O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 1853

SESSÃO DE 30 DE MAIO DE 1885

Presidencia do exmo. sr. Luiz Frederico de Bivar Gomes da Costa

Secretarios - os exmos. srs.

Francisco Augusto Florido de Mouta e Vasconcellos
Augusto Cesar Ferreira de Mesquita

SUMMARIO

Dá-se conta de quatro officios do ministerio da marinha, um remettendo esclarecimentos pedidos pelo sr. Luciano Cordeiro, outro enviando esclarecimentos pedidos pelo sr. Elvino de Brito, outro enviando esclarecimentos requeridos pelo sr. Figueiredo Mascarenhas, e outro remettendo 50 exemplares da carta de Angola. - Têem segunda leitura quatro projectos de lei apresentados na sessão anterior: um dos srs. Athaide Pavão, Firmino Lopes e Moraes Machado; outro do sr. Franco Castello Branco, outro do sr. Carrilho, e uma nota do sr. Santos Viegas renovando a iniciativa do projecto de lei n.° 261 de 1882. - Apresentam representações: o sr. Pedro Franco, da camara municipal de Oeiras; o sr. Santos Viegas, da mesa da real irmandade do Santissimo Sacramento da freguezia de Nossa Senhora dos Martyres, de Lisboa, e da direcção da associação musica Vinte e quatro de junho; o sr. Vicente Pinheiro, da camara municipal da cidade de Braga; o sr. Barbosa Centeno, da proprietaria da fabrica de phosphoros Osti, de accordo com outras fabricas; o sr. Garcia de Lima, da junta geral do districto do Porto. - Apresentam requerimentos de interesse publico os srs. Mouta e Vasconcellos, Avellar Machado e Tito de Carvalho. - Justificam faltas os srs. João Augusto Teixeira, visconde de Balsemão e Avelino Calixto. - O sr. Mouta e Vasconcellos faz algumas considerações com relação ao modo por que alguns jornaes têem apreciado a resposta, que, segundo elles, foi dada pela escola medica de Lisboa, ao convite do governo para se fazer representar em Hespanha, com o fim de estudar a prophilaxia do cholera, do dr. Férran, e para que se apure a verdade dos factos concluiu pedindo pelo ministerio do reino a correspondencia trocada entre o governo e a escola. - O sr. Garcia de Lima refere-se aos direitos de portagem que ainda pesam em tres districtos administrativos da provincia do Minho, e mostra que o thesouro pouco lucrava com elles. - O sr. Santos Viegas associa-se ás observações do sr. Garcia do Lima, lastimando que a commissão de fazenda não tenha ainda dado parecer sobre um projecto que lhe está affecto, abolindo os direitos de portagem. - O sr. Vicente Pinheiro chama a attenção do governo para o estado da ponte de madeira chamada do Longo, na estrada de Villa Nova de Famalicão ao Porto. - Apresentam projectos de lei: o sr. Arthur Hintze Ribeiro; o sr. Guilhermino do Barros, assignado tambem pelos srs. Alves Matheus, Sousa e Silva e Goes Pinto; e o sr. Sousa e Silva, assignado tambem pelos srs. visconde das Laranjeiras (Manuel) e Arthur Hintze Ribeiro. - Apresentam pareceres de differentes commissões os srs. Pinto de Magalhães, João Arroyo, Pereira Leite, Luciano Cordeiro, Cunha Bellem e Moraes Carvalho. - Antes da ordem do dia approvam-se os seguintes projectos de lei: n.° 68, approvando, para ser convertido em definitivo, o contrato provisorio para a construcção e exploração de um ramal de caminho de ferro das proximidades de Santa Comba Dão, na Beira Alta, a cidade de Vizeu; n.° 63, que tinha ficado pendente n'uma das sessões anteriores, classificando de 2.ª classe o concelho de Coura, no districto administrativo de Vianna do Castello. - Depois de algumas considerações do sr. Elvino de Brito, a que responde o sr. ministro da fazenda, foi tambem, com uma emenda do sr. Avellar Machado, approvado o projecto n.° 38, que ficára pendente da sessão anterior, approvando para ser convertido em definitivo o contrato provisorio para a construcção de um porto de abrigo no Funchal.
Na ordem do dia continua em discussão o projecto de lei n.° 48 (tratado de commercio entre Portugal e Hespanha) e continua com a palavra o sr. Laraujo. - Fallam os srs. Luciano de Castro e Ferreira de Almeida. - Defende-o, respondendo aos argumentos que se apresentaram, o sr. ministro dos negocios estrangeiros, e por ultimo retira o sr. Laranjo a proposta que havia apresentado, e é approvado o projecto. - Foi tambem approvado o projecto n.° 97, livrando de qualquer imposto aduaneiro a exportação de azeite de oliveira nacional. - No fim da sessão faz o sr. Consiglieri Pedroso uma pergunta ao sr. ministro dos negocios estrangeiros em relação á necessidade de Portugal ter um representante seu junto da republica do Mexico, depois que ella acreditára como ministro junto das côrtes de Madrid e Lisboa ao general Corona. - Responde o sr. ministro dos negocios estrangeiros. - Por proposta do sr. Carrilho é aggregado á commissão de fazenda o sr. Lopo Vaz de Sampaio e Mello.

Abertura - Ás duas horas da tarde.

Presentes á chamada - 36 srs. deputados.

São os seguintes: - Garcia de Lima, A. da Rocha Peixoto, Silva Cardoso, A. J. da Fonseca, A. J. d'Avila, Santos Viegas, Seguier, A. Hintze Ribeiro, Augusto Barjona de Freitas, Ferreira de Mesquita, Pereira Leite, Cypriano Jardim, Elvino de Brito, E. Hintze Ribeiro, Mouta e Vasconcellos, Francisco de Campos, Frederico Arouca, Guilherme de Abreu, Augusto Teixeira, João Arroyo, Teixeira de Vasconcellos, Simões Ferreira, Teixeira Sampaio, Avellar Machado, Ferreira de Almeida, José Frederico, Pereira dos Santos, Oliveira Peixoto, Luciano Cordeiro, Bivar, Luiz Dias, M. J. Vieira, Sebastião Centeno, Vicente Pinheiro, Wenceslau de Lima e Consiglieri Pedroso.

Entraram durante a sessão os srs.: - Adolpho Pimentel, Adriano Cavalheiro, Agostinho Lucio, Moraes Carvalho, Albino Montenegro, Torres Carneiro, Alfredo Barjona de Freitas, Sousa e Silva, Antonio Centeno, Garcia Lobo, Lopes Navarro, Pereira Borges, Cunha Bellem, Fontes Ganhado, Jalles, Moraes Machado, Carrilho, Sousa Paveio, Pinto de Magalhães, Almeida Pinheiro, Augusto Poppe, Fuschini, Neves Carneiro, Barão de Ramalho, Caetano de Carvalho, Sanches de Castro, Lobo d'Avila, Carlos Roma du Bocage, Conde da Praia da Victoria, Conde de Thomar, Ribeiro Cabral, E. Coelho, Sousa Pinto Basto, Goes Pinto, Fernando Geraldes, Firmino Lopes, Francisco Beirão, Correia Barata, Castro Mattoso, Guilhermino de Barros, Sant'Anna e Vasconcellos, Baima de Bastos, J. C. Valente, Scarnichia, Franco Castello Branco, Ferrão do Castello Branco, Sousa Machado, J. Alves Matheus, J. A. Neves, Joaquim de Sequeira, Coelho de Carvalho, Correia de Barros, Azevedo Castello Branco, Elias Garcia, Laranjo, Figueiredo Mascarenhas, José Luciano, Ferreira Freire, Simões Dias, Lopo Vaz, Luiz de Lencastre, Reis Torgal, Luiz Osorio, Manuel d'Assumpção, Correia de Oliveira, Manuel de Medeiros, Marçal Pacheco, Guimarães Camões, Miguel Dantas, Miguel Tudella, Pedro de Carvalho, Pedro Franco, Santos Diniz, Pedro Roberto, Rodrigo Pequito, Dantas Baracho, Pereira Bastos, Tito de Carvalho, Visconde de Ariz, Visconde das Laranjeiras, Visconde de Reguengos e Visconde do Rio Sado.

Não compareceram á sessão os srs.: - Lopes Vieira, Agostinho Fevereiro, Anselmo Braamcamp, Antonio Candido, Pereira Côrte Real, Antonio Ennes, A. M. Pedroso, Urbano de Castro, Avelino Calixto, Barão de Viamonte, Bernardino Machado, Conde de Villa Real, Emygdio Navarro, Estevão de Oliveira, Filippe de Carvalho, Vieira das Neves, Mártens Ferrão, Wanzeller, Barros Gomes, Matos de Mendia, Silveira da Motta, Costa Pinto, Franco Frazão, J. A. Pinto, Melicio, Souto Rodrigues, Ribeiro dos Santos, Ponces de Carvalho, J. J. Alves, Amorim Novaes, José Borges, Dias Ferreira, Lobo Lamare, J. M. dos Santos. Pinto de Mascarenhas, Julio de Vilhena, Lourenço Malheiro, Luiz Ferreira, Luiz Jardim, M. da Rocha Peixoto, Aralla e Costa, M. P. Guedes, Pinheiro Chagas, Mariano de Carvalho, Martinho Montenegro, Pedro Correia, Gonçalves de Freitas, Visconde de Alentem e Visconde de Balsemão.

Acta - Approvada.

EXPEDIENTE

Officios

1.° Do ministerio da marinha, participando em resposta ao requerimento do sr. deputado Elvino de Brito que os

93

Página 1854

1854 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

abonos do ajudas de custo aos governadores geraes de Moçambique, quando precorrem a provincia em serviço se acham regulados pelo decreto do 1 do julho de 1856.
Á secretaria.

2.° Do mesmo ministerio, remettendo mais 50 exemplares da Carta de Angola. Mandaram-se distribuir.

3.° Do mesmo ministerio, remettendo, em satisfação ao requerimento do sr. deputado Luciano Cordeiro, copia das instrucções que em 1 do julho do 1882 foram dadas pelo governo do Angola ao juiz do direito da comarca de Loanda, Francisco Antonio Pinto, para o desempenho de uma, commissão ao Zaire.
Á secretaria.

4.° Do mesmo ministerio, remettendo, em satisfação ao requerimento do sr. deputado Figueiredo Mascarenhas, copia dos pareceres da commissão de pescarias e respectivos despachos, sobre a questão levantada este anno entre as armações da pesca de atum, Oira e Pedra da Galé; e bem assim copias dos telegrammas trocados entre este ministerio e o chefe do departamento do sul.
Á secretaria.

Segundas leituras

Projecto de lei

Senhores.- Pela lei de 15 do julho de 1862, foram as estradas do reino classificadas em reaes, districtaes e municipaes; pela lei de 2 de julho de 1867 foi auctorisado o governo a continuar os caminhos de ferro do Minho e Douro; e por carta de lei de 26 de maio de 1884, foi approvado o contrato provisorio para a construcção do caminho de ferro de Foz Tua a Mirandella.
A classilicação feita em 1862 teria por certo sido subordinada a dos caminhos de ferro, se elles já tivessem sido decretados todos, ou se, pelo menos, estivesse fixada a sua rede geral; mas como taes circumstancias se não deram, claro e que essa classilicação deve resentir-se d'esse facto; e com effeito algumas estradas das mais importantes não são consideradas como reaes, ao passo que o são outras de menor alcance economico.
Acha-se n'aquelle caso a estrada districtal n.° 20 (de Vinhaes, pela Torre de D. Chama a Mirandella) na classificação da qual não se attendeu nem a linha ferrea de Tua, nem á do Douro.
Pela construcção da estrada real n.° 37 (de Chaves, por Vinhaes a Braganca e Miranda do Douro) tornou-se perfeitamente dispensavel que a dita estrada n.° 20 partisse de Vinhaes, podendo partir de Rebordello, o que teria a vantagem de lhe eliminar uma porção importante da sua parte ao norte, fugindo as difficuldades que o terreno offerece n'essa parte, e aproveitando uma ponte já construida entre Rebordello e a Torre de D. Chama. Por outro lado conduzindo-se o traçado a Carvalhaes, poupar-se-ia a distancia entre Mirandella e Carvalhaes, a qual faz parte da estrada real n.° 6 de Villa Real, por Mirandella a Bragança.
N'estas circumstancias, em logar da estrada districtal n.° 20, teriamos uma outra estrada (de Rebordello, estrada real n.° 37, pela torre de D. Chama a Carvalhaes, estrada real n.° 6), cuja extensão é approximadamente metade da d'aquella; e, portanto, se a nossa estrada ficasse totalmente a cargo do estado, teria este a despender somente quantia proximamente igual a importancia do subsidio a que era obrigado para a primeira.
Ora o enorme valor economico da estrada de Rebordello a Carvalhaes não póde ser posto em duvida, não só pela riqueza da região que atravessa, mas tambem pelo facto de ser toda a zona de Chaves a Vinhaes, em ligação immediata com Mirandella, que e a testa actual da linha ferrea do Tua, encurtando e facilitando assim a sua communicação com a cidade do Porto, com a qual são e serão as suas principaes relações commerciaes.
Alem de que, a mesma estrada estabelecendo a mais curta ligação entre a linha ferrea do Douro e a estrada real n.° 37, cujo valor estrategico é notavel por ser parallela a fronteira e d'ella proxima, pode prestar importantissimo auxilio a fiscalisação e defeza da mesma fronteira.
Mas como os recursos do districto de Bragança são insufficientes para elle poder dar a sua viação o desenvolvimento que carece, não póde essa estrada, apesar de muito util e necessaria, ser executada tão rapidamente como seria para desejar, a fim de se poder tirar todo o proveito da circumstancia de dentro em pouco, estar feita a linha ferrea do Tua e em completa exploração a do Douro.
Parece, pois, que toda a vantagem haverá para aquelles povos e para o paiz em que passe a ser classificada como real a referida estrada, eliminando-se a districtal n.° 20: e parece tambem que tal vantagem se obterá sem que para o estado resulte encargo maior do que o que fôra estabelecido pela lei de 15 de julho do 1862.
N'estas circumstancias, temos a honra de apresentar a vossa elevada apreciação o seguinte projecto do lei:

Artigo 1.° É classificada como real e incluida na tabella n.° 2, que faz parte da lei de 15 de julho de 1862, uma estrada que, partindo de Rebordello (estrada real n.° 37) siga pela torre de D. Chama até Carvalhaes (estrada real n.° 6), sendo eliminada da tabella das estradas districtaes a estrada n.° 20, de Vinhaes, pela Torre de D. Chama a Mirandella.
Art. 2.º Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões da camara dos senhores deputados, 26 de abril de 1885.= Antonio de Sousa Athaide Pavão, deputado por Mirandella = Firmino J. Lopes, deputado por Bragança = Antonio Maria de Moraes Machado, deputado por Bragança.
Foi admittido e enviado á commissão de obras publicas.

Projecto de lei

Senhores.- O estado precario em que se acha o conservatorio real de Lisboa, tanto no que respeita a sua organisação, como no tocante aos vencimentos do seus professores, está de ha muito reclamando dos poderes publicos remedio urgente e radical.
Duas partes comprehende a reforma do estabelecimento a que alludo: a que se refere ao levantamento da instrucção e aperfeiçoamento das habilitações especiaes que n'elle se ministram, por modo que o conservatorio real de Lisboa, unico que Portugal possue, se possa desafrontar sem desdouro para nós, com instituições similares de outros paizes, e a do equiparamento dos ordenados do corpo cathedratico com os dos professores de instituições de igual indole. Todavia, como a primeira parte demanda estudo mais serio e mais detida attenção, reservarei para mais tarde a apresentação da sua reforma, limitando-me hoje tão somente a segunda. E por que as condições da fazenda publica não permittam que o equiparamento de ordenados supracitados se effectue como fôra para desejar e a rasão aconselha, o porque as forças actuaes do thesouro exijam que para acudir ao augmento de despeza que se projecta, uma receita se crie para o equilibrar: proponho que se estabeleçam propinas de matricula e de exame para os alumnos que frequentam o conservatorio e para os estranhos, assim como se imponham taxas para os documentos que a secretaria do mesmo conservatorio haja de passar.
Os dados para a creação da receita a que alludi bascam-se no movimento escolar dos ultimos cinco annos, movimento que, como vercis, tende sempre a augmentar, facto que se póde racionalmente attribuir ao desenvolvimento

Página 1855

SESSÃO DE 30 DE MAIO DE 1885 1855

que a arte musical tem tido ha tempo entre nós, devido, sem duvida, aos esforços que os proprios ex-alumnos do conservatorio, agremiados em associação, têem empregado para tal fim.
O movimento escolar a que me reporto, é o seguinte:

Alumnos do conservatorio real de Lisboa

Annos electivos de:

[Ver Tabela na Imagem]

1879-1880....
1880-1881....
1881-1882....
1882-1883....
1883-1884....
1884-1885....

Alumnos estranhos ao conservatorio

Annos lectivos de:

[Ver Tabela na Imagem]

1879-1880....
1880-1881....
1881-1882....
1882-1883....
1883-1884....

O movimento de alumnos estranhos no anno lectivo de 1883-1884 foi menor do que nos annos anteriores, em resultado da prohibição emanada do ministerio do reino, só a ultima hora revogada.
Em vista, pois, dos elementos supra, creio poder apresentar-vos o seguinte mappa, com o desenvolvimento da receita e despeza a que atrás me referi.

Receita

[Ver Tabela na Imagem]

300 propinas de matricula para alumnos do conservatorio, a 2$000 réis....
400 propinas de exame, para alumnos estranhos ao conservatorio, a 4$500 réis....
600 certidões de exames, a 250 réis ....
20 cartas de curso, a 4$500 réis ....

Despeza

[Ver Tabela na Imagem]

Augmento de 200$000 réis a nove professores....
Augmento de 150$000 réis a um professor....
Augmento de 90$000 réis a cinco professores....
Um terço do producto dos emolumentos das certidões e cartas de curso....

Vendo se assim, que será a receita superior a despeza.
Em vista, pois, do que vos deixo exposto, tenho a honra de submetter a vossa apreciação o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° O ordenado dos professores da escola de musica do conservatorio real de Lisboa e fixado em 400$000 réis annuaes, exceptuando o da cadeira de harmonia, melodia e contraponto que será de 500$000 réis annuaes. O ordenado dos cinco ajudantes da mesma escola de musica e fixado em 200$000 réis annuaes.
§ unico. Serão cobrados na respectiva escola de musica as seguintes propinas e emolumentos: propina de matricula para alumno do conservatorio, 2$000 réis; propina de exame de alumno estranho ao conservatorio, 4$500 réis, certidões de exame, emolumento, 250 réis, por cada uma; carta de curso, 4$500 réis por cada uma. Pertence ao secretario um terço dos emolumentos de certidões e cartas de curso; o resto, bem como o producto de todas as propinas, constitue receita do thesouro.
Art. 2.° Fica revogada toda a legislação contraria a esta.
Sala das sessões, 29 de maio de 1885.= Antonio Maria Pereira Carrilho.
Foi admittida e enviada a commissão de fazenda, ouvida a de instrucção superior.

Projecto de lei

Senhores. - Entre os phenomenos sociaes mais interessantes do nosso seculo, e porventura aquelle que mais caracterisa a superioridade incomparavel da sua civilisação, avulta proeminente o do enorme desenvolvimento que por toda a parte hão tomado os institutos de protecção, beneficencia e instrucção as classes menos protegidas não só os devidos a acção do governo, como principalmente os que se devem aos esforços espontaneos da iniciativa particular.
Nunca uma epocha se ha mostrado tão accentuadamente altruista como a nossa. Seculo algum se tem provado mais verdadeiramente christão do que este, pela comprehensão exacta e pratica intensissima da mais sublime virtude christã- a caridade.
Portugal n'este, como em outros pontos, ficou infelizmente atrás de outros organismos sociaes mais perfeitos. E certo, porém, que n'estes ultimos annos a iniciativa individual se tem avigorado e expandido, merecendo aos poderes legislativo e executivo uma protecção tão proficua quanto sensata.
De entre as associações de indole puramente caritativa ultimamente creadas, talvez nenhuma se avantage á associação dos asylos para educação de costureiras e creadas de servir; não só pela natureza essencialmente pratica e util dos fins d'esta instituição, como pela dedicação e tino com que os seus fundadores hão sabido vencer a sua extrema pobreza.
E taes hão sido já os serviços por ella prestados, que o poder executivo julgou de utilidade geral o conceder-lhe provisoriamente, em portaria de julho de 1884, uma parte importante do convento das Francezinhas, n'esta cidade, gastando n'ella uma quantia relativamente avultada, procurando assim affeiçoal-a convenientemente para o novo fim a que e destinado.
Cabe agora ao poder legislativo concorrer pela sua parte para o desenvolvimento d'este novo orgão social, dando mais uma vez exemplo de quanto lhe são entre todas sympathicas estas manifestações de actividade individual, maximo quando revestem um caracter tão exclusivamente altruista e beneficente.
Tenho, pois, a honra de submetter a attenção e sabedoria d'esta camara o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° É concedida definitivamente a Associação dos asylos para educação de costureiras e creadas de servir, com estatutos approvados em 31 de Janeiro de 1884, e para os fins da mesma associação, a parte do convento das Francezinhas, n'esta cidade, de que esta de posse.
Art. 2.° Logo que falleça a ultima das freiras ali existentes, entrará a referida associação na posse da parte restante do convento.
Art. 3.° São igualmente concedidos a dita associação os objectos necessarios para o culto que se encontrarem no convento a data do fallecimento da ultima freira, e que possam servir para os fins da associação.
Art. 4.° Realisada que seja a condição designada no artigo 2.°, o poder executivo delimitara da cerca e mais dependencias do convento uma parte, que a mesma associação tambem e concedida, e que se mostre ser a bastante para o completo exercicio dos fins da associação.
Camara dos senhores deputados, 29 de maio do 1885.= O deputado, João Ferreira Franco Pinto de Castello Branco.
Foi admittido e enviado á commissão de fazenda, ouvida a de administração publica.

Página 1856

1856 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Proposta para renovação de iniciativa

Renovo a iniciativa do projecto de lei n.° 261 de 1882. = O deputado, Santos Viegas.
Foi admittida e enviada á commissão de fazenda.

O projecto de lei a que se refere esta proposta e o seguinte :

Senhores. - A vossa commissão do fazenda foi presente a petição de José Antonio de Rezende, amanuense aposentado do governo civil de Aveiro, pedindo que lhe seja melhorada a reforma concedida por decreto de 27 de julho de 1881.
O supplicante allegou e provou perante as estações competentes que tinha mais de setenta e tres annos de idade, que servira de amanuense desde 1835, estando, porém, fóra do serviço desde setembro de 1846 até 1853, por ter tomado parte no movimento politico do primeiro periodo, em favor da junta do Porto; que servira como segundo official do governo civil desde 1838 a 1846, entrando do novo como amanuense em 1880; e que desde 1 de Janeiro de 1853 até 30 de novembro de 1870 servira como empregado da repartição dos expostos, a cargo da junta geral.
As repartições, porém, só lhe contaram para a aposentação vinte e um annos e quatro mezes, porque não consideraram serviço no estado aquelle que o requerente prestou como empregado da junta geral.
E a vossa commissão, considerando que o artigo 353.° do codigo administrativo, determinando que «podem ser aposentados com o ordenado por inteiro os governadores civis, os empregados das juntas geraes de districto, os das secretarias das camaras municipaes e os das secretarias das administrações dos concelhos ou bairros, que, tendo pelo menos trinta annos de bom e effectivo serviço, soffram impossibilidade physica ou moral, devidamente comprovada, de continuar a servir», pode e deve ser applicado ao supplicante, já por que se não faz excepção entre empregados antigos e modernos da junta geral, já porque o serviço feito na mesma junta geral, em qualquer epocha, é serviço prestado ao estado.
Considerando que igual doutrina e seguida hoje em alguns ministerios, se não em todos, para applicação do augmento do vencimento por diuturnidade de serviço aos amanuenses das respectivas secretarias d'estado; augmento que e abonado, não pelo tempo exclusive de amanuense que os interessados tenham, mas por esse tempo e por qualquer outro em serviço do estado; não podendo, portanto, haver duas jurisprudencias em assumptos da mesma natureza:
É de parecer que podeis approvar o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° Será contado ao amanuense aposentado do governo civil de Aveiro, José Antonio de Rezende, o tempo que serviu como empregado da repartição dos expostos desde 1 de Janeiro de 1853 ate 30 do junho de 1870, sendo modificado, por esta fórma, e em conformidade com o artigo 353.° do codigo administrativo vigente, o vencimento que ora e abonado ao referido José Antonio de Rezende.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Sala da commissão de fazenda, aos 12 de julho de 1882. = Antonio José Teixeira = Filippe de Carvalho = P. Roberto Dias da Silva = A. C. Ferreira de Mesquita = L. Cordeiro = Antonio Maria Pereira Carrilho, relator. = Tem voto dos srs. Adolpho Pimentel = Manuel da Assumpção.

REPRESENTAÇÕES

l.ª Da camara municipal do concelho de Oeiras, contra algumas disposições do tratado do commercio, celebrado em 12 de dezembro de 1883, entre Portugal e a Hespanha.
Apresentada pelo sr. deputado Pedro Franco, enviada á commissão de negocios externos e mandada publicar no Diario do governo.

2.ª Da mesa da real irmandade do Santissimo Sacramento da freguezia de Nossa Senhora dos Martyres, da cidade de Lisboa, contra o disposto no n.° 7.° do artigo 103.° da proposta de lei apresentada pelo sr. ministro do reino, para a organisação administrativa do municipio de Lisboa.
Apresentada pelo sr. deputado Santos Viegas e enviada ás commissões de fazenda e de administração publica.

3.ª Da camara municipal da cidade de Braga, pedindo a approvação do projecto de lei apresentado pelo sr. deputado Vicente Pinheiro, estabelecendo que os lyceus de 1.ª classe possam completar o seu ensino, encarregando-se as juntas geraes da respectiva despeza.
Apresentada pelo sr. deputado Vicente Pinheiro, enviada á commissão de instrucção primaria e secundaria, e mandada publicar no Diario do governo.

4.ª Da proprietaria da fabrica de phosphoros Osti, de accordo com outras fabricas, pedindo providencias que obstem a ruina em que se acha a industria do fabrico de phosphoros.
Apresentada pelo sr. deputado Barbosa Centeno e enviada á commissão de fazenda, ouvida a de commercio e artes.

5.ª Da direcção da associação musica 24 de junho, pedindo que seja concedida, a titulo de aposentação aos artistas musicos portuguezes, que compõem a orchestra do real theatro de S. Carlos, com vinte annos de serviço artistico, uma subvenção de 30$000 réis mensaes, podendo o quadro dos agraciados ser limitado ao numero de seis.
Apresentada pelo sr. deputado Santos Viegas e enviada á commissão de fazenda, ouvida a de administração publica.

6.ª Da junta geral do districto do Porto, contra o imposto de portagem creado pela lei de 26 de julho de 1843.
Apresentada pelo sr. deputado Garcia de Lima, enviada á commissão de fazenda e mandada publicar no Diario do governo.

REQUERIMENTOS DE INTERESSE PUBLICO

1.° Requeiro que seja enviada á camara, pelo ministerio do reino, a correspondencia trocada entre o mesmo ministerio e a escola medico cirurgica de Lisboa ácerca da escolha de um delegado da dita escola para ir estudar a Hespanha a prophyllaxia do cholera pelo medico Ferran = Mouta e Vasconcellos.

2.° Requeiro, por parte da commissão de obras publicas, que seja ouvido o governo ácerca da representação dirigida a camara dos senhores deputados pelo architecto Luiz Caetano Pedro d'Avila. = Avellar Machado.

