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SESSÃO DE 25 DE MAIO DE 1S88
Presidencia do exmo. sr. José Maria Rodrigues de Carvalho
Secretarios os exmos. srs.
José Maria de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral
Francisco José Machado
SUMMARIO
Um officio do ministerio da marinha com 100 exemplares da conta de uma gerencia do mesmo ministerio. - Segunda leitura e admissão de um projecto de lei do sr. D. José de Saldanha. - Representações mandadas para a mesa pelos srs. Almeida e Brito, Matheus de Azevedo e Antonio Pereira Carrilho. - Justificações de faltas dos srs. Sousa e Silva e Santos Reis. - O sr. Arroyo manda para a mesa ama nota de interpellação ao sr. ministro do reino; insta pela remessa de uns documentos que requereu, relativamente á illuminação a gaz do theatro de S. Carlos e de outros esclarecimentos requeridos pelo sr. João Pinto dos Santos, terminando por estranhar a não comparencia do sr. ministro dos negocios estrangeiros. Resposta do sr. ministro da marinha. - Apresenta dois projectos de lei o sr. Almeida e Brito. - Resolve se que seja publicada no Diario do governo a representação mandada para a mesa pelo sr. Matheus de Azevedo. - O sr. Ferreira de Almeida julga conveniente que se interrompa a sessão ato que chegue o sr. ministro dos negocios, estrangeiros, e n'este sentido manda para a mesa um requerimento. Seguidamente occupa-se de diversos assumptos relativos á marinha de guerra. Responde-lhe o sr. ministro da marinha. - Achando-se já presente o sr. ministro dos negocios estrangeiros, abre-se uma inscripção especial sobre a questão do Zambeze e usa em primeiro logar da palavra o sr. Serpa Pinto, preterindo-se especialmente á conveniencia de se tornar a pôr em execução o regulamento para a navegação nos rios e portos da provincia de Moçambique. Responde-lhe detidamente o sr. ministro dos negocios estrangeiros, que conclue declarando que julga inconveniente e inopportuna a continuação da discussão sobre este assumpto. - É rejeitado o requerimento do sr. Ferreira de Almeida. - Declara o sr. presidente que vae passar-se á ordem do dia, e a requerimento do sr. Souto Rodrigues lêem-se na mesa os nomes dos srs. deputados que ainda estavam inscriptos.
Na ordem do dia continua e termina o seu discurso, sobre o orçamento rectificado, o sr. Serpa Pinto, que se occupou especialmente dos negocios do ultramar. Responde-lhe largamente o sr. Carrilho, relator.- Toma parte no debate o sr. Ferreira de Almeida. - Segue-se o sr. Franco Castello Branco, que affirma o direito que lhe assiste, assim como a qualquer doa seus collegas, de levantar novamente a questão do Zambeze. Termina, pedindo a comparencia do sr. ministro da marinha antes da ordem do dia e a remessa dos documentos relativos ao assumpto, visto que já foram apresentados na camara dos dignos pares. Responde-lhe o sr. ministro dos negocios estrangeiros, que em seguida trocou algumas explicações com o sr. Franco Castello Branco.
Abertura da sessão - Ás duas horas e tres quartos da tarde.
Presentes á chamada 50 srs. deputados. São os seguintes: - Serpa Pinto, Pereira Carrilho, Augusto Pimentel, Augusto Fuschini, Augusto Ribeiro, Lobo d'Avila, Eduardo Abreu, Feliciano Teixeira, Firmino Lopes, Almeida e Brito, Francisco de Barros, Fernandes Vaz, Francisco Machado, Francisco de Medeiros, Sá Nogueira, Pires Villar, João Pina, Franco de Castello Branco, Souto Rodrigues, João Arroyo, Teixeira de Vasconcellos, Rodrigues dos Santos, Sousa Machado, Correia Leal, Silva Cordeiro, Joaquim da Veiga, Simões Ferreira, Jorge de Mello (D.), Amorim Novaes, Ferreira Galvão, Barbosa Colen, Ferreira de Almeida, Eça de Azevedo, Alpoim, José Maria de Andrade, Rodrigues de Carvalho, Santos Moreira, Julio Graça, Julio de Vilhena, Lopo Vaz, Poças Falcão, Bandeira Coelho, Manuel José Correia, Manuel José Vieira, Martinho Tenreiro, Matheus de Azevedo, Miguel da Silveira, Pedro Victor, Dantas Baracho e Consiglieri Pedroso.
Entraram durante a sessão os srs.: - Moraes Carvalho, Alfredo Pereira, Anselmo de Andrade, Alves da Fonseca, Sonsa e Silva, Antonio Castello Branco, Baptista de Sousa, António Centeno, Antonio Villaça, Pereira Borges, Guimarães Pedrosa, Moraes Sarmento, Mazziotti, Barros e Sá, Simões dos Reis, Hintze Ribeiro, Santos Crespo, Bernardo Machado, Conde de Castello de Paiva, Eduardo José Coelho, Madeira Pinta, Estevão de Oliveira, Freitas Branco, Francisco Beirão, Castro Monteiro, Lucena e Faro, Soares de Moura, Severino de Avellar, Guilherme de Abreu, Cardoso Valente, Izidro dos Reis, Vieira de Castro, Alves de Moura, José Castello Branco, Dias Ferreira, Elias Garcia, Abreu Castello Branco, Pereira dos Santos, Ferreira Freire, Barbosa de Magalhães, Oliveira Matos, José Maria dos Santos, José de Saldanha (D.), Simões Dias, Santos Reis, Abreu e Sousa, Julio Pires, Vieira Lisboa, Luiz José Dias, Manuel d'Assumpção, Brito Fernandes, Pinheiro Chagas, Marcai Pacheco, Marianno de Carvalho, Marianno Prosado, Migue] Dantas, Pedro Monteiro,, Estrella Braga e Visconde de Silves.
Não compareceram á sessão os srs.: -Guerra Junqueiro, Albano de Mello, Alfredo Brandão, Mendes, da Silva, Campos Valdez, António Candido, Oliveira Pacheco., Ribeiro Ferreira, Antonio Ennes, Gomes Neto, Tavares Crespo, Antonio Maria de Carvalho, Fontes Ganhado, Jalles, Miranda Montenegro, Victor dos Santos, Barão de Combarjua, Conde de Fonte Bella, Conde de Villa Real, Elvino de Brito, Elizeu Serpa, Emygdio Julio Navarro, Góes Pinto, Matoso Santos, Fernando Coutinho (D.), Francisco Matoso, Francisco Ra vasco, Frederico Arouca, Gabriel Ramires, Guilhermino de, Barros, Sant'Anna e Vasconcellos, Casal Ribeiro, Candido da Silva, Baima de Bastos, Dias Gallas, Santiago Gouveia, Menezes Parreira, Alfredo Ribeiro, Alves Matheus, Oliveira Valle, Joaquim Maria Leite, Oliveira Martins, Jorge O'Neill, Avellar Machado, Pereira de Matos, Ruivo Godinho, Laranjo, Figueiredo Mascarenhas, Guilherme Pacheco, Vasconcellos Gusmão, José de Napoles, Pinto Mascarenhas, Mancellos Ferraz, Manuel Espregueira, Pedro de Lencastre (D.), Sebastião Nobrega, Vicente Monteiro, Visconde de Monsaraz, Visconde da Torre e Wenceslau de Lima.
Acta - Approvada.
EXPEDIENTE
Officio
Do ministerio da marinha, remettendo 180 exemplares da conta da gerencia d'este ministerio, relativa ao anno economico do 1886-1887, e ao exercicio de 1885-1886.
Para a secretaria.
