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N.º 9. sessão de 16 de maio. 1855.
PRESIDENCIA DO Sr. SILVA SANCHES.
Chamada. — Presentes 88 sr?. deputados. Abertura: — As 11 horas e meia. Acta: — Approvada.
CORRESPONDENCIA
Declarações: — 1. Do sr. Barrozo declarando que o sr. Pereira Carneiro não póde comparecer a sessão de hoje, nem talvez á de amanhã, por motivo justificado. — Inteirada.
2. Do sr. Corrêa Caldeira participando que faltou ás sessões de 13 e 14 por incommodo de saude. — Inteirada.
SEGUNDAS LEITURAS.
Requerimento: — A commissão de obras publicas pede com urgencia ao governo os seguintes esclarecimentos:
Projectos e orçamentos feitos pelos concessionarios do caminho de ferro de Lisboa a Santarem, que serviram de base ao contracto celebrado entre o governo de Sua Magestade e Hardy Hislop, para a construcção do caminho de ferro de Lisboa á fronteira de Hespanha, passando por Santarem.
Estatutos da companhia.
Consultas do conselho de obras publicas e minas respectivo ao mesmo contracto.
Relatorio do engenheiro Dupré, relativo ao projecto de construcção de um caminho de ferro de Lisboa á fronteira de Hespanha.
Projectos e orçamentos do mesmo engenheiro, relativos á secção do mesmo caminho de Lisboa a Sacavem.
Differentes propostas, que haja, respectivas á construcção de um caminho de ferro, de Lisboa á fronteira de Hespanha.
Propostas e documentos, presentes ao governo, respectivos ao mesmo caminho, antes de feita a concessão definitiva. — Palma.
Foi remettido ao governo.
Requerimento: — Requeiro que os mappas mandados pelo ministerio da fazenda, em officio de 25 de abril de 1853, sejam remettidos da secretaria desta camara á commissão de commercio e artes, para os tomar na devida consideração. — Pinto de Almeida.
Foi admittido e approvado sem discussão.
Proposta: — Que esta camara nomeie uma commissão especial encarregada de rever o decreto de 31 de dezembro de 1852, especialmente nas classes 1. e 17.º
Que o governo remeda a esta camara todos os esclarecimentos, em que fundamentou aquelle decreto; e bem assim todas as representações, que contra as suas disposições lhe tenham sido posteriormente dirigidas.
Que a referida commissão seja encarregada com urgencia de apresentar o seu parecer sobre quaesquer
alterações do citado decreto, afim de poderem ser discutidas durante a actual sessão legislativa. — Visconde de Castro e Silva — Macedo Pinto.
Foi admittida e approvada sem discussão.
O sr. Presidente: — Esta proposta não designa de quantos membros ha de ser u commissão composta: consulto a camara sobre se quer que a commissão seja composta de 7 membros.
Assim se resolveu.
O sr. Presidente: — Designar-se-ha dia para a sua eleição.
O sr. Palmeirim: — Parecia-me preferivel que essa commissão seja nomeada pela mesa: se é necessario mando a minha proposta para a mesa.
O sr. Presidente: — Queira mandara sua proposta por escripto para a mesa.
O sr. Palmeirim: — A minha proposta e a seguinte:
Proposta: — Proponho que a commissão seja nomeada pela mesa, — Palmeirim.
Foi admittida, e ficou em discussão.
O sr. Maia (Carlos); — Parece-me que a proposta que acabou de ser approvada, dizia — que se nomeasse uma commissão especial...
O sr. Presidente: — A commissão e de tal importancia, e exige taes especialidades que, a mesa desejaria não tomar sobre si a execução della.
O sr. Palmeirim: — Conheço bem o alcance da medida, e a necessidade da commissão; mas, quando mandei para a mesa a minha proposta, para que a commissão fosse nomeada pela mesa, foi pelo acerto que tem havido em todas as nomeações feilas pela mesa, e em segundo logar em attenção á economia de tempo; mas depois da declaração de v. ex.ª, que a mesa não queria tomar sobre si tamanha responsabilidade; peço licença para retirar a minha proposta.
