecimento do padre, e para os quaes o padre obtém reparação no confissionario.

Vou contar a v. ex.ª á camara um facto de que tenho noticia, não por informação, mas por ter tomado parte n'elle, e cuja exactidão posso garantir.

Ha tempos estava eu em Lisboa, como agora. Achava-se aberta a camara, e eu desempenhava-me do mandato de representante da nação. Uma manhã recebi a correspondencia de Aveiro. Abri uma das cartas, a primeira que me veiu á mão das muitas que o correio me trouxe aquelle dia. Era escripta por um padre da diocese que tenho a honra de governar. Dentro da carta vinha uma letra, e uma letra de uma quantia relativamente avultada.

O padre incumbia-me de mandar dar essa quantia no Alemtejo a um lavrador abastado, pessoa das minhas relações. Dizia-me que lhe havia sido entregue por um homem que se tinha confessado a elle e que era restituição de um furto.

Como a camara sabe, das provincias do norte costumam ir ao Alemtejo, onde se demoram mezes nos trabalhos agricolas, grande numero de operarios.

Escrevi para o Alemtejo ao meu amigo, cujo nome não tenho duvida em dizer, o sr. José Maria Diniz Ramalho Perdigão, honrado lavrador de Evora, mandando-lhe dizer que tinha' essa quantia em meu poder, a qual lhe fóra furtada por um homem que andara a trabalhar nas suas herdades o que eu estava incumbido de a restituir.

Enviei o dinheiro, o sr. Perdigão recebeu-o, e escreveu-me dizendo, que não tinha idéa alguma de lhe lerem furtado nada, mas que apesar d'isso não tinha duvida em receber pois que não acreditava que alguem tivesse a extravagante lembrança, de lhe fazer um presente d'aquella ordem occultando o nome tão cuidadosamente.

Ora como este facto, eu poderia citar muitos que conheço por experiencia propria, e que se têem passado commigo e na minha diocese.

Bem rasão, pois, tinha eu quando affirmava que, se o juiz presta grandes serviços á sociedade, punindo os crimes, o parocho não presta menores, porque previne e evita uns e quando não possa prevenir outros obtém para elles reparação, ainda que sejam occultos e que hajam escapado á acção dos tribunaes.

Mas se isto assim é, porque rasão se hão de remunerar convenientemente os juizes do ultramar, e ao mesmo tempo se ha de dar uma congrua mesquinha aos parochos?

Olhem para as tres provincias de Cabo Verde, S. Thomé e Principe e índia.

Em Cabo Verde o juiz ganha 1:300$000 réis, em S. Thomé, igual quantia, na índia, 2:160$000! E o pobre parocho?!

¦ Esse chega a receber pelo orçamento em Cabo Verde 60000 réis! em S. Thomé e Principe 90000 réis! na índia 71,9000 réis!

Que proporção ha aqui entre a remuneração de uns e outros funccionarios?! Absolutamente nenhuma. (Apoiados.)

Mas a mesma desigualdade ha em relação aos professores.

Os professores de instrucção primaria recebem, em Cabo Verde entre 400$000 réis e' 120#000 réis, em S. Thomé e Principe entre 500$000 e 300$000 réis, e na índia entre 408$O00 réis e 164000 réis.

No continente um professor de instrucção primaria recebe entre ll0$000 réis e 120$000 réis, meno3, muito menos do que os do ultramar.

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Ao contrario os parochos do ultramar têem vencimentos muito mais, mesquinhos do que os do continente.

O sr. Sousa Machado: — Apoiado.

O Orador: — E note acamara:que apesar de n'estes ultimos tempos se terem augmentado os ordenados dos professores de instrucçâo primaria do ultramar, ainda assim grande numero de cadeiras estão vagas!

Ora quando os professores do ultramar escaceiam, tendo uma remuneração ião superior aquella que recebem os do continente, imagine-se o que acontecerá com os parochos.

O sr. Sousa Machado: — Apoiado.

O Orador: — Mas ainda ha outros funccionarios, cujas remuneração comparada com a congrua dos parochos é mais extravagante.

O sacristão do, governador da índia tem 70$000 réis, em quanto parochos ha n'esta mesma provincia, como já disse, que lêem 71$000 réis.

Os sacristães de Damão e Diu têem,.pelo orçamento, 64$000 réis, isto é,. mais do que um grande numero de parochos de Cabo Verde.

Ainda na índia ha amanuenses com 250$000 réis, porteiros de secretaria com 300$000 réis, e continuos com réis 123$000..De maneira que na índia um porteiro recebe mais de quatro vezes aquillo que recebe um parocho!

Em todos os estados da índia, comprehendendo Diu e Damão, ha apenas oito parochos que tenham congrua superior aos ordenados dos continuos das secretarias.

Mais ainda. Na índia, os parochos, em geral, recebem vencimentos inferiores ao primeiro sargento da companhia de saude! Este tem 173$850 réis, em quanto grande numero de parochos, como já ponderei á camara, recebem apenas 71$000 réis.

Á congrua d'estes até é inferior á remuneração orçamental dos officiaes de diligencias, pois que estes recebem 123$000 réis..

E se algum parocho tem a infelicidade de adoecer, ou de se impossibilitar, então fica perfeitamente desgraçado.

Na índia não se lembram os parochos de resignar os seus beneficios; ao menos no orçamento não vem verba algum no capitulo de administração ecclesiastica para os sustentar.

Só no orçamento da provincia de Angola apparecem duas verbas para parochos resignatarios, uma de 80$000 réis, outra de 106$666 réis. Aqui está a largueza, a bizarria, a generosidade com que galardoamos os serviços dos parochos do Ultramar que se impossibilitam no exercicio do seu ministerio.

Agora quer a camara saber qual é a avareza estreita e apertada com que aposentamos, reformámos e jubilamos differentes funccionarios no ultramar? Eu lh'o vou dizer, porque é instructivo e edificante. Refiro-me aos estados da índia.

Na índia um facultativo reformado recebe 2:248$250 réis. Um pharmaceutico 1:479$000 réis. Um ajudante jubilado de professor, de desenho (note-se que não é um professor, é um ajudante) 756$00O réis. Um professor de instrucçâo primaria 353$000 réis. Um porteiro de contadoria aposentado 204$000 réis. E ha escripturarios aposentados, que recebem de 244$800 réis a 442$000 réis.

Não preciso dizer mais nada. Basta a leitura d'estes algarismos para' mostrar á camara a injustiça monstruosa de que é victima o nosso clero do ultramar! (Apoiados.)

Abandonámos o nosso clero do ultramar e não fizemos bem. Pelo menos não seguimos os exemplos que estranhos nos dão, e estranhos auctorisados pela sua illustração e adiantamento.

O sr. Sousa Machado: — Apoiado.

O Orador: — Estamos muito longe de imitar o procedimento da Inglaterra e da França.

Como eu hontem disse á camara, o pontifico mandou missionarios em 1865 para Angola: esses missionarios estabeleceram-se em S. Paulo de Loanda, no Ambriz e em Mossamedes. O papa queria tambem mandal-os para o Congo e as auctoridades portuguezas não os admittiram e dentro em pouco trataram de expulsar os que estavam na provincia de Angola.

Pois, sr. presidente, ao: passo que assim procedemos, nós, que somos nação catholica, a Inglaterra protestante manda e sustenta na Serra Leoa missionarios catholicos, filhos do institutos romanos.

Acamara sabe que. ha um estabelecimento importante de missionarios na. Serra Leoa, colonia ingleza fundada em 1787 com os negros' emancipados da America do norte. Para esse estabelecimento foram primitivamente sete missionarios, os quaes não tardaram em cahir todos victimas das febres.

Depois foram indo outros successivamente e hoje existem lá seis. A Inglaterra é protestante e subsidia largamente os missionarios e faz bem em os subsidiar, porque os fructos que elles têem dado são abundantes e bem sazonados.

Basta dizer que n'esta. colonia, onde ha 300 a 400 catholicos, ha tres escolas, um. asylo para orphãos e um hospital; o que tudo é obra dos padres, para que nós olhamos com tanto desdém.

!E note-se que em todos os pontos da Africa, onde ha missionarios se nota grande differença na cultura do povo, porque os missionarios, religiosos têem sido algumas vezes missionarios da sciencia e são quasi sempre missionarios da civilisação.

. Até, na Senegambia ha uma imprensa fundada por missionarios onde têem sido impressas differentes obras, como grammaticas, diccionarios, etc. dos differentes dialectos destes paizes.

.Mas, não é só na Serra Leoa, que a Inglaterra tem missionarios; tem os na Africa central, nas regiões dos Lagos, juntos do lago Nyassa ou Marari, e nas margens septentrionaes do lago Alberto.

E a Inglaterra liga aos trabalhos d'estes missionarios tal importancia, que não duvida destinar para as despezas d'elles a enorme somma de 25.000:000 de francos.

Como a Inglaterra procede a França.

Na região dos lagos ha tambem missionarios francezes enviados pelo arcebispo de Argel, e estabelecidos nas margens do rio Loulaba.

Ainda ha pouco os jornaes francezes publicaram uma carta na qual em phrases sentidas, o arcebispo de Argel noticiava á viuva Pascal a morte de seu filho Joaquim, superior da missão do lago Tanganica.