3.° Requeiro que seja ouvido o governo, pelo ministerio competente, ácerca das seguintes pretensões :
I. De Carolina Eugenia da Conceição Beja, pedindo para ser isenta, quanto a sua pensão, do pagamento de direitos de mercê, emolumentos e sêllo ;
II. Do Fortunato Maria Gomes Ferreira, que o projecto junto auctorisa o governo a reformar com o ordenado de 200$000 réis, que foi director da alfandega do Ibo. = Tito de Carvalho.
Mandaram-se expedir.

Página 1857

SESSÃO DE 30 DE MAIO DE 1885 1857

JUSTIFICAÇÕES DE FALTAS

1.ª Declaro que, por motivo justificado, não tenho comparecido a algumas sessões. = João Augusto Teixeira.

2.ª O sr. visconde de Balsemão, encarregou-me de participar que tem faltado as ultimas sessões, e continuará a faltar a mais algumas por motivo justificado. = O deputado, João da Silva Ferrão de Castello Branco.

3.º Declaro que o deputado sr. Avelino Cesar Augusto Calixto tem faltado e continuará a faltar a algumas sessões, por motivo justificado. = Mattoso Côrte Real.

Para a acta.

O sr. Mouta e Vasconcellos: - Sr. presidente, alguns jornaes têem apreciado com pouco favor e bastante injustiça, a meu ver, a resposta que suppõem fôra dada pela escola medico cirurgica de Lisboa ao convite feito pelo governo para que esta escola se fizesse representar por um dos seus membros em Hespanha, para estudar a prophyllaxia do cholera do medico Ferran.
Se injustiça tem havido da parte d'esses jornaes, e ella por certo devida ao facto de não ser precisamente conhecida a resposta dada ao governo por aquella briosa e illustrada corporação.
Disse se, por exemplo, que a escola medico-cirurgica de Lisboa não respondêra ao primeiro officio que lhe fôra dirigido, e que o governo se vira por isso forçado a enviar-lhe segundo.
Eu tambem não li a resposta da escola medico-cirurgica, mas sei, por informações que me foram fornecidas por pessoas fidedignas, e em cuja respeitabilidade e seriedade não posso deixar de acreditar, que este facto e inexacto. Só houve um officio.
Mais se escreveu, e é triste, e doe-me muito, que tal se pense, que os professores da escola medico cirurgica de Lisboa se recusaram a ir a Hespanha com receio de serem atacados pelo cholera!
Em primeiro logar, o que resta provar e se o cholera está em Hespanha, e se a doença sospechosa que tem accommettido a provincia de Valencia é o cholera morbus asiatico. (Apoiados.)
Será? Não será? Em Hespanha mesmo, muitos medicos duvidam que seja.
Mas, seja ou não seja, mau e que se faça correr dentro do paiz a suspeita sequer de que um medico portuguez se receia do cholera! (Apoiados.)
E peior, e muito peior, é que uma noticia d'estas, tão vergonhosa para os nossos brios patrioticos, e tão falta de fundamento; mercê de Deus, passe a fronteira e vá correr mundo, lançando sobre o nosso paiz uma nodoa e um ridiculo, o que é peior! (Apoiados.)
Felizmente, em Portugal, não temos cá d'isso, d'esses medicos.
Em homenagem á verdade, pois, e para que o publico, e grande publico, possa apreciar devidamente os factos como elles se deram, requeiro a v. exa. que se mande pedir ao ministerio do reino uma copia da correspondencia trocada entre a escola medico-cirurgica de Lisboa e o governo, e que essa correspondencia seja publicada no Diario do governo.
Assim, todos poderão formar juizo seguro, e ninguem fará apreciações, que é triste que se façam.
O sr. Garcia de Lima:- Sr. presidente, tenho a honra da mandar para a mesa uma representação da junta geral do districto do Porto, em que essa respeitavel corporação pede a esta camara que se digne discutir e approvar o projecto de lei apresentado na sessão legislativa de 1874, tendo então o n.° 11-A, cuja iniciativa tem sido renovada em todos os annos, e ultimamente o foi por mim em 26 de Janeiro ultimo, tendo actualmente o referido projecto o n.° 6-I.
Sr. presidente, esse projecto tem por fim a abolição dos direitos de portagem, e envolve por isso uma questão de importancia para os povos sujeitos a esse vexatorio e desigual imposto, sendo por isso questão de interesse publico, e que, não obstante e apesar do tempo decorrido desde a apresentação do projecto, ainda nem parecer obteve; nenhuma das commissões respectivas das camaras transactas d'elle se occupou, e ainda agora, apesar de renovada a iniciativa de tal projecto na sessão de 26 de Janeiro ultimo, esta no esquecimento da illustre commissão de fazenda, que por emquanto não deu sobre elle o seu illustrado parecer, o que será duvida é devido a não ter podido dividir a sua attenção por tantas e tão variadas pendencias sujeitas a sua apreciação.
Sr. presidente, o imposto a que se refere a representação, que vou mandar para a mesa, affecta principalmente, se não exclusivamente, os tres districtos administrativos da provincia do Minho, e é, como já, tive occasião de dizer; tão desigual como vexatorio, pedindo todos os principios de justiça e de equidade que esse imposto seja extincto, até mesmo porque, alem da desigualdade e do vexame que d'elle resulta, é de pequeno e insignificante resultado para o thesouro publico.
Eu não pretendo alongar-me em considerações sobre o assumpto, que por emquanto não está em discussão, e que por isso seriam de todo o ponto perdidas; o que pretendo e chamar a attenção da illustre commissão de fazenda sobre o indicado projecto, tendo inteira confiança de que se dignará estudar a questão e apresentar sobre ella o seu parecer, para que seja discutido e votado com a brevidade que assumpto do tal natureza reclama, e permitta-me a camara e a illustre commissão que eu lamente, porque de lamentar é, que esse projecto, de incontestavel interesse publico, porque versa sobre um imposto vexatorio e pouco rendoso para o thesouro, se tenha posto de parte ha tanto tempo, talvez por ser de méra iniciativa parlamentar.
Eu não sei, sr. presidente, a forma de processo a seguir para obter parecer das commissões sobre qualquer projecto d'essa origem; se para isso é necessaria outra diligencia que não seja ponderar a prioridade e importancia relativa dos projectos apresentados, declaro que não tenho geito nem feitio para a empregar, mesmo porque fazendo, como faço, inteira justiça ás illustres commissões, e reconhecendo, como reconheço, que todos os seus membros têem o maior zêlo e dedicação pelas cousas publicas, não posso deixar de ter a maxima confiança de que a illustre commissão de fazenda terá na maior consideração a representação da junta geral do districto do Porto, e basta sem duvida invocar a importancia d'essa illustrada corporação, para não duvidar um momento de que ella será attendida no justo pedido que dirige á camara.
Peço a v. exa. que se digne dar as ordens para que esta representação seja presente a illustre commissão de fazenda, e peço tambem que se consulte a camara sobre se consente que a mesma representação seja publicada no Diario do governo.
Aproveito esta occasião para pedir a mesa que se digne informar-me, se do ministerio da fazenda já foi enviada a nota, que ha muito tempo pedi, relativamente as celebres acções denominadas do cofre da companhia de agricultura dos vinhos do alto Douro, por isso que não tenho conhecimento se o meu pedido teve o destino conveniente e se já foi satisfeito.
O sr. Secretario (Mouta e Vasconcellos):- O officio remettendo o pedido feito pelo sr. deputado, foi expedido ao ministerio da fazenda, era 11 de março, e ainda não foi satisfeito.
O Orador:- Peço portanto a v. exa. se digne renovar o meu pedido para o ministerio da fazenda, porque careço d'esses esclarecimentos.

Página 1858

1858 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

O sr. Santos Viegas : - Principio por me associar as considerações feitas pelo meu collega o sr. Garcia de Lima, referindo-se a representação que foi enviada pela junta geral do districto do Porto.
S. exa. renovou aqui a iniciativa de um projecto de lei antigo, que se refere a abolição dos direitos de portagem, e por essa occasião associei-me tambem a esse projecto, e fiz ácerca d'elle as considerações que julguei opportunas, e hoje, sr. presidente, lamento, como o illustre deputado, que a commissão respectiva não tenha dado o seu parecer ácerca d'elle.
E negocio urgentissimo este a que me retire, e a que se referiu o illustre deputado.
E vexatorio o imposto, e quasi nenhum beneficio vem para o thesouro pela sua cobrança.
Pelo contrario, da logar a vexames que muitas vezes custam derramamento de sangue. Quem o paga mais a miudo são os pobres. Sei que não é grande o imposto, mas como e repetido constantemente, dá em resultado que sacrificam dinheiro, suor do seu trabalho, que podia ser applicado em bem de suas familias, e o estado não aufere d'ahi os lucros previstos.
Faço minhas, com a devida venia, as reflexões do illustre deputado e espero que a commissão dará o seu parecer.
Usando ainda da palavra, mando para a mesa duas representações.
Uma da irmandade do Santissimo Sacramento da freguezia de Nossa Senhora dos Martyres em que se reclama contra a disposição do n.° 7.° do artigo 103.° da proposta de lei que se refere a nova organisação do municipio de Lisboa.
Eu já tive a honra de apresentar outra representação n'este sentido.
Fiz então considerações que me parecem justas; poderia novamente apresental-as, mas reservo-me para quando se discutir o projecto a que me retire.
Sobre o assumpto já diversas reclamações têem vinda a esta camara; direi, porém, de passagem que a materia a que allude esta representação está sufficientemente combatida com as rasões que a mesma irmandade apresenta. Conheço de perto os seus sentimentos, faço justiça a sua administração, e presto a devida homenagem ao seu zêlo pouco vulgar. Direi do assumpto, quando o artigo se discutir.
A outra representação e dirigida a esta camara por alguns musicos da associação Vinte Quatro de Julho, que pedem a esta camara, que em harmonia com o que se concedeu aos actores o ainda com o tempo de serviço que tiverem se lhes de uma subvenção que não seja inferior a reis 30$000 mensaes e que esta só seja dada a seis individuos d'aquella classe, não se concedendo a outros emquanto estes viverem.
As rasões que elles apresentam são juntas, e a camara as attenderá como julgar em seu alto criterio.
Dito isto, eu pedia novamente a v. exa. o que já hontem pedi, se for possivel.
Digo se for possivel, porque emfim é preciso usar de toda a humildade que é propria do meu caracter e que não fica mal a quem pede, principalmente quando prevejo que o malfadado projecto a que vou referir-me, só merecerá do v. exa. a mercê de pol-o á discussão, quando isso for preciso por não haver nada mais a discutir.
Peço a v. exa. que com brevidade ponha em discussão aquelle desgraçadissimo projecto que apresentei em 1882, e que se refere a um desvio de fundos da camara municipal de Mondim, porque posso affiançar que não terá discussão. Tem o n.° 92. A camara não me ha de deixar mal, quando affirmo que não terá discussão. É uma questão de formalidade, pois, o que peço.
O sr. Presidente:- Póde o illustre deputado ter a certeza do que logo que se discutam alguns projectos que estão pendentes, ha de entrar em discussão o projecto a que s. exa. se refere, por isso que já passou duas vezes n'esta camara, motivo para que elle prefira a quaesquer outros.
O Orador:- Como em questão de antiguidade os mais velhos devem respeitar os mais novos, e por isso que eu desejava que aquelle projecto fosse hoje discutido, porque, como já disse, não levantará discussão.
Se mereço a v. exa. a consideração que me parece merecer-lhe, tire um minuto do tempo que destinou para o trabalho antes da ordem do dia, e verá v. exa. que o meu projecto será n'esse tempo approvado. É pouco o que peço, um minuto para a apresentação a discussão do n.° 92. Irei pedindo todos os dias até que o meu pedido encontre a benevolencia de v. exa., porque com a da camara parece me poder contar.
Fico hoje por aqui.
O sr. Vicente Pinheiro:- Tenho a honra de mandar para a mesa uma representação da camara municipal de Braga, pedindo a esta camara a discussão e a approvação do meu projecto de lei sobre a faculdade dos lyceus, que têem um curso de sciencias ou de letras poderem completar o seu ensino com o curso complementar que não tiverem, ficando o encargo resultante do augmento da despeza com as respectivas cadeiras a cargo das juntas geraes de districto.
Não chamo novamente a esclarecida attenção d'esta camara sobre o assumpto, porque a representação que n'este momento envio para a mesa, por si, com sobeja illustração e patriotismo, diz da sua justiça; o porque sei que a illustrada commissão de instrucção primaria e secundaria já tem na imprensa o seu parecer favoravel. Nem outra cousa era de esperar desde que na ultima sessão em que me occupei d'este importante e vital assumpto para Braga, o nobre deputado o sr. Santos Viegas, como relator da commissão, se comprometteu a apresentar a camara com toda a brevidade o seu parecer. S. exa. honrou como sempre os seus compromissos, e mais uma vez prestou ao districto de que e digno representante um relevante serviço. A mim só me cumpre agradecer o interesse que o sr. Santos Viegas, e bem as sim outros deputados do districto de Braga, tem tido n'esta questão.
Por esta occasião chamo a attenção do governo sobre outro assumpto, que é de urgente necessidade para o circulo que tenho a honra de representar. Nas cheias que tiveram logar no inverno de 1876 destruiram-se completamente duas pontes na estrada n.° 3, que liga Villa Nova de Famalicão ao Porto. Uma d'ellas, e a mais importante, é a ponta do Longo, a distancia de kilometro e meio de Famalicão. Esta ponte era uma obra de arte da antiga estrada de Braga ao Porto, e é ainda hoje uma estrada muito concorrida, e esta prejudicando o enorme transito dos povos da cercania de Famalicão, principalmente nos dias do importante mercado semanal n'aquella localidade. A ponte de alvenaria foi substituida ha nove annos por outra de madeira, que está actualmente muito arruinada. Despender dinheiro n'uma nova ponte de madeira sujeita sempre a reparos, e desservir os interesses publicos e despender sem economia os dinheiros da nação. O digno director das obras publicas do districto de Braga enviou ha mezes, segundo me consta, o respectivo projecto da nova ponte de alvenaria, orçada em 4:040$000 réis.
Peço, portanto, ao governo que dê na junta consultiva o devido andamento á approvação do projecto do sr. director das obras publicas de Braga, e expeça as ordens necessarias para que no principio do novo anno economico se comecem os trabalhos da ponte do Longo, porque a actual ponte de madeira não póde atravessar o inverno que vem.
Espero que, logo que de entrada no ministerio das obras publicas, se é que ahi ainda não chegou, o projecto da construcção da ponte da Retorta, que igualmente se destruiu nas cheias de 1876 e que dista da ponte do Longo 600 metros, o governo proceda para com esta ponte pela mesma fórma que peço proceda para com a ponte do Longo

Página 1859

SESSÃO DE 30 DE MAIO DE 1885 1859

São as construcções d'estas pontes de uma grande necessidade, como creio que demonstrei nas poucas palavras que tenho dito, com o pensamento de não querer roubar tempo a camara, cuja preoccupação em se entrar na primeira parte da ordem do dia que se destina á approvação de pequenos projectos de interesse particular, e visivel.
Creio que o illustre ministro da fazenda, que nas cadeiras ministeriaes está representando o governo, se dignará dar conta do meu pedido e das minhas considerações ao seu collega das obras publicas.
O sr. Presidente:- Vae ler-se o projecto n.° 68 para entrar era discussão.
Leu-se. É o seguinte:

PROJECTO DE LEI N.° 68

Senhores.- A vossa commissão de obras publicas foi presente a proposta de lei n.° 14-A, relativa ao contrato provisorio celebrado em 23 de Janeiro de 1885, entre o governo e o conde da Foz, o visconde de Madeira, Fernando Pereira Palha e Henrique Jorge Moser, para a construcção e exploração do ramal de Vizeu.
Por lei de 26 de maio do anno preterito foi o governo auctorisado a fazer a adjudicação definitiva da construcção e exploração da mencionada linha ferrea a Henry Burnay & C.ª, nos termos de um contrato provisorio previamente celebrado, com a addição unica do uma clausula referente a composição da direcção ou conselho de administração da companhia a que podesse ser cedida a concessão da linha; não pôde porém effectuar-se a adjudicação auctorisada, visto que o concessionario recusou sujeitar-se a nova condição imposta na lei.
O governo, usando do direito que lhe assiste, nos termos da lei e regulamento de contabilidade publica, abriu novo concurso e celebrou novo contrato que para se tornar definitivo precisa da sancção legislativa.
As clausulas e condições geraes que serviram de base ao mencionado contrato provisorio são as mesmas do contrato provisorio anterior, addicionadas com a nova clausula da lei de 26 de maio, e foram já discutidas e approvadas pelo parlamento.
O custo kilometrico que serviu de base a licitação fica mais reduzido que no contrato de Henry Burnay & C.ª
Por estas considerações a vossa commissão de obras publicas, de accordo com o governo, tem a honra do submetter a vossa approvação o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° É approvado, para ser convertido em definitivo, o contrato provisorio celebrado em 23 de Janeiro de 1885, entre o governo e o conde da Foz, o visconde de Madeira, Fernando Pereira Palha e Henrique Jorge Moser para a construcção e exploração de um ramal de caminho de ferro, que, partindo das proximidades de Santa Comba Dão na linha da Beira Alta, vá terminar na cidade de Vizeu, o qual contrato faz parte da presente lei.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões, 5 de maio do 1885. = Sanches de Castro = Augusto Poppe = Avellar Machado = Antonio de Sousa Pinto de Magalhães = Antonio José d'Avila = Henrique da Cunha Matos de Mendia = Almeida Pinheiro = E. J. Goes Pinto = Fontes Ganhado = José Gonçalves Pereira dos Santos, relator.

Senhores.- A vossa commissão de fazenda, na parte que lhe diz respeito, concorda com o parecer da illustre commissão de obras publicas.
Sala da commissão, 9 de maio de 1885. = José Dias Ferreira (vencido)= Lopes Navarro = José Maria dos Santos = Correia Barata = L. Cordeiro = Antonio M. P. Carrilho = Correia Arouca = Pedro de Carvalho = Adolpho Pimentel = Augusto Poppe = Moraes Carvalho = Franco Castello Branco = Antonio de Sousa Pinto de Magalhães, relator.

N.º 14-A

Senhores. - Por carta de lei de 26 de maio de 1884 foi approvado, para ser convertido em definitivo, o contrato que o governo havia celebrado com Henry Burnay em 24 de dezembro de 1883, para a construcção e exploração de um ramal de caminho de ferro que, partindo das proximidades de Santa Comba Dão, fosse terminar na cidade de Vizeu, declarando porém a mesma lei que o governo não permittiria a cessão da linha a companhia ou sociedade em cujos estatutos se não incluisse expressamente a clausula de ser composta de cidadãos portuguezes domiciliados em Portugal a maioria da sua direcção ou conselho de administração.
Não tendo o concessionairo acceitado esta clausula, ficou a concessão deserta, e o governo, não estando auctorisado a prover por outro meio a realisação de tal obra, resolveu pol-a novamente em concurso quando se offereceu opportunidade, declarando que a adjudicação que se fizesse teria a natureza de provisoria, e ficaria dependente da confirmação das côrtes.
O concurso foi aberto per decreto de 11 de dezembro ultimo (Diario do governo n.° 284) com as mesmas clausulas da concessão que a citada lei sanccionára, addicionadas apenas com a nova condição imposta pela mesma lei ácerca, da administração da empreza, quando fosse companhia ou sociedade.
No concurso foi offerecida uma só proposta e a sua base e um pouco mais vantajosa para o estado do que a do contrato anterior. O governo resolveu acceital-a, em vista da seriedade dos proponentes, e celebrou com elles o contrato provisorio de 23 de Janeiro de 1885, para o qual, em presença do que fica exposto, tem a honra de pedir a vossa approvação na seguinte proposta de lei:
Artigo 1.° É approvado, para ser convertido em definitivo, o contrato provisorio celebrado em 23 de Janeiro de 1885 entre o governo e o conde da Foz, o visconde de Macieira, Fernando Pereira Palha e Henrique Jorge Moser para a construcção e exploração de um ramal de caminho de ferro, que, partindo das proximidades de Santa Comba Dão na linha da Beira Alta, vá terminar na cidade de Vizeu, o qual contrato faz parte da presente lei.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Ministerio das obras publicas, commercio e industria, em 23 de fevereiro de 1885. = Antonio Maria de Fontes Pereira de Mello.

Termo de contrato provisorio para a construcção e exploração de um ramal de caminho de ferro de Santa Comba Dão a Vizeu

No dia 23 de Janeiro de 1885, no ministerio das obras publicas, commercio e industria, e gabinete do ministro, aonde vim eu Viriato Luiz Nogueira, secretario do mesmo ministerio, ahi se achavam presentes: de uma parte o illmo. e exmo. sr. conselheiro Antonio Augusto de Aguiar, ministro e secretario d'estado dos negocios das obras publicas, commercio e industria, primeiro outorgante em nome do governo; e da outra parte os srs. conde da Foz, visconde de Macieira, Fernando Pereira Palha e Henrique Jorge Moser, segundos outorgantes, assistindo tambem a este acto o exmo. conselheiro d'estado João Baptista da Silva Ferrão de Carvalho Mártens, procurador geral da corôa e fazenda; e por elle exmo. ministro foi dito na minha presença e na das testemunhas abaixo declaradas, que, tendo o governo de Sua Magestade resolvido acceitar a proposta apresentada por elles segundos outorgantes no concurso que se effectuará no dia 12 do corrente mez de Janeiro, em virtude do decreto de 11 de dezembro ultimo, para, nos ter-mos do mesmo decreto, se adjudicar a construcção e exploração de um ramal do caminho de ferro, que, partindo das proximidades de Santa Comba Dão, na linha da Beira Alta, vá terminar na cidade de Vizeu; tinha por isso elle exmo. ministro resolvido celebrar com os mesmos srs. con-

Página 1860

1860 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

do da Foz; visconde do Madeira, Fernando Pereira Palha e Henrique Jorge Moser o presente contrato, nos termos do citado decreto e condições, o qual contrato, na conformidade do artigo 15.° d'este decreto, e considerado provisorio, ficando dependente da approvação do poder legislativo. E por elles segundos outorgantes foi dito que acceitavam este contrato com aquella natureza do provisorio e nos termos que ficam indicados, declarando todos os outorgantes que se obrigavam a cumprir todas as clausulas d'este contrato provisorio, que são as seguintes:

CAPITULO I

Condições relativas á construcção do ramal de Vizeu, ao fornecimento do respectivo material fixo e circulante e aos direitos do estado e da empreza, sobre as diversas construcções o material fornecido

Artigo 1.° A empreza effectuará á sua custa o por sua conta e risco, nos termos, pelo modo e nos prasos estipulados n'este contrato:
1.° A construcção de um ramal do caminho de ferro, que, partindo das proximidades de Santa Comba Dão, na linha da Beira Alta, vá terminar na cidade de Vizeu; sendo o dito ramal completo em todas as suas partes, com todas as expropriações, aterros e desaterros, obras de arte, assentamento de vias, estações e officinas de pequena e grande reparação, e todos os edificios accessorios, casas de guarda, barreiras, passagens de nivel, muros de sustentação, muros de vedação ou sebes para separar a via ferrea das propriedades contiguas, e em geral as obras de construcção previstas ou imprevistas, sem excepção ou distincção, que forem necessarias para o completo acabamento da linha ferrea.
§ 1.° A palavra empreza, sempre que for empregada n'estas condições, significa os concessionarios primitivos, ou qualquer particular, sociedade ou companhia, para quem elles trespassem, na conformidade das leis e com auctorisação previa do governo, os direitos adquiridos e as obrigações contrahidas em virtude d'este contrato.
§ 2.° As obras mencionadas ao n.° 1.° d'este artigo, que a empreza e obrigada a executar, serão feitas conforme os projectos definitivos por ella preparados em harmonia com estas condições, depois de terem sido approvados pelo governo.
§ 3.° Estes projectos comprehenderão:
a) O piano geral do caminho com a indicação da collocação das estações, portos seccos, cursos de agua, estradas e caminhos atravessados, passagens de nivel e as superiores e inferiores, edificios e mais accessorios e dependencias do serviço da linha, o qual plano será feito na escala de 1:5000;
b) O perfil longitudinal na escala de 1:5.000 para os comprimentos e de 1:500 para as alturas, contendo as seguintes indicações: distancias kilometricas referidas a origem, comprimento e inclinação de cada rampa ou declive, extensão dos alinhamentos rectos e desenvolvimento das curvas com designação dos raios correspondentes;
c) Os perfis transversaes na escala de 1:200;
d) As obras de arte na escala de 1:50 para um comprimento abaixo de 10 metros, de 1:100 para um comprimento de 10 a 100 metros, de 1:200 para um comprimento acima de 100 metros;
e) Uma memoria descriptiva e justificativa de todo o traçado.
§ 4.° O numero e a classe das estações e suas dependencias serão determinados nos projectos definitivos. Nas estações do entroncamento as ampliações e melhoramentos, que forem reclamados pelo maior desenvolvimento que ao serviço resultar da exploração da nova linha, e para a facilidade das baldeações, serão feitos por conta da empreza, devendo em todo o caso haver uma estação principal, com as accommodações necessarias para passageiros, mercadorias e empregados; officinas, machinas e apparelhos para a feitura e concerto do material de exploração; armazens, telheiros e depositos para arrecadação e pintura de locomotivas, tenders, carruagens e wagons; fossos para picar o fogo; apparelhos e reservatorios para a alimentação das machinas.
§ 5.° Dos projectos approvados fará a empreza tirar duas copias, que serão authenticadas pela direcção geral das obras publicas e minas; uma das copias será, entregue a empreza e a outra a fiscalisação.
§ 6.° O governo reserva-se o direito de fazer fiscalisar a execução dos estudos no campo.
§ 7.° O governo entregara á empreza copias dos estudos feitos sobre a linha a construir.
2.° O fornecimento, conservação e renovação das locomotivas, carruagens para viajantes, wagons para mercadorias, machinas e utensilios para as officinas, plataformas giratorias, reservatorios e apparelhos hydraulicos, guindastes, signaes e em geral de todo o material fixo e circulante, designado ou não designado, que for necessario para manter a linha em perfeito estado de exploração.
3.° O estabelecimento do um telegrapho electrico ao lado da linha ferrea, e a conservação e renovação dos materiaes e apparelhos que forem precisos para o conservar em bom estado de serviço.
4.° Depois de terminada a linha, a empreza, no praso de um anno, fará á sua custa, com assistencia do engenheiro delegado do governo, a demarcação kilometrica e o levantamento da planta cadastral do caminho de ferro e suas dependencias com a descripção de todas as obras de arte executadas, e entregará, ao governo uma copia d'esta planta devidamente authenticada.
Art. 2.° A linha ferrea será construida com leito e obras de arte para uma só via, a excepção das estações, em que haverá as necessarias vias de resguardo e as de serviço.
Art. 3.° Quaesquer alterações ou modificações, que a empreza tenha por conveniente propor, serão formuladas em harmonia com as condições technicas dos projectos, mas não poderão ser executadas sem previa auctorisação do governo.
Art. 4.° As terras para a formação dos aterros serão sempre extrahidas de maneira que se evite a estagnação das aguas, prejudicial a saude publica.
Art. 5.° A largura do caminho ao nivel da plataforma será de 3m,5 em aterro e de 4m,3 em desaterro, e ao nivel dos carris de lm,9 n'um e n'outro caso.
A largura de via será de 1 metro entre as faces interiores dos carris. As dimensões dos fossos e inclinação dos taludes, quer em aterro quer em escavação, serão reguladas pelos respectivos perfis transversaes typos adoptados nos projectos.
A entrevia, ou distancia entre duas vias, será pelo menos de 2 metros, entre as faces exteriores dos carris internos de cada via.
Art. 6.° O maximo dos declives será de 18 millimetros por metro.
Art. 7.° Os raios das curvas de concordancia não serão inferiores a 150 metros nas linhas geraes; nas do serviço e resguardo poderão baixar a 100 metros. Quando se empregarem estes raios, as respectivas curvas de concordancia deverão effectuar-se, tanto quanto possivel, sobre planos horisontaes.
O intervallo entre os pontos de tangencia de duas curvas consecutivas em sentido contrario não será inferior a 50 metros.
Art. 8.º Os carris e outros elementos constitutivos da via ferrea devem ser de boa qualidade e dos melhores modelos, proprios a preencher o fim do seu destino.
Os carris a empregar serão de aço e o seu peso não poderá ser inferior a 20 kilogrammas por metro corrente. Serão fixados pelo systema que a empreza julgar mais conveniente, segundo os ultimos aperfeiçoamentos e com previa approvação do governo.