O sr. Avila; — E minha opinião ha muito tempo, que as nomeações feilas pela mesa preenchem o fim que se deve ter em vista na nomeação das commissões. A experiencia de muitos annos tem-me demonstrado, que as nomeações feilas pela mesa são sempre feitas com um caracter de imparcialidade que não póde deixar de merecer os louvores, e a approvação de todos os membros da camara. (Muitos apoiados) Mas parecer;! que eu sou contradictorio dizendo — que esta commissão não deve ser nomeada pela mesa. O facto é que apesar de reunirem essas nomeações precisamente os caracteres que acabo de indicar, todos os pai lamentos se tem reservado o direito de nomear certas commissões, isto é, iodas aquellas que tem de occupar-se de assumptos essencialmente ligados com a politica ministerial, que esses parlamentos sustentam: e ninguem dirá que a commissão de que se Irada, não seja desse numero.
Eu acabo de saber com admiração, que o requerimento para a nomeação desta commissão foi approvado sem dicussão. Eu não estava na casa na occasião em que elle foi lido, senão eu havia ler dito alguma cousa a respeito delle, porque este requerimento tem um grande alcance, porque é de grande impor-
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landa a revisão do nina reforma — a reforma das pautas — sobretudo agora que ella ainda não é lei. Eu tenho a respeito dessa reforma gravissimas apprehensões; não as pude expor na occasião em que se discutiram os actos da dictadura, por falla de tempo: mas estive sempre convencido de que a experiencia havia de pôr patentes os inconvenientes dessa reforma, que na minha opinião veiu muito aggravar as difficuldades do Thesouro. Intendo, que será uma fortuna se a diminuição da receita proveniente dessa reforma até 31 de dezembro deste anno não exceder a 300 contos. Intendo ainda, que os documentos que se pedem, que serviram de base a essa reforma, hão-de ser a censura de muitas das disposições que se adoptaram, e que não poderiam de certo ser aconselhadas por esses documentos, se elles descrevem os factos como os devem descrever.
Sendo, pois, o objecto dessa commissão eminentemente ministerial, intendo que a camara fiel ás practicas parlamentares de muitos annos deve reservar para si a sua eleição, opinião que não exprime menos consideração para com a mesa, a quem já fiz justiça: mas porque intendo que a nomeação desta commissão é de tal importancia, e de tal significação que deve sair da maioria da camara, da maioria que approvou os decretos da dictadura, e que por certo teve grandes rasões para os approvar, e a quem se vem pedir já a revogação de um dos mais importantes desses decretos.
O sr. Cazal Ribeiro: — Parece-me inconveniente «esta discussão prévia, mesmo sobre os terrores que se espalham a respeito dos resultados que ha-de dar a nova punia, muito principalmente quando factos officiaes publicados não auctorisam esses terrores. Parece-me que em quanto não se demonstrar que as cifras officiaes não provam aquillo que á primeira vista parecem provar, isto é, que não é de esperar, em vista da nova reforma, uma diminuição de rendimento da alfandega, não é conveniente aventar no parlamento esta proposição, sem demonstração alguma.
Eu não intendo que a reforma das pautas seja obra perfeita; intendo que por mais revisões que se façam, nunca se poderá chegar a fazer uma reforma perfeita, porque a deficiencia é a imperfeição de taes trabalhos: são sempre imperfeitos. Não tenho porém duvida em declarar francamente á camara a inhiba opinião, que já declarei por occasião da discussão dos actos da dictadura: intendo que na reforma das pautas ha imperfeições e defeitos; mas é melhor que a legislação anterior a este respeito, e melhor principalmente porque a legislação anterior querendo ser protectora, não o era, porque ía sobrecarregar quasi todas as materias primas, e isto não é principio de liberdade de commercio, nem é principio de protecção, e um principio fiscal, e muito máo principio fiscal. Nem a pauta de 1841 é obra perfeita, nem a de 1852; mas, comparando uma e outra, eu não tinha duvida nenhuma — decididamente optava pela segunda.