SEGUNDA LEITURA
Projecto de lei
Senhores. - Em harmonia com as considerações que por mais de uma vez tenho apresentado na camara dos senhores deputados da nação portugueza, e considerando especialmente que:
1.° Os empregados publicos devem ter vencimentos que estejam de accordo com as necessidades e dignidade dos cargos que exercem;
2.° Empregados publicos ha que têem vencimentos ou honorarios, iguaes e até superiores aos dos ministros e secretarios d'estado, ficando estes, por esse facto, n'uma situação inferior á de muitos empregados seus subordinados;
3.° E indispensavel pôr os ministros e secretarios d'estado ao abrigo de todas e quaesquer tentativas de corrupto,
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a que quaesquer syndicatos ou potencias monetarias de qualquer ordem ou natureza pretendam recorrer, para o conseguimento dos seus fins era relação aos negocios de administração publica ou politica da nação;
4.° No mundo politico, no mundo commercial e no da alta finança é reconhecido, e a isto fizeram referencia até os auctores classicos antigos, que tem grande importancia e influencia o facto das partes contratantes comerem e beberem juntos na occasião de se firmar qualquer tratado ou de se concluir qualquer negocio;
5.° É necessario que Portugal, grande pelo seu dominio colonial, não esteja privado do meio de acção, apontado na 4.ª consideração:
Tenho a honra de submetter ao exame e approvação da camara, de que faço parto, o seguinte:
Projecto de lei
Artigo 1.° O vencimento marcado no orçamento geral do estado, na quantia de 3:200$000 réis annuaes, para cada um dos srs. ministros e secretarios distado dos negócios da fazenda, reino, negocios ecclesiasticos e de justiça, guerra, marinha e ultramar, estrangeiros, obras publicas, commercio e industria, é elevado á quantia de réis 5:000$000 em cada anno, pura cada um dos mesmos empregados.
Art. 2.° A cada um dos srs. ministros dos negocios estrangeiros e da marinha e ultramar, é arbitrada a quantia annual de 2:000$000 réis, para despezas de representação, que consistirão em jantares e recepções nos edificios dos respectivos ministerios, aos representantes ou agentes das nações estrangeiras, que temporaria ou permanentemente se encontrarem em Lisboa, para tratarem com o governo portuguez de negocios diplomaticos, consulares ou coloniaes.
Art. 3.° Fica revogada toda a legislação em contrario.
Art. 4.° (transitorio) Este projecto de lei, depois de approvado e votado nas duas casas do parlamento e depois e obtida a sancção regia, será posto em vigor e execução desde logo, independentemente da discussão e votação do orçamento geral do estado para o anno de 1888 a 1889. Lisboa, sala das sessões da camara dos senhores deputados da nação portugueza, em 24 de maio de 1888.= O deputado, José de Saldanha Oliveira e Sousa. foi admittido e enviado á commissão de fazenda.
REPRESENTAÇÕES
Dos habitantes dos logares das Malhadas e Penedos, da freguezia dos Covões, concelho de Cantanhede, pedindo sejam desannexados d'aquella freguezia e concelho e annexados á de Mamarrosa, concelho de Oliveira do Bairro.
Apresentada pelo sr, deputado Almeida e Brito, devendo de ter destino igual ao de um projecto de lá ao mesmo sr. e que ficou para segunda leitura.
Dos secretarios das camaras municipaes do districto de Faro, pedindo a approvação do projecto de lei que altera o § unico do artigo 164.° do codigo administrativo, elevando os seus ordenados a 600$000 réis nos concelhos do primeira ordem, a 500$000 réis nos de segunda e a réis 360$000 nos de terceira.
Apresentada pelo ar. deputado Matheus de Azevedo, enviada á commissão de administração publica e mandada publicar no Diario do governo.
Da camara municipal do concelho de Meda, pedindo licença para desviar do cofre de viação a quantia de réis 2:000$000 para construcção de pontes, reparação de caminhos e calcetamento das ruas de algumas povoações do concelho.
Apresentado pelo sr. deputado Carrilho, devendo ter destino igual ao de um projecto de lei do mesmo sr. deputado que ficou para segunda leitura.
JUSTIFICAÇÕES DE FALTAS
Participo a v. exa. e á camara que, por motivo justificado, não me foi possivel comparecer a algumas sessões da camara no mez findo e no corrente. - Sousa e Silva.
Participo a v. exa. o á camara que, por motivo justificado deixei de comparecer ás sessões da camara. = O deputado, José Ventura dos Santos Reis.
Para a secretaria.
O sr. Carrilho: - Mando para a mesa, uma representação da camara municipal de Mêda, pedindo para desviar dos fundos para viação municipal a somma de 2:000$000 réis.
Mando tambem para a mesa um projecto de lei n'esta conformidade.
Ficou para segundas leituras.
O sr. Arroyo: - Manda para a mesa a seguinte:
Nota de interpellação
Desejo interpellar o sr. ministro do reino sobre a execução das medidas preventivas contra incendios nos theatros, anteriormente á catastrophe do theatro Baquet. = João M. Arroyo.
Continuando, declara o orador que não apresentou mais cedo esta nota, porque os documentos relativos ao assumpto só ha muito pouco tempo foram publicados no Diario do governo.
Aproveita a occasião de instar de novo pela remessa dos esclarecimentos que repetidas vezes tem requerido, com respeito á illuminação electrica do theatro de S. Carlos.
Não voltará a incommodar a presidencia com este pedido, mas tirará as justas illações e fará os necessarios commentarios, se, o sr. ministro das obras publicas não se resolver a apresentar á camara esses esclarecimentos.
E por essa occasião ha de mostrar que s. exa. não póde estar a esbanjar os dinheiros publicos em mil futilidades, como tem feito com a maior sem coremonia, querendo ao mesmo tempo subtrahir á fiscalisação e exame parlamentar a conta d'essas despezas injustificadissimas.
Insta tambem pela remessa dos documentos requeridos pelo sr. João Pinto dos Santos, visto a insufficiencia dos que foram enviados a elle, orador, pelo ministerio da fazenda, relativamente á collocação, como addidos, de uma enorme quantidade de escrivães de fazenda, para dar logar a novas nomeações.
O sr. ministro cia fazenda tinha-se limitado a mandar-lhe umas simples indicações, pelas quaes se torna impossivel apurar a responsabilidade de s. exa., e por isso o sr, João Pinto requeréra detalhadamente os esclarecimentos indispensaveis para completo conhecimento de causa.
Esse requerimento não foi ainda satisfeito. Renova por isso a instancia.
Termina estranhando a falta de comparencia do sr. ministro dos negocios estrangeiros, depois dos factos occorridos na sessão anterior.
Comprehende, á vista da declaração do sr. ministro da marinha, que s. exa. não comparecesse hontem; mas, depois do que se passara, depois das declarações de- que a opposição só queria tratar a questão do Zambeze no campo patriotico, e relativamente ao passado, dando força ao governo, surprehendia-o o facto do não se achar presente o sr. ministro dos negocios estrangeiros. Espera, todavia, que s. exa. ainda hoje venha á camara.
(O discurso será publicado na integra em appendice a esta sessão quando s. exa. o restituir.)
A nota de interpellação foi enviada á secretaria para ser expedida.
O sr. Ministro da Marinha (Henrique de Macedo): - Sr. presidente, no tocante á primeira parte do dis-
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curso do sr. Arroyo, comprehende v. exa. que, referindo-se o illustre deputado a documentos que não foram pedidos pelo meu ministerio, eu não posso dar a explicação do motivo por que elles ainda não vieram á camara; posso apenas dizer que, cumprindo o meu dever, communicarei aos meus collegas que s. exa. instou por esses documentos.
Quanto á segunda parte do discurso do illustre deputado, só tenho a dizer que procurei hontem á noite o sr. ministro dos negocios estrangeiros, para lhe communicar o que se tinha passado na sessão, dizendo-lhe que a minoria da camara não queria tratar a questão do Zambeze sem a sua presença.
S. exa. declarou-me então que vinha hoje aqui antes da ordem do dia. Portanto, se alguma demora, tem tido, é de certo por motivo de serviço publico; posso todavia, assegurar que s. exa. comparecerá ainda hoje.
(S. exa. não reviu.)
O sr. Almeida e Brito: - Sr. presidente, mando para a mesa dois projectos de lei. Um refere se á desannexação dos logares de Malhadas e Penedos da freguezia de Covões, concelho de Cantanhede, para a freguezia de Mamarrosa do concelho de Oliveira do Bairro, O outro altera a divisão das assembléas eleitoraes d'este ultimo concelho.