Página 1861

SESSÃO DE 30 DE MAIO DE 1885 1861

Art. 9.° As travessas a empregar na linha serão todas creosotadas.
Art. 10.° Este caminho será fechado por meio de muros, sebes vivas ou grades de madeira, que o separem das propriedades contiguas, com barreiras de serventia abrindo para fóra.
Art. 11.° A empreza deverá estabelecer, para serviço das localidades atravessadas pela linha ferrea, portos seccos destinados ao estacionamento, carga e descarga de mercadorias, em harmonia com os projectos approvados.
Art. 12.° A empreza construirá, de pedra, ferro ou tijolo, os viaductos, pontes, pontões, aqueductos e canos de rega, as passagens superiores, inferiores e de nivel, em numero sufficiente e com as dimensões que exigir a sua estabilidade o segurança, o volume das aguas, a largura do caminho de ferro, e a das estradas ordinarias ou caminhos a que algumas d'essas obras devam dar passagem.
Art. 13.° Os cruzamentos do caminho de ferro com as estradas de l.ª e 2.ª classe, caminhos municipaes e vicinaes, poderão ser de nivel, excepto nos casos em que nos projectos estão designadas passagens superiores ou inferiores.
Em todos os cruzamentos ou passagens de nivel a empreza será obrigada a estabelecer barreiras, que abrirão para a parte exterior do caminho de ferro, havendo em cada uma um guarda encarregado d'este serviço.
Art. 14.° Quando o caminho de ferro passar sobre uma estrada de l.ª classe, a abertura do viaducto não será menor de 6m,60; sobre uma estrada de 2.ª classe, de 6 metros; sobre uma estrada municipal, de 5 metros. A altura do fecho da abobada acima do pavimento da estrada será de 5 metros pelo menos; a largura entre as testas será de 3m,5; a altura dos parapeitos será de 0m,70 pelo menos.
Art. 15.° Quando o caminho de ferro passar por baixo de uma estrada de l.ª classe, a largura do viaducto será de 6m,60; sendo districtal, 6 metros; e sendo municipal, 5 metros.
A abertura entre os pés direitos será, pelo menos, de 4m,5, comprehendidos os fossos.
A distancia vertical do intradorso á parte superior dos carris será, pelo menos, de 5 metros.
Art. 16.° Se houver a desviar o tragado de qualquer estrada existente, os declives do novo traçado não poderão exceder os que existiam na estrada ou caminho que e substituido.
O governo, sobre proposta da empreza, poderá alterar esta regra.
O angulo formado pelo eixo da via ferrea com o da estrada desviada não poderá ser inferior a 30°.
Art. 17.° A abertura dos subterraneos será, pelo menos, de 5 metros entre as impostas, e de 4m,40 entre os pés direitos ao nivel dos carris; a altura acima d'este nivel até ao intradorso da abobada de revestimento será, pelo menos, de 5m,50. A empreza fará todas as obras necessarias para prevenir qualquer perigo de desabamento ou infiltração.
§ unico. O governo, sobre proposta da empreza, poderá reduzir as dimensões dos subterraneos a que se refere este artigo.
Art. 18.° Nos pontos de encontro das estradas ordinarias com a via ferrea, durante a feitura d'esta, a empreza construirá as necessarias obras provisorias para que a circulação não seja interrompida.
Art. 19.° A empreza restabelecerá e assegurará á sua custa o curso das aguas, que se tenha suspendido ou modificado em consequencia das obras do caminho de ferro, ou indemnisará o proprietario, segundo as leis que lhe forem applicaveis.
Art. 20.° A empreza deverá empregar na construcção das obras materiaes de boa qualidade. Os paramentos das abobadas, os cunhaes, os soccos e os coroamentos serão, quanto possivel, de pedra apparelhada, de boa qualidade; onde a não houver será tolerado o tijolo.
Art. 21.° As machinas locomotivas serão construidas segundo os melhores modelos conhecidos, e satisfarão a todas as condições actualmente prescriptas, ou ás que de futuro o forem, para por em circulação as mesmas machinas.
As carruagens dos viajantes deverão ser igualmente dos melhores modelos, suspensas sobre molas e guarnecidas de assentos. Havel-as-ha de tres classes, pelo menos; todas serão cobertas, fechadas com vidraças e resguardadas com cortinas.
As de l.ª classe terão assentos estofados, as de 2.ª assentos de estofo mais ordinario e as de 3.ª assentos de madeira.
As carruagens de todas as classes deverão preencher alem do que fica dito, todas as condições prescriptas pelo governo no interesse da segurança publica.
Os wagons de mercadorias e gado, as plataformas e restante material será tudo de boa qualidade e solida construcção.
Art. 22.° O caminho de ferro, com todos os seus edificios necessarios para o serviço e mais accessorios e dependencias, como carris, cochins, travessas, e em geral todo o material fixo de qualquer especie, fica, desde a sua construcção ou collocação na linha, pertencendo ao dominio do estado para todos os effeitos juridicos, nos termos do direito commum e especial dos caminhos de ferro, e das diversas condições d'este contrato.
Todo o material circulante, carvão, coke e quaesquer outros provimentos, ficarão pertencendo ao dominio da empreza, para os mesmos effeitos e nos mesmos termos, com a declaração, porém, de que o material circulante não poderá ser alienado senão para o effeito de ser substituido com vantagem do serviço publico, e o mesmo terá logar, para o carvão, coke e quaesquer outros aprovisionamentos emquanto forem importados livres de direitos.

CAPITULO II

Condições relativas as concessões que o estado faz á empreza

Art. 23.° Em compensação das obrigações que a empreza toma sobre si por este contrato, concede o governo a mesma empreza, pelo espaço de noventa e neve annos, a contar da data da assignatura do contrato definitivo, a exploração do ramal de Vizeu nos termos e com as condições n'elle estipuladas.
Art. 24.° A empreza deverá conservar, durante todo o praso da concessão, a linha ferrea e suas dependencias, com todo o seu material fixo e circulante, em bom estado de serviço, e no mesmo estado deverá entregar tudo ao governo, findo aquelle praso, fazendo sempre para esse fim a sua custa todas as reparações, tanto ordinarias, como extraordinarias.
§ unico. Se, porém, durante o praso estabelecido no artigo antecedente, for destruida ou damnificada alguma parte do caminho de ferro, por motivo de guerra, sem culpa da empreza, o governo a indemnisará, pagando-lhe O valor das reparações, depois de avaliadas, em dinheiro, ou titulos de divida publica pelo seu valor no mercado.
Art. 25.° Logo que tenha expirado o praso da concessão, acima estabelecido, a empreza entregará ao governo, em bom estado de exploração, o caminho com todo o seu material fixo e seus edificios e dependencias de qualquer natureza que sejam, sem que por isso tenha direito a receber d'elle indemnisação alguma.
Tambem lhe entregará todo o material circulante, mas tanto o valor d'este como o do carvão de pedra e de outros quaesquer provimentos, que entregar ao governo, ser-lhe-hão pagos segundo a avaliação de louvados.
Art. 26.° Em qualquer epocha, depois de terminados os quinze primeiros annos, a datar do praso estabelecido para

93 *

Página 1862

1862 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

a conclusão da linha, terá o governo a faculdade de resgatar a concessão inteira.
Para determinar o preço da remissão, toma-se o producto liquido obtido pela empreza durante os sete annos que tiverem precedido aquelle em que a remissão deva effectuar-se, deduz-se d'esta somma o producto liquido que corresponda aos dois annos menos productivos, e tira-se a media dos outros annos, a qual constitue a importancia de uma annuidade, que o governo pagará a empreza durante cada um dos annos que faltarem para terminar o praso da concessão, no podendo esta annuidade ser inferior a 5,5 por cento do capital desembolsado na rasão do prego por que se effectua a adjudicação.
N'este preço da remissão não e incluido o valor do carvão, coke, ou outros abastecimentos, que serão avaliados em separado e pagos pelo governo, na occasião de serem entregues, pelo preço da avaliação.
Art. 27.° O governo garante á empreza o complemento do rendimento liquido annual até 5,5 por cento em relação ao custo de cada kilometro que se construir, comprehendendo o juro e amortisação do capital.
Art. 28.° Para os effeitos d'esta garantia de juro o preço kilometrico da linha a construir será a quantia de réis 22:880$000, segundo a proposta feita no concurso. As despezas de exploração serão computadas em 50 por cento do producto bruto kilometrico, excluido o imposto de transito, fixando-se todavia um minimo de 700$000 réis e um maximo de 1:200$000 réis por kilometro.
Art. 29.° A garantia de juro será liquidada e as sommas correspondentes pagas no fim de cada semestre.
Art. 30.° Logo que o producto liquido da linha exceder a 5,5 por cento ao anno, metade do excesso pertencerá ao estado até completo reembolso das sommas adiantadas pelo governo, em virtude da garantia de juro de que tratam as condições antecedentes, bem como dos juros d'essas sommas na rasão de 5,5 por cento ao anno.
§ unico. Á empreza fica salvo o direito de reembolsar o estado das quantias que elle tiver adiantado por virtude da garantia de juro e amortisação de que tratam as condições antecedentes, podendo usar d'esse direito na epocha ou epochas que julgar conveniente.
Art. 31.° O governo publicará os regulamentos e usara dos meios apropriados para verificar as receitas e despezas da exploração, sendo a empreza obrigada a franquear-lhe toda a sua escripturação e correspondencia.
Art. 32.° Concede mais o governo a mesma empreza a faculdade de construir todos os ramaes que possam alimentar a circulação da linha ferrea a que se referem estas condições, precedendo o respectivo contrato especial com o governo, e sem que este pela dita construcção lhe pague subsidio algum, ou lhe garanta qualquer beneficio. Quando, porém, o governo julgar necessario construir algum d'esses ramaes e a empreza se não prestar a isso, o governo reserva-se muito expressamente o direito de os construir ou de contratar a sua construcção com qualquer empreza, nos termos que lhe aprouver.
Art. 33.° Quando o governo fizer novas concessões de caminhos de ferro no districto atravessado pela linha que faz objecto d'este contrato, ou esses caminhos sejam parallelos á mesma linha, ou a atravessem, ou n'ella venham a entroncar, ou sejam prolongamento d'ella, a empreza não póde, por pretexto algum, impedir os trabalhos precisos para o estabelecimento das mesmas linhas, nem tem direito a qualquer indemnisação, assim como não será obrigada a fazer qualquer despeza por causa d'essas concessões e das obras a que derem logar na sua linha.
Art. 34.° Quando o governo venha a ordenar a construcção de uma estrada, canal ou via ferrea que atravesse a linha concedida, deverá tomar todas as medidas necessarias para que não resulte impedimento ou obstaculo á circulação d'esta, nem o minimo augmento de despeza para a empreza.
Art. 35.° A abertura de qualquer das vias de communicação, de que tratam os dois precedentes artigos, nas condições ali exaradas, não poderá auctorisar reclamação alguma por parte da empreza.
Art. 36.° As emprezas concessionarias de quaesquer caminhos de ferro, que venham a entroncar com a linha que faz o objecto d'este contrato, terão a faculdade de fazer circular n'ella as suas carruagens, wagons e machinas, sujeitando-se aos respectivos regulamentos de policia e serviço, e pagando pelas pessoas e mercadorias uma portagem que, no caso de não haver accordo entre as emprezas, será regulada segundo a relação entre a portagem e o transporte estabelecido nas tarifas dos mais recentes cadernos de condições em França.
Esta faculdade será reciproca para todas as linhas.
No caso em que as diversas emprezas não possam accordar-se sobre o exercicio d'esta faculdade, o governo decidirá a questão.
Art. 37.° Concede mais o governo á mesma empreza a isenção de qualquer contribuição geral ou municipal nos primeiros vinte annos depois do começo das obras; comtudo n'esta disposição não é incluido o direito de transito lançado sobre os preços de conducção dos passageiros e mercadorias, que estão marcados nas tarifas, o qual todavia não excederá nunca a 5 por cento sobre aquelles preços. Nenhuma contribuição especial será lançada sobre a linha ferrea durante a concessão.
Art. 38.° O governo concede mais á empreza, durante o praso de cinco annos, contados da data do contrato definitivo, isenção do pagamento de direitos de importação para os materiaes destinados a construcção e exploração, que, como taes, são especificados nos mappas que fazem parte d'este contrato, e nas quantidades que n'elles se indicam.
§ unico. A empreza conformar-se-ha com os regulamentos fiscaes que forem necessarios para prevenir o abuso d'esta concessão.
Art. 39.° Concede mais o governo á empreza gratuitamente os terrenos que possuir e forem necessarios para a construcção e exploração da linha.
Art. 40.° Quaesquer expropriações que a empreza houver de fazer para as obras do caminho de ferro serão reguladas amigavelmente, ou pelas leis respectivas, tanto geraes como especiaes, dos caminhos de ferro, devendo intervir o ministerio publico, para auxiliar a empreza em nome do interesse geral, nos termos das leis em vigor, ou d'aquellas que venham a promulgar-se, para facilitar estas expropriações.
Art. 41.° Concede, emfim, o governo a mesma empreza a faculdade de desviar correntes, e alterar a direcção de caminhos, uma vez que a construcção da linha ferrea assim o exija, devendo em todos os casos regular-se pelas leis sobre expropriações por utilidade publica, que lhe deverão ser applicadas, e sujeitar-se a previa approvação do governo.

CAPITULO III
Condições relativas a exploração

Art. 42.° Emquanto durar a garantia de juro o governo decretara as tarifas de passageiros, gados e mercadorias.
Art. 43.° Logo que o governo estiver embolsado das quantias que tiver adiantado em virtude da garantia de juro e amortisação e dos juros correspondentes a essas quantias, serão as tarifas estabelecidas por accordo entre o governo e a empreza, em harmonia com as que vigorarem em outras linhas portuguezas que lhes sejam comparaveis, e consecutivamente de cinco em cinco annos proceder-se-ha á revisão das mesmas tarifas.
§ 1.° Na falta de accordo entre o governo e a empreza, ácerca das modificações a introduzir nas tarifas, adoptar-se-hão, como maximos, os pregos das tarifas das linhas ferreas exploradas pelo estado, e, não as havendo, a media das tarifas das linhas portuguezas exploradas por companhias.

Página 1863

SESSÃO DE 30 DE MAIO DE 1885 1863

§ 2.° Qualquer modificação, que em qualquer tempo se faça, será annunciada com um mez de antecedencia.
Art. 44.° São prohibidos os contratos particulares destinados a reduzir os preços das tarifas. Exceptuam-se d'esta disposição os transportes que digam respeito ao serviço do estado, e as concessões feitas a indigentes.
Art. 45.° Nenhuma alteração de tarifas, de horarios ou de condições de serviços poderá ser annunciada ao publico pela imprensa, nas estações ou de qualquer fórma, antes de obtida a approvação do governo.
Art. 46.° As despezas accessorias não incluidas nas tarifas, taes como as de deposito, armazenagem e outras, serão fixadas pela empreza com a approvação do governo.
Art. 47.° A recepção das taxas terá logar por kilometros; assim 1 kilometro encetado será pago como se fosse percorrido. Exceptua-se d'esta regra toda a distancia percorrida menor de 6 kilometros, a qual será paga por 6 kilometros inteiros.
O peso da tonelada e de 1:000 kilogrammas.
As fracções de peso não serão contadas senão por centesimos de tonelada; assim todo o peso comprehendido entre 0 e 10 kilogrammas pagará como 10 kilogrammas, entre 10 e 20 pagará como 20 kilogrammas, e assim successivamente.
Art. 48.° O transporte de objectos perigosos, ou de massas indivisiveis de peso superior a 5:000 kilogrammas, não será obrigatorio para a empreza. As condições d'este transporte poderão regular-se amigavelmente entre ella e os expedidores.
Feito, porem, accordo com um, não se poderá negar a fazel-o nos mesmos termos durante tres mezes, pelo menos, com todos os que lhe fizerem igual pedido.
§ 1.° Todo o transporte que necessitar, pelas suas dimensões, o emprego de um ou mais wagons, pagará pela carga inteira do wagon ou dos wagons que empregar, qualquer que seja o peso a transportar.
§ 2.° As mercadorias, que a pedido dos expedidores forem transportadas com a velocidade de viajantes, pagarão na rasão do dobro do preço ordinario.
§ 3.° Os cavallos e mais gado tambem pagarão, no mesmo caso, o dobro do preço das respectivas tarifas.
Art. 49.° As mercadorias, volumes, animaes e outros objectos não designados nas tarifas, serão classificados, para o effeito de pagamento dos direitos de transporte, nas classes com as quaes tiverem maior analogia. Esta classificação será feita pela empreza, de accordo com os fiscaes do governo, com recurso para o ministerio das obras publicas.
Art. 50.° Todos os objectos (excepto os preciosos especificados na tarifa), que pesarem menos de 10 kilogrammas, serão considerados como objecto de recovagem.
Art. 51.° Todo o viajante, cuja bagagem não pesar mais de 30 kilogrammas, não terá a pagar pelo transporte d'esta bagagem augmento algum do preço alem d'aquelle que dever pelo seu legar.
Art. 52.° Os militares e marinheiros em serviço, viajando em corpo ou isoladamente, pagarão apenas por si e suas bagagens metade dos preços estipulados nas tarifas respectivas.
Art. 53.º Os empregados do governo, que forem incumbidos da fiscalisação do caminho de ferro ou da cobrança de contribuição lançada sobre os preços de transporte ou da fiscalisação sanitaria, deverão transitar n'ella sem pagar quantia alguma.
Art. 54.° A empreza será obrigada a pôr á disposição do governo, por metade dos preços das tarifas geraes, todos os meios de transporte estabelecidos para a exploração do caminho do ferro, quando elle precisar dirigir tropas ou material do guerra sobre qualquer ponto servido pela linha ferrea.
Art. 55.° A empreza será obrigada a prestar gratuitamente os seguintes serviços:
1.° Transporte em qualquer comboio que a direcção geral dos correios, telegraphos e pharoes designar, das ambulancias postaes, e dos empregados que manipularem as correspondencias;
2.° Concessão, nos comboios era que não haja ambulancias postaes, de dois compartimentos de carruagem de 2.ª classe, para transporte das malas de correspondencia publica e dos seus conductores;
3.° Transporte do material dos correios, telegraphos e pharoes;
4.° Limpeza externa das ambulancias postaes;
5.° Transporte de empregados da direcção geral, em serviço de inspecção e fiscalisação de correios, telegraphos e pharoes;
6.° Licença para collocação das linhas telegraphicas do governo nos postos ou apoios das linhas telegraphicas da via ferrea.
Art. 56.° O numero de viagens por dia será fixado pela empreza, de accordo com o governo, segundo as necessidades da circulação.
O maximo e minimo da velocidade dos comboios ordinarios de viajantes e mercadorias, e dos comboios extraordinarios, bem como a duração do transito complete, serão sujeitos ás regras de policia, para segurança publica, que o governo tem direito de estabelecer, ouvida a empreza.
Art. 57.° Todo o comboio ordinario de viajantes deverá conter, salvo os casos imprevistos de extraordinaria concorrencia, carruagens de todas as classes em quantidade sufficiente para as pessoas que se apresentarem a tomar logar.
Art. 58.° O uso do telegrapho electrico será gratuitamente permittido ao governo para os despachos officiaes, e aos particulares mediante os preços de uma tabella estabelecida pela empreza de accordo com o governo.

CAPITULO IV

Condições relativas ao deposito, prasos para os estudos e construcção, penas convencionaes, legislação applicavel e outras estipulações

Art. 59.° O deposito provisorio de 30:000$000 réis, effectuado pela empreza á ordem do governo na caixa geral de depositos, servirá de caução a este contrato provisorio, o qual fica dependente da approvação do poder legislativo.
Art. 60.° Obtida a approvação do poder legislativo, e dentro de quinze dias; contados da publicação da respectiva lei no Diario do governo, lavrar-se-ha o contrato definitivo, devendo o deposito ter sido previamente elevado a 60:000$000 réis em dinheiro, ou em titulos de divida publica portugueza segundo o seu valor no mercado, o qual deposito ficara a ordem do governo, servindo de caução ao contrato definitivo.
Art. 61.° Se no praso fixado no artigo antecedente a empreza não assignar o contrato definitivo, ou não elevar o seu deposito a 60:000$000 réis, perderá para o estado a caução já depositada.
Art. 62.° O deposito definitivo de 60:000$000 réis, que a empreza perfizer para servir de caução ao contrato definitivo, só poderá ser levantado quando a empreza tenha feito obras no valor equivalente ao dobro do seu deposito, passando essas obras a servir de caução.
§ único. A empreza, se effectuar o deposito definitivo em titulos de divida publica, terá direito a receber os juros d'esses titulos; se o effectuar em dinheiro, ser-lhe-ha abonado o juro de 5 por cento ao anno.

Art. 63.º Os estudos e trabalhos do traçado e das obras de arte serão feitos pela empreza e submettidos á approvação do governo no praso de um anno, a contar da data do contrato definitivo.
§ único. Os projectos das obras não serão approvados sem que sobre elles seja ouvido previamente o ministerio da guerra.

Página 1864

1864 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Art. 64.° A construcção do ramal de Vizeu começará dentro do praso de sessenta dias, a contar da data da approvação do projecto pelo governo, devendo estar concluidas todas as obras e a linha ferrea em estado de circulação com todo o seu material fixo e circulante e dependencias dentro do praso de dois annos, a contar da mesma data.
Art. 65.° Se a empreza não apresentar os estudos ou não começar os trabalhos nos prasos fixados, perderá o deposito effectuado.
§ unico. Se, tendo a empreza apresentado os projectos, o governo entender que elles devam ser absolutamente rejeitados ou modificados em parte, dará conhecimento á empreza da sua deliberação, e lhe fixará, ouvida a junta consultiva de obras publicas e minas, novo praso, dentro do qual ella deva corrigir os estudos nos termos ordenados. Se dentro d'esse novo praso não forem apresentados os estudos corrigidos nos termos determinados, a empreza soffrerá a pena imposta n'este artigo, e será obrigada a executar o projecto que o governo mandar elaborar pelos seus engenheiros.
Art. 66.° Se dentro do praso fixado para a conclusão das obras ellas não estiverem terminadas, e a linha ferrea respectiva em estado de exploração, pagará a empreza por cada mez de demora uma multa, que será fixada pelo governo, ouvido o engenheiro encarregado da fiscalisação dos trabalhos e a junta consultiva de obras publicas e minas, e que não excederá a 2:000$000 réis.
Art. 67.° Se a empreza, tendo perdido o deposito (artigo 65.º) não o renovar e restabelecer no praso fixado pelo governo, se não pagar as multas em que incorrer e lhe forem impostas (artigo 66.º), se não cumprir as outras clausulas estipuladas no contrato, eu se se recusar a obedecer á decisão dos arbitros, nos casos da sua intervenção, terá o governo, por sua auctoridade, direito de declarar rescindido o contrato.
§ 1.º N'este caso a construcção do caminho com todas as obras feitas e material fornecido, depois de competentemente avaliada, será posta em hasta publica por espaço de seis mezes, com as mesmas condições, e arrematada á empreza que maior lanço offerecer. O preço da arrematação será entregue á empreza, Segunda outorgante, depois de deduzidas as despezas que o governo tiver feito como pagamento da garantia de juro e fiscalisação.
Só dentro d'estes seis mezes não houver quem arremate, serão as obras e material fornecido adjudicados ao estado, sem indemnisação alguma, e o contrato rescindido para todos os effeitos juridicos.
§ 2.º A rescisão do contrato será feita por meio de decreto.
§ 3.º Do decreto de rescisão poderá a empreza recorrer para o tribunal arbitral, no improrogavel praso de um mez, a contar do dia em que for publicado na folha official.
§ 4.º O governo muito expressamente declara que, no caso de rescisão, não fica obrigado a indemnisar a empreza, qualquer que seja o fundamento, rasão ou pretexto alegando para justificar a indemnisação.
§ 5.º Igualmente declara o governo que se não responsabilisa por quaesquer dividas da empreza, qualquer que seja o modo e titulo por que ellas forem contrahidas, nem garante nem canciona contratos de empreitadas geraes ou parciaes ou outros que a empreza faça.
§ 6.º Fica bem entendido, e é expressamente estipulado, que o governo portuguez não só em rasão do dominio sobre a linha ferrea, mas como credor da conservação e exploração da mesma linha, tem preferencia sobre todos os credores da empreza, qualquer que seja a origem das suas dividas, obrigando-se a empreza em todos os contratos que fizer, relativamente á linha ferrea, a resalvar os direitos do estado.
Art. 68.° Exceptuam-se das disposições dos artigos precedentes os casos de força maior devidamente comprovados.
Art. 69.° Se a empreza não conservar, durante todo o praso da concessão, a linha ferrea e suas dependencias, assim como todo o material fixo e circulante, em perfeito estado de serviço, fazendo sempre para este fim á sua custa todas as reparações que forem necessarias, assim ordinarias como extraordinarias, conforme as disposições do artigo 24.°, ou se for remissa em satisfazer as requisições que para esse fim lhe forem feitas pelo governo, poderá este mandar proceder ás necessarias reparações por sua propria auctoridade, e n'este caso tem direito de apropriar-se de todas as receitas da empreza, até completar a importancia das despezas feitas, augmentadas de um quinto a titulo de multa.
Art. 70.º No caso do interrupção total ou parcial da exploração do caminho de ferro, o governo proverá por sua propria auctoridade, provisoriamente, para que a dita exploração continue por conta da empreza, e intimal-a-ha logo para ella se habilitar a cumprir com a sua obrigação respectiva.
§ l.º Se tres mezes depois de intimada na fórma d'este artigo a empreza não provar que esta habilitada para continuar com a exploração da linha ferrea nos termos do contrato, incorrera por esse mesmo facto, depois da declaração do governo, na pena, da sua rescisão, e perderá o direito a todas as concessões que por elle lhe são feitas, e o governo entrará immediatamente na posse do caminho de ferro e de todas as suas dependencias sem indemnisação alguma.
§ 2.° Ficam salvos das disposições d'este artigo os casos de força maior devidamente comprovados.
Art. 71.° Quando o governo tomar conta do caminho de ferro, finda a concessão, terá direito de se pagar de quaesquer despezas que sejam necessarias para o pôr em bom estado de serviço pelo valor do material circulante, carvão e mais provimentos, os quaes objectos ficarão servindo, nos ultimos cinco annos, de hypotheca especial a esta obrigação.
Art. 72.° A execução de todas as obras do caminho de ferro concedido por este contrato, o fornecimento, collocação e emprego do seu material fixo e circulante, ficam sujeitos á fiscalisação dos engenheiros que o governo nomear para esse fim.
Art. 73.° Nem o caminho do ferro na sua totalidade, nem qualquer das suas secções, será aberto ao transito publico emquanto a empreza não tiver obtido a approvação do governo, que para esse fim mandará examinar miuda e attentamente, por pessoas competentes, todas as obras feitas e material fixo e circulante.
§ unico. Os engenheiros, que forem incumbidos d'este exame, procederão a elle com o maior cuidado e circumspecção, e lavrarão um auto em que dêem relação minuciosa e exacta de tudo quanto encontrarem com respeito a segurança da via ferrea, interpondo por fim o seu juizo, sobre se sim ou não tal linha ferrea deve ser aberta á exploração. Este auto será submettido a sancção do governo para o habilitar a resolver.
Art. 74.° O governo terá o direito de fiscalisar, por meio dos seus agentes, a exploração da linha ferrea durante todo o tempo da concessão.
Art. 75.° A empreza fica sujeita:
1.° Aos regulamentos actuaes e aos que o governo publicar para o serviço telegrapho-postal;
2.° Ás leis e regulamentos sanitarios em vigor, tanto no que respeita á execução e conservação das obras, como ao estado das officinas, estações e dependencias da linha ferrea.
Art. 76.° A empreza será considerada portugueza para todos os effeitos.
Art. 77.º As contestações que se suscitarem entre a empreza e o estado serão decididas por arbitros, dos quaes dois serão nomeados pelo governo o dois pela empreza.
No caso de empate sobre o objecto em questão será um

Página 1865

SESSÃO DE 30 DE MAIO DE 1885 1865

quinto arbitro nomeado a aprazimento de ambas as partes.
Faltando accordo para esta nomeação, o quinto arbitro será nomeado pelo supremo tribunal de justiça.
§ 1.° No processo arbitral serão observados os preceitos decretados pelo governo em virtude da auctorisação legislativa que lhe foi conferida.
§ 2.° Serão exclusiva e definitivamenta resolvidas pelo governo todas as questões que se referirem a approvação, modificação e execução dos projectos, segundo os quaes a empreza tem obrigação de construir a linha ferrea indicada nestas condições.
Art. 78.° Ficam sujeitos a approvação do governo os estatutos da empreza sem embargo da lei de 22 de junho de 1867.
Art. 79.° A empreza depositará á ordem do governo os productos liquidos das obrigações que emittir; os slides depositados serão restituidos á mesma empreza na proporção dos trabalhos executados, e vencerão o juro de 5 por cento ao anno, em conta corrente.
Art. 80.° O governo fará nos regulamentos de policia dos caminhos de ferro, as alterações que julgar convenientes, ouvida a empreza.
A empreza é auctorisada a fazer os regulamentos para os serviços de exploração, submettendo-os a approvação do governo.
Estes regulamentos são obrigatorios para a empreza, e em geral para todas as pessoas que fizerem uso do mesmo caminho
Art. 81.° A empreza poderá trespassar, com previa auctorisação do governo, os direitos adquiridos e as obrigações contrahidas por este contrato, a qualquer outra empreza, sociedade ou individuo particular; mas o trespasse não poderá fazer-se á companhia ou sociedade, em cujos estatutos se não inclua expressamente a clausula de ser composta de cidadãos portuguezes, domiciliados em Portugal, a maioria da sua direccção ou conselho de administração.