Se ha-de trazer ou não desfalque aos rendimentos publicos, creio que não se póde sobre isto formar uma opinião segura desde já, e muito menos se póde acreditar que ha-de dar-se esse desfalque, quando, repito, as cifras officiaes não auctorisam essa asserção.
Visto que a camara decidiu que se nomeasse a commissão para rever as pautas, eu não me posso conspirar contra a decisão da nomeação da commissão. — Quanto á forma de se nomear, concordo com qualquer das duas idéas; adopto uma dellas. Entre tanto acho realmente mais regular que a camara lendo resolvido que se nomeasse essa commissão, ella seja o resultado do escrutinio, porque o assumpto é de grande importancia, e a practica parlamentar é, que as commissões que tem de encarregar-se de trabalhos mais graves, importantes e complicados sejam nomeadas pela camara. Isto não importa desconsideração alguma pela mesa, porque todos nós lemos a mais profunda deferencia com v. ex.ª, que a todos a merece; (Apoiados) mas entre tanto segundo as practicas parlamentares, é isto o que se deve fazer: a commissão deve saír do escrutinio, por que tem de ser encarregada de trabalhos ião importantes, e uma commissão destas faz sempre objecto de uma votação especial.
O sr. -Avila — Eu não tenho pressa de entrar na discussão da reforma das pautas, não entrei nella agora, e o illustre deputado que me precedeu, faz-me sem duvida a justiça de acreditar, que quando se entrar nessa discussão, eu hei de ter mais alguma cousa a dizer do que o que disse agora de corrida, para dar a razão porque intendia que a commissão não devia ser nomeada pela mesa, e sim que devia ser eleita pela camara. E para chegar a esta conclusão, linha eu direito para mostrar o alcance da commissão proposta, e, expor as considerações que julguei convenientes para mostrar que effectivamente essa commissão devia ter uma nomeação especial, devia ser a expressão da opinião da camara, manifestada pelo escrutinio.
O illustre deputado disse que não era conveniente Vir derramar o tenor antes de tempo. Perdoe-me o illustre deputado, mas o que eu disse não augmento nem diminue os despachos das alfandegas. Os documentos publicados não justificam tambem a diminuição que eu indiquei, accrescentou o illustre deputado. Basta reflectir, que só no semestre ultimo do anno lindo, essa diminuição proveniente da reforma das pautas, foi de 177:000$000 réis, como aqui disse o sr. ministro da fazenda, para se ver que o meu calculo é diminuto, por que para os 300:000$000 réis, fallam só 133:000$000 réis, e eu tenho razões para crer, que no actual anno civil a diminuição da re. ceita das alfandegas em relação ao ultimo anno hade II muito além daquelles 133:000$000 íeis. Oxalá que eu me engane!
Começam as amarguras para Os illustres deputados da maioria, peço licença para empregar esta expressão. Aqui está o resultado da approvação dos 235 decretos da dictadura, cujos defeitos os illustres deputados conheciam, mas a que fecharam os olhos para não offender o ministerio. Agora são os mesmos illustres deputados que acabam de approvar esses 235 decretos, que veem propôr já a revogação de alguns delles; porque a proposta para a nomeação de uma commissão que reveja o derreio de 31 de dezembro, não veiu da opposição, veiu da maioria, veiu de um deputado da maioria que approvou ha pouco esse mesmo decreto. Essa proposta tem desta maneira uma significação muito maior do que se fosse feita por um membro da opposição. (Apoiados da direita) Eu não estava na camara na occasião em que essa propo-la foi lida, se estivesse havia de pedir que não se dissesse nada dessa proposta, que nem se approvasse nem se rejeitasse sem estar presente o governo; (Apoiados) a fim de que os srs. ministros ouvissem
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ponderações, e avaliassem devidamente a situação em que se collocaram com as suas pouco meditadas reformas.