Peço a v. exa. que os envie á respectiva commissão para que dê o seu parecer.
Ficaram para segunda leitura.
O sr. Teixeira de Azevedo: - Mando para a mesa uma representação dos escrivães das camaras municipaes do districto de Faro, que pedem a approvação do projecto de lei, apresentado n'esta camara pelo sr. Silva Cordeiro.
Peço a v. exa. que consulte a camara sobre se permitte que ella seja publicada no Diario do governo.
Foi permittido.
O sr. Ferreira de Almeida: - Sr. presidente, depois da exposição que o meu exmo. amigo o sr. Arroyo acaba de fazer com relação á questão do Zambeze, parece-me, conveniente que, pela gravidade do assumpto, o visto ter declarado o sr. ministro da marinha, que o sr. ministro dos negocios estrangeiros tenciona comparecer ainda a esta sessão, parece-me, digo, que em qualquer altura da d'ella, v. exa, ou por deliberação propria, ou ouvida a camara, deve interromper a discussão no pé em que ella estiver, para se tratar do incidente, que se me affigura sobretudo grave debaixo do ponto de vista nacional, não tendo importancia alguma sob o ponto de vista puramente politico da nossa politica interna. (Apoiados.)
Já não me atrevo a instar pela remessa de alguns documentos que estilo tambem em atrazo. Refiro-me á nota das gratificações extraordinarias da repartição da divida publica, que é dependencia do ministerio da fazenda, onde notoriamente estão apparecendo extraordinarios embaraços, para serem remettidos a esta camara os documentos que se pedem.
O primeiro assumpto, para o qual pedi principalmente a palavra, diz respeito a um projecto de lei que teve a acquiescencia do governo, que já teve parecer da commissão de marinha e que eu sinto que ainda não tenha vindo da commissão de fazenda para a mesa. Refere-se elle á proposta que aqui apresentei, quando se discutiu a pensão para a condessa do Lavradio, para que o estado tomasse em consideração a situação especial dos alumnos marinheiros que se inutilisassem no serviço.
O governo, pela voz do sr. ministro da marinha, declarou que lhe parecia justa a exposição que eu então fizera.
Apresentei o projecto, que depois foi á commissão de marinha; ahi teve o seu parecer, ouvido o governo e com a sua aquiescencia; entretanto temo que os altos negocios do estado, que ainda podem ser submettidos á vossa apreciação no resto da sessão parlamentar, sacrifiquem esta justissima pretensão.
Venho, pois, solicitar dos meus dignos collegas da commissão de fazenda, para que com a mesma isenção patriotica com que apreciaram os serviços do sr. conde do Lavradio na pessoa de sua esposa, attendam á desgraça d'aquelles que se sacrificam a si proprios, e que estão hoje completamente impossibilitados de provei aos seus meios de subsistencia (Apoiados.)
O segundo ponto que desejo tratar é o seguinte:
Em tempo chamei a attenção do governo, achando-se então presente o sr. ministro das obras publicas, sobre a conveniencia, pelo lado do estimulo, pelo lado mesmo do nina demonstração de consideração, de apreço e de prémio, porque ás vezes estas manifestações valem mais do que todas as distincções honorificas, de ser mandada á exposição industrial, uma machina que tinha sido feita no arsenal de marinha muito embora não ficasse lá durante todo o tempo da exposição; e fiz este pedido, para que se tornasse publico que as officinas dependentes do ministerio da marinha eram capazes de produzir uma machina d'aquella força, e com a notoria perfeição que ella apresenta.
O sr. ministro das obras publicas, para quem chamei a attenção do facto, visto não estar presente o sr. ministro da marinha, julgou judiciosa a minha idéa, e ficou de a communicar a s. exa.
Pois, sr. presidente, para que os factos viessem sempre confirmar as allegações que eu faço, de que ha no ministerio da marinha uma especie de proprosito firme de contrariar tudo quanto possa ser util á industria nacional, alguns dias depois de eu ter fallado sobre o assumpto, era expedida da repartição de marinha uma circular urgente, mandando collocar a respectiva machina no navio a que era destinada, e que é a canhoneira Zambeze, pretendendo-se por esta fórma annullar a idéa justa e patriotica, deixem-me dizer assim, de tornar publico o trabalho dos nossos artistas.
Eu só sinto que as pressas, as urgencias e os zelos do serviço do ministerio da marinha se manifestem sempre que se tem em vista prejudicar o incentivo nacional.
Seguidamente quero chamar a attenção do sr. ministro da marinha para o seguinte facto:
Acha-se no estaleiro a canhoneira Diu, e creio que, estando já adiantada a sua construcção, ainda não está resolvido se a machina será ou não construida no nosso arsenal.
Ora não é necessario ser muito versado em questões da industria, para ver que na industria manufacturara de qualquer ordem, uma das causas que sobrecarrega sempre os artefactos, são as ferramentas. Para a machina que se construiu para a canhoneira Zambeze, foi necessario preparar e construir algumas ferramentas especiaes; d'esta fórma, aquella machina fica muito cara, se esta ferramenta não for empregada em outra construcção.
Parece-me, pois, que não só é um erro grave de administração resolver que a nova machina da Diu não se faça no nosso arsenal, mas tambem um desperdicio e uma norma que não se deve manter.
(Entra na sala sr. ministro dos negocios estrangeiros.)
Sr. presidente, suspendo as minhas observações á entrada do sr. ministro dos negocios estrangeiros, que era anciosamente desejado para se discutir a questão do Zambeze, mais grave no momento actual sob o ponto de vista de interesse politico da nossa dignidade internacional, do que qualquer outro assumpto.
Não continuo, pois, com a palavra, para deixar que os meus collegas da opposição, que primeiro trataram d'essa questão, possam discutil-a agora, e peço a v. exa. que consulte a camara sobre se permitte que se interrompa a inscripção antes da ordem do dia, abrindo-se urna nova inscripção sobre o assumpto que se deseja tratar.
(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)
O sr. Ministro da Marinha (Henrique do Macedo): - Sr. presidente, v. exa. comprehende que, por maior que
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seja o meu respeito e o desejo que tem naturalmente a camara de tratar do incidente adiado de hontem para hoje, eu não posso deixar de responder ao illustre deputado que acaba de fallar, resumindo todas as minhas considerações o mais possivel, para não demorar a discussão.
Pelo que diz respeito ao facto de não ir á exposição a machina, que está construída para a canhoneira Zambeze, posso assegurar ao illustre deputado que as ordens para a sua collocação no navio são completamente independentes de qualquer desejo ou idéa de desattender á indicação de s. exa. para que ella figurasse na exposição.
Por minha parte tenho feito todos os esforços, e os factos demonstrai o hão bem claramente, para que todas as industrias do estado, dependentes do meu ministério, sejam, o melhor possivel, ali representadas. E se ordenei, ou se mandei que se ordenasse que a machina fosse collocada a bordo da Zambeze, foi por motivo que o illustre deputado não desconhece.
Nós temos um grande numero de navios de guerra que necessitara reparações, e ha grande falta d'elles para o serviço.
A canhoneira Zambeze, ha muito que estava em construcção e era urgentissimo apromptal-a quanto antes, para qualquer commissão.
Perante esta rasão importante, e que é verdadeira, cessaram todas as outras rasões, ainda que importantes, mas relativamente de uma ordem menos valiosa.
Quanto á questão da mitra machina, o illustre deputado argumentou sobre um equivoco.
Não é que esteja decidido, ou que esteja ainda em duvida, se se deve construir ou não já no arsenal, uma outra, machina, aproveitando a ferramenta adquirida, e ao mesmo tempo a presença do operario fundidor estrangeiro; o que estava em duvida, e o que eu ainda não resolvi, é se a nova machina, que deve immediatamente construir-se, servirá para a canhoneira Diu, que terá assim de esperar muito termo, porque a construcção, a ser feita no arsenal, será naturalmente longa, ou só servirá, para outra canhoneira, em iguaes circunstancias, que mais tarde entre no estaleiro.
Em todo o caso, affirmo a s. exa. que a duvida não é sobre se devem ser aproveitadas as circumstancias actuaes para se construir uma nova machina, pelo typo d'aquella que poderá servir na canhoneira Diu.