Joaquim Pascal fóra victima das febres. Os missionarios na Africa, não tem só a soffrer da fereza dos homens. Muitas vezes succumbem na proveitosa, mas humilde obra em que andam empenhados, victimas do clima, e colhem a morte como premio unico no mundo das suas fadigas e dos seus trabalhos.

Não é só na Africa que a França subsidia missionarios. Em 1850 o governo francez, e note-se que era um governo republicano, quiz estabelecer uma penitenciaria agricola na Guyenna, e mandou para lá frades.

Foram oito os primeiros enviados, e a grandeza dos serviços por elles prestados corre parelhas com a dos sacrificios e inclemencias por que passaram esses homen3 cheios de resignação e de fé.

A aspereza do clima é extraordinaria. A avaliar-se pelas descripções que d'este paiz fazem os escriptores, a nossa Guiné, comparada com a Guyenna, fica a perder de vista no que respeita a más condições hygienicas.

Para conservar a vida, os pobres padres têem de luctar, e luctar sempre com os chiques, pequenos insectos que se introduzem dentro da pelle, causando dores horriveis; com os macqua, moscas que se introduzem nas fossas nasaes, dando lugar á formação de pequenos vermes, que começam a devorar o homem, antes d'elle ser cadaver; com as grandes e frequentes ophthalmias; com a febre amarella, que. não se esquece de visitar aquellas paragens, etc. Apesar de tudo a penitenciaria agricola lá existe dirigida por mis-

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sionarios que foram para lá mandados pelo governo republicano de França, e que ainda hoje o governo tambem republicano ajuda, protege e sustenta.

E que vemos nos Estados Unidos?

O que faz essa nação tão grande pelo arrojo dos seus commettimentos, pelo adiantado da sua civilisaçào, e que todos os dias dá lições ao mundo, assombrando-o com o, seu incessante progredir, progredir, que é a um tempo a admiração e a inveja do velho continente europeu? (Apoiados.)

A grande republica americana trabalha sempre, não cessa no seu lidar constante, e todos os dias trata de alargar o augmentar os seus estados.

Bosques frondosos, onde ainda ha pouco, não se ouvia nem o som do machado, nem a voz do homem, onde reinava silencio profundo, apenas interrompido a espaços pelo rugido das feras e pelo canto das aves, desapparecem como por encanto, para dar logar a povoações novas. (Vozes: — Muito bem.)

Mas os americanos, quando tratam de fundar uma povoação, a primeira cousa em que pensam, o que fazem antes de tudo, é levantar um templo, e ao lado do templo uma escola. Tanto aquelle povo reconhece a importancia da religião.

Se quizermos tratar da colonisaçâo da Africa e promover o engrandecimento das nossas colonias, não devemos desprezar o elemento religioso.

Nem todos porém, infelizmente entre nós, pensam que é necessario e conveniente seguir os exemplos, que a este respeito nos dão as nações cultas.

. Não pretendo affirmar que todos os homens illustrados do nosso paiz, o que pensam seriamente nas colonias, sejam da opinião que se devem esquecer as necessidades do culto e clero ultramarino.

Peço licença á camara para contar um facto que ainda ha pouco tempo succedeu commigo, e cuja authenticidade posso garantir.

Um dia encontrei-me por acaso com o meu antigo amigo, a quem estimo muito, o sr. Rodrigo Affonso Pequito. Conversei largamente com elle a respeito do estado presente das nossas colonias e quanto urgia prover de remedio ao abandono em que se encontravam.

No meio, porém, da nossa conversação, ou pratica, lembrei-me eu de atalhar dizendo: mas Portugal não quer padres!

Com grande surpreza minha replicou o sr. Pequito, dizendo: «não querem padres?! Eu quero-os, quero muitos, quero-os em grande quantidade, convenientemente educados e sufficientemente illustrados.

«Quando se fundou a sociedade de geographia em Lisboa, continuou o sr. Pequito, um do3 nossos consócios, logo em uma das primeiras sessões fallou da necessidade, de instituições monasticas, e conventuaes para a civilisaçào da Africa, e similhante alvitre foi muito mal acolhido pela sociedade. Filhos da geração nova, e educados nas idéa3 liberaes, que muitos julgam ser oppostas ás catholicas, ou conciliarem-se pouco com ellas, nós ouvimos com horror, ou pelo menos com pouco agrado, opinião tão singular;

«Mas passaram dias, decorreram semanas, volveram mezes e nós estudámos, reflectimos e amadurecemos a idéa que a principio não fóra bem ponderada, e afinal hoje no espirito, não direi de todos os socios da sociedade de geographia de Lisboa, mas n'um grande numero d'elles está o convencimento profundo de que os frades são indispensaveis para a civilisaçào africana.»

Estou auctorisado a contar este facto; de outra maneira não o relataria aqui. E elle vem em reforço das considerações que apresentei, e assevera que é impossivel tratar seriamente da civilisação das nossas possessões, continuando o elemento religioso a ser tratado pelos poderes publicos d'este paiz com incuria e desleixo, para não dizer com desprezo, como tem sido tratado até agora.

Já que fallei na sociedade de geographia de Lisboa, permitta-me v. ex.ª que eu n'esta occasião e n'este logar a felicite, na pessoa do sr. dr. Bocage, pelos muitos e relevantes serviços que ella, nascida ha dois dias, tem já prestado á patria, á sciencia e á civilisação. (Apoiados.)

O nobre empenho e zêlo com que esta sociedade tem auxiliado e promovido as expedições scientificas e geographicas no interior de Africa são dignos de todo o elogio, assim como tambem é digno de todo o elogio o denodo, desembaraço e sciencia com que vindicou para o nome portuguez a honra e gloria que na prioridade das descobertas geographicas da Africa central inquestionavelmente nos pertencem, que a historia nos dá de um modo que não póde ser contestado seriamente, e que estranhos e invejosos nos pretendiam usurpar. (Apoiados.)

Eu felicito na pessoa do sr. dr. Bocage a sociedade de H geographia, sobretudo pela sua origem excepcional.

Todos nós sabemos, e isto não é offensa para ninguem, que somos essencialmente indolentes; uma nação de preguiçosos e de eternos menores. Afflijimo-nos com a idéa de que chegue a epocha da nossa emancipação; não prescindimos de tutella; esperámos tudo do governo. Até já tem acontecido n'esta boa terra de Portugal uma esquisitisse extraordinaria. Nas epochas eleitoraes alguns circulos têem-se lembrado de requerer ao governo que lhes indique os candidatos. (Riso.)

A iniciativa particular entre nós é uma cousa rara, muito rara.

Ha no mundo dois povos que são grandes; e essa grandeza provém-lhes especialmente da iniciativa rasgada e ousada dos seus filhos.

Ha dois povos no mundo verdadeiramente grandes, a Inglaterra e os Estados-Unidos, e esses povos devem a sua grandeza, a sua prosperidade, e o seu explendor sobre tudo á grande actividade, á grande iniciativa particular dos seus habitantes. (Apoiados.)

Nós esperamos tudo do governo.

Como excepção a esta regra commum, appareceram nos ultimos tempos dois factos importantissimos: o methodo de João de Deus, ou antes a propaganda dada ao methodo de João de Deus e a sociedade de geographia.

Penso eu que o governo não tem ajudado de um modo conveniente o primeiro d'estes melhoramentos, que, no meu humilde entender, é verdadeiramente gigantes, porque o methodo de João de Deus é sequestrar á ignorancia a geração nova, as creanças nascidas em Portugal, que até agora -na sua grande maioria eram analphabetas. (Apoiados.) E a ignorância' é a escravidão.

Ser ignorante é ter fechados os olhos do espirito, e eu quero a luz para todos. Ser ignorante é ser dependente, e eu quero que a liberdade não seja privilegio de alguns, mas patrimonio de todos. (Apoiados.)

E por isto que eu digo que o methodo de João de Deus é um melhoramento gigantes do nosso seculo, o lamento que o governo não tenha correspondido ao empenho com que a iniciativa particular trata de o propagar e estabelecer no paiz.

Sei que ha n'esta casa uma proposta para que esse methodo seja ensinado officialmente nas escolas. Eu mesmo tive a honra de a assignar.

Ignoro qual destino a. espera, mas faça votos para que seja approvada. (Apoiados.)

Mais feliz do que a propaganda do methodo de João de Deus foi a sociedade de geographia de Lisboa, porque forçoso é dizer que o governo tem correspondido aos pedidos e ás solicitações que esta sociedade lhe ha feito. (Apoiados.)

Creio bem, e n'isto não vae o mais pequeno desejo de censurar o governo, que este tem ajudado a sociedade de geographia com empenho, menos attendendo á excellencia do fim a que ella se propõe do que ao valimento de alguns dos membros d'esta prestadia associação.

Creio bem que, se outras fossem as pessoas que na so-

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ciedade de geographia occupassem os logares de directores os seus pedidos e as suas justissimas reclamações não seriam attendidas com tanta presteza.

Mas aqui não tracto do inquerir intenções, registo factos. De resto applaudo e louvo o governo pelo caminho que tem seguido n'este assumpto e desejo que elle continue no mesmo procedimento,..

Esta sociedade merece tambem, como ía dizendo os meus elogios pela origem que teve.

Começou, fundou-se pela iniciativa particular, e é a iniciativa particular que a tem principalmente sustentado.

Ha em Portugal, e residem em Lisboa, dois mancebos com cuja amizade me honro e nos quaes ambos sobram os talentos, o desejo de saber, a actividade, o zêlo, e o 'amor do estudo.