Terno a dizer ao illustre deputado que acabou de fallar, que eu não tenho pressa de entrar nesta discussão; e tanto não tenho pressa que estando habilitado para fallar sobre este assumpto tenho até agora guardado completo silencio sobre elle. Nas ponderações que eu fiz quando fallei a primeira vez, foi só para mostrar que a commissão devia ser eleita pela camara, que essa commissão devia representar a opinião da camara; por quanto essa commissão ia occupar-se de um objecto importantissimo, do exame de uma reforma decretada pela dictadura, que acaba de ser approvada; reforma, que já tem trazido e continuará a trazer grandes embaraços á fazenda publica.
O sr. Santos Monteiro (Sobre a ordem): — Eu estou quasi cedendo do proposito para que pedi a palavra sobre a ordem, porque vejo que se vai chegando a um terreno que eu tenho desejo de chegar, o a que é preciso chegar. Se alguem impugnasse, na occasião em que se leu, a proposta do sr. deputado visconde de Castro e Silva, eu teria pedido a palavra para a apoiar, e fazer á camara algumas observações, que talvez viessem depois a aproveitar na discussão do resultado final da proposta. Ora, depois do que se tem dicto, e lendo eu pedido a palavra sobre a ordem para chamar a questão aos seus devidos termos, que é — quem deve nomear a commissão — parece-me que o melhor será ceder, poi-que e preciso dizer alguma cousa a respeito das observações feilas pelo sr. Avila; (Apoiados) s. ex.ª aventou algumas opiniões, e alguns receios a que é preciso responder, (Apoiados) e por isso eu cedo da palavra sobre a ordem, e peço-a sobre a materia, porque me parece que alguma cousa ha que explicar, e que deve ser explicada (Apoia los).
O sr. Maia (Francisco): — Eu sinto, sr. presidente, que a questão saisse para fóra do ponto em que ella devia conservar-se. A questão era simples, e unicamente saber quem devia nomeara commissão, se a mesa, ou se a camara; mas visto que se entrou alguma cousa na materia principal, julgo do meu dever fazer algumas observações com relação áquillo que disse ha pouco o meu nobre amigo o sr. Avila. Parece-me que s. ex.ª não devia tirar as conclusões que tirou Eu digo a s. ex.ª, que os deputados que approvaram os 235) decretos da dictadura, não acceitam censura nenhuma do acto que practicaram. Esses deputados foram aqui muito explicitos quando declararam a rasão por que approvaram aquelles actos da dictadura; elles disseram desde logo, que esses decretos tinham defeitos, e defeitos que a seu tempo cumpria emendar; esses defeitos ainda se tornavam mais palpaveis na materia sujeita, isto é, no que dizia respeito ás pautas mas declarando tambem que em geral toda a legislação publicada pelo governo, durante a dictadura, melhorava no seus differentes pontos a legislação anterior. Sei que a reforma das pautas tem defeito; o systema que se seguiu, ha de trazer graves inconvenientes a algumas das nossas industrias; sei que não se póde em certos casas applicar rigorosamente o principio da liberdade de commercio, mas tambem sei que as pautas melhoram muita» cousas; e nessas em que ha defeito, cumpre attender a isso, e remedia-lo. O governo não se negará a isso; nós devemos luze-lo, e para o fazer é que já se votou que se nomeasse uma commissão.
Em quanto ao argumento que o illustre deputado apresentou, da diminuição da receita das alfandegas em 3 ou 4 mezes, isso não significa cousa alguma; mas quando tivesse logar, e lenha ainda logar essa diminuição, é necessario saber por outro lado, se a reforma das pautas, ainda que affectasse os direitos fiscaes, ella por outro lado promoverá em certos ramos a riqueza nacional, supprindo-se assim o deficit que apparece pela diminuição desses direitos fiscaes. A questão é saber se a diminuição desses direitos, ainda que actualmente produza menos receita, ella de futuro promoverá a riqueza nacional, fazendo prosperar as differentes industrias do paiz. Se se demonstrar que se dá esta circumstancia, eu não tenho receios da diminuição da receita das alfandegas, porque ella será supprida pelo desenvolvimento da riqueza nacional Os pesados direitos fiscaes destroem muitas cousas, e não protegem industria alguma; quero dizer, não são vantajosos nem para o estado, nem para as industrias, e esta é a rasão por que as pautas de 1841 estavam apresentando tristes resultados; porque então o contrabando era grande, e desta maneira nem se protegia a industria, nem se recebiam os direitos. Isto é infallivel; não ha foiças em estado nenhum que o possa emendar.