Eram estas as explicações que ou julguei dever dar ao illustre deputado.
(S. exa não reviu.)
O sr. Serpa Pinto: - Sr. presidente, na sessão de hontem, eu tive a honra de expor a v. exa. e á camara, na ausencia do sr. ministro dos negocios estrangeiros, a questão que agora tem sobresaltado os animos em Portugal e o estado em que ella se acha.
Não sei se fiz bem, se mal; mas emfim com os pequenos recursos de que posso dispor, procurei fazer comprehender perfeitamente a questão tanto quanto me foi possivel.
E só não fui mais longe, foi porque, não estando presente o sr. ministro dos negocios estrangeiros, não podia entrar em detalhes unicamente relativos ao seu ministerio, visto que o sr. ministro da marinha certamente não me poderia responder com precisão.
Ora, eu nunca fallo aqui sómente para a camara e para os srs. ministros; fallo também para o paiz, e por isso, permitia-me v. exa. que eu entre agora em detalhes, talvez fastidiosos, mas que não podem deixar do ser expostos n'esta camara, porque n'elles reside a nossa força principal e o nosso direito.
Tenho aqui sobro a minha carteira o Livro branco com relação à conferencia de Berlim.
No protocollo terceiro que faz parte d'este livro lê se o seguinte: O negociador portuguez, o sr. conselheiro Antonio de Serpa adhere ás opiniões expressas no sentido de dar larga extensão á liberdade commercial. O governo portuguez procura n'este momento a via de transito mais favoravel entre o mar das Indias c o lago Nyassa; participa completamente das opiniões do embaixador da França».
É isto o que o sr. conselheiro Antonio de Serpa respondia, n'uma das occasiões em que tomou parte no debate na conferencia de Berlim.
Pela sua parte, o embaixador inglez, como se vê do mesmo protocollo, declarou «que participava inteiramente da opinião do seu collega da França, relativa ao respeito devido ás soberanias estabelecidas a E. da bacia do Congo. Sob esta reserva, adheria ao voto da commissão».
Note bem a camara: o embaixador de Inglaterra declarou que partilhava o opinião do seu collega da França, relativamente ao respeito devido á soberania estabelecida a leste da bacia do Congo, e adheriu ao voto da commissão. Ora as soberanias a leste da bacia do Congo são, a de Portugal em toda a sua província de Moçambique e a do sultão de Zanzibar.
Mais adiante, no mesmo protocollo, lê-se o seguinte resumo da declaração do plenipotenciario dos Estados Unidos:
«Declare qu'en formulant son projet, il n'a point entendu meconnaitre les droits du Portugal ou du sultan de Zanzibar, et que c'est pour ce motif que les lignes de démarcation se tiennent partout à une certaine distante de la côte. Il propose toutefois d'exprimer le desir que les libres Communications du bassin du Congo, soient prolongées jusqu'à la côte, en réservant les droits existants.»
Os direitos existentes de que fallava o plenipotenciario dos Estados Unidos são os de Portugal na provincia de Moçambique e os do sultão de Zanzibar no seu imperio. (Apoiados.)
Leio ainda o que disse depois o sr. Serpa Pimentel, no correr da discussão, e que consta do protocollo quarto. É o seguinte:
«Mr. de Serpa rEnd hommage à la fidelité avec laquelle le baron Lambermont a tenu compte, lors de la redaction de ce document, des vos échangées dans la commission et qui y ont prevalu. 1l aurait toutefois une observation à presenter relativement au paragraphe final de l'article l.er Il expose que lorsque mr. Kusson a propose d'étendre le domaine de la liberte commerciale à l'est du bassin du Congo, les plenipotentiaires portugais ont etabli leurs reserves relativement aux territoires actuellement possédés par le Portugal sur la côte orientale d'Afrique, et notamment en ce qui concerne la colonie de Mozambique.
«Mr. de Serpa croit que, dans sa forme actuelle, le dernier paragraphe de l'article ler, pourrait prêter à quelque mal entendu contrairá à ces reserves, et que, pour en eviter la possibilite, il serait bon de supprimer dans ce paragraphe les mots suivants:
«Les puissances representées à la conférence no stipulent que pour elles memes, cette expression étant de nature à laisser supposer que chaque puissance s'engagerait à établir la liberte commerciale dans toute l'étendue de sés possessions actuelles, ce qui serait inexact pour le Portugal, notamment en ce qui touche Mozambique.»
Ora, eu faço notar isto á camara para que veja com que clareza e patriotismo os plenipotenciaries portuguezes que eram os srs. Antonio de Serpa, marquez de Penafiel, Luciano Cordeiro, e Carlos du Bucage, defenderam, até ao ultimo momento, esta questão.
Mas ainda ha mais, sr. presidente. A declaração que apparece no começo do protocolo n.° 4, diz isto:
«Il est expressement entenda qu'en étendant á cette zone orientale le principe de la liberte commerciale, les puissances representées a la conférence no stipulent que pour elles mêmes et que ce principe ne s'appliquera aux territoires appartenant actuelement à quelque état indépendant et souverain qu'autant que celuici y donnera son consentemenr:. Les puissances conviennent d'employer lours bons offices auprès des gouvernements établis sur le littoral afri-
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cain de la mer des Indes afin d'assurer en tout cas au transit de toutes les nations les condicions les plus favorablesa.»
As potencias de que tambem aqui se falla, somos nós e Zanzibar.
Mais tarde, ao tratar-se de approvar o artigo 3.º do protocollo n.° 4, o sr. Serpa apresenta o seguinte pedido.
«M. de Serpa demande l'insertion em protocole de la reserve qu'il a fait, et que la commission a accueillie, à l'égard de la zone orientale, adjointe au bassin du Congo, dans l'étendue de laquelle le régime de cet acte de navigatton ne será pas appliqué aux territoires appartenant aux colonies du Portugal, sans le consentement de cette puissance. Cette reserve concorde avec celle qui a été consignée au protocole n° 3 au sujet de l'application do la liberté de commerce dans les momos territoires.»
Seguiu se depois o sr. baron Lambermont, fazendo notar «que les observations formulées par lê plenipotentiaire portugais, devant la commission ont été mentionnées dans son rapport.»
Por ultimo chamo a attenção da camara para as palavras proferidas na mesma occasião pelo presidente da conferencia é pelo sr. marquez de Penafiel.
O primeiro d'estes: «donne acte à M. do Serpa do ses reserves et ajoute que la conférence y a adhéré.»
Quanto ao sr. marquez de Panafiel «il saisit avec plesir l'occasion que lui offre le plenipotentiaire de l'Angleterre pour déclarer que son gouvernement a déjà, de sa propre autorité, introduit le regime do la libre navigation aur le Zambèze. Ce fleuve, d'aileuis, diffère encore plus du Niger que celui-ci du Congo, puis que le Portugal este seul souverain sur tout le cours navigable du Zambeze. Du reste, cette question étant en dehors du programme do la conférence, lê gouvernement portugais ne peut accepter de discussion sur ce sujet et doit réserver son plein droit d'appliquer dans cette partie de ses domaines les principes qu'il jugera les plus convenables selon les circonstances.
«M. Busch dit que l'on sérait néanmoins heureux, si le Portugal se décidait un jour à faire connaiire qu'il s'offre à appliquer dans la région du Zambèze le regime conventionnel elaboré par la conférenee.»
Já vê, portanto, v. exa., sr. presidente, que, em termos bem claros e positivos e prevendo já questões futuras d'esta natureza, os nossos plenipotenciarios tiveram toda a cautella, e uma cautela meticulosa em fazer inserir todas estas declarações nas actas da conferencia de Berlim.
Mas v. exa. não póde ignorar, e todos as que possuem o Livro branco terão visto, qual a má vontade da Inglaterra em toda esta questão.
Sempre que se tratava d'este ponto, apparecia um plenipotenciario da Inglaterra mata ou menus interessado em contrariar a discussão; comtudo nada póde fazer emr presença de direitos tão bem defendidos, como o foram, pelos nossos plenipotenciarios. (Apoiados.) Teve de ceder, mas não ficou contente.
