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Discurso que devia ser transcripto a pag. 1562, col. 1.ª, lin. 43 do Diario de Lisboa, na sessão de 14 de maio

O sr. bicudo Correia: — Antes de continuar a tratar d'este objecto, para melhor fazer a ligação entre o que tinham dito na sessão de hontem e o que pretendo dizer hoje á camara, a fim de concluir a serie de observações, que desejo submetter á apreciação da camara, cumpre-me observar que o projecto que se discute, estabelecendo um imposto de 8 por cento sobre o valor collectavel, representado nas matrizes prediaes, na ilhas dos Açores, este imposto, repito, nas circumstancias em que se acham constituidas e organisadas as matrizes prediaes n'aquellas ilhas equivale a um imposto de 17 1/2 por cento; o que, de certo, não poderia ser este o pensamento do governo, nem da illustre commissão de fazenda, quando entende, no parecer, que se discute, dever-se auctorisar o governo a estabelecer, ou a fixar para os districtos, das ilhas dos Açores, os contingentes respectivos, comtanto que não excedam alem de 8 por cento.

Sr. presidente, eu não me opponha a que os povos das ilhas paguem o imposto da contribuição predial na rasão de 8 por cento do seu rendimento liquido, porque é esta, como tive já occasião de observar á camara, a proporção, que approximadamente se observa com relação á somma dos contingentes dos districtos do continente do reino, e a importancia do valor total collectavel das matrizes prediaes dos districtos do continente. Mas como do projecto, que tratâmos, resulta um imposto muito superior a 8 por cento, por isso entendo que n'elle se devem fazer certas alterações, a fim de que da sua execução resulte o que effectivamente se pretende (apoiados).

Sr. presidente, eu não posso dispensar-me, para que a camara possa conhecer melhor á verdade do que acabo de asseverar, de lhe dar conhecimento da maneira por que nas ilhas se costuma proceder nas avaliações da propriedade, para o fim de se estabelecer, e fixar o valor collectavel da propriedade rustica ou territorial.

Nas avaliações costuma tomar-se por base o valor da producção de uma certa porção, ou melhor, de uma extensão determinada de propriedade.

É preciso tambem que a camara saiba como nas ilhas se verifica a medição da propriedade territorial; esta medição faz-se por moios, aos alqueires e ás varas. Um meio conta sessenta alqueires, e o alqueire duzentas varas quadradas de doze palmos cada vara: e na ilha de S. Miguel ha um concelho em que ha alguma differença no systema de medições, que consiste em cada vara contar não doze palmos, como succede em todos os outros concelhos, mas ter sómente dez palmos.

E assim com relação á propriedade dos pomares de laranja a avaliação é feita do seguinte modo.

Primeiramente cumpre lembrar á camara que nas ilhas os pomares de laranja tem a denominação de quintas, de sorte que, quando se falla de quinta, entende-se que se trata, ou se falla de um pomar de laranja.

Quando se trata portanto de avaliar uma quinta, calcula-se qual o termo medio da producção de um alqueire, e qual tambem o termo medio da importancia d'esta producção.

Vejamos agora como se tem procedido á avaliação das quintas, para a fixação do valor collectavel, representado nas matrizes prediaes.

Calculou-se a producção media de um alqueire de quinta em doze caixas, e o valor de cada caixa em 2$000 réis. Mas como doze caixas de laranja a 2$000 réis, cada uma, produz a somma de 24$000 réis; e deduzindo-se d'esta somma as despezas de cultura, que te calcula, termo medio minimo, em 3$000 réis cada alqueire de quinta, fica portanto como rendimento liquido, a somma de 21$000 réis; que vem a ser este então o valor collectavel de um alqueire de quinta, representado nas matrizes prediaes.

Examinemos agora qual deve ser o imposto correspondente a um alqueire de quinta, na rasão de 8 por cento, como determina o parecer da illustre commissão de fazenda.

