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1896 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

dencia de qualquer jurisdicção ou de qualquer dominio regular que não fosse o dos pequenos potentados indigenas.
19) Dia a dia engrossava o movimento da exploração africana, vivamente estimulado pela necessidade de abrir novos mercados á producção europêa e pela concorrencia febril dos esforços e preocoupações de uma expansão colonial que tendia a assoberbar os interesses e idéas dos governos mais refractarios ás illusões e ás aventuras: - primeiro encargo e ás vezes derradeira formula, - d'estas grandes crises sociaes.
As narrativas dos exploradores, - excedendo frequentemente em deslumbramentos de encantados thesouros, as dos primeiros viajantes que nos devassaram o extremo oriente; - as previsões e os exageros dos largos mercados a abastecer, das multidões innumeras a civilisar e vestir, das enormes riquezas a derivar sobre a costa, de todo aquelle novo mundo mysterioso e rude a refazer e explorar, á voz potente da civilisação e da industria moderna imprimiam, de mais em mais, nas velhas sociedades europêas, avexadas na sua economia interna por desequilibrios fataes, aguilhoadas na sua situação relativa por antagonismos insoluveis, um movimento de attracção e de aventura de absorpção e de cobiça, que não tardou em ser habilmente aproveitado por influencias e ambições menos ingenuas e confusas. 20) Finalmente uma empreza constituida no meio d'estas preoccupações crescentes, mal disfarçada no pensamento generoso da investigação e da philantropia civilisadora, começou ha annos a lançar os seus agentes e capitaes, Zaire acima e para um e outro lado do grande rio, propondo-se ostensivamente a desbravar e reconhecer o caminho por onde havia de subir ao coração da Africa e alastrar todo o continente ethiope a boa nova da civilisação europêa, acogulada nos armazens e nas fabricas dos grandes paizes industriaes, e por onde haviam de descer e jorrar sobre o velho mundo os thesouros de materias primas escondidos nos sertões adustos e feros que o Zaire banha no curso hyperbolico da sua ultima lenda.
21) Assim se modificára, e poderamos dizer que se precipitara assim, a situação ercada nos territorios, nunca determinados para o interior, sobre os quaes impendia a nossa protrahida contestação com os gabinetes inglezes.
22) Tudo isto precisavamos relembrar accentuadamente agora, porque não bastara para explicar as circumstancias que determinavam os factos recentes, a opposição feita pela Gran-Bretanha á effeccividade da soberania portugueza sobre aquelles territorios, e porque exactamente o facto de não termos podido, ou de não termos sabido, afastar e vencer essa opposição, e assegurar regularmente d'aquelle lado a nossa posse politica por outros processos que não fossem o de um previo e positivo accordo com aquelle paiz, é que tornou possivel em 1884 a objecção de outras potencias, exactamente formulada nos termos e sob o pretexto da objecção ingleza de 1846.
23) Abster nos-hemos, porém, de recordar aqui, até porque fôra, sobre immerecido, desnecessario, a propaganda violenta, tortuosa e perfida, de longa data exercida por mesquinhas paixões e illegitimos interesses contra a occu-pação portugueza do Zaire, propaganda que tendo conseguido embaraçar e protrahir a solução da pendencia, cobrou e alliciou novas forças nas proprias circunstancias em que essa solução se tornara eminente, pondo se ao serviço de uma aventura altamente favorecida, intrigando a ignorancia geral, falseando os propositos do tratado de 26 de fevereiro de 1884, e alvoroçando contra elle opiniões e interesses que sempre quizeramos, e por nossa propria conveniencia haviamos de respeitar e proteger.
Embora essa propaganda iniciada ha meio seculo no barracão negreiro, conseguisse subir do chimbeque monopolista á nobre tribuna de um dos mais illustres e
antigos parlamentos, illudindo muitos espiritos incautos e prevertendo muitas aspirações generosas: - passaremos por ella caladamente, deixando á historia e ao futturo a sua missão justiceira.
24) Cumpre-nos, porém, registrar alguns actos e documentos, cuja imputação indeclinavel deriva, não sómente do seu elevado caracter diplomatico, mas da sua procedencia singularmente ponderosa para as nossas relações de estima e de conveniencia internacional.
Esses actos e documentos, determinam a ultima, e para muitos inesperada, evolução da pendencia.
25) Logo que teve conhecimento do tratado anglo-portuguez, o governo da republica franceza entendeu, como o communicava ao seu ministro em Lisboa, a 7 de março de 1884, que devia «fazer todas as reservas relativamente á liberdade commercial, e contra a fiscalisação (controle) de uma só potencia no Baixo Congo» (Zaire), manifestando immediatamente a intenção «de pedir uma fiscalisação internacional».
26) Em nota de 18 d'esse mez, o representante da França explicava ao governo portuguez aquelas reservas, accrescentadas com um protesto antecipado contra «qualquer acto que, modificando, sem o assentimento do seu paiz, e em prejuizo dos seus nacionaes, as condições a que estavam sujeitos, no estuario do Congo (Zaire) o commercio e a navegação, tendesse, directa ou indirectamente, a pôr em duvida (mettre en cause) os compromissos tomados por Portugal para com a França e consagrados por um uso ininterrupto de quasi meio seculo».
Referia-se ao tratado de Madrid de 1786, pelo qual o governo portuguez declarára que não tivera a intenção e que não auctorisaria o acto, de pôr, directa ou indirectamente, o menor obstaculo, impedimento ou difficuldade ao livre commercio que os subditos francezes estavam costumados a fazer na costa do Zaire até ao Cabo Padrão, commercio que era então, principalmente, a escravatura, como se evidenceia do texto do tratado, e liberdade, que na letra expressa d'elle, se não extendia ao curso do grande rio africano;... mais non sur ce fleuve,... dizia o acto diplomatico de 30 de janeiro de 1786, e esquecia a nota franceza de 18 de março de 1884.
27) Allegava-se, precisamente como o fizera a Inglaterra, em 1846, em relação aos seus subditos, - que os commerciantes francezes gosavam concorrentemente com as demais nações, nos territorios sobre os quaes o tratado de 18884 incidia, «de uma liberdade absoluta sob o ponto de vista da navegação e do commercio, que não estava submettido a taxa alguma».
Observava-se tambem, que a clausula pela qual o nosso paiz concedia á Inglaterra o previo aviso e a preferencia quando resolvesse ceder dos direitos que possuisse na costa do Ouro (sic) entre os dois meridianos 5° de longitude E. e O. não poderia ser indifferente aos interesses e estabelecimentos da França n'aquellas paragens, «no proprio momento em que os dois gabinetes pareciam admittir a opportunidade de um accordo geral relativo á demarcação das suas possessões na costa ocidental de Africa».
28) Exige esta ultima proposição, que muito intencionalmente transcrevemos, uma explicação que não é alheia ao nosso principal intento de apurar e julgar escrupulosamente os factos.
Uma reclamação particular, relativa a qualquer direito novo exigido ao commercio no nosso estabelecimento de Zeguincher, suggeríra entra o representante francez, em Lisboa, e o nosso ministro dos negocios estrangeiros, uma permutação de idéas, que dera origem a uma nota d'este ao primeiro, em 18 de julho de 1883, na qual se opinava pela conveniencia reciproca de uma delimitação da Guiné portugueza e respectivamente das possessões francezas vizinhas chamando-se ao mesmo tempo a attenção do governo da republica para as vantagens communs que resultariam de uma perfeita harmonia e de uma cooperação mutua dos dois governos em todo quanto importasse é co-