Mappas a que se refere o artigo 38.° deste contrato

N.° 1

Instrumentos topographicos

[Ver tabela na imagem]

N.º 2

Material para construcção

[Ver tabela na imagem]

N.° 3

Material para estações

[Ver tabela na imagem]

N.º 4

Material para via e pontos

[Ver tabela na imagem]

N.º 5

Telegraphos

Página 1866

1866 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

N.° 6

Carvão

[Ver tabela na imagem]

E com as condições acima exaradas deram os outorgantes por feito e concluido o presente termo de contrato, ao qual assistiram como testemunhas presentes o segundo official da repartição central deste ministerio, Francisco José Guedes Vilhegas de Quinhones, e o anmnuense da mesma repartição, Luiz Antonio Namorado.
E eu, Viriato Luiz Nogueira, secretario do ministerio das obras publicas, commercio e industria, em firmeza de tudo, e para constar onde convier, fiz escrever, rubriquei e vou subscrever o presente termo de contrato que vão assignar commigo os outorgantes e mais pessoas já nomeadas, depois de lhe ter sido por mim lido. = Antonio Augusto de Aguiar = Conde da Foz = Visconde de Madeira = F. P. Palha = H. J. Moser. - Fui presente, João Baptista da Silva Ferrão de Carvalho Mártens = Francisco José Guedes Vilhegas de Quinhones = Luiz Antonio Namorado = Vitiato Luiz Nogueira.
Acham-se devidamente inutilisadas por esta ultima assignatura duas estampilhas do imposto do sêllo no valor total de 2800 réis.
Approvado.

O sr. Presidente: - Vae ler-se o projecto n.º 63, que ficou pendente de votação na sessão de 22 do corrente por não haver vencimento.
Leu-se.
Approvado.
O sr. Simões Ferreira: - Para que não haja a menor duvida sobre a validade da votação, peço a v. exa. a observancia do artigo 162.° do regimento d'esta camara que determina que nenhuma proposta ou projecto pode ser approvado por esta camara sem que se levante a quarta parte do numero legal dos deputados marcado na lei eleitoral, e para isso peço a v. exa. que mande contar o numero dos deputados que approvaram e o dos que rejeitaram.
O sr. Secretario (Mouta e Vasconcellos): - Posso affiançar ao illustre deputado que no acto da votação estava de pé mais da quarta parte dos deputados eleitos.
O sr. Presidente: - Vae passar-se á discussão do projecto n.º 38, que ficou pendente, e continua com a palavra o sr. Elvino de Brito.
Devo observar que a discussão d'este projecto é sem prejuizo da ordem do dia.
O sr. Elvino de Brito: - Declarou que não combatia a importancia do porto artificial do Funchal.
Sente que o governo procedesse n'este assumpto com tanta precipitação e ferindo os preceitos da lei da contabilidade publica.
Dispõe ella que se não emprehenda melhoramento algum, sem que previamente se crie a receita correspondente.
O governo o anno passado ainda tivera um plano financeiro, e andou bem submettendo-o ao exame do parlamnento.
Não procedeu por igual forma na presente sessão. Não só atacou a lei, como foi incoherente.
O orador lastima que se não cumpra a lei da contabilidade publica, que tantos preceitos salutares contem.
É certo que o governo inscrevera no orçamento de 1884-1885 a verba de 30:000$000 réis para occorrer aos encargos das obras que se projectam emprehender; mas tambem é certo que essa verba por si não chegará para o custeamento do porto do Funchal, que devera concluir-se em quatro annos.
O anno passado o governo vinha á camara e pedia auctorisação para despender n'aquellas obras até á quantia de 450:000$000 réis, e declarava que os 30:000$000 réis seriam applicados aos encargos provenientes do capital que fosse precise levantar para a execução das mesmas obras, emittindo obrigações do typo de 5 por cento amortisaveis em cincoenta annos, e não podendo o encargo annual, que d'esta operação resultasse para o thesouro, exceder a 6 1/2 por cento sobre o capital realisado, comprehendendo juro e amortisação.
Ao mesmo tempo propunha remodelar as taxas e direitos a que ficariam sujeitas as embarcações que dessem entrada no porto do Funchal.
Era um plano financeiro, um pensamento que elle francamente submettia á apreciação do parlamento.
Poderia não ser bom; mas o governo apresentando o cumpriu o seu dever e respeitou a lei.
Nada disto faz este anno.
Julgou-se armado de uma faculdade, que o anno passado confessava não ter, porque apresentou um pedido de auctorisação, e fez, sem auctorisação do parlamento, um contrata de empreitada, sem pensar na maneira de solver os compromissos que tomou.
A proposta do governo não foi convertida em lei o anno passado; mas o governo precede como se ella o houvesse sido!
Isto é irregular e illegal, e offensivo das prerogatives parlamentares, que elle, orador, deseja reivindicar.
Pergunta se o governo está resolvido a levantar um emprestimo para o pagamento a que o obriga o contrato em discussão; e ao mesmo tempo se deseja submetter ao parlamento a remodelação dos direitos a que são sujeitas as embarcações que demandam o porto do Funchal.
Vae concluir, porque não deseja embaraçar o andamento de um projecto, que encerra um melhoramento importante para a Madeira.
Elle e os seus correligionarios não desconhecem a necessidade de acudir á crise que opprime aquella ilha.
N'esta parte associam-se aos illustres deputados madeirenses:
Só desejam que, conjunctamente, se respeite a lei e se acatem as prerogativas parlamentares.
(O discurso do sr. deputado será publicado na Integra quando s. exa. devolver as notas tachygraphicas.)
O sr. Ministro da Fazenda (Hintze Ribeiro): - Darei uma resposta muito breve ao illustre deputado.
Ha dois pontos sobre que s. exa. chamou a minha attenção, como membro do governo, e representando-o agora n'esta discussão.
O primeiro era se o governo estava ou não auctorisado para abrir concurso.
Respondo ao illustre deputado que estava.
É verdade que o governo apresentou o anno passado uma proposta de lei. N'essa proposta o governo pediu auctorisação para abrir concurso, mas era um concurso para fazer uma adjudicação definitiva, adjudicação que elle não podia fazer sem lei que o auctorisasse.
Actualmente o que esta na tela do debate é o contrario provisorio para a construcção definitiva de uma pequena doca de abrigo, ou porto artificial de area restricta, na enseada do Funchal.
Nos termos do regulamento da contabilidade publica, o governo tinha faculdade de abrir concurso para a adjudicação provisoria, e foi dessa faculdade que o governo se

Página 1867

SESSÃO DE 30 DE MAIO DE 1885 1867

aproveitou, abrindo concurso para a referida adjudicação provisoria, que ficou dependente da approvação das cortes para realisar o contrato definitivo.
A lei não passou, e por isso o governo não pode fazer esse contrato; mas quanto ao concurso para o contrato provisorio podia fazel-o nos termos do regulamento de contabilidade, e foi isso o que fez.
Para que este contrato se possa tornar definitivo, é necessario que o parlamento lhe dê a sua approvação. É essa approvação que o governo pede.
(Interrupção do sr. Elvino de Brito.)
Peço perdão; era esse o segundo ponto a que eu ia responder.
Já estava consignada na lei de receita e despeza a verba de 30:000$000 réis para fazer face ao encargo proveniente da operação financeira, pela qual o governo ficara habilitado a levar a effeito a construcção d'aquella obra.
O governo tinha, pois, na lei de receita e despeza uma base que o animava a abrir concurso.
Em primeiro logar o governo estava escudado com a lei de receita e despeza que o auctorisava a despender réis 30:000;$000, para com essa verba fazer face, como já disse, ao encargo proveniente da operação que tiver de realisar para levar a effeito esse melhoramento; e em segundo logar está tambem escudado no regulamento de contabilidade para abrir o concurso provisorio, como effectivamente abriu.
Com relação á operação financeira, o governo, de accordo com o parlamento, poderá determinar os meios que forem mais apropriados para satisfazer as despezas com a realisação d'aquella obra, cujo encargo não exceda a réis 30:000$000, encargo que já está previsto no orçamento.
Se o governo levantar algum emprestimo especial, com esta verba de 30:000$000 réis poderá satisfazer o encargo da operação que fizer, e se não entender conveniente fazer uma operação especial, nesse caso descreve-se na tabella das despezas annuaes extraordinarias a verba necessaria para fazer face a essas despezas, que realisa na conformidade da lei que for votada pelo parlamento.
(Interrupção do sr. Elvino de Brito.)
Peço perdão, o regulamento da contabilidade não exige que antes de se abrir concurso para a adjudicação provisoria de qualquer obra, a despeza já esteja auctorisada por lei. E tanto assim é que, desde o momento em que o contrato provisorio fica dependente da approvação das cortes, ás camaras fica o plenissimo direito de applicar ou não a receita que ha de fazer face a esse encargo, e, por consequencia a conveniencia ou não conveniencia da adjudicação.
Parece-me ter respondido a s. exa. Em primeiro logar, mostrando que estava auctorisado a abrir concurso; em segundo logar, mostrando que o governo não excedeu o encargo dos 30:000$000 réis que já estava proposto na lei de receita e despeza. Emquanto a operação financeira p6de realisal-a, se julgar mais conveniente, por uma operação official, ou, se o não julgar conveniente, inscreve as despezas na tabella da despeza extraordinaria, e desde que a tabella seja approvada por lei, essa verba será o sufiiciente para que o porto artificial do Funchal, cuja conveniencia o illustre deputado reconhece, se possa realisar com grande beneficio para aquelle povo, e terminando-se ao mesmo tempo com a grande vergonha de não haver n'aquella ilha um caes onde possa atracar um barco.
Tenho dito.
(S. exa. não revê as notas tachygraphicas.)
O sr. Avellar Machado: - O sr. Elvino de Brito não atacou o projecto no que em si diz respeito a conveniencia da obra projectada, e por isso nada tenho a dizer a esse respeito; e emquanto á parte em que s. exa. julgou menos corrente o procedimento do governo, abrindo concurso provisorio, para ser submettido á approvação do parlamento, o sr. ministro da fazenda já respondeu satisfactoriamente.
Limito-me, por conseguinte, a mandar para a mesa, por parte da commissão, uma emenda, que e simplicissima, e que diz respeito a um erro de imprensa.
Foi admittida á discussão.
Não havendo mais ninguem inscripto, foi approvada a emenda e em seguida o projecto.
A emenda é a seguinte:
"Por parte da commissão de obras publicas, proponho que no artigo 9.° do contrato provisorio, onde se diz: "O "cimento de Portland poderá ser, etc., se diga: "O cimento de Portland deverá, etc.", na conformidade do original do contrato provisorio e das bases do concurso. = Avellar Machado.
O sr. Elvino de Brito: - Desejo que fique consignado que eu votei a favor do projecto, e mando um requerimento para a mesa nesse sentido.
É o seguinte

Requerimento

Requeiro que se consigne na acta que approvei o projecto de lei n.º 38. = Elviro de Brito.
Para a acta.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do projecto de lei n.º 48 (tratado de commercio entre Portugal e a Hespanha)
O sr. Presidente: - Continua com a palavra, que Ihe ficou reservada, o sr. Frederico Laranjo.
O sr. Laranjo, continuando a fazer uso da palavra que Ihe ficara reservada da sessão antecedente, respondeu ainda a alguns dos argumentos apresentados pelo sr. relator, dizendo que o tratado não offerecia a Portugal as mesmas vantagens que se concediam a Hespanha.
Parecia-lhe ainda que tinha havido alguma incuria no modo como o negociador portuguez dirigira as negociações.
Não se queixava de que a Hespanha tivesse lucros no contrato; o que desejava era que esses lucros fossem proporcionaes aos que nos obtivemos.
(O discurso do sr. deputado será publicado na integra quando s. exa. restituir.)
O sr. Ministro da Negocios Estrangeiros (Barboza du Bocage): - Vou entrar neste debate, com muita sobriedade de argumentos e muita serenidade de espirito.
Parece-me que nada se aproveita em trazermos para este debate questões partidarias.
Convem examinar com attenção, estudar as factos- e empregar sómente os argumentos que a consciencia nos suggeriu, em relação a elles.
O processo para apreciar convenientemente se o tratado de commercio com a Hespanha e ou não favoravel aos interesses do paiz, o processo mais simples e que mais facilmente pode levar a convicção ao animo de quem deseja chegar a uma apreciação segura, e comparar a situação commercial do nosso paiz na actualidade, e a situação em que elle ficará em virtude do tratado.
Para o fazer não temos de percorrer um a um todos os artigos de importação e exportação quer de Portugal quer de Hespanha.
Basta que estudemos os artigos que são de maior importancia, já da exportação já da importação de um e outro paiz.
Como na sessão passada e na sessão de hoje muito bem descriminou o illustre deputado o sr. Laranjo, ha um certo numero de artigos que se podem considerar como mais importantes, e a esses e que me vou referir na minha analyse.
Os artigos a que me refiro, são: o gado, o azeite, o pescado e porventura as lãs.
Ora, sr. presidente, qual e a situação actual em que nos achamos para com a Hespanha a respeito do tratado do commercio?

Página 1868

1868 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

A situação actual é que nós offerecemos á Hespanha a nova pauta, e a Hespanha nos dá em troca os beneficios da sua pauta convencional, e a reducção nos direitos de importação do peixe salgado, fumado, de escabeche e nos mariscos.
Observou o illustre deputado de uma maneira geral e com verdade, as vantagens que o nosso commercio auferia do beneficio que a Hespanha nos concede na sua pauta; mas não me parece que os argumentos apresentados por s. exa. com relação a alguns artigos sejam tao concluden-tes como a s. exa. se Ihe atigura.

O illustre deputado recorreu aos documentos officiaes para saber qual a quantidade e valor de taes e taes artigos que exportamos para Hespanha e perguntou o que po-diamos esperar para que um artigo da ncssa industria, nas circumstancias favoraveis em que estaraos com relação a Hespanha seja para ali exportado com vantagcin, e obser-vou que as vantagens que hoje nos concede a pauta não collocam esses productos em condigoes favoraveis de serein transportados para Hespanha,

Eu entendo que o contrato se justifica com argumentos irrecusaveis, sem ser necessario recorrer a sophismas nem a subtilezas, considerando que desde jd auferimos a vanta-gem de serem os nossos productos recebiclos em Hespanha nas condigoes em que o sao os productos similares das na-j5es mais favorecidas.

Agora eonsideremoa as outras vantagens que oiTerece-mos a Hespanha em virtude deste tratado.

As vantagens SAO as que se referem a diminuição de direitos na importação do azeite, a diminuição, ainda que m-signiilcante, nos direitos de importação por cabega de gado suino e gado vaccum, e nada mais temos a considerar coin relação a Hespanha, isto e, não temos a considerar vantagens dadas nem vantageus recebidas.

Emquanto a reducção de 700 a 500 réis por decalitro nos direitos do azeite, vou demonstrar que essa diminuição não muda as condições em que se acha o nosso commercio em relação a este genero, com respeito ao azeite importado para consumo do paiz, porque é só a esse azeite que se applicou o direito de 500 réis.
Eu tenho aqui tabellas officiaes de preços e de quantidades, sómente recorrerei a ellas quando for necessario, porque não quero cansar a attenção da camara; mas n'este ponto tenho necessidade de me referir a alguns algarismos.
Em primeiro ogar vou examinar se anteriormente a elevação direito sobre o azeite, que teve logar em 1882, o direito de 500 réis difficultou a introducção do azeite em Portugal.
Eu entendo que sim e vejo a demonstração disso nos algarismos da importação do azeite nos cinco annos anteriores a 1882, e que eu passo a ler a camara.
(Leu.
Esses direitos eram sufficientes para garantir a nossa producção, por isso que sómente se importava azeite em quantidade maior quando havia escassez desse genero no nosso paiz emquanto que no anno de 1878 apenas tinha entrado uma quantidade insignificante, e insignificante foi tambem o que importamos em 1881. Logo o azeite hespanhol só vinha supprir em algumas provincias, pelo menos nos maiores centros de consumo, a falta do azeite nacional.
Em 1882, por considerações que eu respeito, pensando-se que o direito mais elevado iria auxiliar a elevação do preço do azeite nacional nos mercados d'este genero no paiz, fez se com que o parlamento approvasse um projecto de lei elevando de 500 a 700 réis o direito de importação.
D'esta elevação não resultou, a meu ver nos primeiros annos, differença apreciavel na importação do genero, porque não houve decrescimento da producção; pelo contrario os annos de 1883 e 1884 foram annos de producção de azeite regulares, e talvez mesmo mais do que regulares.
Nenhuma rasão havia para se importar azeite em Portugal.
Ao mesmo tempo accentuou-se cada vez mais, e tem-se continuado a accentuar nos ultimos annos um decrescimento no prego do azeite quer nos mercados hespanhoes, quer nos mercados portuguezes.
A que rasões se deve attribuir essa depreciação no preço do genero?
Não concorre para ella como factor o que muitas vezes costuma ser um mal economico, o augmento consideravel, rapido e inesperado da producção; mas a circumstancia a que se referiu o illustre deputado em uma justa apreciação da successiva diminuição da procura desse producto para os differentes usos a que dantes era applicado, porque tem sido supprimido completamente em alguns desses usos e noutros tem havido uma diminuição muito consideravel no consumo.
Todos sabem tambem que o consumo do azeite tem ido successivamente diminuindo, por ter sido substituido numa applicação muito importante, que antes tinha. Refiro-me á illuminação. Hoje só em alguma povoação sertaneja se faz uso do azeite para a illuminação. Além disso, o estado adiantado da sciencia permitte que para certos fins se substitua o azeite por outros oleos, como é geralmente sabido, de modo que a applicação d'este oleo vae quasi limitando-se á alimentação, sobretudo das classes menos favorecidas da fortuna, porque as classes remediadas ou ricas preferem ordinariamente a manteiga.
Isto é um facto com que não póde luctar se, e d'este facto irresistivel, d'este facto que não póde combater-se, resulta que os productores de azeite têem visto o preço do seu genero diminuir successivamente.
O preço do azeite, tanto em Portugal como em Hespanha, tem baixado consideravelmente; hoje esse preço é relativamente diminuto, e com rasão de certo alguns productores d'este genero se queixam de que não tiram interesses, porque nem por esse preço diminuto conseguem collocar a mercadoria.
O resultado é que a cultura da oliveira está sendo pouco attendida, porque está em condições menos favoraveis do que já esteve.
Tendo como um facto a diminuição do preço do azeite, tanto em Hespanha como em Portugal, diminuição que este anno é superior á do anno passado, anno em que ella já tinha sido superior á do anno anterior, eu vejo, pelos documentos officiaes que pude confrontar, que os preços do azeite nos mercados portuguezes e nos mercados hespanhoes eram approximadamente os mesmos, tanto no minimo como no maximo, e que portanto na media se representava por numeros, por assim dizer, equivalentes.
Sendo isto assim, como me parece irrecusavel, o direito de 500 réis em decalitro representa, no prego minimo do azeite hespanhol, quasi 60 por cento, e no seu preço maximo 40 por cento.
Ora, um direito que oscilla entre 40 por cento e 60 por cento, parece me sufficiente para proteger a producção portugueza.
Parece-me impossivel que em Hespanha se produza azeite que, onerado com 500 réis de direito em decalitro, possa vir competir com o azeite nacional.
(Áparte.)
Este é unicamente o preço da nacionalisação; este direito é o que nacionalisa o producto, e o que o vem collocar em circumstancias perfeitamente identicas ás do producto do paiz.
Mas aqui vem prender-se um assumpto em que eu não posso deixar de tocar.
É o do transito do azeite hespanhol.
O azeite hespanhol, admittido por transito em Portugal, pode ser exportado para terceiro paiz, onde vae sem duvida fazer concorrencia ao azeite de producção portuqueza.

Página 1869

SESSÃO DE 30 DE MAIO DE 1885 1869

Não combateu o illustre deputado, nem de certo podia combater, a liberdade de transito de mercadorias, porque e uma medida altamente economica e util para os interesses do paiz.
Mas s. exa. revolta-se contra certas facilidades que os governos de Portugal têem dado ao transito de diversas mercadorias hespanholas por Portugal, vantagens que incidem principalmente, em desvantagem do paiz, no transporte do azeite.
S. exa. referia-se especialmente a faculdade de poderem ser mudadas as taras do azeite nos pontos de exportação no nosso paiz.
Esta concessão data do ultimo ministerio progressista.
Esta concessão foi feita pelo sr. Anselmo Braamcamp, e eu não digo isto como censura; antes louvando que assim se fizesse, e cito o auctor da concessão, porque, em circumstancias analogas, declare solemnemente que não teria duvida de fazer o mesmo.
Entendo que conceder o transito só com relação a certas mercadorias e difficultal'o consideravelmente, é um subterfugio para contrariar o livre transito, e difficultar o transporte de productos estranhos dos nossos portos para terceiro paiz.
Com relação ao nosso paiz isto tem mais immediata applicação, porque como hontem foi exposto com toda a lucidez pelo sr. relator da commissão a tara empregada geralmente em Hespanha pode dizer-se que e o resultado das condições de viação em que está aquelle paiz.
Todos sabem que o odre e não só o meio de transporte mais economico, e o mais favoravel aos interesses de producção, mas é tambem o que os productores têem mais a mão, empregando recuas de animaes, nos pontos onde faltam as condições de viação accelerada.
Se se prohibisse a exportação do azeite da maneira por que agora se effectua com a mudança de tara, isto equivaleria a difficultar ou a prohibir a exportação do azeite para terceiro paiz por livre transito.
Por consequencia eu entendo que fez muito bem o sr. Anselmo Braamcamp quando decretou que o governo portuguez permittisse a mudança da tara. Isto consta de um despacho dirigido ao nosso ministro em Madrid, o sr. conde do Casal Ribeiro, em 12 de março de 1871, em que o ministro dos estrangeiros se exprimia da maneira seguinte:
(Leu.)
Desde então permittiu-se a mudança de tara, e permittida esta houve um correctivo para a fraude por isso que a marca é a designação da procedencia da mercadoria.
Isto esta consignado no artigo XIV.
Por consequencia, com relação ao azeite a minha opinião e que, pelo que respeita ao consumo, a producção de Hespanha está nas condições em que estava antes do tratado só entra no consumo de Portugal quando a escassez deste producto aqui assim o exigir.
Nas condições actuaes com os pregos que tem nos dois paizes, não e possivel importar azeite de Hespanha sujeitando-o ao direito de 500 reis.
Por consequencia, a concessao foi justa porque mantem o direito de 500 réis.
Agora consideremos os gados.
Em relação aos gados, nós fizemos tambem concessões.
Ahi ha uma concessão, mas uma concessão insignificante, sobre a qual o illustre deputado não se demorou muito.
Ha uma diminuição de direitos de importação por cabeça de gado suino, mas ha tambem a admissão livre de direitos para o gado vaccum.
Por conseguinte, ha no tratado a manutenção e a conservação do estado actual, nem mais, nem menos. Emfim, não póde considerar-se a concessão da diminuição de um vinte num direito, porque e uma cousa que quasi não nos prejudica.
O illustre deputado ha de convir que a importação que nos fazemos do gado suino magro para Portugal, significa a importação de uma materia prima que alimenta uma industria muito importante, como é a industria da engorda.
Isto significa que nos temos necessidade de importar aquella materia prima para a industria que d'ella vive.
A prova de que effectivamente nós importâmos gado suino em condições favoraveis para essa industria, e que aproveitamos com essa importação, está nos algarismos, no valor da importação e exportação. Resulta muito claramente do exame dos algarismos que tenho aqui, que supponho exactos e que se referem a cinco annos, que a importação de Hespanha foi de 28:000, 22:000, 14:000 e 11:000 cabeças de gado, e a exportação 7:000, 5:000 e 3:000, numeros redondos.
Em 1867, por exemplo, a importação de Hespanha foi 28:723 cabeças de gado, valendo 110:000$000 reis, e a exportação 7:660, no valor de 204:000$000 réis. E assira, confrontando este valor nos diversos annos, chegamos a conhecer que o valor medio do gado suino por cabeça anda por 3$800 réis, e o valor medio dos porcos exportados anda por 14$000 ou 15$000 réis.
D'aqui resulta que o gado volta para Hespanha, gordo, com muito valor valor, com um valor quasi quintuplicado.
Diz o illustre deputado: se a Hespanha diminuisse o direito ao gado suino que exportamos, resultaria uma vantagem. Resultaria, evidentemente; mas essa vantagem havia de ser necessariamente compensada por n6s com uma vantagem ou vantagens que concedessemos á Hespanha.
O illustre deputado não póde presumir que a Hespanha concedesse vantagens, sem pedir para si vantagens correlativas; e essas vantagens não e, na minha opinião, facil descobril-as: eu não ouvi ao illustre deputado, que tanto se esmerou no eatudo deste assumpto, fazer indicação alguma a este respeito. (Apoiados.)
S. exa. disse que era conveniente que o direito se diminuisse...
O sr. Laranjo: - Quanto a esse argumento, já respondi que era impossivel que a estatistica demonstrasse outra cousa; mas eu queria que, pelo menos como compensação, se diminuisse o direito estatistico do gado magro.
O Orador: - Permitta-me o illustre deputado, que lho diga, que não concordo com o seu raciocinio. Sendo o direito muito modico, parece me que devemos exportar gado gordo, porque cada unidade de peso representa um direito excessivamente modico; emquanto que se exportamos gado magro, vamos pagar por cada unidade de peso, um direito mais elevado.
Isto prova-se, se o illustre deputado quizer reflectir e concordar commigo.
Precisâmos de importar gado magro; temos melhores condições para engorda dessa especie de gado e aproveitamos essas condições agricolas; e se exportamos para Hespanha gado gordo, apesar do direito, ainda lá obtemos prego remunerador.
Desejo discutir esse ponto com toda a seriedade, e quando porventura erre em algum argumento, espero ser convencido para mudar completamente de opinião.
Tenho exercido toda a minha vida uma profissão, que me impoz o rigoroso dever de procurar sobretudo a verdade: (Apoiados.) sou professor de sciencias naturaes e a verdade tem sido o unico alvo que tive e tenho em vista.
E se o meu espirito, humildo como é, tem seguido sempre esse caminho, já é impossivel demovel-o. Não eei justificar o que não sinto; revolta-se a consciencia, o espirito vacilla, denuncio pela minha perturbação a convicção contraria de que estou possuido e sou um pessimo argumentador.
Não contesto que effectivamente a reducção do preço do imposto do gado não fosse vantajosa; não sei porém, se essa vantagem seria tão importante como a que resultasse da differença dos valores. Mas admittindo que seja