'Um dia lembraram-se elles de fundar a sociedade do geographia, e o mesmo foi pensar na idéa que metter mãos á obra e leval-a a cabo.

Estes dois mancebos são os srs. Luciano Cordeiro e Rodrigo Affonso Pequito. A iniciativa d'elles se deve a fundação d'está sociedade, ('Apoiados.) e folgo muito em prestar aqui homenagem ao seu talento e merecimentos, e de registar este serviço assignalado que prestaram ao paiz, serviço que maior realce deu aos seus merecimentos que são muitos, merecimentos revelados na republica das letras e. documentados por escriptos de valia que todos conhecem e apreciam. (Apoiados.) ¦

Quero missionarios em as nossas possessões ultramarinas.

O sr. Sousa Machado: — Apoiado.

O Orador: — Julgo que são ali indispensaveis, se queremos realmente tratar a serio da civilisação das colonias.

Ha muita gente que se assusta quando ouve fallar em missionarios.

Nos escriptos de litteratura ligeira, sobre tudo nos romances, apparecem algumas descripções do que são no reino os missionarios as quaes são lealmente tétricas. Tenho lido algumas d'essas descripções, e lembro-me, sobretudo," de uma que li em um romance de Julio Diniz, ou antes do sr. Gomes Coelho.

Figura-se uma aldeia risonha e alegre, os camponezes aproveitam as horas que lhes sobejam, dos trabalhos pesados do campo para se entregarem aos folguedos; as mulheres tratam cuidadosamente do arranjo da casa, preparam a comida e o fato para os maridos, curam diligentemente da educação dos filhos, e são boas esposas e boas mães.

Tudo é paz e felicidade. "

Apparecem os missionarios, e o quadro muda. Era festivo o aspecto da terra, mas torna-se lúgubre.

Os recemchegados fallam só das penas do inferno; incutem grande terror aos singelos habitantes da aldeia; as mulheres cortam o cabello, deixam o lar domestico, para empregarem as horas do dia, e muitas vezes parte da noite, nos templos, em resas muito compridas, e frequentarem todos os dias os sacramentos; os maridos queixam-se porque não encontram o jantar feito a tempo e a horas, porque não têem quem lhes concerte a roupa, nem cure da casa e da educação dos filhos,

Tudo é...

Uma voz: — São factos. O Orador: — Eu venho aqui dizer a verdade. (Apoiados).

A religião do que sou ministro é tão grande, tão sublime, tão divina, que não soffre abalo dizendo-se a verdade. Não precisa, antes detesta, a mentira e a hypocrisia. (Apoiados)

É verdadeiro o quadro que reproduzi? Ha n'elle algum fundo de verdade? Infelizmente ha.

Para que havemos denegar que missionarios indiscretos exaggeram muitas vezes, o com as melhores intenções do mundo mais prejudicam, do que servem a religião? (Apoiados)

Digo-o alto e bom som, para que todos me ouçam.

Mas todos os missionarios espalhados pelo reino, derramados pelas nossas provincias; procedem desatinadamente? Seria grave injustiça affirmal-o.

Por que alguns, de espirito acanhado e com illustração insuficiente, desvairem na pregação do evangelho, e façam tambem desvairar cabeças fracas que os ouvem e attendem, nem por isso se segue que não haja outros; e são o maior numero, dignos de todo o respeito, por comprehenderem e desempenharem ' bem os seus' altíssimos' deveres.

Alguns missionarios têem abusado, como'.têem abusado tambem padres que não são missionarios. Acho isto a cousa mais natural do mundo.

Admirar-me-ia do, contrario onde ha homens, ha abusos

E a, respeito de abusos de padres, permitta-se-me fazer uma pergunta:

Se houvesse uma classe formada, não de padres, mas de, leigos, que tivesse dezenove seculos de existencia, que não se limitasse a um ponto do universo, masque se estendesse a toda a parte do mundo, que tivesse a influencia que,.o clero tem tido em todas as epochas, mas determinadamente (a que alcançou nos seculos da meia idade, pergunto essa classe teria commettido mais ou menos abusos do que o. clero?

Ponha a camara a mão na consciencia, o responda-me depois

Sr.. presidente, desenganemo-nos: os padres, pelo facto de serem padres, não deixam de ser homens, recebendo ordens não ficaram impeccaveis e hão de commetter, abusos, emquanto existirem.

i Isto não desprestigia a instituição, que é tão forte, que. Resiste a estes abusos, (Apoiados) contra os quaes são implacáveis muitos, que não hesitariam era os desculpar e applaudir até muitas,.vezes, se fossem praticados por, seculares e não pelos membros do clero.

Não preciso negar facto algum que a historia conta; dou, como assentados e como verdadeiros todos áquelles que ella affirma, fundada em documentos irrefragáveis;, mas nenhum d'esses factos prejudica a minha argumentação. Sós pergunto: Ha na sociedade alguma classe isenta de defeitos? Se ha, venha essa atirar, a primeira pedra ao clero, (Apoiados.).¦. ¦ •. í,

Tenho a honra de governar um bispado, ha largos annos; muitas vezes me têem sido dirigidos, requerimentos e pedidos particulares para que lá vão missionar padres do fóra da minha diocese, e até. Agora o meu despacho para áquelles, e a resposta a estes tem sido sempre, desfavoraveis, a similhante pretensão por não ter necessidade de acceitar os seus serviços.

Na minha diocese ha setenta o tres parochias, cada parochia tem o seu parocho, algumas têem coadjutores e quasi todas mais ou menos presbyteros sem beneficio.

Até ao presente não tenho sentido faltas, que os de fóra pudessem vir supprir.

Para as necessidades ordinarias das parochias, bastam os padres residentes -em cada uma d'ellas; para as extraordinarias, tenho no bispado muito aonde recorrer.. Ha tempo appareceu em duas freguezias d'elle uma propaganda protestante.

Escolhi padres sujeitos á minha jurisdicção, aos quaes podia tomar conta dos seus actos, aos quaes podia tornar responsaveis de qualquer abuso que commettessem, padres de cuja illustração e virtudes eu estava bem certo, e incumbi-os de ir ás freguezias onde estava estabelecida a propaganda.

Foram, fizeram conferencias segundo as minhas indicações e tão efficazes foram essas conferencias, que a propa

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ganda protestante cessou inteiramente. Eram missionarios, mas do bispado, o fizeram bom serviço.

Não precisei de padres estranhos, e terei difficuldade em admittir estes para missionar, porque só quero para me coadjuvar padres a quem possa exigir a responsabilidade do que fazem. Como sou responsavel pelo governo do bispado não quero senão empregar quem mereça a minha inteira e completa confiança. (Apoiados.)

Os padres que vão de fóra do bispado missionar, offerecera ás vezes um perigo muito grande.. Chegam a uma freguezia, querem rivalisar com o parocho, mostrar mais zêlo do que elle e exaggeram o sentimento religioso, o que muitas vezes produz mau resultado. (Apoiados.)...

_A irreligião é um mal, mas o fanatismo tambem o é. E se alguem for obriga"do a decidir qual é maior, collocado entre a inercia fria e indifferente á 'aquella e as exaltações febris e delirantes d'este, talvez hesite muito antes de resolver. (Apoiados.)

Lembrar-se-ha muito dos males gravissimos que a irreligião produz, mas não se esquecerá de que os crimes mais feios que ennodoam á historia da humanidade foram produzidos pelo fanatismo religioso (Apoiados.) e pelo fanatismo politico tambem. Quanto a mim não sei de paixões mais azadas para perturbarem entendimentos ainda os mais fortes e claros do que as paixões politicas e as paixões religiosas, quando se tornam exageradamente intensas. (Apoiados.)

Sr. presidente, eu quero que vão para a Africa missionarios, não para disputarem preferencias com os parochos que já lá temos, mas para annunciar o Evangelho e para converter ao catholicismo áquelles que a elle ainda não pertençam; quero que vão sem exaggerações que podem ser inspiradas por muito boas intenções, mas que dão mau resultado, e que não tem como consequencia senão tornarem odiosa a religião dos nossos paes.

Não gosto de exaggerações em cousa alguma.

Ha muita gente que teme e receia dos padres, porque os suppõem contrarios á liberdade. Na opinião d'ella a igreja é alliada natural do absolutismo, e só com este póde viver desafogadamente.

Em tudo isto ha erro e erro grave." É certo que parte do clero portuguez não sympathisa com as instituições liberaes. Recebe todos os dias desconsiderações dos poderes publicos, e lembra-se por isso com saudade do antigo regimen ao qual mereceu mais attenções e mais justiça. Suspira todos os dias pela ressurreição impossivel de um passado que morreu e morreu para sempre. (Apoiados.) Por outro lado os governos e Os parlamentos, lembrando-se de quanto o clero empeceu entre nós o systema. constitucional, e julgando opinião politica constante e geral de uma classe o que só foi opinião temporaria o é hoje opinião individual de alguns membros d'ella, não cessam de hostilisar todos os padres, menos pelo facto de serem padres do que pelas opiniões politicas que lhes attribuem.

Se estes, attentando mais em as necessidades actuaes da nação e até nas conveniencias da propria igreja, modificassem as suas idéas politicas, por certo tenho que dos poderes publicos receberiam, em Jogar de injustiças, as provas de consideração, a quem têem inquestionavel direito. De resto, não é verdade que todos os, padres portuguezes sejam inimigos das instituições liberaes. (Apoiados.) Eu por mim digo — sou padre e prezo-me de ser liberal em politica.