Eu, nem pela minha intelligencia, nem pelos meus conhecimentos, sou auctoridade n'este assumpto; tambem não tenho pretensões a Sibylla, mas no anno passado, quando se discutia aqui o tratado com a Allemanha, tratado que eu combati tanto quanto em minhas forças coube, disse na sessão de 20 de junho de 1887 o seguinte:
«Um dos affluentes do Zambeze é o Chire, que vem do lago Nyassa e que é navegavel em uma grande parte. Pensou-se muito em fazer, e já se fez, um caminho, ligando o Tanganica com uma estação ingleza ao norte do Nyassa e que fica a uma distancia curtissima, relativamente, entre os dois lagos.
«Póde-se percorrer, embarcado, toda a região dos lagos, e vir saír á foz do Zambeze, por caminho muito reais facil e curto do que aquelle seguido pelas caravanas arabes de Zanzibar.
«Zanzibar, como Moçambique, vivem do commercio, e estando aquelle paiz em peiores condições geographicas do que este, tendo tarifas aduaneiras menos elevadas, pois só recebe 5 por conto ad valorem na importação e exportação, cobra um rendimento dez vezes maior do que Moçambique.
«É o caminho do Nyassa que o exmo. ministro devia abrir e segurar, de preferencia a todos os limites mais ou menos theoricos que quiz traçar.
«O caminho é nosso, e em com a Inglaterra, que é o centro do producção do mercadorias, que a. exa. devia fazer um tratado de commercio para aquella região.
«Era esse o interesse da Inglaterra e o nosso, e queira Deus que este tratado que se discuto não vá embaraçar negociações de maior importancia.»
Bem vê a camara que eu, no anno pastado, sem me arvorar em Bandarra, previ o que está succedendo. Mas, n'essa occasião, o actual sr ministro dos negocios estrangeiros respondeu-me, nos seguintes termos:
«Disse o illustre deputado: - mas eu não sei o que dirá a Inglaterra a respeito d'este tratado.
a O illustre deputado, que tanto se levantava confia o sr. Antonio Ennes, contra o que se lhe afigurava menos patriotismo da parte de s. exa.; o illustre deputado, não digo com pouco patriotismo, porque tem dado grandes demonstrações d'elle, mas com uma apreciação menos accorde com as conveniencias patrioticas, perguntava: - o que pensará a Inglaterra acerca d'esta convenção?
«Ora eu pergunto tambem ao illustre deputado: devia eu, nas negociações com a Allemanha, parar ou negociar menos bem, só porque outra potencia tinha a este respeito uma opinião qualquer? (Apoiados.)
Aqui está, sr. presidente, como fui qualificado pelo illustre ministro. A minha, apreciação era, no entender de s. exa., um facto anti-patriotico.
Em todo o caso a questão verificou-se, e os factos vieram dar-me rasão. Não faltava, nem era preciso mau nada senão um pretexto para que a Inglaterra tiveste de fazer as declarações que fez no parlamento inglez o sub secretario d'estado dos negocios estrangeiros.
Mas qual foi esse motivo? Eu já hontem disse a camara, mas repetil-o hei hoje em poucas palavras, porque quero deixar a outros mais auctorisados o discutirem melhor este assumpto.
O pretexto foi o seguinte:
Fez se um regulamento dos portos da provincia de Moçambique, fundado perfeitamente no direito internacional.
Este regulamento não permittia que navegassem nos portos e rios da provincia de Moçambique senão barcos portuguezes e com bandeira portugueza.
Não era elle um regulamento empyrico, mas sim fundado no direito internacional; e, tendo sido elaborado em Moçambique, foi approvado e mandado pôr em execução pelo governo, que, portanto, o achou bom.
O governo, prevendo difficuldades, deu um praso de quatro mezes para na Europa se tomar conhecimento d'este regulamento e poderem ser remediados inconvenientes que porventura elle podesse trazer ao commercio da provincia.
Depois d'isto appareceram as reclamações.
Vejamos que qualidade de reclamações são estas, e de quem são.
Em primeiro logar appareceram as reclamações a respeito dos portos, e principalmente a respeito do porto de Quilimane.
Uma d'ellas é assignada pelos chefes da companhia de carga e descarga, que já existia, ha dois annos, quando eu ali estive, e que se achava ligada á companhia Africana.
Appareceram ainda a reclamar: a casa Faber, a casa Regis, uma casa hollandeza, e os baneanes e mouros.
O que elles pediam a s. exa. o ministro era que suspendesse o regulamento, allegando os graves transtornos que
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da sua execução resultava para o movimento do porto de Quilimane.
Os requerimentos vieram informados e apoiados pela auctoridade local, o governador de Quilimane; mas eu já hontem disse, e repito hoje, porque não estava então presente o sr. ministro dos negocios estrangeiros, que estes requerimentos não tinham rasão de ser.
Não se comprehendem os melindres dos inglezes, francezes e allemães residentes em Moçambique.
Aqui, no continente, são elles em muito maior numero, e servem-se de embarcações portuguezas para fazerem a carga e descarga, sem que com isso se julguem melindrados. Os seus melindres só apparecem em Moçambique!
E não são as respectivas nações, são apenas alguns dos seus subditos que não querem tirar as respectivas bandeiras dos seus botes e dos seus escaleres.
Não se julgue tambem que se trata de uma navegação feita por steamers de 4:000 toneladas. Trata- se apenas de escaleres e botes que fazem as cargas e as descargas, e que transportam passageiros.
Mas o regulamento não era só para Quilimane, era para toda a provincia, e em todos os pontos foi elle posto em execução.
Basta isto, para eu me convencer que á informação do governador de Quilimane não era justificada; e tanto mais, que o facto por elle allegado, de que não havia embarcações portuguezas em Africa para a carga e descarga, não é exacto, porque ali existem embarcações portuguezas em grande numero.
Posso affirmar isto, porque, quando ha dois annos ali estivo, querendo partir para o interior, contei centos de embarcações portuguezas promptas a conduzir-me, e essas embarcações empregam-se no serviço de carga e descarga.
Mas agora apparece uma reclamação, em relação ao Zambeze e ao Chire, e que, segundo se vê, já traz a chancella da auctoridade. E uma reclamação da African lakes company, que, como o seu nome indica, serve para transportar nos lagos unicamente os agentes seculares da companhia, e os agentes religiosos, que são os missionários protestantes da missão de Blantyre.
Ora, esta companhia possuiu no Zambeze, quando eu ali estive, dois pequenos vapores; o Lady Nyassa e um outro, mas que não servem para a navegação do Zambeze; são vaporos que se empregara exclusivamente no interesse da companhia e dos missionarios de Blantyre, sem servirem ao commercio portuguez nem ao de nenhuma outra nação, porque a tal ponto foram levantadas as tarifas de transporto n'aquelles vapores, que impossibilitaram completamente qualquer individuo de fazer transportar n'elles as suas mercadorias!
Vêm essa companhia as difficuldades actuaes, como já hontem disse á camara. Ao mesmo tempo a seita da igreja reformada da Escocia faz constante pressão sobre o governo inglez.
Quanto á bacia hydrographica do Zambeze, já hontem disse e repito agora que é inteiramente portugueza. Já disse o repito que o Zambeze e o Chire, em grande parte navegavel, até ás primeiras cataractas, pertencem-nos e não por vassallagem, mas pela posse real e effectiva, porque ahi tomos governadores, chefes, juizes e tropa. Tudo quanto a civilisação tem introduzido em Portugal, ali está bem estabelecido, bem ou mal.
N'estas condições, repito, como disse hontem, não podemos consentir de maneira alguma que alguem possa sequer dar-nos conselho a respeito d'aquillo que é nosso. Deixo a questão n'este pé e como já está presente o sr. ministro dos negocios estrangeiros, s. exa. dirá a rasão por que ainda não deu a força precisa ao sr. ministro da marinha para repor em execução o regulamento, como já devia ter feito.
Vozes: - Muito bem.
(S. exa. não reviu.}
O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Barros Gomes): - V. exa., sr. presidente, tem a bondado de me dizer se ha mais alguem inscripto sobre este incidente?