Sendo o valor collectavel das matrizes prediaes, com relação a um alqueire de quinta, calculado em 21$000 réis, o imposto de 8 por cento, com relação a esta somma, importa em 1$680 réis; e juntando-se a esta quantia os 20 por cento addicionaes para viação, que vem a ser 336 réis, temos a somma de 2$016 réis, que vem a ser o imposto predial correspondente a um alqueire de quinta; pondo-se em execução ou sendo convertido em lei o projecto que se discute.

Mas como o rendimento liquido de um alqueire de quinta é approximadamente a metade do valor collectavel, representado nas matrizes prediaes, segue-se que o imposto em vez de ser a 8 por cento como propõe o governo e a illustre commissão de fazenda, dá em resultado um encargo de mais de 17 l/2 por cento (apoiados).

E a demonstração é facil; já mostrei á camara que o imposto de 8 por cento lançado sobre o valor collectavel da -matrizes, e addicionando-lhe os 20 por cento para viação produzia a somma de 2$016 réis.

Ora, sendo o preço medio da liquidação de cada caixa de laranja 1$200 réis, e sendo a producção regular e geral de um alqueire de quinta doze caixas, e multiplicando 1$200 réis, valor real de cada caixa, por doze, temos a importancia de 14$400 réis, producto bruto de um alqueire de quinta nas ilhas: deduzindo porém d'esta quantia o custo minimo da producção, que são 3$000 réis, resta a importancia de 11$100 réis, rendimento liquido, real de um alqueire de quinta.

Mas como o contingente que se tem de lançar é com relação ao valor collectavel, representado nas matrizes, que é como vimos 2$016 réis, e não em attenção ao verdadeiro rendimento collectavel dos contribuintes, o resultado vem a ser, que lançando-se o contingente de 2$016 réis sobre o rendimento liquido de 11$400 réis, produzir um encargo não na rasão de 8 por cento, mas sim de mais de 17 1\2 por cento (apoiados). Isto é violento.

Ora de certo, que nunca podia ser a intenção do illustre ministro da fazenda, nem da illustre commissão de fazenda, quando elaborou este projecto, onerar os povos das ilhas com um encargo excessivo de mais de 17 por cento (apoiados), como acontecerá se effectivamente este projecto se pozer em execução. Isto não póde ser, e espero que a camara não deixará de attender aos legitimos interesses dos povos das ilhas dos Açores.

Sr. presidente, eu não posso deixar de reconhecer que o governo, não se achando ainda concluidas as matrizes prediaes nas ilhas, e não tendo outros meios para conhecer o valor collectavel da propriedade nas ilhas adjacentes; não tendo aparecido alem d'isso, perante o governo, nenhumas reclamações dos povos contra o valor collectavel, representado nas matrizes prediaes, o governo, repito, não tinha ouro caminho a seguir, senão trazer ao parlamento como fez, uma proposta de lei para ser auctorisado a fixar os contingentes respectivos para os districtos das ilhas, não excedendo a 8 por cento o valor collectavel, representado nas matrizes prediaes; guardando d'este modo a mesma proporção, que approximadamente se observou com relação aos contingentes da contribuição predial nos districtos do continente do reino.

N'estas circumstancias toda a presumpção era de que as matrizes representariam o verdadeiro valor collectavel nas ilhas.

Sr. presidente, o governo e a illustre commissão de fazenda, elaborando este projecto, que tem por fim estabelecer o imposto para as ilhas, não podem deixar de ter em vista o estabelece-lo com igualdade e justiça, e que não

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haja desharmonia entre o encargo do imposto e as forças collectaveis de quem tem de o satisfazer (apoiados.)

Desde o momento porém, em que se duvida com bons fundamentos da verdade da importancia collectavel das matrizes, parece-me conveniente, e a prudencia assim o aconselha, que o governo antes de fixar os contingentes para as ilhas dos Açores, trate de proceder á revisão das matrizes, e po-las em harmonia com o verdadeiro valor da propriedade, o mais approximadamente que for possivel da verdade, e das forças tributaveis dos contribuintes.