Sou liberal pelas tradições da minha familia, e sou liberal por convicção funda, convicção radicada no meu espirito pelo estudo e pela reflexão.

Considero a liberdade necessaria para o desenvolvimento do homem e necessaria tambem para o progresso da humanidade. (Apoiados.) A escravidão é opposta á natureza humana, não póde favorecer a civilisação. (Apoiados.)

Milito n'um dos partidos monarchicos mais avançados.

[E sabe v. ex.ª a rasão porque milito n'este partido? É porque nos partidos monarchicos d'esta terra não ha outro mais avançado ainda.

Quando se pensava na formação do partido progressista,

0 meu illustre chefe o sr. Braamcamp, que nunca sabe faltar ás attenções que entende deve ter para cora' todos os seu3 correligionarios, fez-me o favor de me mandar o projecto do programma do novo partido perguntando a minha opinião, e a resposta foi que aquelle programma ainda ficava muito áquem das minhas idéas. E se hoje surgisse n'este, paiz um partido monarchico mais avançado do. que o partido progressista e que mais se approximasse do meu ideal, e das minhas aspirações politicas, eu, apesar do, respeito e muita estima que tenho pelo sr. Braamcamp, sem, deixar de manter com s. ex.ª as boas relações particulares que nos têem ligado, cessaria de fazer parte dó partido progressista o iria alistar-me n'esse outro. E não dava a ninguem o direito de me chamar apostata. '."""';

Respeito muito e muito o meu honrado chefe, mas, em politica acima das pessoas por mais respeitaveis que sejam, colloco sem hesitar os principios e as idéas. (Apoiados.)

Sou padre e, repito, em politica sou liberal tambem. Não encontro incompatibilidade alguma em ser ao mesmo tempo uma o outra cousa. ',

Desejaria mais avançadas instituições no paiz, e nutro este desejo principalmente, olhando para as circumstancias actuaes da igreja lusitana, que do estado recebe apenas uma protecção mais apparente do que real, mas que não item, nem gosa da liberdade que direitamente lhe compete te de que ha mister.

O catholicismo dá-se melhor na Belgica e nos Estados Unidos, cujas constituições são mais liberaes do que a nossa.

E falso que a igreja catholica seja inimiga da liberdade.

Não é, nem o podia ser. O catholicismo prospera e engrandece-se mais nos paizes regidos por instituições liberaes e republicanas do que em as nações em que existe:ainda o systema absoluto. A vida do catholicismo não está dependente dos favores' do estado.

Pelo contrario, quando em uma nação o imperante persegue a igreja, é então que esta tem dias de maior explendor.

A prova está na historia. Veja-se o que aconteceu no periodo decorrido desde Nero até Diocleciano, e diga-se_ depois se a igreja teve dias que se possam comparar com os d’esse periodo brilhante?

A phrase celebre — sanguis martyrum sémen christianorum — é tão conhecida quanto verdadeira. j A hostilidade movida contra 03 padres tem variadas causas, e entre estas não é a menos importante o preconceito de que o catholicismo se oppõe ao progresso da sciencia.

Alguns até, esquecendo a historia, que testemunha de um modo inequívoco terem as. letras e as sciencias prosperado e desenvolvido á sombra e cora a protecção da igreja, não hesitam em inculcar o clero como fautor de obscurantismo e empecilho do derramamento das luzes. E certo porém, que a igreja, exigindo de todos os seus filhos a acceitação das verdades religiosas sobre as quaes ella tiver pronunciado o seu juizo, não prohibe, antes deseja e anilina a discussão e o exame dos. variadissimos assumptos, pertencentes a todos os ramos da sciencia, e dos, quaes se póde occupar com perfeita independencia o espirito investigador do homem.

Sei que até se ousam chamar acanhadas as crenças catholicas, mas a esse respeito lembro a phrase elegante e, insuspeita de Renan, que apesar do, seu tão livre pensar no discurso pronunciado na sua entrada na academia franceza, onde ía occupar o logar vago pela morte de Claude

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Bernard, se via obrigado a confessar, referindo-se ás doutrinas do catholicismo, que não é permittido qualifical-as de estreitas, visto como n'ellas se icem achado á larga génios eminentes. (Vozes:,— Muito bem.)

Em verdade não comprehendo como espiritos illustrados, aos quaes não escasseia o conhecimento do passado, se mostram pouco favoraveis ao catholicismo, quando é certo que este ha prestado ao genero humano 'serviços relevantissimos.

Se no seculo actual possuimos uma civilisação pomposa e brilhante, da qual justamente nos ufanamos, de onde provém essa principalmente?.

Em meu parecer a civilisação do seculo xis, é o producto de tres factores, o elemento germânico, o elemento romano, e o elemento, christão.

A humanidade, para chegar á cultura que hoje tem, aproveitou muitas das ruinas da civilisação romana, algumas, tendencias boas dos chamados barbaros do norte, e principalmente o influxo eminentemente benefico e regenerador da igreja, cujo espirito, doutrinas e maximas se infiltraram lenta e gradualmente nas sociedades modernas, penetrando nos costumes dos povos, nas suas idéas, leis e instituições, n'uma palavra em todas as manifestações da nossa vida social,

Mas se o elemento religioso concorreu em grande parte pára a civilisação da Europa, porque não poderá concorrer tambem o muito para a civilisação da Africa, e em geral para a civilisação das nossas possessões ultramarinas (Apoiados.)

Li algures que para o catholicismo havia passado o tempo e que a missão d'elle sobre a terra, estava já cumprida.

Li tambem que ao genero humano corria o dever do substituir essa fórma religiosa caduca e velha, por outra mais consentanea ao espirito moderno, ou até dispensar absolutamente todas, quaesquer que fossem.

Eu penso de um modo muito differente. A religião não é nem póde ser objecto de moda. Abandonar uma verdade que se possue é imprudencia e imprudencia grave. Se querem supprimir a religião, extingam primeiro as paixões ruins dos homens, paixões que só hão de morrer quando se extinguir e morrer o genero humano. (Apoiados.)

Não pensem que o catholicismo hoje nada tem a fazer. Hoje mais do que nunca é elle util, e sobre util necessario e indispensavel.

Na epocha que atravessamos, em que tudo se sujeita á analyse e á critica, em que nada escapa á discussão, espalham-se, e espalham-se com insistência/doutrinas subversivas que vão atacar radicalmente os fundamentos em que assenta a sociedade moderna.

Ai d'esta, se a fé lhe não acudir, conjurando a tempestade que ameaça tomar proporções assustadoras. (Apoiados.)

E vem aqui a proposito dois factos, ambo3 contemporaneos, que a camara me permittirá referir. Quando na Allemanha o principe de Bismark submettia ao exame do parlamento um projecto de lei extremamente rigoroso contra os socialistas, levantava-se um deputado, notavel pelas suas idéas radicaes, e combatendo o pensamento do chanceller do imperio germânico ao procedimento que este tivera contra o clero allemão attribuia principalmente o desenvolvimento do socialismo, a cujos progressos se intentava agora atalhar por um modo tão singular. O testemunho é insuspeito, e não é para desprezar. Não sei a quem pertence; a minha memoria não é fiel para conservar nomes, a maior parte das cousas que vou dizendo não são resultado de uma leitura recente, são recordações de leituras passadas.

Ainda outro facto e este recentíssimo. Um dia estando eu em Aveiro, governando a diocese, nas horas que sobejavam dás minhas obrigações, lia um livro moderno, publicado o anno passado 'em França, e n'esse livro a,

phrase seguinte, ou outra equivalente: — A epocha do papado passou, desde que elle perdeu o poder temporal, perdeu todo o prestigio; o papado está morto. Apontei á margem com um lapis este trecho e fui tratar do outras cousas.

N'esse mesmo dia, um pouco mais tarde, recebia pelo correio, segundo o costume, a correspondencia, e com ella differentes, folhas periodicas.

Haviam tido logar, pouco antes, os attentados que' encheram de susto a Europa e em que se tornaram tristemente celebres os nomes de Nobiling, Passanante e Oliva.

Abri os jornaes, e entre os telegrammas n'elles publicados deparei com um, annunciando que o pontifice tinha dirigido uma allocução aos bispos da christandade, na qual, estigmatisando em phrases severas o procedimento de desvairados energúmenos que, trocando a logica pela violencia, a discussão pelo resolver e pela faca, pretendiam elevar o assassinio á categoria de argumento para resolver problemas sociaes e questões politicas, exhortava os successores dos apostolos a vigiarem pelo deposito da fé, e hoje mais do que nunca lembrarem "e ensinarem as sãs doutrinas da nossa religião.

Decorreram dias, e em todos elles o correio me ía trazendo, segundo o costume, jornaes portuguezes e estrangeiros. ',

E, cousa notavel, todos, todos sem excepção fallavam das palavras do pontifice, todo3 reproduziam excerptos da allocução, todos commentavam ao sabor das suas paixões e doutrinas as phrases do vigario de Christo. Todos, de to-' dos os matizes e cores politicas, de todas as escolas e de todas as proveniências.

Lembrei-me então do livro, da leitura interrompida, do trecho apontado com um traço a lapis, e de mim para mim disse: — realmente o papado está a acabar. foi-se, morreu. "" r '

Falia um rei qualquer dos mais poderosos da terra, falla, e o echo das suas palavras dificilmente transpõe ás fronteiras da sua nação. Falia o pontifico, e é ouvido pela humanidade inteira! (Apoiados.) E não vale já nada o pobre papa!