O sr. Presidente: - Ha um requerimento do sr. Ferreira de Almeida, que ainda não submetti á votação da camara, para se abrir uma discussão sobre este incidente.
O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Barros Cromes): - V. exa. concede-me o uso da palavra.
O sr. Presidente: - Tem v. exa. a palavra.
O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Barros Gomes): - Não pedi a palavra logo que o sr. Serpa Pinto acabou do fallar, porque as considerações que s. exa. apresentou em termos perfeitamente cordatos e patrioticos, como usa, e alem d'isso narrando os factos de que tem conhecimento pessoal, ou recorrendo a documentos que comprovam o nosso direito, direito que o governo portuguez tem sustentado aqui e em toda a parte, não me parece que exigissem qualquer espécie de resposta da parte do governo.
S. exa. fez uma exposição dos factos, narrou o que conhece em geral d'aquella região, asseverou mais que á face de documentos diplomáticos de que todos temos noticia, e que eu tenho tambem naturalmente obrigação de conhecer, á face do que se passara na conferencia de Berlim e está hoje consignado, quer no acto geral da mesma conferencia, quer nos protocollos que illustram e explicam os preceitos ali estabelecidos, é claro o nosso direito de regular a navegação do Zambeze como melhor convenha aos nossos interesses nacionaes.
Estou perfeitamente de accordo com s. exa., já o declarei n'esta camara, do modo mais terminante, declarei-o tambem na camara dos dignos pares.
Fiz a este respeito affirmações em toda a parte onde entendi que devia fazel-as.
Comtudo hontem foi censurada n'esta casa a minha ausencia.
Direi a v. exa. que, em face da altitude assumida pelo governo, ao encerrar-se a sessão ha dois dias, attitude que o governo conserva ainda hoje, estando pela minha parte resolvido a mantel-a do modo mais positivo, tendo eu declinado a discussão n'este ponto, e declarado menos opportuna e menos conveniente a sua prolongação, tendo apenas manifestado o desejo que teria de se illustrar, como succede hoje cora os esclarecimentos de factos, o com as apreciações que s. exas. possam fazer, como fez ha pouco o sr. Serpa Pinto, suppuz, em presença do que ouvi particularmente a alguns dos membros mais notaveis da opposição, que ella entendia não dever encetar, não direi este debate, porque não lhe quero chamar debate, mas, emfim, esta conversa parlamentar. Foi o que percebi; por isso, e sendo dia de assignatura real, conforme declarou o meu collega da marinha, não vim á camara. Mas apenas soube que s. exas. queriam que eu fizesse boa a minha promessa e mantivesse a declaração que fiz, apresentei me n'esta casa.
Devo dizer a v. exa. e á camara que não posso deixar de me apoiar n'este ponto no exemplo do proprio sir James Fergusson, ácerca de cujas declarações, ou discurso, nós temos tido que discorrer n'esta e na outra casa do parlamento.
Sir James Fergusson fez, é verdade, um certo numero de declarações em nome do governo inglez, declarações que, como eu hontem li n'um orgão da imprensa, e é perfeitamente exacto, não é a primeira vez que são feitas, e que têem sido sempre respondidas por nós quando proferidas; fez um certo numero de declarações, mas concluiu affirmando que por falta de documentos e outras rasões que allegou não podia ir mais longe no assumpto sobre que fora interrogado.
Mais tarde, mas na mesma sessão dos communs, um antigo sub-secretario de estado no ultimo ministerio liberal presidido pelo sr. Gladstone respondeu a sir James que bem conhecia a cautela com que os governos tinham de
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fallar, e fez notar a reserva com que, por parte da opposição liberal se procedera sempre, no pedido de esclarecimentos acerca de assumptos que dizem respeito a relações externas.
Ora isto foi o que se passou ainda ha pouco na camara ingleza.
Os motivos que levaram sir James Fergusson a accentuar um certo numero de declarações, e em seguida a dizer que se abstinha de continuar, foi ara os mesmos motivos que levaram o governo portuguez a accentuar tambem, como accentuou por seu lado, e do modo mais terminante, um certo numero de declarações, e em seguida a affirmar que reputava inopportuna e inconveniente a continuação d'esta discussão no momento actual. (Apoiados.)
Não posso, nem devo eu, que tenho a responsabilidade da direcção das nossas negociações exteriores, mandar desde já para a camara quaesquer documentos existentes no meu ministerio sobre este assumpto. (Muitos apoiados.)
Por outro lado posso assegurar á camara que as declarações que aqui fiz foram repetidas, quer em conferencias com o representante de Sua Magestade Britannica em Lisboa, quer em documentos entregues pelo nosso represei tanto em Londres no foreign Office. De tudo ha pois documentos escriptos, e se a minha palavra carece de testemunho, a verdade do que eu asseverei á camara ha de apparecer a seu tempo n'esses documentos a que alludi. (Muitos apoiados.)
Eu não os posso mandar n'este momento, nem me posso referir a particularidades que elles envolvera, nem acceitar o principio de que devo responder a qualquer pergunta que me seja dirigida, (Apoiados.) quando estou ainda inhibido de dispor de todos os documentos que justificam a acção do governo.
Portanto, affirmado, como está, o direito do governo, e mantido este direito onde elle deve ser mantido, e conhecendo eu qual é a opinião patriotica e os sentimentos aliás nobilissimos que os illustres membros da opposição manifestaram por orgão dos seus primeiros caudilhos n'esta e na outra casa do parlamento, pela voz de homens que tiveram a responsabilidade do poder, repita que a continuação d'esta discussão, podendo dar uma falsa direcção ao espirito publico, é inconveniente e inopportuna, e como tal a declino. (Muitos apoiados.)
Vozes: - Muito bem.
O sr. Presidente: - Vou pôr á votação o requerimento do sr. Ferreira de Almeida para que se abra uma inscripção especial sobre este assumpto.
Votado o requerimento, declarou o sr. presidente que estava rejeitado por 33 votos contra 27,
Vozes:- Queremos a contraprova.
Procedendo-se á contraprova, o sr. secretario declarou que se tinham levantado 31 srs. deputados, ficando sentados 27.
O ar. Presidente: - Está portanto verificada; a rejeição do requerimento.
O sr. Souto Rodrigues: - Peço a v. exa. que mande ler os nomes dos deputados que estavam inscriptos para antes da ordem do dia.
O sr. Presidente: - Estavam inscriptos os srs.: Fuschini, Consiglieri, Alpoim, Souto Rodrigues Sousa o Silva, e Oliveira Matos.
ORDEM DO DIA
Continuação da discussão sobre o orçamento rectificado
O sr. Serpa Pinto: - Proseguindo no seu discurso, começado na sessão anterior, occupa-se largamente da questão da Zambezia, faz diversas considerações relativamente aos deficits orçamentaes de alguns districtos ultramarinos e apoia as idéas expostas pelo sr. Julio de Vilhena sobre administração colonial.
(O discurso será publicado em appendice a esta sessão quando s. exa. restituir as notas tachygraphicas.)
O sr. Carrilho (relator): - Depois de explicar o seu voto dado ha pouco, quando a camara foi consultada sobre se devia ser aberta uma inscripção especial para o incidente relativo á questão da Zambezia, entra no assumpto sujeito ao debate, o orçamento rectificado, occupando-se especialmente de rebater as considerações expostas pelo sr. Serpa Pinto, relativamente á administração das provincias ultramarinas. Refere-se por ultimo ás despezas que a metropole tem feito annualmente com as colonias, desde 1877-1878, e trata de mostrar que o deficit respectivo não é assustador.
(O discurso será publicado em appendice o esta sessão quando a. exa. restituir as notas tachygraphicas.)
O sr' Ferreira de Almeida: - Respondendo ao sr. Carrilho, começou por estranhar que s. exa. vieste declarar que a metropole pagava saques das provincias ultramarinas sem saber em que o dinheiro se gastava, nem qual a parte que pertencia a cada provincia; e admiram-se tambem de que o sr. ministro tivesse hontem declarado que levara um relatorio ao conselho de estado, expondo a desorganisação financeira das colonias, pelo facto de se não formularem contas, nem processos alguns.