93 **

Página 1870

1870 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

vantagem sensivel o notavel, peço ao illustre deputado que considere o seguinte: era preciso que nos dessemos por compensação d'essa vantagem uma outra vantagem equivalente.
Cabe aqui considerar o illustre deputado o que notou na sessão de hontem, as grandes difficuldades em que estão os dois paizes, Hespanha e Portugal, para estabelecer um tratado de commercio que tenha por base este syste ma de compensações o de vantagens. Por emquanto, nas condições em que a Hespanha e Portugal negoceiam um tratado de commercio, é impossivel adoptar outra base para essas negociações. É precise receber e dar.
(Interrupção.)
Mas o illustre deputado não notou que isso está na nossa pauta. Era preciso partir d'ahi para uma negociação. O illustre deputado sabe perfeitamente que para uma negociação parte se do estado actual, assentam-se duas bases.
Nós tinhamos meio de recusar esse direito?
Haviamos de collocar-nos em hostilidade em relação a um paiz alterando o imposto a que estavamos acostumados?
O illustre deputado sabe que nestas negociações de tratados attende-se ás vantagens de commercio, e deve-se attender e sempre ás boas relações politicas dos dois paizes para que se não alterem de um dia para o outro prejudicando directamente o seu commercio.
Por conseguinte, fosse qual fosse o governo que estivesse á frente dos negocios publicos, havia de necessariamente partir do estado actual, e o estado actual que era de 110 réis por cabeça de gado, reduzimol o a 90 réis.
Quer o illustre deputado accusar-nos por isso?
Não podiamos fazer outra cousa.
Queria que elevassomos o preço?
O illustre deputado sabe muito melhor do que eu, porque pertence a uma provincia onde a engorda de gado suino é uma industria importante, que não ha um só agricultor do Alemtejo que não protestasse contra a elevação de direitos, porque vinha mais do que tudo ferir a sua industria.
Com relação ao gado suino não podiamos alcançar mais senão a custa de uma concessão de vantagens que importam para nos sem duvida alguma maior sacrificio, e o direito como esta importa um embaraço ou uma vantagem problematica.
Voltemos agora ao pescado.
No pescado podemos accentuar mais a uniformidade de direitos em condições, como o illustre deputado sabe, de podermos com vantagem nossa igualarmos a pauta portugueza com a pauta hespanhola.
Com respeito ao peixe, quer fresco, quer salgado ou de escabeche, esta diminuição de direitos dá-nos uma vantagem, como a que hontem o illustre deputado teve occasião de comprovar por algarismos.
A nossa exportação de pescado para Hespanha, já era até aqui importante, mas agora, depois de approvado este tratado e reduzido o direito pela forma porque o vae ser, muito mais importante se tornará; e de mais a mais se se attender ao preço baixo d'este producto.
(Leu.)
Ora uma reducção para a sardinha, que é o principal alimento das classes pobres, significa sem duvida alguma vantagem para o nosso paiz, porque deve augmentar consideravelmente a exportação.
E aqui vem a proposito chamar a attenção da camara para outra disposição consignada no artigo 23.°, que prende inteiramente com esta.
Diz o artigo 23.°:
(Leu.}
Quer, dizer, ha a suppressão do exercicio da pesca; cada paiz pescará nas suas aguas territoriaes e daqui resultara que as nossas pescarias mais importantes, as do Algarve, ficarão sómente em campo, tendo um largo mercado em toda a Hespanha.
Ha ainda a considerar as lãs.
As lãs já estavam livres e livres as conserva o tratado, o que me parece de grande vantagem para o paiz, onde ellas vem servir de alimento a uma das nossas industrias ranis importantes.
Não vejo portanto no tratado se não a concessão a Hespanha para o azeite importado para consumo, e numa tão pequena parcella, que quasi nada altera as condições do nosso commercio, emquanto que em relação ao peixe, acho que o nosso paiz leva uma enorme vantagem, pela facilidade que tem agora a sua exportação para aquelle paiz.
Examinados estes traços principaes que imprimem physionomia ao tratado, parece-me que não poderá haver discordancia em affirmar que o tratado celebrado com a Hespanha e summamente vantajoso. (Apoiados.)
Podem-se accumular argumentos, phantasiar objecções e affirmar que poderiamos negociar de outro modo. Sem duvida que podiamos; é possivel phantasiar tratados em absoluto, de uma maneira geral, mas na hypothese concreta da nossa situação, já ligados com outros paizes com quem temos tratados iguaes, não podiamos tratar de outro modo sem irmos affectar os interesses que tinhamos já vinculado a tratados anteriores.
Não desejo deixar de responder a uma observação pouco benevola que o illustre deputado dirigiu ao governo a respeito das tabellas estabelecidas pelo sr. Corvo, para provar que Portugal obteria menos vantagem do que a Hespanha, da approvação do tratado.
Estas tabellas, são copia das tabellas apresentadas pelo nosso ministro em Madrid; e esta copia é feita rapidamente para ser communicada dentro de um praso limitado ao governo hespanhol.
Mas o sr. Corvo, que é um espirito esclarecido, (Apoiados.) e um homem que conhece perfeitamente estes assumptos, de certo se deu ao trabalho de examinar este documento, a fim de que elle fosse correcto. (Apoiados.)
Eu appello para a consciencia de homem de bem do illustre deputado, a fim de que me diga se este facto puramente occasional, que podia succeder ao illustre deputado ou a mim, ou a qualquer outro, pode original considerações menos benevolas, já para o governo, já para um funccionario a tantos respeitos digno, como e o sr. Corvo. (Apoiados.)
O illustre deputado fez tambem algumas observações que não entram completamente na analyse do projecto, mas que podem ter com elle uma certa referencia.
Refiro-me á necessidade instante do melhorar o fabrico do nosso azeite e do nosso vinho.
Estou completamente de accordo em que devemos melhorar a producção e o fabrico dos nossos vinhos e do nosso azeite, tirando d'isso grandes vantagens, e dispensariamos já o drawback no azeite que e importado para o prepare do peixe no Algarve, e dispensariamos os vinhos que alguns de entre nós importam de paizes estrangeiros.
Mas permitta-me o illustre deputado lhe diga, que a panaceia a que quer recorrer, os agentes de propaganda que quer se empreguem, não dão resultado algum; e afigura-se-me que a intervenção do governo, como factor unico para produzir os melhoramentos que se requerem, não e conveniente. Pelo contrario, n6s devemos deixar isso as pessoas que são mais interessadas, e que podem nas localidades prestar maiores serviços.
O illustre deputado e outros deputados das provincias, são ali os agentes verdadeiros de uma sã propaganda.
O sr. Laranjo: - Os agronomos.
O Orador: - O illustre deputado conhece a historia do nosso paiz e sabe que a interferencia official em cer-

Página 1871

SESSÃO DE 30 DE MAIO DE 1885 1871

tos assumptos, em logar de ser proveitosa, promove uma certa resistencia.
Ainda hontem o illustre deputado citou as conferencias do meu antigo collega e amigo o sr. conselheiro Antonio Augusto de Aguiar, e o iilustre deputado recorda-se de certo do que a maior guerra, a maior opposição a essas conferencias partiu dos proprios interessados na industria vinicola.
Sabe que d'ahi resultou resistencia tal, que se traduziu em phrases
acrimoniosas e injustas para o sr. Aguiar, phrases que pela maneira porque foram apresentadas eram indignas do assumpto.
Por isso eu espero muito pouco da propaganda official; agora no que confio é na lei da necessidade que ha de obrigar os productores a empregarem melhores processes e a estudarem os melhores meios dos productos sairem mais perfeitos e poderem ter mais saida.
Os agronomos podem ter uma certa interferencia, mas eu não a considero a mais efficaz.
Para aproveitar esta interferencia é necessario que haja uma commissão composta das pessoas mais interessadas no assumpto.
Eu quizera que essas mesmas, reunindo se, concordassem em mandar estudar no estrangeiro os melhores processos para a preparação do azeite, do vinho e de outros productos, de maneira que elles podessem competir no estrangeiro com os mais bem fabricados, porque só assim os nossos productos poderiam ter grande saída.
Não sei se me escapou tratar de alguns dos pontos mais importantes a que se referiu o illustre deputado.
O sr. Laranjo: - A questão do transito.
O Orador: - Na questão do transito ha a considerar a mudança de taras, a transformação das vasilhas. Essa mudança de taras dá-se nas mercadorias que vem em transito com destine a um terceiro paiz.
Ora, esta mudança acho-a rasoavel; o transito deve ser livre. Applicado precisamente ao azeite, se é justo que consintâmos que elle transite, é tambem um dever nosso que ponhâmos impedimento á fraude; ou para melhor dizer, impedimento á concorrencia desleal que se vae fazer com producto que se transporta fazendo-o passar por nacional; e para isso entendo que se deve marcar a tara.
Mas o illustre deputado fez uma observação que vem a ser a necessidade da marca, mesmo quando não ha mudança de tara. Porque o producto póde vir de Hespanha com apparencia de producto nacional.
Ora este ponto não vem claramente indicado no tratado, não vem claramente expresso. No convenio de 1877 não, ha disposição que tolha ao governo esta faculdade; mas ha aqui o artigo 12.° que diz:
(Leu.)
Ha, porem, a faculdade de se modificarem os artigos do convenio de transito acrescentando-lhes como defeza dos nossos legitimos direitos a marca da tara. Encontro neste artigo uma omissão que me parece conveniente preencher por meio de uma convenção especial.
No artigo 25.° diz-se que o exercicio da pesca passaria a ser reservado aos nacionaes dos dois paizes nas respectivas aguas territoriaes e que se estabeleceriam novas regras ácerca da pesca nos rios; mas nem o regulamento da pesca nem as modificações do novo regulamento de transito têem epocha marcada em que devam ser feitas; de modo que pode acontecer entrar em vigor este tratado e no entanto não termos ainda regulamentos que estabeleçam as condições do transito e da pesca.
Ora está ajustado com o governo de Hespanha e ao que elle se prestou da melhor vontade, que a execução deste tratado será simultanea como a adopção do novo regulamento de transito e do regulamento da pesca.
De modo que as duas objecções não têem fundamento
Eu creio ter respondido a todos os pontos essenciaes a que o illustre deputado se referiu e se algum me escapou eu me occuparei d'elle quando novamente pedir a palavra.
(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)
O sr. Secretario (Mouta e Vasconcellos): - A commissão de redacção não fez alteração aos projectos de lei n.ºs 63, 62, e 102 que foram discutidos na sessão de hoje e anterior.
O sr. Pinto de Magalhães: - Por parte da commissão de fazenda mando para a mesa o parecer da mesma commissão, relativo ao projecto de lei n.° 5-F.
O sr. Luciano de Castro: - Vou fazer algumas considerações e pedir varios
esclarecimentos ao governo a respeito de certos documentos que e acham no Livro branco, e apreciar as vantagens ou desvantagens que resultam deste tratado, fazendo algumas perguntas, a que espero o sr. ministro dará resposta conveniente.
Este tratado não foi negociado pelo actual sr. ministro dos negocios estrangeiros, mas pelo sr. Antonio de Serpa.
Eu não espero dizer cousa alguma desagradavel para aquelle cavalheiro, que estimo e respeito, mas se alguma palavra me escapar de menos reverencia para com s. exa., desde já peço licença para a retirar. Tenho de me referir a algumas notas assignadas por elle, e sobre essas notas hei de formular algumas interrogações.
Quando li o Livro branco não pude deixar do lastimar que o governo apresentasse a camara um assumpto desta gravidade sem o fazer acompanhar dos subsidies indispensaveis para que o parlamento podesse formar juizo conscencioso sobre elle.
Não só não se apresentaram os documentos estatisticos, as informações officiaes sobre as relações commerciaes dos dois paizes, que era indispensavel que a camara conhecesse, e que de certo foram presentes ao governo, mas alem disso deprehende-se da leitura do Livro branco a falta de documentos a que algumas notas se referem e que são aliás indispensaveis para o esclarecimento da questão. E o que vou mostrar.
Abrindo o Livro branco a paginas 89, encontro uma nota do sr. D. Juan Valera, ministro de Hespanha em Portugal, dirigida ao sr. Antonio de Serpa, e datada de 2 de julho de 1883, na qual se lê o seguinte:
«Por despacho de 25 do mez passado responde o meu governo as ultimas propostas feitas pelo de Sua Magestade Fidelissima para a celebração do tratado de commercio, etc.»
Que propostas são estas? Não constam do Livro branco.
Anteriormente a esta nota só encontro a acta da conferencia celebrada em Madrid a 29 de maio de 1883 entre o sr. Antonio de Serpa, marquez da Vega de Armijo, e D. Juan Valera, da qual não consta senão que o sr. Antonio de Serpa, ministro dos negocios estrangeiros em Portugal, achando-se por essa occasião n'aquella cidade, acceitou todas as propostas do governo hespanhol, salvo as reservas quanto aos cereaes e farinhas, e a recusa formal sobre a reducção dos direitos dos vinhos.
Depois d'esta acta não apparece nenhuma outra informação no Livro branco.
Ora, parece-me que o parlamento tem direito a conhecer todos os documentos relativos a esta questão, porque de outro modo não pode estar habilitado a formar o seu juizo e emittir o seu voto. (Apoiados.)
N'esta mesma nota do ministro de Hespanha em Lisboa para o ministro portuguez, diz-se:
«Ainda que v. exa. tenha concordado, salvo o accordo dos seus collegas, a livre importação em Portugal do gado lanigero, caprino, vaccum e suino, e por considerações attendiveis teve de restringir um pouco esta concessão, exceptuando d'ella o gado suiuo, que ha de pagar 110 réis por cabeça, o governo hespanhol se conforma com essa alteração, e só pede talvez por motivos de mais contabilidade, que se reduza o dito direito a 90 réis, etc.»
Diz o ministro hespanhol que o sr. Antonio de Serpa

Página 1872

1872 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

declarára que acceitaria a importação livre de direitos do gado caprino, vaccum e sumo, mas que depois restringira a sua opinião quanto a este ultimo. Não sabemos como e porque se fez essa restricção, pois no Livro branco faltam os documentos que dizem respeito a esse assumpto.
Porque não nos deram conhecimento desses documentos?
D'onde constam as rasões dessa mudança e em que circunstancias de interesse publico se fundou s. exa. para pedir esta modifica9ao?
Na mesma nota diz ainda o ministro de Hespanha, referindo-se aos direitos sobre o azeite:
«E como v. exa. offerece só uma reducção de 150 réis dos 700 que fixa a pauta geral, propondo que pague o azeite de Hespanha 550 réis, ha ainda uma differença de 280 réis.»
D'onde consta que o sr. Serpa offerecesse ao governo hespanhol esta reducção de 700 a 550 réis por decalitro de azeite? Não vejo o menor esclarecimento a este respeito.
Que rasão houve para se occultarem ao parlamento, de certo sem nenhuma ruim intenção, documentos aliás essenciaes para o habilitarem a pronunciar-se sobre este importante assumpto?
Mas o mais curioso e que depois do ministro hespanhol dizer que o sr. Antonio de Serpa tinha offerecido reduzir os direitos sobre o azeite, respondera-lhe o nosso negociador que em relação a este ponto não acceitara nenhuma transacção. É o que se vê da sua nota de 4 de julho de 1883.
Evidentemente occultaram se, repito, sem proposito ou intenção maliciosa, á apreciação do parlamento documentos aliás importantissimos para se poder avaliar o procedimento do governo, e se apreciarem bem as rasões que elle teve para inserir certas disposições no tratado.
São estas as observações que eu tinha a fazer ácerca do procedimento do governo quanto ao modo como organisou o Livro branco, no intuito de reivindicar a minha prerogativa como deputado, que me dá o direito de conhecer todos os documentos que servem de base a quaesquer negociações para a celebração de tratados com as potencias estrangeiras. (Apoiados.)
Vou agora era poucas palavras apreciar as vantagens e os inconvenientes do tratado de commercio que estâmos discutindo, pedindo desculpa á camara de metter a fouce era seara alheia; porque na verdade em assumptos tao graves e difficeis como este, que requerem o exame pausado e consciencioso de documentos que não tive presentes, parecera ousadia da minha parte querer eu, desacompanhado das indispensaveis informações e subsidies, emittir opinião sobre materia de si tão melindrosa e especial; todavia estou certo de que me será relevado o atrevimento attentas as boas intenções com que vou fallar e á lealdade com que me proponho a expor as minhas idéas.
Como estou tão desamparado de esclarecimentos e tão desconfiado da minha competencia e dos meus conhecimentos, vou abordoar-me a uma auctoridade insuspeita para p governo. Essa auctoridade e o sr. Antonio de Serpa. E com as suas palavras, com os sens argumentos e com a sua opinião que eu vou fazer a apreciação do tratado.
Vamos a ver primeiramente o que nos recebemos do governo hespanhol.
Será o sr. Antonio de Serpa quem o vae dizer.
Na nota n.° 45, pag. 91 do Livro branco, diz o sr. Serpa:
«A unificação de direitos no pescado e o unico ponto em que o governo de Sua Magestade Catholica concede a Portugal uma vantagem especial, afora o tratamento da nagao mais favorecida. Mas alem de ser a vantagem reciproca para os dois paizes, a diminuição mais importante de direitos dá-se no pescado salgado, fumado e de escabeche, ficando com o mesmo direito o peixe fresco, que é aquelle de que actualmente se está fazendo exportação de Portugal para Hespanha.»
Aqui tem v. exa. o que nós recebemos.
Recebemos duas concessões; uma, o tratamento de nação mais favorecida, outra, a unificação no direito do pescado.
Vejâmos qual é a opinião do sr. Antonio de Serpa a respeito de cada uma destas concessões.
Quanto ao direito do pescado, o mais importante seria a reduc9ao do direito sobre o peixe fresco, que e aquelle de que actualmente se está fazendo exportação para Hespanha mas esse direito fica o mesmo; logo não auferimos vantagem sensivel.
Vamos ao tratamento de na9ao mais favorecida.
Tem ainda a palavra o sr. Serpa, que na mesma nota a que me estou referindo, diz:
«O ministro de Sua Magestade em Madrid deve ter communicado ao governo de Sua Magestade Catholica uma demonstra9ao baseada na estatistica das alfandegas portuguezas, em que se prova que applicando-se as duas na9oes reciprocamente o tratamento de nacao mais favorecida, ainda assim a maior vantagem ficava para a Hespanha.»
E, continuando, affirma que só o desejo sincero da parte do governo portuguez, de ser agradavel ao de Sua Magestade Catholica, e de estreitar cada vez mais os Ia9os de amisade entre os dois governos e as relações commerciaes entre os dois povos, e que levaram o governo portuguez a acceitar uma pauta convencional, com diminui9oes notaveis de franquia de direitos para a entrada de alguns productos hespanhoes em Portugal, alem da concessão do direito de nação mais favorecida, em troca unicamente desta ultima concessão por parte da Hespanha, concessão que pode ter um grande valor para outras nações essencialmente industriaes mas que o tem muito diminuto para Portugal.
Eis aqui a unica vantagem que, segundo o sr. Serpa, tiramos do tratado de commercio com a Hespanha.
Em rela9ao ao pescado, uma cousa insignificante, por isso que no que toca ao peixe fresco ficou o mesmo direito que já existia. Quanto ao tratamento de na9ao mais favorecida, isso não tem para nos a importancia que teria para outras nações, e apenas tem um diminuto valor.
Eis o que a Hespanha nos dá.
Vamos ver o que nos lhe damos.
Nisto encosto-me ainda á mesma auctoridade. Não me atrevo a dar um passo neste terreno escabroso, sem me apoiar numa opinião tão insuspeita e valiosa como é a do sr. Antonio de Serpa.
E elle que me serve de guia.
Vamos a ver o que nos damos.
Damos o seguinte:
1.° Franquia para o gado vaccum, que pelas pautas hespanholas continua a pagar 13,80 pesetas, e para o lanigero e caprino, que continua a pagar 1,40 pesetas;
2.° Franquia para os minerios e mineraes em bruto não classificados, para a cortiça em bruto e em pranchas, e para a lã em rama suja ou lavada;
3.° Redução no gado suino de no réis por cabeça a 90 réis, apesar d'este genero continuar a pagar em Hespanha 8,45 pesetas;
4.° Redução dos direitos sobre o azeite de 700 a 500 réis por decalitro;
5.° Confirma9ao e amplia9ao (isto não é do sr. Serpa; é meu) do convenio de transito de 27 de abril de 1866, e regulamento de 7 de fevereiro de 1877, com todos os abusos e fraudes a que tem dado logar a sua execução, com grave prejuizo da industria nacional.
O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Barbosa du Bocage): - Isso é de v. exa.
O Orador: - Isto é meu. Eu tive o cuidado de o dizer já. Escusado era que v. exa. m'o lembrasse.
Já o sr. Laranjo disse aqui hontem as fraudes que ti-

Página 1873

SESSÃO DE 30 DE MAIO DE 1885 1873

nham logar em resultado do convenio de transito com a Hespanha e do seu regulamento. E v. exa. sabe muito bem que a industria portugueza se queixa de que os generos que vem de Hespanha por transito entram no consumo do paiz por fraude e abuso.
Isto é um facto incontestavel.
O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Barbosa du Bocage): - Mas essa fraude não deriva do tratado.
O Orador: - Deriva da convenção e do regulamento de transito. Ora, o convenio e o regulamento ficam, segundo o artigo 12.º, fazendo parte do tratado, e, por consequencia, ainda que s. exa. os queira alterar, não o póde fazer sem accordo da Hespanha.
O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Barbosa du Bocage): - Mas leia s. exa. outra parte do artigo, que diz: «Obrigando-se os dois governos a modificar os regulamentos no que for necessario».
O Orador: - Mas s. exa. não póde modificar senão em harmonia com o artigo 14.°, e por consequencia é natural que se continuem a dar as mesmas fraudes, de que actualmente se queixa a industria nacional.
Agora continue a enumerar as vantagens que concede-mos a Hespanha. Ainda falta uma: e a obrigação que contrahimos, de não sujeitar os vinhos hespanhoes a maiores impostos ou direitos interiores de caracter geral do que os estabelecidos actualmente.
Se nós quizermos, por exemplo, augmentar ámanhã o real de agua, que é um imposto geral estabelecido no interior do paiz, podemos augmental-o sobre os vinhos portuguezes e não sobre os vinhos hespanhoes, nem sobre os vinhos de outra nação que tenha o tratamento de nação mais favorecida.
São estas as vantagens que nós damos á Hespanha, em troca das quaes recebemos aquellas duas que referi á camara, a do pescado e a de nação mais favorecida, vantagens cujo valor já expliquei, servindo-me da auctoridade e das palavras do sr. Antonio de Serpa.
E o sr. ministro dos negocios estrangeiros não desconhece estas verdades.
Elle fallou-nos com tal sinceridade e desassombro. como eu poucas vezes tenho ouvido fallar dos bancos ministeriaes.
Realmente ouvindo-o defender o tratado, nos pontos em que tinha sido mais atacado, s. exa. não pretendeu convencer a camara de que de ali proviessem grandes vantagens para Portugal; pelo contrario, s. exa. confessou que eram pouco valiosas essas vantagens.
O illustre ministro não disse isto claramente, mas do modo como s. exa. se exprimiu, das palavras tão modestas como cautelosas, que a sua posição obrigára a proferir, podemos nós justamente inferir que se s. exa. estivesse no nosso logar, desligado das considerações a que o obriga o logar que exerce, diria comnosco que as vantagens que recebemos do tratado são insignificantes, ou nullas.
Supponhamos, porem, que se não fazia o tratado. Que consequencias resultaria m d'ahi? Era applicada a pauta geral hespanhola que eleva as taxas dos direitos sobre a importação.
É isto o que poderá dizer-me o sr. ministro.
Ha de ser tambem o sr. Antonio de Serpa quem ha de responder a este ponto.
O sr. Antonio de Serpa preveniu mesmo essa hypothese. Eu vou ler o que elle diz. Peço desculpa á camara de a fatigar com estas leituras, mais isto e indispensavel. (Apoiados.) Diz o sr. Antonio de Serpa.
«As diminuições importantes de direitos, que se notam na segunda columna da pauta geral hespanhola e sobretudo as que são o resultado do seu tratado com a França, quasi nada approveitam a Portugal, porque se applicam a objectos pela maior parte de producção industrial, os quaes Portugal não fabrica, ou que fabrica unicamente para consumo interno, á sombra de direitos protectores, e que portanto não póde levar aos mercados hespanhoes em concorrencia com os productos similares de outras nações. Ainda algumas outras diminuições importantes de direitos se applicam a producções naturaes, como o petroleo, e a generos coloniaes, como o assucar e a canella, que Portugal não porduz, e que portanto não podem fazer objecto do sen commercio de exportação.»
Aqui está a resposta ao argumento deduzido do receio da applicação da pauta hespanhola aos nossos productos.
(Interrupção.)
O illustre deputado está enganado. Por ser negociador o sr. Serpa não em obrigado a dizer falsidades. Isso era para a velha diplomacia.
Hoje são outros os processes de negociar. Então sim, podia proceder-se d'esse modo; nos tempos que atravessâmos, com os meios de publicidade que actualmente ha, com o conhecimento que o governo hespanhol tem das nossas cousas, podia admittir-se que o enganassemos, occultando-lhe a verdade, ou que elle se deixasse illudir? Se o sr. Serpa em logar de dizer o que acabei de ler a camara, dissesse ao governo hespanhol o contrario, que importancia ou que valor teria isso? Se o sr. Antonio de Serpa estava convencido de que a pauta geral hespanhola na parte em que fazia a reducção de direitos, não nos aproveitava, do que serviria affirmar o contrario?
Demais, isto não e uma questão de apreciação, é uma questão de facto. (Apoiados.)
Temos ou não temos productos industriaes que possam ir aos mercados hespanhoes? É um facto que facilmente se verifica.
Ainda que as nossas estatisticas sejam demasiadamente imperfeitas, não o são tanto que não tenhamos os elementos necessarios para sabermos que a nossa industria fabril esta de tal modo atrazada, que não pode competir com a industria hespanhola.
Pois o sr. Serpa dizia isto só pela simples circumstancia de ser negociador? Pois a qualidade de negociador imporia a s. exa. uma affirmação inteiramente opposta a verdade? Não póde ser.
Supprimamos a qualidade de negociador no sr. Serpa. O que ali affirma e ou não verdade?
Vozes: - É verdade.
O Orador: - Temos a nossa industria tão florescente e desenvolvida que possâmos competir com as estrangeiras? Não temos; e se não temos, não nos podem ser applicaveis as vantagens da pauta geral hespanhola.
Ponhâmos, pois, de lado o sr. Serpa. O facto a que elle se refere, e incontestavel. Supponhâmos que o governo hespanhol não fazia tratado comnosco, rompia as negociações entaboladas e nos applicava a sua pauta geral. Como a nossa industria está infelizmente atrazada e não podemos levar os nossos productos aos mercados hespanhoes, riamo-nos da applicação da pauta. (Apoiados.)
Sr. presidente, não se persuada v. exa. que faço estas considerações para concluir contra a approvação do tratado. Tenho n'este assumpto um modo de ver, que creio ser o mais acceitavel nas relações internacionaes.
Um tratado póde deixar de celebrar-se; mas celebrado e posta a assignatura da nação a par da assignatura do ministro, entendo que e dever do parlamento, salvo imperiosas considerações de utilidade publica, confirmar esse acto.
V. exa. sabe, que estâmos com a Hespanha em relações especiaes de vizinhança, que devemos estreitar e manter. O não se approvar um tratado feito com essa briosa nação, a não ser por considerações muito valiosas e muito importantes, traria inevitavelmente uma perturbação nas nossas boas relações. E por mim, de maneira nenhuma, concorreria, nem com a minha voz, nem com o meu voto, para que sem uma grande e indeclinavel necessidade pu