Não vale nada, e os jornaes todos, e todos os orgãos da imprensa, se occupam das palavras por elle proferidas, pesam-lhe a importancia e calculam-lhe o alcance! Decididamente o papado morreu!!. '

Por muito tempo se fali ou e discutiu o notavel documento saído do Vaticano, acolhido por todos com respeito, saudado com enthusiasmo por todos que prezam a ordem, é n'ella vêem garantida a continuação do progresso e da civilisação; do mundo. Respeito o enthusiasmo só o não sentiram os socialistas. Feridos e mal feridos pelo Vaticano, não houve insulto nem injuria que não dirigissem a quem por tal arte lhes tolhia o passo no seu caminho de extermínio. E tudo isto porque o catholicismo já não presta, e porque o papado já não tem prestigio nem auctoridade. (Vozes: — Muito bem.)

Faz mal quem despreza o elemento religioso. Se queremos regenerar as nossas colonias, mandemos para lá padres e missionarios, muitos padres e muitos missionarios.

Se a isto não nos movem outras considerações, decidam-nos as considerações politicas, que nos estão, não só aconselhando, mas obrigando imperiosamente a cuidar da igreja do ultramar, se queremos, conservar o dominio portuguez em as nossas vastas possessões.

Já fornos grandes, já dispozemos de poderosas armadas, e de grandes exercitos. N'esse tempo governávamos as colonias pelo terror. Para conter os indigenas bastava o respeito da nossa bandeira. Alem d'isso, havia então a escravatura, macula que já não existe, vergonha que desappareceu, pelo menos, legalmente, senão inteiramente de facto tambem.

' E não existe, graças principalmente aos grandes esforços e ao zêlo incomparavel com que se empenhou na sua

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abolição um dos maiores, senão o maior homem que Portugal, tem produzido n'este seculo, o illustre marquez de Sá da Bandeira. (Muitos apoiados.)

E ninguem se admire de eu chamar ao marquez do Sá da Bandeira o mais illustre dos portuguezes nascidos n'este seculo. Se erro, errou antes do mim Alexandre Herculano, e faz gosto errar com um vulto tão eminente, e de que ninguem se póde lembrar senão com saudade; (Muitos apoiados) com um homem cuja perda foi irremediavel para as letras patrias, (Muitos apoiados.) e cuja memoria eu, que discordei, e muito, de muitas das suas idéas, especialmente d'aquellas que apresentou, nos ultimos annos da sua vida, em assumptos religiosos, respeitarei sempre, pela elevação inquestionavel do seu talento, elevação tal e tão grande, que só tinha igual na grandeza do seu caracter immaculado. (Apoiados.)

Hoje não temos grandes armadas, grandes exercitos; os pretos já não vivem sujeitos ao jugo da escravatura; e a tendencia dos governos é para substituir os governadores militares pelos governadores civis.' Tudo diz que Portugal quer o deve mudar completamente o systema de governar as suas colonias. Á violencia, á oppressão, ao terror, queremos e devemos substituir a justiça, a liberdade, a brandura e o amor.

E mal de nós se o não fizermos. A Inglaterra não cessa do olhar com olhos ambiciosos e soffregos para as nossas possessões do ultramar. Já nos quiz tirar Bolama e Lourenço Marques, que escaparam pelas negociações diplomaticas que houve; mas, se fomos felizes duas vezes, podemos não o ser terceira. Se dermos motivo ao descontentamento dos nossos colonos, a nossa fiel alliada o saberá explorar em proveito seu. (Apoiados.)

Precisámos de ganhar a affeição dos indigenas, e ninguem nol-a póde conquistar melhor do que os missionarios, Lembremo-nos da historia. Foram os missionarios que trouxeram Timor para a corôa portugueza; foram os missionarios que tornaram estimado e respeitado o nome de Portugal em. Ceylão, e tão estimado e respeitado, que hoje, decorridos seculos depois de a perdermos, ainda os seus habitantes entendem e fallam o portuguez, e nos consideram como seus patricios e concidadãos.

O nosso dominio nas colonias africanas póde firmar-se com o auxilio dos missionarios.

O sr. Sousa Machado: — Apoiado.

Orador: — Mais ainda.

Os missionarios podem prestar tambem grandissimos serviços, a nós e ao mundo, nas explorações geographicas e scientificas do continente africano, vindo d'este modo a ser a um tempo missionarios da religião 'e missionarios da sciencia. Não cause estranheza a minha ultima affirmativa.

Eu fazia tenção de desenvolver largamente este ponto, como outros muitos que desejava tratar n'esta sessão, mas infelizmente a hora vae adiantada, e eu estou realmente muito cansado. Vou, por isso, concluir já. Antes, porém, do o fazer, apresentarei rapidas considerações sobre um assumpto, dos muitos que tinha a tocar, o qual reputo mais importante. '

Todos sabem que o periodo que decorreu desde o infante D/ Henrique até á usurpação hespanhola foi um periodo brilhantissimo para Portugal, periodo em que Portugal marchou na vanguarda do progresso no que respeita á navegação.

Não fallo ou escuso de fallar dos esforços que fez e dos serviços que prestou o infante D. Henrique e que foram continuados com tino e valor pouco commum nos annos seguintes. Quero só fallar de D. João II, que foi um dos nossos Reis que mais se empenhou nas explorações scientificas no interior de Africa. D'isso dão testemunho os livros, antigos. E para não citar outros lembrarei que na historia de S. Domingos conta fr. Luiz de Sousa que D. João II mandava escolher nas ordens religiosas missionarios que, alem da3 sagradas letras, fossem entendidos nas mathematicas para que nas horas que lhes vagassem da pregação fossem inquirindo algumas noticias, que transmittissem para o reino. Esta lembrança do Rei, aproveitada e seguida pelos seus successores, deu optimos resultados.

As informações e indicações que os missionarios trouxeram para a Europa deram logar a fazerem-se cartas geographicas do continente africano que se publicaram no decurso dos seculos XVI, XVII e XVIII, muito mais perfeitas e minuciosas do que as publicadas no começo d'este seculo.

As cartas geographicas publicadas no principio d'este seculo são muito omissas e deficientes em relação ao interior de Africa. N'ellas foram eliminadas cuidadosamente as indicações feitas pelos missionarios, ou porque assim o exigia o odio votado á igreja e aos trabalhos feitos pelos seus ministros, ou porque este seculo illustrado e sabio não tinha nem queria revelar grande confiança nas informações dadas por ignorantes clerigos.

Hoje os viajantes o exploradores africanos, e entre outros Cameron, restituíram aos missionarios portuguezes honras que directamente lhes competem, e não hesitam em affirmar que as noticias dada.» por elles sobre o interior do Africa, se approximam espantosamente da verdade, o que devem considerar-se de grande exactidão as cartas geographicas feitas segundo essas noticias.

Todos sabem que nos seculos XVI e XVII os missionarios portuguezes fizeram mais de uma vez a travessia da costa oriental de Africa para a occidental e vice versa.

E o sr. ministro dos negocios estrangeiros, que é muito illustrado, e que me está ouvindo com tanta attenção, a qual muito lhe agradeço, ha de conhecer provavelmente o itinerario traçado por Godinho, de uma travessia realisada em 1562 por um jesuíta portuguez, cujo nome a historia occulta, o qual foi da costa occidental para a oriental de Africa, de Angola para Moçambique, assim como ha de conhecer provavelmente a narração d'essa viagem, escripta por Garcia d'Orta, que em Goa conheceu o arrojado missionário.

Alem d'esta, muitas outras houve.

Dois annos antes, em 1560, havia sido intentada uma, mas no sentido inverso, de oriente para occidente. Infelizmente não" póde ir a cabo.

O padre Silveira, jesuíta tambem, saíu de Moçambique com direcção a Angola, internou-se no sertão, mas não logrou chegar até ao fim da sua peregrinação, pois que não tardou a ser victima do imperador de Monomotapa.

So no tempo dos nossos réis os exploradores scientificos de Africa eram missionarios, talvez ainda hoje o podessem ser tambem.

A classe sacerdotal não é ignorante, como a muitos" se affigura. Ha n'ella alguns sujeitos que, alem do Larrega, sabem mais alguma cousa. (Riso — Apoiados.)

Ainda ultimamente morreu em Roma o padre Secchi, astrónomo celebre, e cuja reputação era europêa. (Apoiados.)

E Liwingstone era padre, o que não o impediu de ser muito sabedor e prestadio. (Apoiados.)

Era talvez melhor que os missionarios scientificos em Africa fossem padres. Talvez fossem preferiveis aos seculares.

. Não quero empanar o brilho da formosissima auréola que circumda a fronte dos viajantes modernos....

Reconheço a enormidade dos sacrificios a que se sujeitam; admiro o arrojo heroico dos seus commettimentos; respeito a abnegação e desinteresse das suas investigações, e curvo-me cheio de gratidão, diante da grandeza dos serviços que elles prestam á sciencia e á civilisação. (Vozes: — Muito bem.)

Mas parece-me que melhor iria a esta e aquella, se os exploradores scientificos -fossem missionarios religiosos.

