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1884 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

de conflictos, que de futuro se amiudarão, não só entre as duas camaras, mas entre o poder legislativo e o executivo. E desde o momento em que esses conflictos se repitam, e se declare uma verdadeira crise, que mostrará aos olhos de todos os vicios intimos da nossa vida politica, não duvido affirmar que os homens publicos do meu paiz hão de necessariamente empregar todos os esforços para acabar de vez com todas as ficções, para reorganisarem os partidos sobre a unica base legitima que os justifica, fazendo dos negocios da administração publica objecto de serio estudo e não de falsas convenções ou de enganosos accordos.
Não acredito, porque confio na nobreza do seu caracter, que os nossos estadistas queiram incorrer na grave responsabilidade de entregarem o paiz nos braços da revolução popular, não por deixarem de fazer justas concessões á soberania popular - falsa e erronea comprehensão da sciencia politica, ou da arte de governar - mas por não quererem abandonar o systema de ficções que tem trazido o paiz ao estado em que o vemos.
Sei que a sessão foi prorogada ate se votar o projecto. Ora, elle já se votou, deu a hora, e eu estou abusando evidentemente da paciencia da camara.
Vozes: - Não está.
O Orador: - Se v. exa. me pode reservar a palavra, eu peco para continuar na sessão seguinte.
O sr. Presidente: - Não póde ser, porque o illustre deputado esta usando da palavra para explicações e isto só se póde fazer em prorogação de sessão.
O Orador: - N'esse caso, continuarei, e vou resumir o mais que poder as considerações que tenho a fazer.
Limitar-me-hei a fazer apenas algumas observações ácerca do § 2.° do artigo que discuto.
A doutrina d'este paragrapho tambem mo surprehendeu pela novidade.
Não encontro em constituição de paiz algum igual disposição. Estabelece-se que todos os bispos e arcebispos do continente do reino são pares de direito proprio.
É o caso de applicar o adagio popular: «Para amigos mãos rotas».
Vejamos o que se encontra nos outros paizes com relação a este direito concedido aos prelados.
Em Inglaterra, onde ha vinte o seis cadeiras na camara dos lords, para trinta e quatro sédes episcopaes, incluindo os dois arcebispados de Canterbury a de York, vejo que de todos estes vinte e seis pares, só cinco o são de direito proprio; a saber: os dois arcebispos, e tres bispos, o de Londres, o de Durham e o de Winchester.
E note v. exa. que isto é em Inglaterra, n'esse paiz que tem uma religião nacional, aonde todos os membros do alto clero são nomeados directamente pela corôa.
É verdade que ha alguns corpos capitulares de antigas sédes, que elegem os seus bispos, mas a eleição é puramente ficticia, porque não ha exemplo de deixar de recaír sobre o individuo que é apresentado pela corôa.
Em Hespanha encontro unicamente pares de direito, o patriarcha das Indias e os arcebispos; na Belgica, não ha nenhum de direito, a não ser o principe herdeiro; na Italia, os bispos e arcebispos constituem a primeira classe da lei das categorias.
Em parte nenhuma, onde possa haver parallelo entre as constituições politicas, encontro uma disposição d'esta ordem, e fico, por consequencia, sem poder justitical-a!
Mas na minha ordem de idéas não acho inteiramente desproveitosa a introducção de tantos elementos espirituaes por direito inalienavel na camara dos pares; pode ser que este elemento venha a ser preponderante e venha assim a provocar mais depressa a crise que ha de trazer a cura do nosso mal. (Apoiados.)
Mas ha uma cousa extraordinaria e digna de notar-se na redacção do paragrapho: «São pares de direito todos os bispos do continente do reino sómente.»
Mas aos das ilhas e do ultramar, porque não se lhes dá, o mesmo direito?
Eu bem sei qual a resposta que se me vae dar: não podem deixar as suas dioceses distantes para comparecerem na camara!
Mas, sr. presidente, um direito não se regula nem se aprecia assim; uma cousa e o direito que se confere e outra cousa e o uso que se faz d'esse direito. (Apoiados.)
Se porventura isso fosse rasão para serem excluidos os prelados a que me refiro da garantia que se dá aos do continente, então nem estes mesmos deveriam ser pares de direito, porque, apesar de residirem no continente, quasi nunca vem á camara dos pares.
Portanto não ha rasão plausivel que justifique a exclusão dos prelados não comprehendidos na disposição d'este paragrapho; acho que o meu amigo o sr. Santos Viegas pediu pouco; s. exa. pediu para serem incluidos os bispos das ilhas, mas pedisse para serem incluidos tambem os do ultramar.
Então o arcebispo de Goa?
Então o bispo de Macau?
O sr. Santos Viegas: - Estão distantes.
O Orador: - Será boa rasão, mas a mim não me convence.
Tenho sincera pena de que s. exa. não pedisse mais, porque n'este caso defendia os principios da verdadeira justiça.
De resto sei muito bem que os prelados excluidos hão de como ate aqui, receber da corôa o pariato, logo depois da sua confirmação. Todavia uma questão de direito reco-nhecido na constituicao, deve regular-se por mais altos principios, para não dar logar a excepções injustificadas, que só o favor da corôa póde sanar.
Portanto, para concluir aqui as minhas considerações a este respeito, direi que acho esta disposição magnifica, se porventura ella trouxer comsigo mais um elemento discordante na camara dos dignos pares, e d'ahi a necessidade de uma reforma completa e radical no nosso modo de ser politico, que realmente me esta parecendo uma capa rota e esfarrapada que já não póde encobrir as ulceras do organismo enfermo.
Passemos a outro assumpto.
Aproveito esta occasião para dizer poucas palavras em resposta as considerações com que fui honrado pelo meu illustre collega e amigo o sr. Santos Viegas,
Se porventura não estivesse em uma situação tão extraordinaria como estou, porque a hora já deu ha muito, e só devo a palavra a uma extrema cortezia da camara, desejaria ser mais extenso para responder a todos os pontos do ultimo discurso do illustre deputado; mas assim limito-me unicamente a discutir os pontos essenciaes da nossa discordancia reciproca.
Em primeiro logar permitta-me s. exa. que aproveite esta occasião para lhe testemunhar publicamente o meu respeito pelas suas qualidades, como cavalheiro, e pelas suas virtudes, como sacerdote.
Eu era incapaz aqui, ou noutra parte, qualquer que fosse a importancia da questão que entre nos se travasse, de alterar a verdade historica, ou a verdade dos factos em abono da minha argumentação, ou do me servir de qualquer argumento pessoal para ferir o meu adversario.
O sr. Santos Viegas: - Faço-lhe inteira justiça.
O Orador: - Agradeço a s. exa. Mas se digo isto e porque me doeu um pouco que s. exa. dissesse que se fallava da igreja com odio por ser uma instituição que não é materialista. S. exa. soube dizer isto tão bem, que em poucas palavras vibrou-me duas accusações. Emquanto os factos não provarem o contrario, nem s. exa. nem ninguem tem o direito de me lançar em rosto qualquer accusação, qualquer palavra, que seja menos propria de um homem de bem.