Digo isto para desfizer qualquer má impressão que podessem fazer as observações do meu amigo o sr. Avila.
O sr. Maia (Carlos): — Pedi a palavra sobre a ordem para dizer que me parece intempestiva esta discussão, quando se tracta de saber unicamente se a commissão deve ser nomeada pela mesa, ou eleita pela camara; e por isso peço que se consulte a camara sobre se a materia está discutida.
O sr. Presidente: — Eu devo dizer ao sr. deputado que requerimentos desta ordem não se fundamentam; como porem o sr. deputado fallou sobre a ordem, e concluiu pelo requerimento, vou sobre elle consultar a camara.
Julgou-se discutida.
O sr. Presidente: — O sr. Palmeirim pediu para. retirar a sua proposta. Consulto a camara.
Foi retirada, devendo por tanto a commissão ser eleita pela camara.
O sr. Cazal Ribeiro — Peço a palavra para uma explicação.
O sr. Presidente — Por uma disposição do regimento não lh'a posso dar; mas um destes dias consultou-se a camara para um caso identico, e então vou consulta-la outra vez a respeito do sr. Cazal Ribeiro.
Resolveu.se que se desse a palavra ao sr. Cazal Ribeiro para uma explicação.
O sr. Cazal Ribeiro: — lin agradeço á camara esta deferencia que acaba de ter comigo, e não abusarei da palavra.
Queria sómente dizer que eu não ignoro que o sr. Avila ha-de ter ainda muito que dizer sobre a materia que ultimamente foi tocada, assim como ha-de haver quem então lhe responda; entretanto o fim da minha explicação é dizer que o que eu quiz mostrar, foi que pelos documentos officiaes, unicos por onde se podem avaliar os rendimento; do estado, longe de constar que a receita das alfandegas tem dimi-
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nuido, vê-se que nu mez de fevereiro a. alfandega de Lisboa rendeu mais 4 contos de réis que em igual mez do anno antecedente; e a do Porto rendeu mais 50 contos nesse mesmo mez, e não póde isso ser attribuido á nova legislação sobre a exportação dos vinhos, porque essa, longe de augmentar a receita, produz um desfalque, que vem computado no orçamento, e que torna por conseguinte ainda maior o rendimento do mez de fevereiro. Portanto á vista dos unicos documentos officiaes que existem, não se póde dizer que o rendimento das alfandegas tem diminuido.
(O sr. Pegado leu e mandou para a mesa um parecer da commissão do ultramar, o qual ficou sobre a mesa para ler ámanhã o competente destino).
O sr. Pinto de Almeida: — Sr. presidente, como deputado pelo districto de Coimbra, como proprietario, e como filho daquella cidade, do que me honro, não posso deixar de levantar nesta camara a minha fraca e debil voz para pedir á digna commissão de obras publicas, que no mais curto espaço de tempo apresente o seu parecer a respeito do projecto dos melhoramentos dos campos de Coimbra, apresentado pelo sr. Justino Antonio de Freitas, e assignado por quasi todos os deputados por aquelle districto.
O estado do campo de Coimbra é lastimoso, e cada vez vai a peior, senão se tractar de acudir aos seus inales. Parle do campo não se semeia por estar alagado ha muito tempo, parte semeia-se e é atacado duas e tres vezes pelo bicho, e finalmente a outra parre é semeada tarde e a más horas, a ponto que quando o lavrador está para colher o fructo do seu trabalho, as primeiras agoas que vem ao rio Mondego lhes levam as suas searas, com o que ficam perdidos.
Mas, sr. presidente, ainda aqui não param os males que affligem aquelles infelizes proprietarios e cultivadores; ainda apparece outro mal peior, e são as febres malignas que apparecem nas povoações contiguas ao campo nos mezes de junho a setembro, de que tem sido victimas milhares de familias, que tem ficado sem pais, vendo-os ir para o» cemiterios.