Um viajante qualquer sáe da Europa, vae á Africa, gasta semanas, mezes, um, dois, raras vezes tres annos a na-

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dar por aquelles paizes inhospitos; Depois regressa á Europa, e escreve as suas impressões de viagem e as descobertas que fez.

Não esteve sempre no mesmo ponto, teve de percorrer grandes distancias, soffrer muitas inclemencias, muitos incommodos, muitos perigos, febres, fome, sede, como aconteceu ao sr. Serpa Pinto Tranquillidade e socego de espirito não esperem que o tivesse grande. Não se demorou tempo consideravel em nenhuma das terras que atravessou, não inquiriu com pausa os factos, nem observou com vagar os phenomenos, de que da noticia. Desconhecido dos povos onde viajava, pouca confiança podia inspirar-lhes. Ignorando a lingua d'elles, nem os comprehendia, nem se podia facilmente fazer entender.

Querem que eu dê credito inteiro o completo, ás suas revelações?

- Supponhamos que vem um inglez a Portugal; inglez que não sabe a lingua do paiz, ou que a saiba mal e imperfeitamente. Supponhamos que elle percorre as provincias de Traz os Montes, do Minho, da Beira, da Extremadura, do Alemtejo e do Algarve, gastando n'este percurso, onde encontra caminhos de ferro, estradas macadamisadas, emfim todos os melhoramentos da civilisação moderna dois ou tres annos» •

Deixem-n'o ir para Inglaterra e leiam-lhe depois as obras, se querem rir ás gargalhadas. (Apoiados.)

O missionário religioso não faz o que fazem os viajantes, faz o que tem feito o sr. Anchietta. Estabelece-se n'um ponto, é ali vive quatro cinco e seis annos. Estuda ou sabe já "d lingua do paiz, e 'inspira e alcança auctoridade e prestigio nós indigenas.

Acredito muito nas investigações scientificas do sr. Anchietta, porque este notavel naturalista reside em Africa ha muitos annos, porque sabe as linguas ou os dialectos dos povos com quem vive, porque se applica com zêlo é cuidado ao progresso da sciencia,» porque se demora no mesmo ponto durante muito tempo. O seu estudo é pausado, consciencioso é seguro.

Acredito tambem muito nas descobertas e investigações feitas por Humboldt na America, porque Humboldt não fez uma viagem de recreio atravez da America; gastou cinco ou seis annos, (se a memoria me não engana) percorrendo-a, e houve pontos em que se fixou durante um anno completo, e até mais.

Nas descobertas e nas investigações feitas n'estas circumstancias confio eu muito.

As descobertas e investigações de um viajante que vae fazer muito rapidamente a travessia de Africa do oriente para o occidente, ou vice versa não posso prestar o mesmo credito.

E por isso que eu quizera antes. que os missionarios scientificos fossem padres do que fossem seculares, mas quando não queiram que os missionarios religiosos sejam ao mesmo tempo os exploradores scientificos, ao menos empreguem-nos como auxiliares d'esses exploradores, e creiam que hão de aproveitar.

N'uma das ultimas sessões dá sociedade geographica da Belgica, discutiu-se largamente sobre os meios de facilitar o tornar menos perigosas e mais proficuas as explorações no continente africano, e um dos alvitres adoptado unanimemente foi ò estabelecimento das estações civilisadoras, estações onde os exploradores scientificos descançassem, recobrassem quanto possivel a saude deteriorada por uma viagem longa e difficilima, cobrassem novos alentos para continuarem n'ella, recebessem alimentos frescos para o caminho ainda a fazer, e se provessem de armas ou de quaesquer meios de defesa, emfim onde achassem tudo aquillo de que carecessem.

Era para chefes d'essas estações civilisadoras que eu. quizera tambem que se approveitassem os missionarios de maneira que os missionarios seriam nos sertões da Africa

o mesmo que na Europa são os monges do monto S. Bernardo.

E não supponha v. ex.ª que esta idéa é estravagante O sr. Serpa Pinto seria perdido para o paiz e para a humanidade, se não encontrasse durante a sua viagem um missionário francez.

Quando o nosso illustre patricio se encaminhava para o Transwaal adoeceu muito gravemente. A carta que elle escreveu n'essa occasião, se chegasse á Europa antes do telegramma, vindo, do Cabo, ter-nos-ia feito perder todas as esperanças de o tornar a ver com vida.

Em tão apertada conjunctura soube, porém, que a pequena distancia, porque n'aquellas alturas é pequena a distancia de 250 milhas, havia um missionário francez.'

Encaminhou-se, pois, para lá ou antes fez-se para lá transportar e, segundo as declarações d'aquelle nosso compatriota, a esse missionário deveu elle Ò restabelecimento da saude e a conservação da existencia.

Os missionarios religiosos, pois, quando não fossem exploradores scientificos, podiam ser chefes d'essas estancias civilisadoras..

Estou cansado e não posso continuar. Vou concluir, recommendando ao governo e á camara que se lembrem de uma cousa que nunca devem esquecer: o nosso passado. Tivemos um passado glorioso. Marchámos outr'0ra na vanguarda do progresso. Em seculos em ' que começaram apenas a ser conhecidas nações que hoje nos olham com desdém, fomos o espanto1 e a inveja do mundo. (Apoiados.)

Descobrimos para a humanidade e para a civilisação regiões completamente ignoradas até ahi. Empenhámos esforços grandes na cultura d'esses povos. Hoje não devemos parar rio meio do caminho encetado. Seria vergonha não levar a cabo a empreza começada. Marchemos pois com passo firme na estrada que o dever nos aponta, e tratemos de desenvolver o augmentar a civilisação, que n’algumas colonias está já adiantada, 0 de a iniciar n'outras, onde ella não existe ainda.' Mas para lograrmos este fim, é necessario não desprezar 0 elemento religioso, é necessario cuidar com zêlo da igreja no ultramar, é necessario convencermo-nos de que a civilisação fundada sem a religião não é solida nem estavel.

Vozes: — Muito bem, muito bem. (O orador foi comprimentado pelos srs. deputados de todos os lados da camara.)

O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Andrade Corvo): —A Camara comprehende bem que eu não posso deixar, depois do discurso que acabo de ouvir, de tomar a palavra, embora o que está em discussão não sejam nem a administração, nem as missões no ultramar, assumptos a que unicamente se referiu o illustre deputado no seu discurso.

E tão grave, porém, esse assumpto, que julgo absolutamente necessario, uma vez que n'elle se fallou, dar alguns esclarecimentos á camara, e manifestar a minha opinião.

Eu não posso, n'este caso, eximir-me a tomar a palavra; tanto mais quanto muitas das asserções do illustre deputado podem dar uma idéa inexacta, ou pelo menos exagerada, do mau estado das cousas ecclesiasticas no ultramar.

Poderiam essas asserções prejudicar as graves negociações que temos pendentes com a santa sé. Com assentimento da camara, tomei eu sobre mim dar as explicações que ao governo fossem pedidas, sobre os assumptos do' ministerio da marinha e ultramar, em consequencia do meu illustre collega o sr. Thomás Ribeiro estar doente, e hoje mais gravemente doente do que estava hontem, o que muito me contrista e magoa, e maguará tambem a camara, (Apoiados.) mas não por aquelle motivo só, se não tambem por ser eu ministro dos negocios estrangeiros, sou forçosamente levado a tomar a palavra n'esta occasião.

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A peroração do illustre deputado está de accordo inteiramente com as minhas idéas. Eu tambem penso, sr. presidente, que sem o influxo da religião em povos barbai'03 a civilisação nem progride, nem é estavel.

Ha falta de padres, falta de missionarios nas nossas colonias, e os que ha, nem todos são o que deviam ser, nem têem remuneração condigna. É uma verdade.

Mas por isso mesmo que esta é a verdade, devemos nós tratar de remediar o mal, mas não de exagerar o mal.

Não devemos por um pessimismo que está longe de exprimir a verdade, acrescentar os embaraços que até hoje tem tornado difficil a nossa organisaçao ecclesiastica no ultramar.

E certo que os missionarios, sobretudo n'uma epocha remota da nossa historia colonial, prestaram assignalados serviços ao progresso scientifico do mundo.

É exacto o que disse o illustre deputado ácerca do3 descobrimentos geographicos no interior da Africa. Mas tambem é certo que as missões nem sempre deram o fructo que haveria a esporar do seu caracter religioso e dos principios que deviam pregar pela palavra e pelo exemplo em relação á civilisação dos povos da Africa. (Apoiados.): São infelizmente numerosos os factos; e toda a camara os conhece de certo.

Compulsando, não digo os escriptos dos que hoje professam as desoladoras theorias da negação de todas as religiões, de todos os principios fundamentaes da moral social, do toda a tradição, mas as obras dos 'historiadores, essencialmente, religiosos, de Portugal, é forçoso reconhecer que muitas vezes, a civilisação recuou diante dos abusos, das violencias, dos erros das ordens monasticas. (Apoiados.)

Os interesses da sociedade, os direitos do estado muitas vezes: foram sacrificados a intuitos que não estavam de accordo nem com uns nem com outros.

Isto tem uma explicação, mas não uma justificação. É que os individuos que compunham essas ordens religiosas tinham de, guiar-se nos seus, actos, mais pelas regras e pelas idéas dos. seus institutos, do que pelo amor da patria e poios legitimos interesses do paiz a que pertenciam. (Apoiados.) ¦E mais de uma vez a lucta. entro umas e outros não foi favoravel á civilisação. (Apoiados.)