Página 1874

1874 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

blica, se rejeitasse qualquer tratado feito com o governo da nação vizinha.
Tenho para mim, que a politica não só do actual governo, mas de todos, sem distincção de cores politicas, deve ser manter as mais cordeaes e as mais leaes relações com o governo hespanhol. (Muitos apoiados.)
Defendamos ciosa e firmemente, com todo o [...] e com inflexivel decisão a nossa independencia e a nossa autonomia, porque n'esse ponto devemos ser um por todos e todos por um. (Muitos apoiados.)
Mas respeitada que seja a nossa independencia e autonomia, vivamos nas mais cordeaes, nas melhores e mais intimas relações - com a nação hespanhola, qualquer que seja o seu governo. (Apoiados.)
Não podem deixar de ser esses os meus desejos, os meus votos, as minhas aspirações, e a de todos os que deveras amam a nossa patria. (Apoiados.)
Critiquei o tratado, censurei o governo por não ter obtido algumas vantagens em troca das que concedemos ao governo hespanhol; mas se depois de celebrado esse tratado, se depois de ter sido apresentado ao parlamento, eu viesse aconselhar os meus collegas a que lhe dessem um voto de reprovação, penso que não procedia acertadamente.
O governo não tirando o partido que podia e devia tirar das circumstancias em que se achava, pois que podia ter aproveitado a boa vontade e o manifesto desejo do governo hespanhol, de fazer um tratado de commercio comnosco, celebrando esse tratado de um modo proveitoso para nós; o governo, a meu ver, não defendeu os interesses do paiz, como lhe cumpria. (Apoiados.)
Afigura-se-me que o governo sacrificou era grande parte os interesses publicos ao seu desejo de ser agradavel como disse o sr. Antonio de Serpa, ao governo do Sua Magestade Catholica.
Mas apesar das minhas censuras e da critica que faço ao procedimento do governo, não posso deixar de terminar dizendo a camara que dou o meu voto ao tratado pelas considerações que ha pouco expendi.
Vozes: - Muito bem.
O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Barboza du Bocage): - O illustre deputado e meu amigo o sr. Luciano de Castro presumiu que tinha havido omissão de documentos especiaes no Livro branco e affirmou que o governo portuguez podia ter aproveitado melhor as circumstancias para poder negociar com mais vantagem para o paiz o tratado de commercio com a Hespanha.
Affirmo ao iilustre deputado que não ha omissão de documentos essenciaes no Livro branco, affirmo que foram publicados todos os documentos que encontrei e que podiam elucidar a opinião da camara, e sustento tambem que o negociador envidou todos os esforços para alcançar a favor do paiz a maior somma de vantagens (Apoiados.) e que esses esforços estão claramente confirmados no Livro branco.
Não ha sonegação de documentos, creio que o illustre deputado não me podia attribuir essa sonegação porque o meu caracter e bastante conhecido para que se me possa fazer uma insinuação tão offensiva como esta.
Não se me pode attribuir a idéa de que eu soneguei documentos; e eu não occuparia um minuto este logar se tivesse a consciencia de que tinha praticado um acto que me deshonrasse.
O sr. Luciano de Castro: - Peço licença para observar a s. exa. que por duas ou tres vezes declarei que não acreditava que da parte de s. exa. houvesse a menor idéa de sonegar esses documentos.
O Orador: - S. exa. empregou a palavra sonegar, e eu gosto de varrer a minha testada.
Sonegação implica idéa de omissão intencional e culposa de documentos.
Poderá haver qualquer omissão, mas, se existe, é porque rasões poderosas assim o determinaram; mas n'esse caso esses documentos têem forçosamente de ser substituidos pelas informações verbaes do governo.
Esta negociação teve logar, em grande parte, verbalmente.
Este tratado fui discutido em Lisboa principalmente, entre o sr. Serpa Pimentel e o sr. D. João Valera, por propostas verbaes; essas propostas eram communicadas ao governo de Hespanha; as respostas eram depois consignadas em notas, e essas notas foram remettidas ao ministerio dos estrangeiros.
Estas referencias do sr. ministro de Hespanha devem ter por objectivo propostas, accordos verbaes, na discussão com o sr. Serpa Pimentel, e de que não existem documentos, porque, se os houvesse, de certo aqui estariam todos.
Em todo o caso, o que se conhece perfeitamente é que o sr. Serpa Pimentel discutiu por muito tempo e recusou-se a acceitar a diminuição dos direitos do vinho e cereaes.
Não ha ainda outros pontos a considerar? Ha a considerar se as vantagens que a Hespanha alcançou de nós são mais reaes do que as que ella nos deu na columna B ou C da sua pauta.
Vejamos. A Hespanha alcançou de nós a reducção no azeite de 500 réis em cada decalitro.
O illustre deputado esta convencido que esta reducção, nas condições actuaes dos mercados portuguezes e hespanhoes, e grande.
S. exa. acha que se deviam manter os 700 réis!
Parece-me que o illustre deputado não póde provar que esta reducção no azeite importa n'uma vantagem real e immediata para a Hespanha.
Ora, eu disse que nem a Hespanha nos da vantagens nem nós lhe damos vantagens com esta reducção de 500 réis.
Vejâmos outro ponto.
Pescarias.
Pois póde o illustre deputado contestar as vantagens que ha na unificação e reducção dos direitos da pesca?
O illustre deputado não deu a sua completa annuencia a reciprocidade da pesca, mas esqueceu-se de considerar que, pelos factos anteriores e outros de procedencia posterior, a acceitação de commum accordo de regulamentos que nos colloquem ao abrigo de eventualidades desagradaveis para nos e onerosas para o thesouro, estas circumstancias serão de per si bastantes para nos levar a approvar, sem hesitação, este tratado. (Apoiados.)
Vamos á questão do transito.
O tratado não aggravou, antes melhorou desde logo a convenção do transito, porque no tratado de commercio já está estipulado que quando se mudam as taras se marquem na expedição para terceiro paiz.
Portanto, esta acautelado este desfalque.
S. exa. não se pronunciou contra a faculdade que, durante o ministerio de que fazia parte, foi dada para a mudança das taras.
Eu applaudo esta faculdade que foi dada pelo sr. Braamcamp, e creio que foi um modo liberal de facilitar o transito das mercadorias que passam em transito por Portugal para terceiro paiz.
O que ficou de fóra e que não se podia consignar no tratado foi a faculdade de mudar a marca as taras que venham em transito. Esta faculdade póde considerar-se como um direito, mas no tratado de transito ha de regular-se isso de modo que fique bem claro e não possa dar logar a abusos.
Esta modificação e para a discussão do regulamento que considero como necessario e essencial.
E eu já declarei, e o illustre deputado creio que ouviu, que os regulamentos ácerca do transito e da pesca hão de ser tratados e resolvidos a tempo de ser posta em execução ao mesmo tempo um a e outra cousa.
A realisação do tratado esta dependente d'este facto, e

Página 1875

SESSÃO DE 30 DE MAIO DE 1885 1875

portanto, o governo faz tudo quanto devia fazer para que não podesse existir no animo de ninguem a menor duvida de que a applicação do tratado se havia de fazer da maneira mais conveniente, mais justa e mais favoravel.
Portanto, não me parece que se possa dizer que o tratado nos e prejudicial; não me parece que se possa mostrar que era possivel alcançar maiores vantagens nas circumstancias em que nos achâmos.
O tratado melhorou a situação actual. Mas poder-se-ha dizer que nós podiamos ter negociado um tratado melhor; se entrâmos no campo do possivel não digo nada, mas isto não é questão de phantasias. Nenhum dos illustres deputados que combateu o tratado pode suppôr que a Hespanha havia de fazer um tratado concedendo-nos todas as vantagens e não recebendo vantagem nenhuma.
Os illustres deputados são muito illustrados para poderem ignorar as circumstancias economicas em que se encontra Portugal e Hespanha, e hão de reconhecer que era necessario fazer estas concessões.
Mas isto não tolheu os braços ao negociador portuguez que se esforçou por alcançar do governo hespanhol vantagens para Portugal e vantagens muito importantes em troca das que nós cedemos.
Parece-me que as clausulas do tratado são a confirmação do que eu acabo de dizer. O tratado tem tambem a vantagem de fazer cessar muitas questões que se davam por causa da pesca, que era motivo de divergencias constantes.
Creio ter dito bastante para mostrar que o tratado que se discute e digno da approvação da camara.
(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)
O sr. José Borges de Faria: - Mando para a mesa um requerimento.
É o seguinte

Requerimento

Requeiro que seja novamente impresso, por ter saído com algumas incorrecções, o projecto de lei n.° 35 com o parecer n.° 42. = José Borges de Faria.
A camara approvou.

(Occupa a cadeira da presidencia o sr. Luiz de Lencastre.)

O sr. Azevedo Castello Branco: - Não está presente o sr. relator do projecto de lei n.° 43; mas eu peço a v. exa. que consulte a camara sobre se consente que este projecto seja novamente impresso porque saíu com algumas incorrecções, e depois seja distribuido pela camara.
Consultada a camara sobre o requerimento do sr. Azevedo Castello Branco, foi este approvado.
O sr. Baracho: - Requeiro a v. exa. que consulte a camara sobre se permitte que seja prorogada a sessão até se votar o projecto em discussão.
Consultada a camara decidiu affirmativamente.
O sr. Avellar Machado: - Pedindo a palavra para tomar parte na discussão do tratado de commercio com a Hespanha, não é meu fim protraír o debate, nem tão pouco responder aos illustres oradores que o têem impugnado ou defendido.
Creio que o assumpto está cabalmente esclarecido, e pela minha parte nenhuns argumentos novos poderia apresentar á consideração de v. exa. e da camara. Limitar-me-hei, pois, a apresentar as rasões que determinaram o meu voto favoravel ao projecto, e julgo-me obrigado a fazel-o, já como membro de uma das commissões que sobre elle emittiram parecer, já, e principalmente por haver tido a honra de ser o apresentante das representantes contra algumas das disposições do tratado de commercio portuguez hespanhol, que ao parlamento enviaram a illustrada camara municipal e a benemerita associação de agricultura de Santarem.
É claro que concordando eu completamente com essas representações, como em tempo declarei á camara, não poderia dar a minha acquiescencia ao tratado que se discute, se porventura ellas não tivessem sido attendidas dentro dos limites do possivel.
Os pedidos indicados nas alludidas representações, e que mais ou menos directamente se relacionam com o tratado, podem reduzir-se ao seguinte:
1.° Que o azeite portuguez não saísse pelos nossos portos onerado com o imposto de exportação, quando o azeite hespanhol o não pagava.
2.º Que as despezas de transporte pelas vias ferreas, ate aos nossos portos, das mercadorias hespanholas destinadas á exportação, não fosse em absoluto, ou relativamente inferiores as que pagassem os productos similares de origem nacional.
3.° Que ás taras, vasilhas, etc., em que fossem transportados quaesquer productos hespanhoes em transito com distino á exportação, se impozesse obrigatoriamente uma marca [...], que patenteasse immediatamente qual o paiz d'onde esses productos provinham.
4.° Que não fosse diminuido o imposto de importação estabelecido em 1882 para o azeite hespanhol.
5.° Que o imposto sobre o gado suino que exportassemos para Hespanha, em vez de ser arbitrario, fosse proporcional á differença entre o valor medio de cada cabeça de gado importado e exportado, isto no caso de se não poder obter que a exportação portugueza pagasse um imposto igual ao que cobrámos pela importação do gado hespanhol.
Vejâmos, pois, se o sr. ministro dos negocios estrangeiros satisfez ou não quanto possive1 a estes justificados pedidos, e se traduziu em factos as promessas por s. exa. feitas no seio das commissões que deram parecer ácerca d'este tratado de commercio.
Com relação ao primeiro ponto tive eu a honra de apresentar a apreciação do parlamento um projecto de lei, abolindo o imposto de exportação sobre o azeite nacional. Este projecto, que mereceu immediatamente o apoio franco e sincero do governo (Apoiados.) e que foi tambem devido á iniciativa do meu illustre o honrado collega o sr. conde de Thomar, já está impresso e distribuido com o parecer favoravel da commissão de fazenda, tendo de suppor que a camara o approve sem demora, como é de justiça (Muitos apoiados.)
Em relação á segunda objecção, comprometteu-se o honrado ministro dos estrangeiros, a usar da sua legitima influencia junto dos seus collegas no ministerio, para que não sejam approvadas quaesquer tarifas de transportes pelas vias ferreas, em que não sejam acauteladas as justissimas aspirações das corporações representantes. (Apoiados.)
Pelo que respeita ao terceiro ponto, comprometteu se tambem o talentoso ministro a que não será ratificado o tratado em discussão, sem que previamente se assigne uma convenção estabelecendo, não só a reciprocidade do transito (que até hoje só tem existido no papel), mas ainda claramente e sem subterlugios, a faculdade que se reserva o governo portuguez, de impor marcas indeleveis nas taras, vasilhas, etc., em que forem transportados os productos hespanhoes destinados á exportação pelos nossos portos, e não só nos portos de embarque, mas ainda durante o transito. (Apoiados.)
O governo hespanhol adheriu já, felizmente, ás solicitações que n'este sentido lhe foram feitas pelo sr. Barbosa du Bocage.
Emquanto ao quarto ponto, isto e, a reducção a 500 réis do imposto de importação no azeite hespanhol, que por proposta minha, votada nas duas casas do parlamento, era maio de 1882, havia sido elevado a 700 réis por decalitro, cumpre-se dizer a . exa. e á camara que esta reducção não representa uma concessão real feita á Hespanha, como á primeira vista parece.

Página 1876

1876 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Na verdade, ate 1882; o azeite estrangeiro pagava sómente o imposto de importação na sua entrada em Portugal, que era de 500 réis por decalitro.
Ora, o imposto de consume que o azeite naeional pagava em Lisboa, sendo tambem de 500 réis para a mesma medida, vê-se quanto facil era que os nossos mercados fossem inundados, como aconteceu, pelo azeite hespanhol, e portanto a necessidade de lhe elevar o imposto de importação. (Apoiados.)
Posteriormente as cousas mudaram, e o parlamento votou que os azeites estrangeiros pagassem, alem do imposto de importação, todos os outros impostos a que são sujeitos os nacionaes.
É certo, pois, que apesar da reducção no imposto de importação, o azeite hespanhol pagará maior imposto do que ficou pagando em 1882; e se elle já então não pôde continuar a concorrer nos nossos mercados com o azeite nacional, com maior força de rasão o não poderá fazer de futuro. (Apoiados.)
A protecção com que fica o azeite nacional, em virtude do actual tratado, não e inferior a 70 por cento do seu valor n'este momento, e portanto constitue um verdadeiro imposto prohibitivo. (Apoiados.)
Finalmente, e com relação ao imposto de exportação do nosso gado suino, declarou o illustre ministro que não fora de modo algum possivel aos nossos habeis e honrados negociadores obter a reciprocidade por parte da Hespanha, e nem mesmo a proporcionalidade no imposto, porquanto era neste ponto que o governo hespanhol pedia a compensação das vantagens concedidas ao nosso paiz no tratado em questão. Ainda houve outra rasão fortissima para que o governo hespanhol não cedesse n'este ponto; foi o estar ligado com a França por um tratado de commercio que o obrigaria a fazer a este paiz as mesmas concessões que se fizesse a Portugal, o que seria de grande prejuizo para a Hespanha. (Apoiados.)
Mas, como os proprios representantes reconhecem, esta desigualdade não nos é tão desfavoravel, como á primeira vista parece; porquanto importando nos do Hespanha gado pequeno e magro para se desenvolver e engordar nos nossos montados, e exportando-o depois de gordo, isto é, com um valor muitissimo superior, e nas condições de supportar um imposto de exportação superior ao da importação. Sinto que não tenha sido possivel alcançar a assignalada vantagem da reciprocidade, ou ao menos da proporcionalidade de imposto na importação e exportação do gado suino. Mas, como por um lado, as circumstancias em que ficaremos a este respeito na vigencia do tratado serão iguaes áquellas em que actualmente estâmos; e como por outro lado deposito absoluta confiança no zêlo, intelligencia e patriotismo dos honrados negociadores do tratado, e estou firmemente convencido que em prol do paiz que representavam envidaram todos os seus esforços, que não duvido dar-lhe a minha approvação pelas muitas disposições favoraveis aos nossos interesses que n'elle se acham consignados. (Muitos apoiados.)
Voto, pois, o tratado de commercio celebrado com a Hespanha, e parece-me que a camara votando o tambem fará um bom serviço á nação. (Apoiados.)
Do estreitamento das nossas relações commerciaes com a Hespanha, e da harmonia das pautas nos dois paizes devem resultar para nós n'um futuro mais ou menos afastado grandes vantagens economicas, desapparecendo de vez o contrabando, verdadeiro cancro do commercio licito e das receitas publicas.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem.
O sr. Ferreira de Almeida: - O illustre ministro dos negocios estrangeiros começou a sua replica ao sr. conselheiro José Luciano de Castro com uns assomos e protestos mal cabidos, por julgar que o sr. Luciano de Castro tinha tido a intenção de lhe attribuir a culpa na falta de publicidade de quaesquer documentos no Livro branco, quando aquelle illustre deputado se limitára apenas a citar o facto, e a estranhal-o, attribuindo-o a lapso, e não a má fé: entretanto folgo que pela discussão se ficasse sabendo que os documentos que parecem faltar no Livro branco e que têem ligação com o projecto que se discute, não podiam existir, porque os assumptos a que os documentos fazem referencia foram tratados verbalmente.
Não entrarei na apreciação do tratado, nas suas diversas partes, já devidamente apreciadas pela opposição e explicadas pelo governo em todos os seus pontos; mas ha um que é o essencial, porque o illustre ministro disse que o ponto capital que justificava a approvação d'este tratado, era o facto de se consignar n'elle que o exercicio da pesca ficava reservado aos subditos de cada paiz nas suas respectivas aguas territoriaes, acabando-se com a reciprocidade, e quaesquer que fossem as concessões feitas por nós n'outros pontos, aquelle facto só por si era bastante para justificar a approvação do tratado.
Passarei por isso a fazer a analyse do artigo 23.° que a meu ver nos deixa numa disposição perigosa; diz o artigo: cada uma das duas altas partes contratantes reserva para os seus subditos exclusivamente o exercicio da pesca nas suas aguas territoriaes; um convenio especial entre os dois governos regulará a execução d'esta disposição.
O perigo que eu vejo neste artigo e não se determinar n'elle a extensão das aguas territoriaes, quando podia ter sido logo fixada, adoptando-se para nos o regimen da Hespanha a este respeito, que estabelece que essa extensão e de 6 milhas.
O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros: - Isto esta já convencionado.
O Orador: - O exercicio da pesca nas suas respectivas aguas territoriaes, ainda assim fica dependente de convenio especial que os dois governos teem de formular, e se o limite a que me referi fosse logo consignado no tratado que se discute, evitar-se ia que, por qualquer pressão, muito natural, com que uma nação poderosa procura influir sobre uma nação mais pequena, aconteça que no convenio complementar, se pretenda fixar a faxa do mar territorial por tal sorte limitada, que as condições da reciprocidade fossem então melhores que as de um tal exclusive, e estes meus receios, provém da rapida acceitação que o tratado teve nas camaras hespanholas, e das diligencias e influencias que se movem por parte dos armadores da Higuerita, ao que se diz, patrocinados pelo seu ministro da marinha.
O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Barbosa du Bocage): - Eu já observei ao illustre deputado que essa hypothese está prevista no regulamento de pesca, e posso affiançar que o tratado não será posto em execução senão depois de completamente ajustado o regulamento de pesca.
O Orador: - Folgo muito de ouvir ao sr. ministro declarar tão categoricamente a camara que no convenio subsidiario deste tratado já está consignado um artigo em que a zona maritima que ha de per considerada como aguas territoriaes para a pesca exclusiva de cada um dos dois paizes, é de 6 milhas, como está na ordenança hespanhola. Em vista da observação do s. exa. caducam um pouco as considerações que eu tinha a fazer porque para resalvar os interesses da nossa industria do pesca eu pretendia n'esta occasião obter do governo ou a declaração no sentido que acaba de ser feita, ou a acceitação de um protocolo complementar em que ella se consignasse.
Sem pretender fazer uma dissertação sobre pescaria, não posso deixar de dizer que nós não temos regulamentos de pesca precisos e definidos e que os abusos que se commettem, mesmo por parte dos portuguezes, são realmente para lastimar. Muito conviria que se regulamentasse convenientemente este ramo de serviço.
O convenio de pesca que estabeleceu a reciprocidade com a Hespanha proveiu de um supposto direito adquirido

Página 1877

SESSÃO DE 30 DE MAIO DE 1885 1877

pelos habitantes de Higuerita e que começou a exercer-se pelos fins do seculo passado.
Existia em tempo em Monte Gordo uma povoação importante composta de portuguezes, hespanhoes e individuos de outras nações, que se dedicaram a industria da pesca n'aquella região.
Quando o marquez de Pombal fundou Villa Real de Santo Antonio, na foz do Guadiana, existia já a povoação de Monte Gordo. O marquez determinou que os habitantes d'esta povoação fossem residir para Villa Real de Santo Antonio, ao mesmo tempo que estabelecia varias medidas regulamentares com respeito á pesca.
Os habitantes de Monte Gordo, não querendo sujeitar-se aquella ordem e prescripções, emigraram para a ilha Christina e fundaram ou desenvolveram a povoação da Higuerita, continuando, porém, a explorar a zona piscosa da nossa costa, a coberto das prescripções do marquez de Pombal, pois tinham o cuidado de se conservar de dia afastados da terra e só de noite se approximavam, para dentro da linha de respeito.
As condições em que então a pesca se fazia e aquellas em que se achava então a Europa fizeram com que não se me prestasse maior attenção, nem se tratasse de pôr termo a esta exploração, feita por gente de um paiz na zona piscosa de outro paiz, sem regulamentos nem convenções que a auctorisassem, e por consequencia illegitima.
É baseando se no uso d'esse direito consuctudinario, direito não bem accentuado, porque era apenas o resultado de uma tolerancia, e da maneira cautelosa como essa exploração se exercia, que a Hespanha reclamou e impoz a Portugal uma convenção de pesca, que foi extremamente nociva para nos não só com respeito a nossa industria mas ainda nas diversas consequencias que se suscitaram.
Em principio, quando se explorava a pesca da zona do Monte Gordo unicamente com as artes de chavega comprehendia-se que não se levantassem conflictos sérios, porque todos pescavam da mesma maneira, e portanto com iguaes probabilidades de exito; mas quando a industria de pesca hespanhola se desenvolveu e começou a empregar as artes de galeão, resultou que os pescadores hespanhoes, com este systema, prejudicavam os portuguezes, que continuavam com o antigo systema das artes de chavega.
Não explicarei a camara, porque não teria essa explicação cabimento aqui, em que se differenceiam os apparelhos das artes de chavega dos das artes de galeão.
Bastará dizer que o systema de pescar pelas artes de galeão é o mais adiantado e o mais productivo, por isso que com as artes de galeão se vae ao mar fazer cerco ao peixe, em quanto as artes de chavega são uma especie de redes de arrastar que se lascam apenas a certa distancia da terra e da terra se allam on pucham.
A pesca feita de terra pelas artes de chavega é por isso necessariamente prejudiciada pela pesca das artes de galeão; d'esta differença entre as duas especies de artes, resultaram reclamações dos pescadores da zona leste do Algarve contra a tolerancia que até ali tinha havido com respeito aos hespanhoes.
Em 1876 começaram a apparecer na costa de Monte Gordo os primeiros galeões pescando só de noite para dentro da linha de respeito. Esta concorrencia de pesca com artes aperfeiçoadas irritou os espiritos, a ponto que em ou tubro do anno seguinte teve logar o primeiro conflicto grave, indo os nossos pescadores dar caca aos galeões hespanhoes, cortando-lhes redes e fazendo outras avarias, segundo a queixa do governo hespanhol, e em resultado da qual teve o nosso paiz de pagar uma forte indemnisação de mais de 25:000$000 réis.
O sr. ministro dos negocios estrangeiros creio que era n'essa epocha presidente da commissão de pescarias. Correram-lhe, portanto, esses negocios pelas mãos, e, por consequencia, melhor do que ninguem está no caso de dizer á camara quanto foi triste, e muito para sentir para nós, o conflicto que houve e que teve por epilogo o pagamento da mais injusta das indemnisações, porque não havia direito algum em que a Hespanha se baseasse para poder explorar a pesca nas nossas aguas, por isso que o tratado de limites de 1864, com o seu annexo de 1866, apenas permittia a reciprocidade nos rios limitrophes, convenio este similhante ao que o mesmo paiz tem com a França a respeito do Bidassêa.
Tivemos de ceder ao direito do mais forte, e não só pagámos uma indenmisação, mas, o que e mais, tivemos de acceitar o convenio de reciprocidade de pesca de julho de 1878!
Essa indemnisação serviu para pagar aos armadores hespanhões os capitaes que tinham empregado na armação dos galeões para tentarem aquella pesca com melhor resultado e em concorrencia com a arte de chavega, com que ella se exercia na costa de Monte Gordo!
Para que tão tristes casos se não reproduzam é que chamei a attenção do illustre ministro para as disposições do artigo 23.° do tratado, por desejar que estivesse consignado ali o limite da zona da propriedade maritima; e digo propriedade maritima, accentuando a phrase, porque alguns escriptores sobre direito internacional entendem que apenas deve haver o direito de jurisdicção e não o direito de deminio.
Este limite é variavel entre as diversas nações, principalmente no que diz respeito a zona de pesca, e tem variado para as mesmas nações de tempos a tempos, conforme as condições politicas em que se têem achado; é assim nos diversos tratados entre a França e a Inglaterra, e os Estados Unidos, sobretudo no seculo passado, são tão variaveis as condições de permissão da pesca do arenque nas costas da Escocia e do bacalhau nos bancos da Terra Nova.
É notavel que dessemos á Hespanha, pelo convenio de 1878, a reciprocidade da pesca sem compensação, quando a historia internacional nos aponta factos, e alguns recentes, de nações, que indo explorar as aguas territoriaes de outros paizes, pagaram indemnisações fortes, ao contrario do que succedeu comnosco.
É assim que a Hollanda no seculo XVII pagou durante algum tempo á Inglaterra pela exploração da pesca do arenque nas costas da Escocia 30.000 libras annuaes, concessão que não foi duradoura. Mais recentemente, pelo tratado do Washington, de 1871, entre os Estados Unidos da America e a Inglaterra, manteve-se a reciprocidade de pesca dos subditos dos estados norto-americanos e do Canadá nas respectivas costas, como já se achava consignado no tratado do 1854, mas reconhecendo se que a zona concedida aos Estados Unidos era maior do que a explorada pelo Canadá, pagou a republica, a titulo de compensação, um bonus unico de 5 milhões e meio de dollars. Resultaram d'essa concessão conflictos com os pescadores das regiões inglezas, um dos quaes ficou conhecido nos annaes diplomaticos pela questão da bahia da Fortuna.
Todas estas considerações se referem ao estudo do direito internacional na questão da zona da pesca, e ao quanto convinha fixar bem e precisamente essa zona, e foram suggeridas pela omissão que a meu ver se dava no artigo 23.º e que fica resalvada pela declaração feita pelo illustre ministro com respeito a accordos posteriores á assignatura do tratado que se discute, que resalva a omissão apontada.
Parecia-me conveniente que se accentuasse bem a demarcação d'essa linha, porque poderiam querer que ella seja determinada por todo o contorno da costa, ou apenas pelo contorno dos pontos mais salientes; e permitta-me a camara que exemplifique.
Entre o cabo de Santa Maria, no Algarve, e o cabo de S. Vicente, o contorno e muito variavel; e marcar uma linha subordinada a esse contorno, daria pretexto a conflicto por não ser facil determinar bem o local onde fosse