Daqui segue se que os que tem alguma cousa para se sustentarem fóra, emigram; mas o pobre esse é victima. Não se viu que o collegio urselino leve de ir para Coimbra, para escapar aos effeitos das epidemias?
Sr. presidente, eu estou certo que a maior parte destes inales acabarão com a approvação do projecto, de que já fallei, medida que é reclamada por aquelles povos desde ha muito tempo. E tanto isto é verdade que a junta geral de districto, que se reuniu agora, na sessão de 11 do corrente, reconheceu esta necessidade, porque representou ao governo de Sua Magestade neste sentido; e todas as juntas geraes de districto em differentes épocas tem reconhecido esta necessidade.
Sr. presidente, eu faço estas observações por ler na camara uma cadeira por aquelle districto; mas de maneira alguma quero irrogar censura á commissão; o que lhe peço é que attenda ao estado lastimoso em se acham os campos de Coimbra.
O sr. Placido de Abreu: — Pedi a palavra para agradecer ao illustre deputado a bondade que teve com a commissão, e declarar ao mesmo tempo que ella se occupa assiduamente de um negocio tão importante, para apresentar um resultado á camara.
O sr. Luz Pitta: — Peço a v. ex. a bondade de me inscrever para renovar a iniciativa de uns projectos de lei.
O sr. Cezar de Vasconcellos: — Mando para a mesa este requerimento. (Leu.)
Ficou sobre a mesa para ter ámanhã o competente destino.
O sr. Bordallo: — Mando tambem para a mesa o seguinte requerimento.
Ficou sobre a mesa para ter amanhã o competente destino.
O sr. Carlos Bento: — Sr. presidente, pedi a palavra quando por occasião de se discutir o requerimento do sr. visconde de Castro e Silva, se manifestou na camara a idéa de que tinha diminuido consideravelmente a receita das alfandegas, attribuindo-se essa diminuição a defeitos da pauta, para notar que no Diario do Governo apenas tem sido publicadas as contas do rendimento das alfandegas relativas aos mezes de janeiro e fevereiro, quando já estamos em maio, e é muito importante a apresentação destes dados. Eu sei que o sr. ministro da fazenda tenciona apresentar a estatistica das alfandegas de 1851, mas esse trabalho demanda muito tempo pelo grande desinvolvimento que tem, e seria mais facil fazer uni transumpto deste objecto e publical-o.
Eu pedia tambem ao st. ministro da fazenda que mandasse proceder aos trabalhos respectivos, a fim de que se possa publicar o numero das quotas de decima que pagam os contribuintes, para se poder saber o numero destes, e as classes de que se compõem, esclarecimentos importantissimos para quando se tractar da reforma da nossa contribuição directa; e o sr. ministro sabe melhor do que ninguem, que nos outros paizes não ha reforma nenhuma importante, que não seja precedida de todos os esclarecimentos necessarios, e com a antecipação conveniente para poder ser discutida fóra do parlamento antes que elle se occupe dessa reforma; mas entre nós não acontece assim, e os dados sobre qualquer assumpto são fornecidos na occasião em que elle se discute, e assim não ha tempo para serem» estudados por noticias certas, e muito menos por aquelles que lá fóra têem de regular-se pelos debates do parlamento. Por consequencia esta publicação é muito importante, para que lá fóra se possa fazer a devida appreciação sobre o assumpto.
Escuso dizer mais nada; o sr. ministro da fazenda dará a consideração que merece, ao objecto sobre que acabo de fallar.