Este é o facto. Para que hei de eu demonstral-o á camara?

Seria perfeitamente inutil, porque a camara conhece de certo um excellente livro,;modelo de lealdade e de sinceridade, escripto pelo sr. marquez de Sá, de quem o illustre deputado que me precedeu fez um elogio, que ou julgo ainda inferior ao que merece aquelle nobre espirito, apesar da justa sympathia e admiração que ao illustre deputado merece o chorado estadista.

O livro do marquez de Sá sobre colonisaçâo da Africa, livro que elle escreveu poucos annos antes de morrer, tem um capitulo notavel sobre as ordens religiosas no ultramar.;

Não leio o livro agora; todos os srs. deputados o podem ler. Terão occasião de admirar se; não das opiniões do marquez de Sá, que era um homem muito esclarecido, sem exagerações do espirito, sem aberrações de consciencia, e que entendia bem quanto a influencia religiosa póde ser proveitosa á civilisação de povos barbaros, de tribus selvagens; terão occasião do admirar-se, não das opiniões do marquez de Sá, repito,. mas das opiniões dos governadores, dos administradores, dos funccionarios, emfim, que dirigiram as provincias. ultramarinas durante largos annos. (Apoiados.) -.

" Quer isto dizer que os missionarios não devem considerar-se como um dos essenciaes elementos. de civilisação na Africa?

Não.

Mas é preciso não exagerar cousa alguma, e muito menos levar essa exageração até a ponto de attribuir aos

missionário tudo quando de grande, de admiravel fizemos no ultramar durante tres seculos. (Apoiados.) -

A civilisação e a colonisaçâo progridem sempre que as missões religiosas comprehendem e cumprem rigorosamente a sua alta missão; retrogradam sempre que essas missões não comprehendem a elevação da sua missão e a não cumprem. (Apoiados.)

Assim o dizem os factos; assim o demonstram as citações numerosas que se encontram no livro do sr. marquez de Sá. (Apoiados.)

Algumas vezes na India a administração encontrou, em vez do sacerdote para civilisar os povos, a inquisição que os queimava; (Apoiados.) muitas vezes na Africa a administração, em vez do missionário arrancando os povos á escravidão, encontrava, vergonha é dizel-o, ordens religiosas que carregavam navios de escravos e que viviam depois fartamente do producto d'esse trafico odioso. (Apoiados.)

Os missionarios tiveram em todos os tempos muito de admiravel, de sublime mesmo mas são mais dignos da nossa admiração hoje do que n'outros tempos.

Antigamente havia, em geral, mais fanatismo do que fé. (Apoiados.) Hoje não é assim. A lucta contra as idéas nefastas que tendem a combater a fé religiosa e a arrancal-a da consciencia dos povos tem purificado a religião. (Apoiados.) O progresso é evidente. Os missionarios têem hoje outras crenças, outra fé, outro espirito religioso. (Apoiados.) O fanatismo não é d'este seculo; mas os sublimes principios do christianismo são mais do que nunca necessarios aos progressos verdadeiros da sociedade.

Eu tambem quero missionarios nas nossas colonias; mas quero missionarios portuguezes, missionarios que: se não esqueçam nunca da patria; o que nem sempre aconteceu, segundo nos diz a historia, ás antigas ordens religiosas.

Eu que muitas vezes tenho tido occasião de manifestar as minhas opiniões, como ministro dos negocios estrangeiros, contrarias á admissão das ordens monasticas em Portugal e nas suas colonias, manifesto-as agora em publico, para que todos as saibam.

Quero missionarios educados em institutos de missões, que não tenham caracter monástico.

Desejo que haja uma congregação de missões portugueza,. concordo inteiramente com o illustre deputado, em que o seminario das missões ultramarinas não chega os fins a que é destinado.

Alargue-se, desenvolva-se, dote-se o seminario, que hoje existe, pequeno e pobre, em Sernache do Bomjardim.

Faça-se mais, mais e melhor, para realisar as idéas do illustre deputado, que são tambem as minhas.

Estabeleça-se uma casa central das missões, para que os missionarios, quando forçados pela doença ou impossibilitados pelo trabalhos voltem á patria, encontrem uma casa onde possam abrigar-se e tratar da sua saude.

Não supponha ninguem que eu represente por fórma alguma as idéas dos que combatem a religião. Não. Eu quero o seu esplendor quero que o seu benefico influxo se exerça sobre os povos, e leve a civilisação ás mais remotas regiões a que hoje se estende o nosso dominio..

Quero a religião estreitamente unida á sociedade, com as suas condições modernas de existencia....

Quero a religião alliada e não inimiga do estado. Porque entendo que a religião, todas as vezes que se afasta da saciedade e quebra os laços que com, ella a unem perde-se, e com ella se perde a sociedade. (Apoiados.)

Não ha, não póde haver incompatibilidade entre o catholicismo e a liberdade.

Ha porém um partido catholico, ou que se diz catholico, e o facto de se chamar partido catholico é já um erro, que tenho sempre repellido quando taes palavras me chegam aos ouvidos; ha uns homens que negam a harmonia dos principios religiosos o da liberdade,.querendo estabelecer antagonismo entre as sociedades livres e a religião. Esses homens proclamam, ouso dizel-o abertamente, falsas idéas,

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idéas contrarias aos grandes principios que o christianismo implantou na consciencia humana.

Não desejo, nem posso agora acompanhar o illustre deputado nas largas considerações que fez.

Estou de accordo com o sr. Pires de Lima, em' considerar a questão colonial como questão do paiz, e não questão de partido; já o declarei n'esta camara, mas infelizmente nem todos concordaram commigo.

Ainda bem que esse accordo se vao estabelecendo, porque ha de chegar o momento em que a opinião do paiz será concorde em que Portugal, estreito em territorio na Europa, pequeno em população, desde que as colonias prosperem, será um paiz de primeira ordem entre os paizes do mundo. (Apoiados.)

B facil fazer prosperar as colonias? Não

É preciso uma larga e necessariamente lenta colonisaçâo, e uma grande somma de capitães? E

Tudo isso é preciso, mas não se póde conseguir de um dia para o outro; nem nunca se conseguirá arreigando acintosamente no paiz, na opinião, a quasi lenda, de que a Inglaterra, na Africa, é a possa constante inimiga.

Não é.

Pôde haver inglezes, nas colonias inglezas, que nos tenham a antipathia que nas aldeias têem os homens de estreitas idéas e mesquinhas paixões para os vizinhos de outras aldeias; mas o governo inglez e á opinião sã da Inglaterra não podem ver em nós adversarios.

Em relação á colonisaçâo da Africa, todos os esforços não bastam; os nossos são de certo insuficientes.

Mas o que admira isso, quando a propria Inglaterra, com enormes recursos, não póde senão a custo luctar com. as immensas difficuldades que ha a vencer?,

A Inglaterra e os seus homens publicos comprehendem que para vencer as enormes difficuldades que a cada passo se levantam n'aquelle immenso continente se necessita do conjuncto dos esforços de toda a Europa civilisada. (Apoiados.)

Não ha só a luctar com as difficuldades geographicas e com a má vontade dos negros; ha sobretudo a luctar com o clima, ao qual os europeus dificilmente resistem.

A occupação europêa na Africa, não é como na America do norte e mesmo na America do sul, um simples acto de colonisaçâo; ali o colono tem de luctar, contra a morte a cada instante. (Apoiados.)

Póde-se ventura suppor que os actuaes esforços da Europa bastem para lançar sequer uma sombra de civilisação

n'aquelle vastissimo territorio?......

Não; são precisos maiores esforços ainda, o por larguíssimos annos.

Não podemos ver, pois, rivaes nos que comnosco que sem cooperar na exploração d'esse immenso. continente, onde se escondem infindas riquezas; riquezas que é preciso pelo trabalho desentranhar da terra; porque a miseria, e a fome vão-se estendendo pelo mundo civilisado, onde ha excesso do população. (Apoiados.)

Sr. presidente, querem missionarios nas colonias; tambem eu os quero.....;,

Mas eu quero missionarios da religião e missionarios da civilisação.

Eu cito ao illustre deputado e á camara os dois maiores missionarios que n'este seculo Portugal tem tido p Africa: um é o marquez de Sá, o outro é,.o, sr. Anchietta! (Muitos apoiados.)....'.

O sr. marquez de Sá, abolindo a escravatura, fez um grande serviço á humanidade; foz mais pela civilisação do que muitos missionarios. A Inglaterra, com seus gloriosos esforços para abolir a escravatura e ha de conseguil-o faz tão grandes serviços á humanidade e á civilisação africana, como todas as propagandas.

O outro missionário, disse eu, é o sr. Anchietta. Modestíssimo missionário! E o sr. Anchietta homem laborioso, corajosíssimo; homem dedicado á sciencia, que sabe captar a

benevolencia dos negros, introduzindo pelo exemplo no interior da Africa a vida tranquilla e laboriosa da Europa! Os negros são seus amigos, e, por consequencia, elle, o zeloso naturalista, civilisa-os, ao passo que vae procurando tirar das entranhas d'aquellas vastidões immensas riquezas historico-naturaes, que opulentam os museus e encaminham o commercio. Os seus trabalhos fazem progredir a sciencia e tambem hão de crear novas riquezas. (Apoiados.)

. Sabe v. ex.ª, e sabe a camara, que ás vezes, n'um territorio não explorado, entre a vegetação selvagem, se encontram plantas, como a batata, por exemplo, que dão riqueza immensa pela, cultura.