Página 1878

187 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

surprehendido um barco hespanhol, por causa da sinuosidade da linha.
Parecia-me por isso que a demarcação d'essa linha será muito mais rigorosa e isenta de pretexto a conflictos se ella se referir aos pontos principaes da costa.
Por exemplo, da barra de Villa Real de Santo Antonio á linha meridiana do cabo de Santa Maria, seis milhas ao mar do pharol ou das baixa-mares de aguas vivas; d'ahi ao meridiano do cabo do S. Vicente a seis milhas ao mar n'uma curva que acompanhasse a linha geral da costa, e não o contorno exacto d'ella, do cabo de S. Vicente descripta uma curva com o raio de seis milhas até ao parallelo do mesmo cabo seguiria a linha até encontrar a seis milhas ao mar o parallelo do cabo Espichel, d'este ao cabo Raso á Roca, etc., e assim successivamente.
Dentro d'estas linhas, que não são rectas, mas curvas, continuas e perfeitamente regulares, ficam zonas maiores do que as que se determinarem sómente pela distancia de seis milhas a contar dos pontos interiores, que ficam comprehendidos n'essa demarcação por exemplo; da costa a leste do cabo Raso a linha que parta de seis milhas a oeste do cabo Espichel irá muito mais de seis milhas.
Mas este preceito é muito seguido em outras nações, não só quanto á demarcação da linha de pesca, em relação ás enseadas, golphos e bahias, como póde considerar-se na zona indicada, mas ainda quanto á jurisdicção ou dominio do mar territorial.
Sr. presidente, já que nos occupâmos de um tratado de commercio, em que varias referencias se fizeram as condições de varios artigos de industrias, como é por exemplo a dos gados, a sua entrada livre, engorda e exportação, etc., parece-me, que terá cabimento tambem, comquanto isso não seja do tratado, apresentar apenas como referencia, um facto muito curioso que se da entre nos.
A industria da pesca, como disse, não tem entre nos regulamento administrativo ainda, a despeito das disposições dos artigos 395.° e 398.° do codigo civil decretado em 1867.
Pelo que dispõe o tratado far-se-hão agora esses regulamentos, e por isso careço de chamar muito especialmente a attenção da camara e do governo para esta questão complexa, quanto é possivel, não só nas suas variantes mas ainda no mesmo ramo, pelas condições diversas em que por vezes se acham, sobretudo as armações fixas: os individuos que exercem esta industria, fundando-se n'uma disposição tradiccional de distancia, em que lançam ao mar as suas armações, vêem-se constantemente em conflicto, pelas variantes que a região, onde esta industria se exerce apresenta pela sua natureza propria e especial.
Por este motivo insisto em pedir ao governo que quanto possivel prepare os regulamento sobre a exploração da pesca, não só por meio de aparelhos soltos, como por meio de aparelhos fixos, e comquanto as estações officiaes tenham toda a competencia e mereçam toda a confiança ao governo, não me parece desacertado, que sejam ouvidos os armadores, marcando-se lhes praso para responderem sobre a contextura dos regulamentos propostos, e tomadas em consideração tanto quanto possivel as opiniões confermes, estabelecendo-se, se tanto fôr necessario, umas bases geraes da pesca, e regulamentos especiaes não só quanto a especie, mas ainda na mesma especie quanto ás localidades, por variarem os usos tradicionaes por que se regem.
Ha ainda outra circumstancia que eu vou tratar rapidamente, não só porque não desejo tomar tempo á camara, alem da sua hora ordinaria, mas porque ha ainda alguns srs. deputados que desejam trocar algumas explicações sobre o assumpto em discussão.
Comquanto o que tenho a dizer se não relacione directamente com o tratado, nem por isso deixa de ter com elle alguma relação, ainda que remota, pois se refere ao estado da nossa industria de pesca, que, pelo seu estado, para assim dizer; primitivo, reclama o auxilio legitimo e natural que o governo deve dar-lhe, por ser uma industria importante pela sua natureza e pelo pessoal que emprega, que, luctando com difficuldades de toda a ordem, nem ao menos tem o mais elementar dos auxilios dos poderes publicos, como o que podia dar-lhe consumindo-lhe os productos.
A tabella das rasões de bordo estabelece o fornecimento em dois dias da semana de rasões de bacalhau para as praças da armada.
Este fornecimento importa para cima de 100:000$000 reis annuaes para o estado. Estabelece a tabella que se pode fornecer as pragas de pret urna outra qualidade de peixe salgado em maior quantidade. A rasão de bacalhau destinada a cada praga de pret 6 de 240 grammas, emquanto que a do peixe salgado é de 350.
Nenhuma administração cuidou ainda de recorrer á industria da pesca nacional para fornecer a alimentação á nossa marinhagem com um producto tão bom como o estrangeiro, e com a vantagem de ser fornecido em maior quantidade e mais barato, como o atum ou outro qualquer peixe, mas sobretudo este, que e preparado e fornecido na sua totalidade em carne limpa.
Tenho aqui a nota dos pregos do fornecimento do bacalhau n'um periodo de dez anunos, (Leu.) importando em media a 2$400 réis cada 15 kilogrammas, o que dá por cada rasão de 240 grammas o prego de 38 réis.
Se se fornecesse o atum, que em media se pode calcular em cincoenta e tantos mil reis a duzia porque, se chega ao valor maximo de 120$000 réis a duzia desce tambem a 6$000 réis, quando ha grande abundancia, alem de outras circumstancias, que é inutil mencionar agora, o seu preço será de 900 réis cada 15 kilogrammas, e addicionando-lhe a despeza da salga e outras o seu preço eleva-se a 1$200 réis. O fornecimento de 350 grammas de carne completamente limpa á marinhagem importaria em 28 réis.
Suppondo que pela diminuição do consumo por parte do estado deixaria de se importar o valor equivalente de bacalhau como o valor do imposto equivalente a cada ração é de 8 réis, a differença do preço entre a raçao de 240 grammas de bacalhau a 38 réis e a do atum de 350 grammas a 28 réis, não só compensa o estado do valor do imposto mas ainda lhe da um saldo favoravel de 2 reis em ração.
Refiro este facto porque importa aos interesses geraes de uma industria nacional e porque com ella interessa tambem uma classe trabalhadora das mais desprotegidas e arriscada nos seus labores, alem da varia fortuna que tem nos seus resultados.
Tenho dito.
O sr. Luciano de Castro: - Deu breves explicações em resposta ao sr. ministro dos negocios estrangeiros, declarando que não foi sua intenção dizer que o sr. ministro dos negocios estrangeiros havia sonegado os documentos á publicidade.
E acceitando as explicações do sr. ministro não podia deixar de estranhar que na diplomacia se procedesse de modo tão irregular, tratando-se os assumptos verbalmente e não passando as propostas e combinações a escripto.
(O discurso será publicado na integra quando s. exa. devolver as notas tackygraphicas.)
O sr. Presidente: - Não ha mais ninguem inscripto, vae votar-se.
O sr. Laranjo: - Peça v. exa. que consulte a camara sobre se permitte que eu retire a minha moção.
Assim se resolveu.
Foi approvado o projecto.
O sr. Carrilho: - Por parte da commissao de fazenda mando para a mesa um requerimento para que lhe seja aggregado o sr. Lopo Vaz.
E por esta occasião requeiro a v. exa. que consulte a camara se permitte que entre desde já em discussão o pro-

Página 1879

SESSÃO DE 30 DE MAIO DE 1885 1879

jecto n.° 97, que tem por fim conceder a isenção de direitos de exportação ao azeite nacional. (Apoiados.)
Este projecto já está impresso e já foi distribuido.
Leu-se na mesa o seguinte:

Requerimento

Por parte da commissão de fazenda requeiro que seja aggregado á mesma commissão o illustre deputado o sr. Lopo Vaz do Sampaio e Mello. = J. Carrilho.
Foi approvado.

Igualmente foi approvado o requerimento para entar em discussão o projecto n.° 97.

O sr. Presidente: - Vae ler-se o projecto n.° 97.
É o seguinte

PROJECTO DE LEI N.° 97

Senhores. - Á vossa commissão de fazenda foi presente o projecto de lei n.° 96-E dos srs. deputados Avellar Machado o conde de Thomar, tendente a isentar de direitos de exportação o azeite nacional.
Concorda a vossa commissão com o projecto. Em principio, não se podem admittir encargos aduaneiros sobre os productos que os paizes exportam: só considerações de ordem puramente financeira podem justificar temporariamente taes imposições. E a isenção que se reclama, não importando para o tbesouro desfalque apreciavel nas receitas publicas, contribuirá, por sem duvida, para animar o commercio de exportação do azeite nacional, collocando-o em circumstancias identicas ao azeite estrangeiro que, por transito, sáe dos nossos portos.
A decadencia da exportação do azeite nacional é evidente: não a attribue a vossa commissão exclusivamente á concorrencia que aqui mesmo lhe faz o producto similar estrangeiro, mas essa concorrencia é notavel.
Os mappas aduaneiros mostram que desde 1867 as exportações do azeite nacional têem, sido as seguintes:

(Ver Tabela na Imagem]

Hectolitros
Valor em réis

1867 ....
1868 ....
1869 ....
1870 ....
1871 ....
1872 ....
1873 ....
1874 ....

875 ....
1876 ....
1877 ....
1878 ....
1879 ....
1880 ....
1881 ....
1882 ....
1883 ....
1884 ....

É importante a diminuição, como se vê.
E posto que a baixa geral de preço de todas as grassinas explique o menor consume do azeite e a sua barateza actual, ainda assim, a não ser a concorrencia estrangeira, talvez que o azeite de oliveira nacional podesse ter mais larga exportação, a qual convem, por todas as fórmas liberaes, desenvolver e auxiliar, dando assim, n'esta parte, movimento ás reclamações que as industrias agricolas fazem aos poderes publicos, pedindo providencias que lhes minorem os effeitos da crise por que algumas d'ellas, n'este momento possam.
N'estes termos, de accordo com o governo, entende a vossa commissão que a iniciativa dos nossos collegas deve ser attendida, e que deveis approvar o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° A exportação do azeite de oliveira nacional e livre de qualquer imposto aduaneiro.
Art. 2.° Fica revogada a legislação contraria a esta.
Sala da commissão de fazenda, aos 23 de maio de 1885. - A. C. Ferreira de Mesquita = Manuel d'Assumpção = Lopes Navarro = Antonio de Sousa Pinto de Maga-lhães = Pedro Roberto Dias da Silva = Correia Barata = Marçal Pacheco = Augusto Poppe = Franco Castello Branco = L. Cordeiro = Moraes Carvalho - João M. Arroyo - Antonio Maria Pereira Carrilho, relator.

N.° 96-E

Senhores. - Bem conhecida é de vós todos a crise por que esta passando a industria agricola não só em o nosso paiz, mas tambem em quasi todas as nações da Europa, ainda as mais adiantadas sob o ponto de vista especial de que tratâmos.
A cultura da oliveira em Portugal, ainda ha poucos annos prospera, e constituindo uma das suas principaes fontes de riqueza, (devendo-lhe o seu bem estar passado e a esperança de um futuro desannuviado algumas das principaes provincias do reino), lucta ha tres para quatro annos com um conjuncto desgraçado de circumstancias, que têem depreciado consideravelmente o prego de azeite não só nos mercados nacionaes, mas ainda nos mercados estrangeiros, e principalmente nos da America.
A continuar um tal estado de cousas ver-se-hão os proprietarios de olivaes obrigados a abandonal-os, porque o rendimento bruto que d'elles poderão auferir não chegará para o seu custeio.
Entre o grande numero de rasões que poderiamos apresentar como determinantes deste calamitoso estado, avulta em primeiro logar o cerceamento constante da nossa exportação, devido em grande parte á facilidade com que os azeites hespanhoes (ao abrigo da convenção de transito) adulterados no commercio, com a mira em maiores ganhos, têem inundado os mercados da America.
Com o fim de collocar os consumidores ao abrigo de sophisticações que não só prejudicavam a saude publica, mas ainda affectavam gravemente os interesses dos productores, approvou a camara dos senhores deputados uma proposta, depois traduzida era lei, para que os oleos susceptiveis de serem empregados na falsificação do azeite, pagassem o imposto de 70 réis por litro, igual ao que foi estabelecido para a importação do azeite estrangeiro.
A adopção de uma similhante providencia pareceu na verdade satisfazer aos lavradores e ao commercio honrado, porque lhes garantia a pureza e bom nome dos azeites nacionaes, que tão desacreditados iam estando nos mercados estrangeiros, pela ambição do ganho de avidos especuladores, que antepunham os proprios interesses aos da nação.
Ao abrigo da convenção de transito existente os azeites hespanhoes, que mesmo adulterados não podiam concorrer com os nossos nos mercados portuguezes, em vista dos direitos de importação existentes, continuaram a ser exportados como portuguezes pelos nossos portos, e por um preço com que não podiamos competir, attentas as sophisticações e inquinações livremente feitas a um tal producto.
Aconteceu pois que sendo nos os possuidores quasi exclusivos dos mercados de azeite do novo mundo, e especialmente do mercado do Brazil, já em 1882 a nossa exportação para este imperio foi apenas de litros 169:445, no valor de 57:577,6000 reis, emquanto a Hespanha exportou pelos nossos portos, no mesmo anno, litros 727:765, no valor de 143:199$000 réis.
A estas circumstancias, já de si extraordinariamente desgraçadas para o nosso paiz, acresce ainda a dos azeites hespanhoes em transito para os nossos portos não pagarem

Página 1880

1880 DIARIO DA CAMABA DOS SENHORES DEPUTADOS

direitos de exportação, como acontece ao azeite nacional, o que aggrava ainda consideravelmente a situação dos nossos productores.
Por estas rasões e por uma infinidade de outras que não apresentamos para não cansarmos a vossa attenção, e tambem porque facilmente occorrem ao vosso elevado criterio e patriotismo, temos a honra de vos apresentar o seguinte projecto de lei;
Artigo 1.° É abolido o actual imposto de exportação sobre o azeite nacional.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões da camara, 22 de maio de 1885. = José Pimenta de Avellar Machado, deputado da nação. = Conde de Thomar.
Foi approvado.

Leram-se as ultimae redacções dos projectos n.ºs 38, 68, 86 e 108.
Foram approvadas.

O sr. Presidente: - Tem a palavra para antes de se encerrar a sessão o sr. Consiglieri Pedroso.
O sr. Consiglieri Pedroso: - Pedi a palavra para fazer uma simples pergunta ao sr. ministro dos negocios estrangeiros, mas como a hora está muito adiantada não sei se s. exa. estará de accordo, em que use n'este momento da palavra.
O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Barbosa du Bocage}: - Estou as ordens de v. exa.
O sr. Consiglieri Pedroso: - Sr. presidente, poucas palavras apenas. E uma simples pergunta que desejo dirigir ao sr. ministro dos negocios estrangeiros.
Como v. exa. sabe, o anno passado, a republica do Mexico acreditou, junto da corte de Lisboa, seu plenipotenciario, o ministro mexicano em Madrid; em consequencia d'esse facto o sr. general Corona apresentou as suas credenciaes ao nosso governo, permanecendo algum tempo entre nós.
V. exa. sabe que tal passo dado pela republica mexka-na pede da nossa parte, que em troca desta renovação de relações diplomaticas, nos correspondamos com a reciprocidade.
Por consequencia, pergunto se, a exemplo do que a republica do Mexico fez com relação a Portugal, o nosso ministro em Washington já recebeu as credenciaes que o Lao de acreditar junto da republica mexicana?
O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Barbosa du Bocage): - Eu devo em primeiro logar observar ao illustre deputado que não ha obrigação absoluta d'esta reciprocidade senão quando isto se convenciona.
Qualquer estado pode nomear um representante numa corte estrangeira, e, não havendo uma convenção em que se estipule a reciprocidade da representação, o paiz onde isto se passa não fica obrigado a estabelecer representação.
Com relação ao Mexico, no meu modo de ver, acho que se deve corresponder a este acto de cortezia, e a manifestação da vontade de estabelecer relações comnosco com acto similhante.
Isto é negocio que ainda não está resolvido; mas parece-me que a melhor solução seria encarregar o nosso ministro em Washington, de nos representar no Mexico, porque e elle que está em condições de melhor poder satisfazer a este fim.
Mas, repito, isto é negocio para ser resolvido, e creio que o não poderá ser senão no sentido affirmativo; isto é, correspondemos ao procedimento do Mexico com procedimento analogo.
Isto não e um acto que possa emanar rapidamente do governo, porque o governo precisa de ser auctorisado pelo parlamento para acrescentar no orçamento os meios necessarios que habilitem o nosso ministro em Washington a representar-nos no Mexico, e só o poderá fazer quando estiver auctorisado pelo parlamento.
O sr. Consiglieri Pedroso: - Eu sei perfeitamente que em face do direito international, não ha obrigação na reciprocidade de representação quando ella não esteja estipulada numa convenção especial; mas o sr. ministro sabe muito bem que o corresponder a attenção do Mexico e um dever de cortezia e para nós n'este caso de interesse até. Entendo, pois, que se deve responder com um acto de reciprocidade a renovação de relações, de que tomou a iniciativa a grande republica platina.
Exactamente porque a camara esta a findar as suas sessões e por ver que o governo ainda ate agora não apresentou proposta alguma no sentido de habilitar o nosso ministro em Washington a representar Portugal no Mexico e que eu dirigi esta pergunta ao governo.
Vi que se creou uma legação na Suissa, nação com a qual não temos relações algumas...
O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Barbosa du Bocage): - Não existe já. Nomeou-se um plenipotenciario, mas a nomeação foi provisoria.
O Orador: - Tivemos e creio que temos hoje um ministro em Constantinopla...
O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Barbosa du Bocage): - Já não temos.
O Orador: - Mas tivemos...
O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Barbosa du Bocage): - Sem vencimento.
O Orador: - Isso nada importa para o facto da representação. Não temos, porem, hoje ministro no Mexico, quando sabemos que o Mexico é a primeira das republicas latinas do novo mundo, e quando devemos attender aos altos interesses commerciaes e colonisadores que nos ligam senão directamente ainda áquelle paiz, menos a outros que na America têem com elle estreitas relações.
Está sobre a mesa um projecto, que já foi distribuido, elevando a categoria da nossa legação na capital de imperio allemão.
Quando este projecto se discutir direi o que se me offerecer ácerca da sua opportunidade e da sua significação com respeito á politica externa portugueza.
No entretanto farei notar a camara desde já que me parece estranho que o governo, ao passo que tanto zela a nossa posição diplomatica em Berlim, se esqueça ha um anno do que devemos a um importante estado do novo mundo!
Depois, é preciso attender ás circumstancias em que se faz este estreitamento de relações. Houve tempo em que nos tivemos ministro acreditado no Mexico, quando este paiz atravessava uma grave crise politica.
Estava então a nação mexicana em situação anormal, por isso que os seus poderes constituidos existiam de facto antes amparados pelo direito da forca representado nas baynetas estrangeiras, do que pela vontade da nação. Pois, n'esse momento nós tinhamos um ministro portuguez acreditado na corte de Maximiliano. Parece-me até poder certificar a camara que era o sr. Sotto Maior o nosso enviado extraordinado junto do infeliz archiduque. Ora, o que nós concedemos ao ephemero imperio, vassalo de Napoleão III, não podemos recusal-o a republica de Juarez, senhora dos seus destinos, e um dos mais adiantados paizes d'essa America latina, que do outro lado do Oceano perpetua num vastissimo theatro as nossas melhores tradicções!
O sr. Presidente: - A ordem do dia para segunda feira é a continuação da que estava dada e mais os projectos n.ºs 96, 94, 99, 101 e 68, devendo a discussão começar pelo tratado do Zaire.

Esta levantada a sessão.

Eram seis horas e um quarto da tarde.

Página 1881

SESSÃO DE 30 DE MAIO DE 1885 1881

Discurso proferido pelo sr. deputado Correia Barata na sessão de 4 de maio, e que devia ler-se a pag. 1419, col. 2.ª

O sr. Correia Barata: - Cumpre-me, em primeiro logar, agradecer a esta camara a distincta honra que acaba de fazer-me, permittindo que eu neste momento de as explicações, que não podia deixar de dar, relativamente ao artigo 6.° do projecto das reformas politicas, que foi votado na ultima sessão parlamentar.
Não são pretensões, não são vaidades que me levaram a pedir esta permissão a camara; ao contrario, e um imperioso dever, no cumprimento de um mandato, que me obriga a ser explicito, relativamente a este assumpto; tanto mais quanto e certo, que não rejeitaria o artigo. Se estivesse presente approval-o-ia, sem alteração de uma virgula nem de um ponto; todavia, approvando-o n'estas condições, por motivos inteiramente diversos da opinião geral, julguei necessario fazer algumas declarações.
Como não desejo alongar-me em considerações, para não tomar muito tempo á camara, vou directamente ao assumpto.
Quaes foram as rasões, pelas quaes se entendeu que era conveniente reformar a camara dos dignos pares? Não é difficil achal-as, porque têem sido aqui ditas por muitos srs. deputados.
Duas ordens de rasões aconselharam aquella reforma: a primeira e deduzida das modificações effectuadas nos costumes do paiz e das alterações feitas na nossa legislação politica e civil; a segunda é baseada na feição recente que a camara dos dignos pares tomou, sobretudo de 1879 para cá, em virtude da qual ella se afastou um pouco d'aquella caracteristica, que naturalmente era consentanea com a sua indole, tornando-se, não direi facciosa, porque seria uma accusação immerecida, mas um pouco inclinada ás aventuras da paixão partidaria; e dando logar, por conseguinte, a que não representasse aquelle papel de equilibrio, que nos systemas representativos costuma representar aquelle braço do poder legislativo.
Para modificar a nossa primeira camara quanta a sua organisação privilegiada, incompativel com a moderna constituição social, imitou-se o que em Hespanha e Italia se fez, promulgando-se a lei das categorias.
Esta lei não significa verdadeiramente a representação das classes, como se pretende fazer era Inglaterra, para reformar a camara dos lords.
Apesar de ser differente da nossa a organisação da propriedade em Inglaterra, nem isso impediu que a sua camara alta fosse pouco a pouco perdendo o prestigio e importancia politica, a ponto dos nobres lords pensarem seriamente em modificarem a sua constituição, não lhe introduzindo um elemento de eleição popular, mas fazendo representar na dita camara as variadas classes sociaes, que sejam aptas para conhecer dos multiplicados interesses que se agitam na sociedade moderna.
Sem entrar na apreciação da nossa lei de categorias, direi comtudo quo, de um modo geral, esta lei satisfaz por emquanto, á solução da primeira parte do problema.
Relativamente a segunda parte, entendeu-se que era precise modificar ou alterar a camara dos dignos pares, de maneira a fazer com que ella não usurpasse as funcções politicas, que são proprias da segunda camara, perturbando assim o regular andamento dos negocios publicos e a harmonia que não póde deixar de existir entre as duas casas do parlamento.
O que se havia de fazer para este fim?
O que havia de descobrir-se?
Descobrir uma cousa muito simples.
Introduziu-se n'ella um elemento essencialmente politico, um elemento de eleição.
O que se quira conseguir era que a camara dos dignos pares fosse um elemento ponderador, ou que fosse por assim dizer um dos pratos da balança que oscilasse sempre em compensação do outro, representado pela camara dos deputados, e de modo que ao mesmo tempo ambos estes corpos politicos podessem receber um só impulso que os fizesse caminhar em harmonico parallelismo no sentido das conveniencias publicas e do progresso do paiz.
Para se conseguir este resultado, luminosa idéa! introduziu-se na primeira camara um elemento essencialmente politico.
Não digo que isto seja absolutamente mau, mas o que não me parece e muito consentaneo com o fim que se queria conseguir.
E não digo que seja absolutamente mau, porque n'um paiz como o nosso, onde ha tres seculos se não contribue com uma idéa nem com um facto para o desenvolvimento da civilisação, onde tudo se imita e nada se faz com originalidade, desde que lá fóra estão correndo as idéas de fazer porvir todos os poderes directamente, do voto popular, não é de admirar que alguem se lembrasse de applicar n'este caso o mesmo principio.
Admitto mesmo que o principio electivo introduzido na camara dos dignos pares podia resolver a questão.
Mas o que se me antolha claro e se manifesta com a maior evidencia aos olhos de todos, é que, desde o momento em que se altera a composição d'aquelle alto corpo politico, seria natural que se alterassem tambem as suas attribuições.
Agora deixar intactas absolutamente todas as attribuições que tenha a camara dos dignos pares, e remodelal-a somonte no tocante a sua composição de um modo tão profundo que lhe vae dar uma feição inteiramente nova, devo dizer que é uma tão grande innovação que não conheço igual em paiz algum do mundo.
Estavamos destinados para no ultimo quartel do seculo XIX fazermos esta grande invenção politica.
Uma primeira camara, constituida como esta vae ficar ha de dar logar a consequencias que não são difficeis de prever.
A nossa carta constitucioual da as duas camaras legislativas a iniciativa das leis, exceptuando as que dizem respeito ao recrutamento e impostos, cuja iniciativa e reservada a camara dos deputados.
Em quasi todas as constituições da Europa se encontram disposições analogas, não fallando na Hollanda, cuja primeira camara não tem a iniciativa das leis.
Succede, porém, que se fjrmos estudar o direito cousti-tucional as nacoes da Europa, e não quero ir a America do sul buscar exemplos, porque e natural que os paizes que estão mais ao pé de nós tenham mais ligação com o nosso estado politico; se consultarmos os codigos politicos da Inglaterra, da Hespanha, da Belgica, da Italia e da Hollanda, encontrâmos disposições em virtude das quaes está de tal fórma garantido o equilibrio das relações reciprocas entre os dois braços do poder legislativo, que podem evitar-se sempre com facilidade os conflictos que porventura se dêem entre elles.
Assim, por exemplo, uma proposta apresentada na camara dos communs em Inglaterra, que não possa ser approvada na camara dos lords, é rejeitada no todo in limine, e não volta emendada, acrescentada, nem modificada, como se porventura a primeira camara fizesse de mestre que emenda o thema ao discipulo.
Comprehende-se bem qual e o espirito d'esta disposição.
O espirito d'esta disposição e afastar do seio da segunda camara toda a questão irritante, todos os elementos, em fim, que possam produzir uma conflagração dentro do parlamento.
Os dois corpos legislativos, se estão empenhados em fazer passar uma medida que julgam util e necessaria para o paiz, Lao de entender-se de modo a fazer com que ella revista uma forma acceitavel.
Se a opinião da primeira camara e inteiramente opposta