O s. ministro da fazenda (Fontes Pereira de Mello): — Sr. presidente, eu agradeço ao nobre deputado as suas observações, que são sempre muito sensatas, mas peço licença para observar que u minha boa vontade na publicação dos dados a que o nobre Deputado alludiu, tem sido demonstrada já pela publicação que tem apparecido no Diario do Governo, e se não são tantos como seria para desejar, e como deseja o Illustre deputado, já vê que são mais do que anteriormente se fazia. Ora eu estou prompto a dar á camara todos os esclarecimentos, e mesmo tenciono mandar compilar todos esses dados para os apresentar aqui
É certo que não tem sido publicados em dia as estatisticas das alfandegas, isto é um apanhado de todo o rendimento dellas, o seu resultado final, como
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serna para desejar; mas entre nós essas publicações não podem ser feitas com a mesma facilidade, com que são feitas em outros paues: em primeiro logar, o nosso systema de administração de alfandegas não está tão bem montado como em outros paizes; cem segundo logar, as nossas vias de communicação não do luo faceis, para que de um momento para outro e possa fazer esse apanhado de todo o movimento das alfandegas. E necessario attender a que não lemos os meios que tem os outros paizes á sua disposição — os nossos meios são ir dos mais pequenos. Entretanto eu não sei se se publicou a estatistica de março; não tenho certeza, mas tenho idea que rim.
O nobre deputado sabe que um dos trabalhos mais attrazados entre nós e o trabalho estatistico, e o ministerio tanto reconhece que este trabalho e muito importante, que já mandou estabelecer em cada uma das repartições do ministerio de obras publicas, commercio e industria, uma secção de estatistica especial. Tem-se procurado colher todos os dados que é possivel não só do paiz, mas fóra do paiz pelo que respeita ás nossas relações exteriores quanto ao commercio; mas por ora não e possivel haver um trabalho completo. O governo tem-se empenhado em apresentar estes dados que já tem colhido, mas o nobre deputado sabe que estes dados aos retalhos não provam nada, não podem sei vir de illustração a ninguem. Comtudo eu estou prompto a apresentar a camara todos os dados que reconheça que podem servir de algum esclarecimento aos nobres deputados, o que o governo puder ter ao seu alcance.
O sr. Nogueira Soares: — Sr. presidente, no sabbado quando aqui se apresentou o contracto de obras publicas, eu pedi a v. ex.ª que convidasse o governo a remetter a esta camara os trabalhos do engenheiro Dupré sobre este assumpto, que tinham sido impressos, relativos ao caminho de ferro de Lisboa á fronteira de Hespanha, e mais especialmente sobre o caminho de Lisboa a Sacavem. A camara votou que viessem esses trabalhos; mas esses documentos ainda não bastam. Nós precisamos instruir este processo com todos quantos esclarecimentos possamos lei, para que a camara possa votar com todo o conhecimento de causa — por isso eu mando para a mesa este requerimento que é de summa importancia (Leu).
Aproveito esta occasião para mandar igualmente para a mesa uma representação da camara municipal de Barcellos, na qual pede ao governo lhe conceda uma casa, que foi adjudicada á fazenda publica e que leiu sido posta em praça por duas ou tres vezes, não tem achado comprador. A camara representante explica as vantagens que podem vir ao municipio desta concessão, no qual quer estabelecer um quartel para alojamento de tropas — por isso peço a V ex.ª que tenha a bondade de dar a direcção conveniente a esta representação.
O sr. Presidente: — Tanto o requerimento, como a representação lerão ámanhã o competente destino.
O s. Palma. — Sr. presidente, pedi a palavra simplesmente para dizei ao nobre deputado, meu amigo, que aquelles esclarecimentos a que se referiu, e mais alguns, nós já hoje os pedimos ao governo, por uma deliberação tomada na commissão, para esse mesmo fim.
O sr. Nogueira Soares — Sr. presidente, o illustre deputado o sr. Palma, por parte da commissão disse, que tinha pedido ao governo os documentos, de que tracta o requerimento que mandei para a mesa, por isso limito-me a pedir a sua impressão, para serem distribuidos na camara. A remessa só, não satisfaz; não pode servir senão para a illustre commissão, mas eu quero-os, para que todos nós tenhamos conhecimento delles. (Apoiado) Por isso eu insisto que v. ex. consulte a camara sobre se consente em que esta consulta que eu peço do conselho de obras publicas e minas seja impressa, quando vier, e se distribua com o parecer da commisão.
O sr. Presidente: — Na occasião em que viciem os esclarecimentos pedidos, consultarei a camara.