O naturalista, luctando a cada instante com mil difficuldades, e trabalhando incessantemente, acha compensação aos seus trabalhos, descobrindo uma riqueza tão grande como esta que citei; tão grande que, quando uma vez; faltou na Europa, se viu desapparecer com ella uma população de mais de 2.000:000 do homens!

Por estas. observações, que acabo de fazer, se vê que estou, no fundo, de accordo com o illustre deputado; sómente a fórma é que é diversa.

Quero propaganda civilisadora; quero religião para os povos; quero missionarios; quero sciencia;,quero o conjuncto da acção 'de lodo3 os povos da Europa, para melhorar o estado barbaro d'aquellas regiões, e, ao mesmo tempo, desentranhar do solo as immensas riquezas que lá existem; quero tudo isto,.e o illustre deputado quel o tambem.

Mas, diz o illustre deputado,--e ainda n’isto estou de accordo, com elle a religião é uma necessidade para a civilisação do ultramar, e nós fazemos pouco por ella! Nós, para a immensa vastidão que occupâmos na Africa', C para a. vastidão consideravel que occupâmos na India, não temos padres para missionar, nem mesmo para prover nas numerosas igrejas que ainda se levantam nas povoações onde temos posse effectiva. E velho o mal, e é preciso procurar-lhe remedio.

Disse o illustre deputado que desde 1834 pouco sé fez, e que lha apenas uma dezena de annos que alguma cousa se realisou para. melhorar o estado da Africa;'Fez-se pouco, mas alguma cousa se fez; está longe de ser bastante, mas é alguma cousa. E dever-se-ha parar, dever-se-ha julgar que o que se fez é sufficiente? Não. Para missionar na Africa é preciso ter vocação religiosa, fé1 viva, Crenças fervorosas; não é possivel considerar esta como unia questão de dinheiro.

Para, a Africa devem ir missionarios que derramem a religião, e com elles missionarios da civilisação e dá sciencia.

Devemos fazer, grandes sacrificios para promover os melhoramentos, materiaes das nossas colonias africanas, e devemos fazer iguaes. sacrificios para derramar ali a religião, que civilisa e abranda os costumes dos povos barbaros. Mas estes melhoramentos não se obtêem sem gastar sommas consideraveis; e á metropole cumpre promover efficazmente essa grande empreza. -.»¦.....

.. Até hoje têem sido lançados á contadas colonias os "encargo das obras emprehendidas ou executadas; mas quando quizermos levar mais longe a realisação do que está apenas começado, será necessario que a metropole não desampare as provincias de alem-mar, nem "as deixe, ao menos nos primeiros tempos, entregues só aos seus proprios recursos. Não se melhoram as colonias sem milito dinheiro.

Não me assusta isso, porque entendo que não podemos progredir, nem tornar-nos uma nação rica e prospera, senão melhorando e desenvolvendo a riqueza das provincias ultramarinas. Estou persuadido do que as colonias não poderão dar para si e para a mãe patria senão depois que esses melhoramentos estejam muito desenvolvidos. Estou persuadido de que o paiz tem do fazer grandes sacrificios para tornar as colonias grandes pela sua riqueza e prosperidade.

Quando o paiz semeia nas colonias, semeia para si. O dever da, nação é aproveitar pelo trabalho as riquezas do

Sessão de 15 de maio de 1679

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territorio que o seu, o civilisar os povos que estão debaixo do sou dominio. O estado, que não sabe ou não póde melhorar a sorte da população, diffundir a civilisação, promover a riqueza nos territorios que lhe pertencem, não póde exercer sobre essa3 territorios essa soberania.

É verdade. Quer isto dizer, porém, que taes rasões possam ser allegadas para, como o illustre deputado disse, nos expropriarem por utilidade publica?

Pois se o illustre deputado fosse um grande proprietario, e tivesse grande parte da sua propriedade por arrotear haveria direito de o expropriar por utilidade publica, a fim de arrotear outro as terras que fossem suas? De certo não.

Não temos padres nas colonias, disse o illustre deputado não temos tantos quantos elle deseja e eu tambem.

De mais, ha que contar com uma variação constante devida a uma causa poderosa, que faz diminuir o numero de padres nas colonias, assim como faz diminuir tambem o numero da empregados civis. Essa causa, contra a qual nada podemos, é a morte.

Quando em 1875 tomei as informações necessarias para apresentar um relatorio, á camara sobre o estado das nossas, colonias havia em Moçambique treze parochias, e ter das estavam providas.

N'essa occasião, prevalecendo-me de uma antiga prerogativa da corôa portugueza prerogativa unica que eu saiba de nomear prelado para. Moçambique sem confirmação de Roma, nomeei um virtuoso prelado, que ao "chegar a Moçambique, ardendo em desejos de melhorar a situação em que se achava a igreja ali, e de crear elementos de propaganda religiosa, instituiu um seminario, á propria custa. Esse seminario, depois, foi pobremente dotado pelo estado, porque o orçamento de Moçambique é pobríssimo

Q prelado, com santo zêlo, tomou uma casa para instituir a escola; onde elle proprio dava lições aos pequenos, alimentava-os, emfim, encaminhava-os ha sua educação. Conservou-se o seu seminario; até que ha pouco(tempo, e ao que parece por uma d'essas causas desgraçadas que nós difficilmente entendemos aqui, mas que nas colonias se repetem muitas vezes, o honrado prelado se achou em lucta com não sei que auctoridade não ecclesiastica. Creou-se então uma escola a que se chamou «escola de artes», segundo creio; e os discipulos saíram do seminario, para irem frequentar a nova escola.

Disse o illustre deputado' que não ha seminarios nas colonias. Digo-lhe que os ha; mas não se póde prender alumnos para os ir frequentar. (Apoiados.)

O seminario de Angola esteve aberto por, alguns annos, foi frequentado, depois fechou-se. A camara de certo me dispensará de contar as causas d'aquelle seminario de fechar já ha bastantes annos. Em minha consciencia entendo que quem mandou fechar o seminario fez bem. Fez um bom serviço á religião.

Posteriormente, fizeram-se grandes esforços para se tornar a abrir o seminario; e conseguiu-se, creio eu, que elle sé abrisse; e digo creio, porque não vi o relatorio do sr. bispo de Angola, a que o illustre deputado ha pouco se referiu..

O sr. Pires de Lima; — Noto s. ex.ª que ha differença entre seminario e escola.

O Orador: — É verdade; mas é uma escola» do estudo ç ensino ecclesiastico. -

O sr. Pires de Lima: — Pára o missionário não basta só a illustração, é preciso educal-o para isso.

O Orador: — Isso que diz o illustre deputado auctorisa uma opinião que tenho; talvez não concorde com as opiniões do sr. Pires de Lima.

Os verdadeiros missionarios, a meu ver, não serão nunca os educados nos seminarios das colonias. Os verdadeiros missionarios educam-se em estabelecimentos ecclesiasticos exclusivamente destinados para esse fim, como é o nosso seminario demissões do Sernache do Bomjardim.

As perfeições ou imperfeições d'este seminario não as discuto agora.

O local em que está não é suficiente, não tem as condições de que carece para educar, e educar bem, sufficiente numero de alumnos, e habilital-os para missionarios.

Entretanto, tem dado fructos o seminario das missões.

Esteve muitos annos sem produzir nada, ou quasi nada. Ultimamente tem d"ali saído numero consideravel de missionarios.'

Admirou-se o illustre deputado de que os missionarios que ultimamente saíram de Sernache, fossem em grande parte para Macau. »

Tem este facto uma explicação.

Sabe o illustre deputado e a camara, que ha muitos annos temos pendente uma complicada questão com a santa sé) é a conhecida questão do padroado do Oriente.

A questão do padroado do Oriente ainda não, se resolveu.

Na China, em relação á diocese de Macau, está em parte só resolvida.

Alargou-se por accordo Com a santa sê, a diocese de Macau, que era muito pequena; juntando-se-he Henan, nó territorio chinez.

Se me não engano, a diocese de Macau compõe-se actualmente do territorio de Macau, de Henan e de Timor.

Era preciso mandar missionarios para Henan, porque de outra maneira a concessão feita pela santa só não seria aproveitada' em benefício, não só da nossa influencia laquei-las longinquas regiões, mas tambem em proveito das nossas reclamações na curia.

O facto de se conseguir uma parte, ainda que pequena, das nossas reclamações na curia, era, a meu ver, condição essencial para melhorar a situação das negociações.

Obtendo em Macau essa concessão, e não a aproveitando, não cumprindo, quanto em nós cabe, os deveres de padroeiro, a curia romana ficaria com o direito de nos dizer, que pedimos uma cousa de que resultam obrigações que não podemos satisfazer, que pedimos as igrejas do padroado, não podendo satisfazer as obrigações inherentes mesmo n’aquelle pouco que nos foi. concedido; tratámos, pois, de mandar para Macau missionarios para as igrejas na ilha de Henan e em Timor..

Vozes: — Deu a hora.

O Orador: — Estou prompto a terminar quando acamara quizer.

Como deu a hora peço licença para continuar na sessão seguinte a fazer algumas breves reflexões essenciaes, a respeito d'esta questão,

Vozes: — Muito bem.

O sr. Presidente: — A ordem do dia para ámanhã é a continuação da que vinha para hoje.

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas e tres quartos da tarde.

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