Página 1882

1882 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

ao projecto votado na segunda, ou a questão se adia, ou a corôa dissolvendo a camara electiva, entrega nas mãos do paiz a solução d'ella, visto que uma nova camara virá decidir, concordando com o pensamento da primeira, ou vindo com ella a accordo sobre as modificações que devem fazer-se no primitivo projecto.
Na Italia e na Hespanha o projecto rejeitado pelo senado não torna n'essa sessão a voltar ao debate.
Comprehende-se tambem o motivo d'esta disposição.
O tempo é um dos melhores meios para se removerem difficuldades, attritos ou conflictos que possam dar-se na governação dos estados.
A mesma disposição da Inglaterra se encontra na constituição dos Paizes Baixos.
O que se encontra entre nós?
A carta estabelece no artigo 54.° que se nomeará uma commissão mixta que ha de ser composta de pares e de deputados, em igual numero, para resolver a pendencia. «Se nomeará», é a phrase da carta.
Não se diz por quem ha de ser nomeada tal commissão; mas supponhâmos que ha de ser eleita pelas duas camaras.
Essa commissão e que ha de resolver o conflicto que se der a proposito de qualquer projecto que a camara alta reenvie á camara dos deputados alterado ou emendado.
Com os nossos costumes politicos, quem nomeia ou faz eleger esta commissão, quando ella se tornar necessaria, é manifestamente o governo.
Quer dizer, e o governo que resolve indirectamente, e de um modo occulto, os conflictos entre as duas casas do parlamento.
O resultado d'este systema e o seguinte: desautorar o poder legislativo, e enfraquecer o prestigio do poder executivo.
D'aqui conclue-se que conservar a camara dos pares, come vae ficar organisada, as mesmas attribuições que tinha dantes, e estabelecer uma fonte perenne de conflictos entre as duas camaras, que não digo que se dêem d'aqui a um anno ou dois, mas que mais tarde ou mais cedo hão de apparecer.
E não é só isto.
Os conflictos hão de provir tambem da heterogeneidade dos elementos que compõem aquella camara.
Não quero discutir se a camara alta, em attenção á população do paiz, devia ter 80, 100 ou mais membros.
Para mim essa questão é secundaria; não vale nada.
O que não posso deixar de discutir e a relação numerica entre os pares electivos e os pares de nomeação regia.
Essa questão é que tem muita importancia; e é facil de ver que ella tem muita importancia comparando o que se encontra nas constituições estrangeiras a este respeito, com as disposições que vamos introduzir na carta, reformando a camara dos pares.
A organisação da camara dos lords em Inglaterra e ainda a que se parece mais com a da nossa camara dos pares, depois de reformada.
Lá tambem ha o elemento electivo.
Não se encontra ali a eleição popular, mas encontra-se em todo o caso a eleição.
Os pares de Escocia e os pares de Irlanda, sendo os da Escocia 16 e os da Irlanda 28, são eleitos pela nobreza dos respectivos paizes.
E ainda se dá mais uma afinidade entre a organisação da camara dos lords em Inglaterra e a futura organisação da nossa camara dos pares.
Ali, quando por qualquer circumstancia e dissolvida a camara dos communs, procede-se igualmente a nova eleição dos pares da Escocia.
O que se encontra em Hespanha, d'onde foi copiada a nossa reforma?
Na Hespanha, metade dos senadores e electiva, e a outra metade é de nomeação regia, incluindo os senadores de direito proprio.
Entre nós pareceu indifferente que a parte electiva da camara dos pares fosse de metade, de um terço, ou de um quarto.
Entendeu-se por fim que era sufficiente que fosse de um terço a relação numerica entre os pares de eleição e o numero total dos membros da camara alta. Para 150 pares, 50 sairão da eleição, os de nomeação regia serão em numero dobrado ou 100, ficando de fóra ainda os pares de direito proprio.
Esta relação numerica, que se observa em Hespanha e Inglaterra, entre os membros de eleição e os de nomeação, nas suas primeiras camaras, não ha de ter uma significação?
De certo que ha de ter.
O que se deprehende d'esta organisação é, ou que o elemento electivo deve ser muito pequeno, como succede em Inglaterra, para que não possa produzir perturbaçõees, ou sufficientemente grande, como em Hespanha, para que os governos possam recrutar n'elle a sua maioria.
Ora, foi isso que não se fez cá.
Poderão os governos contar que terão sempre do sou lado toda a parte electiva da camara dos pares? É de presumir que nem sempre assim seja.
Primeira difficuldade.
Por outro lado, hoje não e permittido asseverar que hão de ter sempre 25 e mais 1 votos de entre os membros de nomeação para terem maioria na camara dos pares. Note-se que já não entro em conta com os pares de direito proprio.
Eu sei que isto são apenas previsões, e nem de outro modo podia ser, quando se trata de acontecimentos futures. E por isso se torna necessario considerar attentamente os factos passados.
Ora, desde 1879 está provado pelos factos que a nomeação regia não imprime um caracter politico determinado aos membros da camara alta, como d'antes succedia. Nós sabemos muito bem que os nossos diplomas nos dão uma posição definida n'esta casa; mas a nomeação não póde já produzir os mesmos effeitos na outra.
Sobre as questões mais graves, nas questões que o governo declarar politicas, a oscillação das opiniões será de tal ordem na camara dos pares, que poderá vir a faltar aos governos n'aquella camara a indispensavel maioria, justamente na occasião em que mais precise d'ella.
Resumindo: acho tão viciosa a nova organisação da camara dos pares, que entendo hão de resultar d'ella as seguintes consequencias: primeira, conflictos entre esta camara e a dos deputados; segunda, conflictos entre o elemento electivo e o elemento de nomeação d'aquella camara; terceira, difficuldade dos governos poderem com facilidade obter n'ella a indispensavel maioria para o impreterivel equilibria dos poderes e a necessaria ordem na governação do estado.
Agora perguntar-se-me-ha: qual a rasão porque pensando assim, votei o artigo? Vou explicar-me.
Eu tenho ouvido dizer n'esta camara, tenho lido na imprensa e, emfim, affirma-se por toda a parte, que o grande mal de que enferma o paiz, que a principal origem do nosso mal estar social e politico, que o cancro que nos consomme e a corrupção dos costumes politicos; não o affirmo, nem o nego, mas o facto é que isto é dito por toda a gente.
Era natural que em uma occasião tão momentosa se tratasse de ver se se encontrava um meio para remediar este mal fundamental, para nos lavarmos d'este peccado original, por assim dizer.
Parece-me que uma modificação feita na carta constitucional, só por si, não será bastante para trazer o remedio e a cura a tão grande enfermidade. Como resolver este grave problema? Eu sei que os costumes não se reformam

Página 1883

SESSÃO DE 30 DE MAIO DE 1885 1883

com leis. Mas ás vezes ellas podem ser indirectamente a causa d'essa reforma.
As sociedades, similhantemente ao homem, têem uma physiologia e uma pathologia.
Ha doenças graves que os medicos classificam do crisiacas, porque o paciente só sáe d'ellas por uma crise, se é benefica. A crise póde ser fatal, e o organismo succumbe a ella n'esse caso.
Se a crise e benefica, o doente restabelece se e recupera a saude rapidamente; como que renasce para a vida com vigor e forças inteiramente novas.
Ora, applicando esta doutrina ao caso, porque sou d'aquelles que enteudem que o quadro symptomatico da nossa sociedade revela um verdadeiro estado pathologico, que se foi aggravando cada vez mais. a ponto de nos achar-mos no periodo agudo de uma grave doença social, applicando ao caso esta indicação que a sciencia ensina, concluo que os conflictos de que fallei, mais tarde ou mais cedo, hão de dar origem a uma crise que, se for benefica, ha de trazer o paiz a uma vida nova, a uma existencia inteiramente diversa da actual. Mas benefica, digo eu! Não será essa crise fatal? Aqui é que esta o perigo.
Eu não sou um revolucionario; se eu tivesse a desconfiança, se suspeitasse sequer, que provocando no seio da sociedade portugueza uma crise grave, como remedio heroico para o seu mal, iria dar origem a uma conflagração geral nas forças vivas do paiz, pondo em risco a sua existencia; emfim, se a mais remota presumpção me levasse a crer, que em vez de uma crise salutar, iamos promover uma revolução de tal ordem que tivesse de abalar a nação inteira, fazendo-a intervir directamente na sua propria cura, declare que não me abalançaria a correr tão grande risco.
Mas felizmente vive commigo uma convicção; e é que os homens publicos do meu paiz, que os chefes de todos os partidos, desde o distinctissimo e honradissimo chefe do partido regenerador ate aos de todos os outros, são todos muito patriotas, desinteressados e amigos do bem commum, para que deixem de empregar, quando este momento critico chegar, por si proprios e com igual empenho, todos os meios precisos para remodelar completamente as bases em que actualmente se acham constituidos os nossos partidos politicos.
É preciso que cada um tenha a sua bandeira, o seu programma definido, que se inspire sómente das verdadeiras indicações da opinião e que não faça d'ellas um joguete das suas ambições. Um programma politico não é uma exposição pomposa, mas inutil, das doutrinas do direito publico moderno.
Um programma politico não póde ser outra cousa senão a indicação dos meios praticos, n'uma epocha determinada, que um partido entende que devem ser empregados para resolver os negocios graves da administração publica.
Um programma e um systema de governo, não é uma exposição de principios theoricos.
É preciso remodelar completamente a actual feição dos nossos partidos politicos, embora haja a triste necessidade de recorrer a um remedio heroico.
Não quero deixar sem confirmação as affirmações que fiz relativamente á indole dos nossos partidos politicos, e ao estado de corrupção dos nossos costumes.
Eu tenho a força bastante, apesar de reconhecer que a minha palavra é a mais humilde e a menos auctorisada d'esta casa, para apreciar desafrontadamente e com independencia as cousas do meu paiz.
Mas para que ninguem suspeite que as minhas apreciações são falsas ou são devidas a pouca experiencia ou a ignorancia, apresento um testemunho insuspeito, pelo qual se vê que a situação politica do paiz é a que disse, e não outra.
N'um relatorio importante que precede um projecto de lei apresentado a esta casa do parlamento, era que se propõe a reforma do nosso codigo fundamental, encontrei as seguintes palavras. Vou só ler dois trechos á camara, embora este documento seja de tanta magnitude, e assignado por um estadista tão considerado pelo seu talento e pelos seus serviços, que merecesse ser lido todo.
Logo direi quem firmou este documento, ou antes, basta lel-o para saber a quem me refiro:
«Conhecer o momento opportuno, acertar com a monção propria para alvitrar a necessidade e a urgencia das reformas constitucionaes, esse e o segredo dos que, chamados pela eminencia dos talentos, pela elevação dos intuitos e pela natural e não disputada supremacia da influencia e do prestigio politico, tomam sobre si a responsabilidade e o dever de dirigir a acção dos partidos, de consultar as sensatas indicações da opinião e de evitar por justas concessões á soberania popular que a revolução armada e indomita imponha violentamente aos poderes publicos as mudanças inevitaveis, que a resistencia dos preconceitos, a reluctancia dos interesses creados, e o apego ás velhas idéas, não deixaram ordenar legal e pacificamente.»
«Evitar por justas concessões a soberania popular que a revolução armada e indomita imponha violentamente aos poderes publicos as mudanças inevitaveis...» diz-se aqui. Triste e miseravel soberania, que só podes viver das justas concessões que te fazem os partidos politicos portuguezes!
Que soberania e que partidos!
Conclui eu do que acabo de ler, que com effeito a politica portugueza e uma alchimia mysteriosa, uma sciencia occulta, que só é dado penetrar aos iniciados; só os adeptos é que podem percebel-a.
A necessidade e a urgencia das reformas constitucionaes é um segredo, que os profanos não podem descobrir.
Isto define claramente a indole dos partidos entre nós.
Mas lerei ainda um outro trecho.
É o seguinte:
«Ao cahos, á contingencia, á anarchia nas regiões do poder, responde o descredito, a desordem e a ruina na gerencia economica do estado. A todas essas tristes manifestações de decadencia parlamentar, de desobediencia e de desmoralisação governativa e de funesta administração financeira, vem ainda associar-se em doloroso complemento a indifferença publica, e a ausencia do partidos que lealmente affirmem o seu pensamento e as suas aspirações politicas, e que, representando idéas e opiniões contrarias, deixam largo espaço á discussão dos interesses publicos, etc.»
Isto define claramente o estado dos nossos costumes publicos.
Não é, portanto, uma illusão minha o que affirmei; nem foi inutil ler um documento tão authentico e insuspeito.
Acham-se estes periodos ao relatorio que precede o projecto de reforma constitucional, apresentado a esta camara em l872 pelo sr. José Luciano de Castro.
É pois certo que os partidos politicos em Portugal não são aquillo que deveriam ser, conforme os define o direito publico moderno; não representam, como o seu nome diz - pars - uma parte importante da opinião publica; não representam uma verdadeira funcção politica no estado; não representam a expressão real da vida politica do paiz; não se inspiram no interesse da nação; são aggremiações artificiaes, desconnexas, que parecem destinadas apenas para pôr em pratica essa decaniada theoria da rotação dos partidos no poder, pela qual tive sempre uma antipathia invencivel, e que não podia ser, como se vê, mais justificada.
Portanto, tudo o que possa contribuir para extirpar esta anomalia, será de um inestimavel proveito para o paiz.
Não quero ser mais extenso.
Aqui está a rasão porque votei o artigo 6.°
Approvo-o, porque estou convencido que a nova organisação da camara dos dignos pares ha de ser uma origem

Página 1884

1884 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

de conflictos, que de futuro se amiudarão, não só entre as duas camaras, mas entre o poder legislativo e o executivo. E desde o momento em que esses conflictos se repitam, e se declare uma verdadeira crise, que mostrará aos olhos de todos os vicios intimos da nossa vida politica, não duvido affirmar que os homens publicos do meu paiz hão de necessariamente empregar todos os esforços para acabar de vez com todas as ficções, para reorganisarem os partidos sobre a unica base legitima que os justifica, fazendo dos negocios da administração publica objecto de serio estudo e não de falsas convenções ou de enganosos accordos.
Não acredito, porque confio na nobreza do seu caracter, que os nossos estadistas queiram incorrer na grave responsabilidade de entregarem o paiz nos braços da revolução popular, não por deixarem de fazer justas concessões á soberania popular - falsa e erronea comprehensão da sciencia politica, ou da arte de governar - mas por não quererem abandonar o systema de ficções que tem trazido o paiz ao estado em que o vemos.
Sei que a sessão foi prorogada ate se votar o projecto. Ora, elle já se votou, deu a hora, e eu estou abusando evidentemente da paciencia da camara.
Vozes: - Não está.
O Orador: - Se v. exa. me pode reservar a palavra, eu peco para continuar na sessão seguinte.
O sr. Presidente: - Não póde ser, porque o illustre deputado esta usando da palavra para explicações e isto só se póde fazer em prorogação de sessão.
O Orador: - N'esse caso, continuarei, e vou resumir o mais que poder as considerações que tenho a fazer.
Limitar-me-hei a fazer apenas algumas observações ácerca do § 2.° do artigo que discuto.
A doutrina d'este paragrapho tambem mo surprehendeu pela novidade.
Não encontro em constituição de paiz algum igual disposição. Estabelece-se que todos os bispos e arcebispos do continente do reino são pares de direito proprio.
É o caso de applicar o adagio popular: «Para amigos mãos rotas».
Vejamos o que se encontra nos outros paizes com relação a este direito concedido aos prelados.
Em Inglaterra, onde ha vinte o seis cadeiras na camara dos lords, para trinta e quatro sédes episcopaes, incluindo os dois arcebispados de Canterbury a de York, vejo que de todos estes vinte e seis pares, só cinco o são de direito proprio; a saber: os dois arcebispos, e tres bispos, o de Londres, o de Durham e o de Winchester.
E note v. exa. que isto é em Inglaterra, n'esse paiz que tem uma religião nacional, aonde todos os membros do alto clero são nomeados directamente pela corôa.
É verdade que ha alguns corpos capitulares de antigas sédes, que elegem os seus bispos, mas a eleição é puramente ficticia, porque não ha exemplo de deixar de recaír sobre o individuo que é apresentado pela corôa.
Em Hespanha encontro unicamente pares de direito, o patriarcha das Indias e os arcebispos; na Belgica, não ha nenhum de direito, a não ser o principe herdeiro; na Italia, os bispos e arcebispos constituem a primeira classe da lei das categorias.
Em parte nenhuma, onde possa haver parallelo entre as constituições politicas, encontro uma disposição d'esta ordem, e fico, por consequencia, sem poder justitical-a!
Mas na minha ordem de idéas não acho inteiramente desproveitosa a introducção de tantos elementos espirituaes por direito inalienavel na camara dos pares; pode ser que este elemento venha a ser preponderante e venha assim a provocar mais depressa a crise que ha de trazer a cura do nosso mal. (Apoiados.)
Mas ha uma cousa extraordinaria e digna de notar-se na redacção do paragrapho: «São pares de direito todos os bispos do continente do reino sómente.»
Mas aos das ilhas e do ultramar, porque não se lhes dá, o mesmo direito?
Eu bem sei qual a resposta que se me vae dar: não podem deixar as suas dioceses distantes para comparecerem na camara!
Mas, sr. presidente, um direito não se regula nem se aprecia assim; uma cousa e o direito que se confere e outra cousa e o uso que se faz d'esse direito. (Apoiados.)
Se porventura isso fosse rasão para serem excluidos os prelados a que me refiro da garantia que se dá aos do continente, então nem estes mesmos deveriam ser pares de direito, porque, apesar de residirem no continente, quasi nunca vem á camara dos pares.
Portanto não ha rasão plausivel que justifique a exclusão dos prelados não comprehendidos na disposição d'este paragrapho; acho que o meu amigo o sr. Santos Viegas pediu pouco; s. exa. pediu para serem incluidos os bispos das ilhas, mas pedisse para serem incluidos tambem os do ultramar.
Então o arcebispo de Goa?
Então o bispo de Macau?
O sr. Santos Viegas: - Estão distantes.
O Orador: - Será boa rasão, mas a mim não me convence.
Tenho sincera pena de que s. exa. não pedisse mais, porque n'este caso defendia os principios da verdadeira justiça.
De resto sei muito bem que os prelados excluidos hão de como ate aqui, receber da corôa o pariato, logo depois da sua confirmação. Todavia uma questão de direito reco-nhecido na constituicao, deve regular-se por mais altos principios, para não dar logar a excepções injustificadas, que só o favor da corôa póde sanar.
Portanto, para concluir aqui as minhas considerações a este respeito, direi que acho esta disposição magnifica, se porventura ella trouxer comsigo mais um elemento discordante na camara dos dignos pares, e d'ahi a necessidade de uma reforma completa e radical no nosso modo de ser politico, que realmente me esta parecendo uma capa rota e esfarrapada que já não póde encobrir as ulceras do organismo enfermo.
Passemos a outro assumpto.
Aproveito esta occasião para dizer poucas palavras em resposta as considerações com que fui honrado pelo meu illustre collega e amigo o sr. Santos Viegas,
Se porventura não estivesse em uma situação tão extraordinaria como estou, porque a hora já deu ha muito, e só devo a palavra a uma extrema cortezia da camara, desejaria ser mais extenso para responder a todos os pontos do ultimo discurso do illustre deputado; mas assim limito-me unicamente a discutir os pontos essenciaes da nossa discordancia reciproca.
Em primeiro logar permitta-me s. exa. que aproveite esta occasião para lhe testemunhar publicamente o meu respeito pelas suas qualidades, como cavalheiro, e pelas suas virtudes, como sacerdote.
Eu era incapaz aqui, ou noutra parte, qualquer que fosse a importancia da questão que entre nos se travasse, de alterar a verdade historica, ou a verdade dos factos em abono da minha argumentação, ou do me servir de qualquer argumento pessoal para ferir o meu adversario.
O sr. Santos Viegas: - Faço-lhe inteira justiça.
O Orador: - Agradeço a s. exa. Mas se digo isto e porque me doeu um pouco que s. exa. dissesse que se fallava da igreja com odio por ser uma instituição que não é materialista. S. exa. soube dizer isto tão bem, que em poucas palavras vibrou-me duas accusações. Emquanto os factos não provarem o contrario, nem s. exa. nem ninguem tem o direito de me lançar em rosto qualquer accusação, qualquer palavra, que seja menos propria de um homem de bem.

Página 1885

SESSÃO DE 30 DE MAIO DE 1885 1885

O sr. Santos Viegas: - Eu não disse que v. exa. era capaz de odios; se o dissesse seria uma injustiça.
O Orador: - Mas que tinha discutido com odio.
O sr. Santos Viegas: - Não disse que s. exa. proferira qualquer palavra com odio. Disse que alguma vez podia sair da boca deste ou d'aquelle cavalheiro, que se senta n'esta casa, no calor da discussão, é claro, qualquer palavra que significasse isso; mas não o disse de s. exa., nem o podia dizer, já porque não o merecia, já porque eu não era capaz de o dizer, ainda que s. exa. o merecesse. O que fiz foi apenas uma apreciação generica.
O Orador: - Em todo o caso fica de pé esta apreciação; eu sou materialista.
(Interrupção.)
Lastimo que s. exa. se associasse a pessoas que não estão a altura do seu caracter e dos seus conhecimentos, e portanto tambem não estão a altura de me fazerem accusações d'estas; mas emfim, as explicações que s. exa. acaba de me dar com respeito a minha humilde pessoa satisfazem-me.
Na ultima vez que tive a honra de fallar n'esta casa, fil-o em circumstancias especiaes, e d'ellas só eu mo considero juiz. Talvez fosse mal comprehendido por me expressar muito syntheticamente, comtudo affirmações que fiz, e os factos que citei, são de absoluta exacção historica.
Onde está a dissidencia entre nós? Em dois pontos essenciaes; no modo por que cada um entende o que seja o beneplacito, e o que seja a igreja catholica.
S. exa. começou por dizer que o beneplacito não era de origem secular, e asseverou depois que significava a censura previa.
O sr. Santos Viegas: - Disse-o e affirmo-o ainda.
O Orador: - E eu vou affirmar o contrario.
S. exa. queixou-se de que eu tinha feito uma injustiça flagrantissima á igreja catholica, negando ou mostrando desconhecer os altos serviços por ella prestados a civilisação.
Quando um contender me vicia os principios da argumentação, tenho a certeza que a discussão se torna impossivel ou inutil. Ora, na questão do beneplacito, a viciação está exactamente na sua definição.
Eu admitto a definição historica; s. exa. admitte a definição catholica.
É facil mostrar com datas que, ainda mesmo que o beneplacito fosse adoptado, para os fins que s. exa. disse, pelo papa Urbano VI, já a esse tempo elle estava estatuido na nossa legislação. Não é preciso ser muito versado na historia do direito patrio para saber-se que foi D. Pedro I que estabeleceu o placito regio, ordenando que não podessem correr no reino bullas ou quaesquer letras apostolicas sem que elle fosse concedido.
Ora, D. Pedro I morreu alguns annos antes de Urbano VI subir ao throno pontifical. Aqui tem v. exa. a que fica reduzido o seu argumento deduzido da origem do beneplacito.
Ninguem ignora as ingentes luctas que se travaram entre o clero e os reis de Portugal durante a primeira dynastia, luctas em que nem sempre os reis ficaram victoriosos. D. Affonso II morreu sob a ameaça de se pôr interdicto no reino; D. Sancho II foi deposto pelo pontifice Innocencio IV; D. Affonso III transigiu por fim com todas as exigencias da ordem ecclesiastica, insaciavel de poder e de riquezas; D. Diniz, para acabar com tão ruinosas e até escandalosas questões, achou meio, por via das concordatas, de se congrassar com o clero portuguez, tornando-se mais independente do pontiticado, que nunca deu rasão ao poder real.
Emfim, D. Pedro I firmou definitivamente os direitos da corôa no temporal.
E chama-lhe sr. exa. censura previa? E o que é o index expurgatorius, cuja congregação foi fundada pelo papa Leão X, justamente, cousa notavel, quando se arrogava o titulo de defensor das letras?
É a censura posthuma, bem sei... porque não póde ser prévia. Mas o index, esse não vale nada. O beneplacito e que e um attentado contra a liberdade e ate contra a religião!
Ora, vejam como a igreja comprehende a liberdade!
A igreja tem o direito de usurpar o que pertence aos outros, mas que ninguem se atreva a tocar nas suas santas immunidades!
Mas passemos sobre isto e vamos a outra questão.
Tratemos das accusações que me foram feitas. O illustre deputado referiu-se a um jornal que redigi em Coimbra em 1877 e 1878, intitulado o Seculo.
(Interrupção.)
Tambem não quer que falle n'isto?
É notavel que o illustre deputado se inquiete por eu querer responder as suas palavras...
O sr. Santos Viegas: - Eu não digo mais nada sobre este incidente.
O Orador: - O illustre deputado disse que eu desconhecia os serviços prestados pela igreja a civilisação, e nem ao menos me quer dar o direito de lhe mostrar que os não desconheço.
O sr. SantOS Viegas: - V. exa. dá-me licença; eu tenho obrigação de explicar as minhas palavras, as quaes s. exa. está dando uma interpretação que não e a verdadeira.
O Orador: - Eu acceito as suas explicações; agora o direito de interpretar e tanto seu como meu. O illustre deputado apresentou um argumento que eu tenho ouvido muitas vezes. Mas a que epocha se reterem esses serviços prestados pela igreja ao progresso da humanidade? Ao seculo actual, aos immediatamente anteriores, aos primeiros seculos do christianismo?
Eu posso provar com a historia na mão que taes serviços no seculo actual são negativos, e em muitos e muitos dos anteriores só miraram aos interesses mundanos da sociedade catholica. A mais ninguem aproveitaram.
Não direi, porem, o mesmo dos primeiros seculos do christianismo, em que a igreja era perseguida.
Permitta-me a camara que eu, relativamente a influencia que teve o christianismo na sociedade européa dos primeiros seculos, leia alguns trechos de um artigo escripto no jornal a que alludi, para se ver se eu posso ser accusado de inimigo d'esta antiga instituição, que com o andar dos tempos tanto se transformou e tantas mudanças soffreu nos seus puros e santos principios.
Escrevia eu em 1878 o seguinte:
(Leu.)
Aqui esta o que eu dizia do christianismo nos primeiros seculos. Relativamente aos outros, como a hora esta adiantada e não quero abusar de tanta delicadeza da parte dos que me ouvem, não direi cousa alguma, porque nenhum dos cavalheiros que aqui esta precisa das minhas lições.
Simplesmente preciso affirmar de novo que o espirito catholico, desde ha muito, e sobretudo depois do concilio de Trento, não é o espirito christão. Isto está demonstrado; e é n'este sentido que muitas vezes digo e affirmo que a igreja, n'estes ultimos seculos, póde dizer-se que tem adquirido os seus proprios inimigos. Agradeço ainda uma vez a benevolencia da camara.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem.

Redactor = Rodrigues Cordeiro.

Página 1886

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×