Sr. presidente, cumpre notar tambem que alem d'este imposto predial de 8 por cento, existe tambem no districto de Ponta Delgada o imposto de 200 réis fixo em cada caixa de laranja que se exporta d'este mesmo districto, com applicação á construcção do porto artificial na cidade de Ponta Delgada.

Examinemos tambem agora, sr. presidente, em que proporção está este imposto de 200 réis, fixo em cada caixa de laranja, em relação á liquidação de um alqueire de quinta.

Já tive occasião de observar á camara por mais de uma vez, que a producção regular de um alqueire de quinta era de doze caixas, e portanto multiplicando 200 réis por doze, temos a somma de 2$400 réis, que vem a ser a quanto monta este imposto, com relação a um alqueire de quinta; mas como o rendimento liquido de um alqueire de quinta são 11$400 réis, vem a ser este imposto de 2$400 réis, com relação a um alqueire de quinta um imposto de 21 por cento. E addicionando-se a este imposto o contingente predial, pelo modo que o governo e a illustre commissão de fazenda propõe, que como demonstrei já, estava na rasão de 17 1/2 por cento, segue-se que este ramo da propriedade, o mais importante dos Açores, fica onerado com um imposto na rasão proximamente de 40 por cento, effectivamente superior ás forças dos contribuintes! (Apoiados.) Chamo para isto particularmente a attenção da camara.

E em que occasião, sr. presidente, succede isto? Na occasião em que pela primeira vez se põe em execução nus ilhas o novo systema tributario! Nas ilhas, como a camara sabe, existia o systema tributario dos dizimos, tributo iniquo e desigual, contra o qual, aquelles povos justamente, tantas vezes, reclamaram, e para cuja extincção eu tive tambem a honra de tomar a iniciativa n'um projecto, que foi apresentado á camara para esse fim (apoiado).

Na occasião em que se propõe estabelecer um systema mais racional, mais equitativo e mais justo, vae lançar se um encargo aquelles povos sobre uma grande parte da propriedade, mais pesado ainda do que seria o dizimo se ainda existisse! Doze caixas de laranja, cujo rendimento bruto importa em 14$400 réis, pagariam pelo dizimo a decima parte ou 1$400 réis, imposto menos oneroso de certo do que o actual; porque o contingente que se pede no projecto, embora se diga não excederá a 8 por cento, ficam os proprietarios realmente pagando 2$060 réis, mais do que seria a contribuição do dizimo, se ainda existisse, alem do imposto de 2$400 réis para o porto artificial.

A camara sabe que as ilhas são um paiz essencialmente agricola. A sua producção consiste em cereaes e laranja, ramo o mais importante da riqueza publica n'aquelle districto (apoiados).

Os Açores exportam mais de 300:000 caixas de laranja (apoiados). O valor da laranja tem soffrido uma grande quebra. O seu preço tem baixado de 2$000 réis cada caixa a 1$200 e a 1$000 réis, e apresentando esta baixa um caracter permanente.

O grande abastecimento que tem tido o mercado de Inglaterra, que é o unico mercado que absorve esta nossa producção, em virtude da grande plantação de pomares de laranja que se tem feito, principalmente no sul de Hespanha e nos paizes limitrophes do Mediterraneo, e mesmo em certos pontos do nosso paiz, tem dado uma producção immensa de laranja, que se tem exportado para Inglaterra, e tem inundado espantosamente este mercado, unico que consome este genero de producção.

Alem da tendencia que havia já para esta plantação, todos sabem que a decadencia das vinhas tem feito, em grande parte, substituir esta cultura pela plantação dos pomares de laranja, e por isso a producção tem sido immensa. De um dos portos de Hespanha se exportaram para Inglaterra para cima de 300:000 caixas!

A producção tem tido grande desenvolvimento e o mercado não se tem alargado, de sorte que o consumo não tem forças para absorver toda a producção, e o resultado será uma permanencia na baixa do preço (apoiados).

Ora, sr. presidente, n'estas circumstancias, e na perspectiva de uma baixa, que promette durar, havemos de ir sobrecarregar esta propriedade com um imposto tão pesado? Parece-me que não deve ser.

