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SESSÃO DE 30 DE MAIO DE 1885 1885

O sr. Santos Viegas: - Eu não disse que v. exa. era capaz de odios; se o dissesse seria uma injustiça.
O Orador: - Mas que tinha discutido com odio.
O sr. Santos Viegas: - Não disse que s. exa. proferira qualquer palavra com odio. Disse que alguma vez podia sair da boca deste ou d'aquelle cavalheiro, que se senta n'esta casa, no calor da discussão, é claro, qualquer palavra que significasse isso; mas não o disse de s. exa., nem o podia dizer, já porque não o merecia, já porque eu não era capaz de o dizer, ainda que s. exa. o merecesse. O que fiz foi apenas uma apreciação generica.
O Orador: - Em todo o caso fica de pé esta apreciação; eu sou materialista.
(Interrupção.)
Lastimo que s. exa. se associasse a pessoas que não estão a altura do seu caracter e dos seus conhecimentos, e portanto tambem não estão a altura de me fazerem accusações d'estas; mas emfim, as explicações que s. exa. acaba de me dar com respeito a minha humilde pessoa satisfazem-me.
Na ultima vez que tive a honra de fallar n'esta casa, fil-o em circumstancias especiaes, e d'ellas só eu mo considero juiz. Talvez fosse mal comprehendido por me expressar muito syntheticamente, comtudo affirmações que fiz, e os factos que citei, são de absoluta exacção historica.
Onde está a dissidencia entre nós? Em dois pontos essenciaes; no modo por que cada um entende o que seja o beneplacito, e o que seja a igreja catholica.
S. exa. começou por dizer que o beneplacito não era de origem secular, e asseverou depois que significava a censura previa.
O sr. Santos Viegas: - Disse-o e affirmo-o ainda.
O Orador: - E eu vou affirmar o contrario.
S. exa. queixou-se de que eu tinha feito uma injustiça flagrantissima á igreja catholica, negando ou mostrando desconhecer os altos serviços por ella prestados a civilisação.
Quando um contender me vicia os principios da argumentação, tenho a certeza que a discussão se torna impossivel ou inutil. Ora, na questão do beneplacito, a viciação está exactamente na sua definição.
Eu admitto a definição historica; s. exa. admitte a definição catholica.
É facil mostrar com datas que, ainda mesmo que o beneplacito fosse adoptado, para os fins que s. exa. disse, pelo papa Urbano VI, já a esse tempo elle estava estatuido na nossa legislação. Não é preciso ser muito versado na historia do direito patrio para saber-se que foi D. Pedro I que estabeleceu o placito regio, ordenando que não podessem correr no reino bullas ou quaesquer letras apostolicas sem que elle fosse concedido.
Ora, D. Pedro I morreu alguns annos antes de Urbano VI subir ao throno pontifical. Aqui tem v. exa. a que fica reduzido o seu argumento deduzido da origem do beneplacito.
Ninguem ignora as ingentes luctas que se travaram entre o clero e os reis de Portugal durante a primeira dynastia, luctas em que nem sempre os reis ficaram victoriosos. D. Affonso II morreu sob a ameaça de se pôr interdicto no reino; D. Sancho II foi deposto pelo pontifice Innocencio IV; D. Affonso III transigiu por fim com todas as exigencias da ordem ecclesiastica, insaciavel de poder e de riquezas; D. Diniz, para acabar com tão ruinosas e até escandalosas questões, achou meio, por via das concordatas, de se congrassar com o clero portuguez, tornando-se mais independente do pontiticado, que nunca deu rasão ao poder real.
Emfim, D. Pedro I firmou definitivamente os direitos da corôa no temporal.
E chama-lhe sr. exa. censura previa? E o que é o index expurgatorius, cuja congregação foi fundada pelo papa Leão X, justamente, cousa notavel, quando se arrogava o titulo de defensor das letras?
É a censura posthuma, bem sei... porque não póde ser prévia. Mas o index, esse não vale nada. O beneplacito e que e um attentado contra a liberdade e ate contra a religião!
Ora, vejam como a igreja comprehende a liberdade!
A igreja tem o direito de usurpar o que pertence aos outros, mas que ninguem se atreva a tocar nas suas santas immunidades!
Mas passemos sobre isto e vamos a outra questão.
Tratemos das accusações que me foram feitas. O illustre deputado referiu-se a um jornal que redigi em Coimbra em 1877 e 1878, intitulado o Seculo.
(Interrupção.)
Tambem não quer que falle n'isto?
É notavel que o illustre deputado se inquiete por eu querer responder as suas palavras...
O sr. Santos Viegas: - Eu não digo mais nada sobre este incidente.
O Orador: - O illustre deputado disse que eu desconhecia os serviços prestados pela igreja a civilisação, e nem ao menos me quer dar o direito de lhe mostrar que os não desconheço.
O sr. SantOS Viegas: - V. exa. dá-me licença; eu tenho obrigação de explicar as minhas palavras, as quaes s. exa. está dando uma interpretação que não e a verdadeira.
O Orador: - Eu acceito as suas explicações; agora o direito de interpretar e tanto seu como meu. O illustre deputado apresentou um argumento que eu tenho ouvido muitas vezes. Mas a que epocha se reterem esses serviços prestados pela igreja ao progresso da humanidade? Ao seculo actual, aos immediatamente anteriores, aos primeiros seculos do christianismo?
Eu posso provar com a historia na mão que taes serviços no seculo actual são negativos, e em muitos e muitos dos anteriores só miraram aos interesses mundanos da sociedade catholica. A mais ninguem aproveitaram.
Não direi, porem, o mesmo dos primeiros seculos do christianismo, em que a igreja era perseguida.
Permitta-me a camara que eu, relativamente a influencia que teve o christianismo na sociedade européa dos primeiros seculos, leia alguns trechos de um artigo escripto no jornal a que alludi, para se ver se eu posso ser accusado de inimigo d'esta antiga instituição, que com o andar dos tempos tanto se transformou e tantas mudanças soffreu nos seus puros e santos principios.
Escrevia eu em 1878 o seguinte:
(Leu.)
Aqui esta o que eu dizia do christianismo nos primeiros seculos. Relativamente aos outros, como a hora esta adiantada e não quero abusar de tanta delicadeza da parte dos que me ouvem, não direi cousa alguma, porque nenhum dos cavalheiros que aqui esta precisa das minhas lições.
Simplesmente preciso affirmar de novo que o espirito catholico, desde ha muito, e sobretudo depois do concilio de Trento, não é o espirito christão. Isto está demonstrado; e é n'este sentido que muitas vezes digo e affirmo que a igreja, n'estes ultimos seculos, póde dizer-se que tem adquirido os seus proprios inimigos. Agradeço ainda uma vez a benevolencia da camara.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem.

Redactor = Rodrigues Cordeiro.