Perguntava se os governadores do ultramar não eram funccionarios da confiança do governo. E só eram, como se podia dizer que elles punham e dispunham dos dinheiros da fazenda como se fosse roupa de francezes?
Por mais explicações que se lhes pedissem, dissera o sr. ministro, elles só lhe mandavam saques!
Parecia-lhe que havia meios de protestar contra isto; era instaurar os processos competentes.
Se as auctoridades não davam contas, se não se sabia em que se gastava o dinheiro da nação, isto era peior do que qualquer conta de sacco.
Mas para obstar a tão grande mal, o governo, pela boca do sr. ministro da marinha, promettia apresentar uma reforma da administração financeira do ultramar, que naturalmente teria oitenta e tantos artigos paia dar logar á nomeação de oitenta e tantos amigos.
Havia de examinar differentes verbas do orçamento, respondendo assim ao sr. relator, que notara não se ter dirá ainda uma palavra sobre as verbas do orçamento rectificado.
E agora; começava a apresentar a sua nata discordante, e a affirmar que o deficit colonial longe de ser pequeno, como se tem affirmado, era pelo contrario grande.
Em sua opinião o deficit colonial portuguez era maior de que o de outras nações, guardadas as devidas proporções.
Era contrario áquelles que pensavam em absoluto que Portugal sem as suas colonias não tinha rasão de existir; e se procurava a lição da Historia, via que não era necessario para a existencia de Portugal o dominio colonial.
O orador fez ainda muitas outras considerações e como estivesse quasi a dar a hora, pediu para continuar o seu discurso na sessão de ámanhã.
(O discurso será publicado em appendice, quando s. exa. o restituir.)
O sr. Presidente: - Tem a palavra a sr. Franco Castello Branco, que a pediu para antes de se encerrar a sessão.
O sr. Franco Castello Branco: - Alludindo ao incidente de que se tratara no principio da sessão, e que terminara por uma votação da camara, declara que essa votação não o póde impedir, nem a qualquer deputado, de ámanhã ou em qualquer outra sessão, antes da ordem do dia, dirigir-se ao sr. ministro exigindo-lhe explicações sobre o referido assumpto.
E desde já pede a s. exa. que se digne de comparecer ás sessões, antes de se entrar na ordem do dia, assim como pede que á camara sejam enviados os documentos que o sr. ministro da marinha já apresentou á camara dos di-
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guos pares, por isso que a camara dos deputados tinha o mesmo direito para os examinar.
(O discurso será publicado um appendice, quando s. exa. o restituir.)
O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros [Barros Gomes): - A respeito do desassocego em que s. exa. fallou, creio que se illudiu, e tambem não julgo que acertasse com respeito á minha responsabilidade pelos actos que tenho praticado; não assim com respeito á questão de que se trata, que eu sei que é gravo, o que obriga o governa a applicar toda a sua actividade na sua resolução.
A respeito do meu desasocego, poderia s. exa. figural-o tomo figuram muitas outras cousas; podem, se isso lhes apraz, imaginar, como, por exemplo, imaginaram um desaccordo entre mim e o meu particular amigo o sr. Henrique do Macedo, com quem tenho estado na melhor harmonia e intelligencia, consultando-o muitas vezes sobre assumptos da minha pasta, como consulto tambem todos os meus collegas, e especialmente o sr. presidente do conselho, sendo certo porém, que, pelas circumstancias dos negocios que tenho a tratar, é o sr. Henrique de Macedo aquelle a quem consulto e ouço mais a miudo, apreciando por todas as fórmas o seu juizo claro e recto e vivendo com elle n'uma camaradagem que não póde ser melhor. N'estas circumstancias é que vem o illustre deputado surprehender-me deveras, notando dosintelligencias entre mim e este meu collega!
Agradeço a s. exa. esta novidade. S. exa. deu-me hoje umas poucas de novidades, uma d'ellas foi esta, e a segunda lei outra, que em verdade não achei tão extraordinaria, e vem a ser que eu não mereço a confiança da opposição; estava eu um pouco suspeitoso de que a não merecia, mas, visto a declaração de a. ex.11 adquiri a convicção de que effectivamente não logrei essa ventura.
Com franqueza direi, porém, a s. exa. que estou n'este logar e continuarei a permanecer n'elle, emquanto for honrado com a confiança da corôa e dos meus collegas no gabinete, e especialmente a do sr. presidente do conselho, e emquanto as maiorias das duas casas do parlamento não me significarem por qualquer fórma que ou desmereci do seu apoio.
N'estas condicções desejaria eu bem que os meus actos fossem por tal fórma bons e que os animos dos illustres deputados ficassem por tal fórma despreoccupados de todo o facciosismo que esses actos podessem ser apreciados com outro fim que não fosse o ter o prazer de me lançar em rosto os meus desastres diplomaticos.
Seria uma fortuna para mim, se por acaso a carencia absoluta de facciosismo no meu amigo o sr. Franco Castello Branco o levasse a apoiar-me; mas não me lembro, o n'estas cadeiras tenho visto homens eminentes, não mo lembro que a nenhum d'elles fosse dado lograr essa confiança e esse apoio incondicional d'esse lado da camara. Nunca vi isso, e eu não esperava por mim gosar tamanha ventura.
Não foi, pois, de todo uma surpreza que o illustre deputado me fez, dizendo que eu não merecia a sua confiança politica, confiança politica com que, aliás, eu não podia contar, em face da propria altitude assumida e da palavra proferida pelo illustre deputado.
Quanto ao ponto essencial tenho a dizer ao illustre deputado que s. exa., como qualquer outro membro da opposição ou da maioria, tem o direito plenissimo de chamar a attenção do governo sobre qualquer assumpto e discutil-o, mas que o ministro da corôa, e muito especialmente o ministro a quem estão confiadas as relações externas, que é tudo quanto ha de mais delicado, e que se prendem a circumstancias e particularidades que por sua natureza nem sempre podem ser expostas; o ministro dos negocios estrangeiros especialmente, repito, tem o direito pleno de dizer o que eu digo, isto é que entendo que n'este momento não devo ir mais longe e que devo repellir de mim a responsabilidade da continuação d'esta discussão. Recuso-me, pois, agora a dar explicações; mas isto não significa que eu ai não dê em occasião opportuna. Se qual seja essa occasião é que só eu sou o juiz.
Portanto, s. exa. amanha levanta de novo a questão, e eu posso vir aqui ouvil o; mas francamente, creio que esse tempo poderia ser mais bem empregado em defender os interesses que me estão confiados, do que em estar aqui constantemente a declinar uma discussão que no momento actual reputo inopportuna.
Portanto a nossa situação é clara. Os illustres deputados podem discutir, podem com os seus vastos conhecimentos tratar largamente esto ou outros assumptos africanos, podem até destruir os argumentos em que eu me podesse basear para sustentar o nosso direito, como me parece que succedeu ha pouco; mas a discussão para mim n'este momento está terminada, e não direi mais nada. Entendi que assim praticava O meu dever, e n'este terreno mo conservo.
E podem o illustres deputados ter a certeza de que, quando entendo em consciencia que cumpro, um dever, não me afastam d'elle, sejam quaes forem os direitos ou as accusações que me dirijam.
Quanto á questão do Zaire, a que se alludiu, devo dizer ao illustre deputado que as circumstancias então eram bem differentes, porque quando discuti o tratado de 1884 já estavam impressos o distribuidos dois volumes do Livro branco, que tratavam do assumpto.
Referi-me a uma questão finda, acerca da qual haviam sido apresentados á camara, para os apreciar, todos os documentos que o governo de então tinha julgado opportuno reunir o publicar, para esclarecer a camara e fundamentar o juizo do parlamento.
O sr. Franco Castello Branco: - Peço a v. exa. que consulte a camara, sobre se me permitte fazer ainda algumas considerações em resposta ao sr. ministro.
O sr. Presidente: - Consulto a camara sobre se consente que dê a palavra ao sr. Franco Castello Branco, visto que já deu a hora.
Resolveu-se affirmativamente.