Eu confio na illustração do governo, da illustre commissão de fazenda e na camara, que não deixarão de attender a estas circumstancias excepcionaes em que se acham as ilhas dos Açores.

Sendo a primeira vez que se põe em pratica nas ilhas o novo systema tributario, que, apesar de ser mais racional e mais equitativo do que o dizimo, sempre encontra no seu principio certos attritos e repugnancias a vencer; pois o dizimo, ainda que fosse um tributo desigual e injusto, tinha a pratica de longos annos, que até certo ponto attenuava as repugnancias que haviam contra este systema; sendo a primeira vez que este systema se põe em pratica nas ilhas, parece-me conveniente que o novo imposto se approxime o mais possivel á verdade, e que o contingente que se vae pedir esteja em harmonia com as forças dos contribuintes (apoiados).

Ora eu e os meus collegas pelos Açores propomos que o governo, na fixação dos respectivos contingentes, tenha em attenção a diminuição do valor collectavel, que nas ilhas dos Açores tem soffrido os pomares de laranja. Nada me parece mais justo do que isto. Os açorianos nunca se recusaram, nem se recusam a satisfazer os impostos devidos; estão sempre dispostos com a melhor vontade a concorrer com a sua parte para os encargos geraes do estado; elles conhecem que não se podem fazer certos melhoramentos, sem que se paguem os impostos, que são as fontes de receita para os poder realisar. Mas se elles pensam assim, se elles recebem sempre com alegria e alvoroço qualquer noticia que lhe vae do continente sobre algum melhoramento que cá se faz, tambem esperam (porque os precedentes os auctorisam para isso) que a camara não deixará de considerar devidamente os seus interesses, manifestados n'esta casa pelos seus legitimos representantes (apoiados).

Alem d'isso, sr. presidente, as ilhas estão passando por uma crise (o sr. Sieuve de Meneses: — Apoiado.) não só com relação á producção da laranja, mas tambem em relação aos cereaes. Não desespero do seu futuro; pela ordem natural das cousas esta crise ha de terminar, mas não obsta por isso, a que os poderes publicos empreguem toda a solicitude, para a conjurar ornais breve que for possivel (apoiados).

O systema de viação publica, que se tem desenvolvido no continente do reino e em alguns paizes da europa, tem tornado productivos muitos terrenos, que antes estavam incultos, augmentando consideravelmente a producção, e tornando o seu custo muito mais barato; os meios de transporte são não só mais faceis, mas mesmo mais baratos.

Nós, os filhos das ilhas, não temos os caminhos de ferro, temos de atravessar o oceano para conduzir os nossos productos para os grandes centros de consumo. Nas ilhas mesmo são caros os meios de transporte; e succede que a conducção de cereaes de certas localidades productoras, para as capitaes de districto, para d'ali serem exportadas para o continente, custe mais ainda do que o que depois se paga pelos fretes de transporte de cereaes para Lisboa, por exemplo, que é o mercado que principalmente absorve hoje os nossos cereaes.

Portanto estamos collocados actualmente em condições taes, que tis nossos productos não podem vantajosamente concorrer com a producção do continente nos grandes fócos de consumo, em consequencia da situação especial e precaria em que se acham as ilhas dos Açores.

Tinha ainda muitas outras considerações que apresentar á camara, mas não quero cansar a sua attenção, mesmo porque entendo ter dito o sufficiente para fundamentar a minha proposta, e cada um terá já o seu juizo formado sobre este projecto. Estão muitos dos meus collegas das ilhas já inscriptos sobre esta materia, e elles supprirão as faltas que da minha parte tenham havido sobre esta materia.

Agora, se porventura, durante a discussão me escapou alguma palavra menos parlamentar, espero que v. ex.ª e a camara me façam a justiça de acreditar que nunca é proposito meu faltar ao respeito devido a esta assembléa, a qualquer dos seus membros, e ao poder executivo (apoiados).

Mando para a mesa a minha proposta (leu).

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