O sr. Franco Castello Branco: - Observa ao sr. ministro que a opposição, embora s. exa. não goste, precisa ainda do mais explicações da parte do governo, sobre a questão do Zambeze.
(O discurso será publicado em appendice a esta sessão se s. exa. o restituir.)
O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Barros Gomes): - É simplesmente para pedir ao illustre deputado que não tenha tantas apprehensões com respeito á ignorancia em que eu desejo manter a camara sobre a maneira como dirigi as negociações acerca da bahia de Tungue.
Não é por minha culpa que o Livro Branco, que trata d'estas negociações, não está ainda distribuido no parlamento; hoje mesmo dirigi ao sr. administrador da imprensa nacional uma queixa formal acerca da demora que tem havido na impressão d'este livro, demora que me está causando o desprazer de ouvir as accusações do illustre deputado n'esta occasião, quando eu desejaria muito não ter de responder a essas accusações, e por outro lado habilitar a camara com todos os documentos que comprovam qual foi n'esta questão delicada o procedimento do governo, e como por elle foram resalvados o brio e a dignidade nacionaes.
Do sr. Venancio Deslandes recebi uma carta, explicando a situação em que se acha a imprensa nacional, e dizendo que o pessoal está cansado, não obstante que tinha dado ordem para a todo o custo reforçar aquelle que está encarregado da impressão dos Livros Brancos, para obter a segurança de que dentro em pouco esses livros sobre as negociações relativas a Zanzibar e á China estariam promptos, e assim tornados publicos esses documentos ácerca dos quaes motivo algum me póde levar a declinar a dis-
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cussão, e a dar conta dos meus actos, quer ao illustre deputado, quer a qualquer outro membro d'esta camara.
Ainda mais. S. exa. que tem tantas apprehensões, teria podido já, se quizesse, estar informado passo a passo da maneira por que dirigi essas negociações lançando mão de um documento que está publicado; refiro-me ao Livro Azul inglez. Encontra ahi s. exa. todas as notas, e mais do que isso, encontra a noticia de todas as minhas conferencias com o representante de Sua Magestade Britannica em Lisboa, todas as palavras que trocámos mutuamente.
O sr. Franco Castello Branco: - O Livro azul não me foi distribuido, nem me parece que costuma sel-o entro nós.
O Orador: - Tambem o governo não tem obrigação de o distribuir.
O sr. Franco Castello Branco: - Logo não tenho obrigação do o conhecer como deputado.
O Orador: - Mas tinha a possibilidade, querendo, do o adquirir de um momento para outro para, lendo o, socegar assim a inquietação do seu animo, de habilitar-se desde logo pura apreciar os meus actos, contrariando assim a minha supposta intenção de os subtrahir ao exame da camara.
Mas é em verdade uma injustiça attribuir-me uma tal intenção, pois, creia me s. exa., é independente da minha vontade, o facto d'esses documentos não estarem já na camara.
S. exa. conhece-me ha muito tempo, e n'outras occasiões tem-me feito mais justiça, do que aquella que me está fazendo n'este momento.
O illustre deputado sabe, que não declinei nunca as responsabilidades da discussão. (Apoiados.) Estou n'esta camara ha muitos annos, desde 1869, tenho exercido o logar ministro durante mais do quatro e nunca declinei que de a responsabilidade dos meus actos. Em questões d'esta ordem estou sempre prompto a assumil-a inteira, perante a representação nacional.
Não desejo occultar nada.
Agora, por isso mesmo que não declino as responsabilidades d'essa discussão, por isso que a minha consciencia me diz que tenho empregado todos os esforços para bem servir o meu paiz, a minha tranquillidade é completa, e o meu espirito acha-se perfeitamente socegado n'esta questão, como em todas em que tenho a consciencia de que cumpro os deveres do cargo que me foi confiado.
Não digo que, ao ver o illustre deputado, que muito considero e prezo e por quem tenho uma sympathia especial, que já tenho tido occasião de confessar a s. exa. muitas vezes, atacar-me com tanto calor e declarar-me, perante uma assembléa illustrada, como esta, tão absolutamente incapaz, tão pernicioso até para o meu paiz, no sentido de que póde correr perigo, nas minhas mãos, a dignidade nacional, o seu bom nome e os mais altos interesses publicos; quando me vejo assim passado um diploma de incapacidade por um homem com força de intelligencia, de talento, e das qualidades do sr. Franco Castello Branco, não digo, repito, que isso passo desapercebido para mim, não digo mesmo que isso mo seja indifferente; pelo contrario é-me doloroso, e é possivel que n'este momento não possa de todo disfarçar a impressão que me vae pelo espirito; mas, emquanto á consciencia do cumprimento do meu dever, á fórma por que dirijo os negocios a meu cargo, ao modo como procuro ser util ao meu paiz, correspondendo assim á confiança que elle em mim deposita, representado pela maioria n'esta e na outra camara, e á confiança dos meus collegas; emquanto a isso, nada sinto que me incommode, porque nada receio. (Apoiados.)
Terei receio, mas é de que nem sempre, por circumstancias alheias á minha vontade, se possam combinar as cousas da melhor forma para o meu paiz; mas, repito, o conhecimento que elle tem já e que deve vir a ter da direcção que tenho dado ás relações externas, socega-me e tranquillisa-me. A minha inquietação, posso afiançai-o ao illustre deputado, não vem d'esse lado. S. exa. engana-se inteiramente; creia que a esse respeito até me sinto bem, estou perfeitamente é vontade, tal é a consciencia de que os meus actos em nada têem contribuido para desfavorecer o meu paiz ou menoscabar a sua dignidade.
(Apoiados.)
Emquanto aos documentos, ácerca da navegação no Zambeze, os que estão na camara dos dignos pares hão de vir tambem para esta camara. Se para lá foram, foi a pedido de alguns dignos pares e de accordo com os ministros da marinha e dos negocios estrangeiros, e taes documentos não têem nada com as relações externas.
São unicamente documentos da responsabilidade e dependencia do ministerio da marinha, porque se referem a informações de auctoridades locaes e a communicações officiaes trocadas com a provincia de Moçambique. Não têem nada relativo a negocios externos.
Não mandei, por emquanto, outros documentos para a camara dos dignos pares, nem podia mandal-os, negando-os aqui, sem offender esta camara, que tanto respeito, e tenho obrigação de respeitar. Como podia eu apresentar ali documentos que me recusava a apresentar n'esta casa?! {Apoiados.)
Foi n'esta camara que fiz as declarações importantes, que asseguravam o direito do governo portuguez, e d'aqui é que foram tramsmittidos para a imprensa da Europa.
Não podia, pois, entrar no meu animo a menor idéa da desconsiderar por qualquer maneira esta camara; seria isso uma loucura, que nunca me passaria pela mente.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem.
O sr. Presidente: - A ordem do dia para ámanhã é a continuação da que vinha para hoje.
Está levantada a sessão.
Eram seis heras e um quarto da tarde.
Rectificações
Na sessão de 23 de maio de 1888, no discurso do sr. D. José da Saldanha, a pag. 1692, lin. 55 e 56, col. l.ª, onde se lê «o se que dizer e o que se fazer». deve ler-se «o que se disser e o que se fazer»; mesma pagina, lin. 49, col. 2.°, onde se lê «me occorreu»,deve ler-se «me occorrem»; a pag. 1693, lin. 27, col. l.«, onde se lê «s. exa.», o a lin. 68, onde se lê «assim como tenho»,
deve ler-se «assim como creio tenho»; mesma pagina, lin. 59, col. 2.ª, devo ler-se «fraqueza», em vez de «franqueza», pag. 1694, lin. 27, col. 1.ª, onde se lê «o soubesse, Tinha», deve ler-se «o soubesse, não vinha»; a pag. 1695, lin. 8, col. 1.ª, deve ler-se «poderá», em vez de «poderão», e lin. 11, onde se lê «seja muito pouco numerosa a sua familia», deverá ler-se «seja muito, quer seja pouco numerosa a sua familia»; menina pagina, lin. 70, onde está «mulheres», deve ler se «mulher».
Redactor = S. Rego.