O sr. Maia (Carlos): — Mando para a mesa o seguinte requerimento. (Leu.)
Ficou sobre a mesa para ler ámanhã o competente destino.
O sr. Arrobas: — Sr. presidente, mando para a mesa um parecer da commissão de malinha, sobre a proposta do governo, para a fixação da força de mar.
Ficou sobre a mesa, para ter amanhã o competente destino.
O sr. José Estevão: — Sr. presidente, mando para a mesa uma representação da camara municipal de Penalva d'Alva, districto da Guarda, em que pede á camara que haja de determinar a quantia que foi necessaria para que por conta do estado se mande concertar uma ponte perto do mesmo concelho, cujo estrago affecta as communicações geraes daquelle districto.
Mando igualmente para a mesa uma representação dos habitantes da freguezia das Cabias de Vizella, e suas visinhanças, do concelho de Guimarães, em que pedem que com maior promptidão se mande acabai n estrada do Porto a Guimarães.
ORDEM DO DIA.
O sr. Presidente — Entrou-se na ultima sessão na discussão do projecto n.º 28, porque não estava presente o sr. ministro da fazenda. Agora que s. ex.ª está pi escute, devemos passar ao projecto n.º 31; no entretanto achando-se inscriptos sómente dois srs. deputados, sobre a generalidade daquelle projecto, se a camara conviesse em continuar na sua discussão da generalidade, dentro em pouco tempo acabava, e passava-se logo ao projecto n. 31.
O sr. Vasconcellos: — Eu peço a palavra sobre a generalidade do projecto 11. 23.
O sr. Presidente — Então não podemos proseguir nesta discussão; vamos ao parecer n.º 31. (Apoiados)
É o seguinte
Parecer (n.º 31.) — Senhores: A commissão de commercio e artes examinou attentamente o projecto de lei, apresentado a esta camara, na sessão de 8 de abril, pelo sr. deputado Antonio dos Santos Monteiro, e lendo ouvido, na conformidade da vossa resolução, a opinião da illustre commissão de fazenda sobre a doutrina do mesmo projecto, vem hoje apresentar-vos, o seu parecer.
O projecto do sr. Santos Monteiro tem por fim fazei novamente reviver a disposição do artigo 3.º da carta de lei de 30 de janeiro de 1851, quando elevou a 1$000 réis o direito de exportação de cada mano de pinta em bruto, barra ou quebrada, revo-
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gando por conseguinte a disposição da nova lei das pautas, que restabeleceu o antigo direito de 100 réis por cada marco, com que havia sido laxada a exportação daquelle melai pelo decreto de 10 de janeiro de 1837.
Os fundamentos em que o illustre deputado basêa a necessidade da adopção desta medida, são o desapparecimento progressivo da nossa moeda de praia na circulação, e a diminuição da offerta deste metal á casa da moeda.
A. commissão, reconhecendo estes factos, não póde I comtudo, convencer-se de que elles sejam o resultado da reducção do direito a que esteve sujeita, durante dois annos, a exportação da prata.
Desde a primeira reforma das pautas, em 1837, até 30 de janeiro de 1851 esteve a exportação da prata sujeita ao mesmo direito que hoje tem, e, comtudo, a offerta á casa da moeda variou muito nos differentes annos durante aquella época; oscillando a variação do trabalho, em prata amoedada naquelle estabelecimento, com muita irregularidade, entre limites muito affastados; pois que em 1839 cunharam-se apenas, em moedas de prata, 1:257$300 réis, e em 1847 elevou-se a producção destas moedas a 387:293$500 réis.
Estas consideraveis variações tiveram por conseguinte causas muito diversas daquellas a que o illustre auctor do projecto attribue o actual desapparecimento da moeda de prata.
Se a exportação apparente da prata, que ha via sido consideravel nos annos anteriores a 1851, mas sempre sujeita a notaveis variações, deixou de manifestar-se no anno de 1852, não póde deste simples facto conclue-se que essa exportação cessou inteiramente. — O que rasoavelmente se póde suppôr é que ella deixou de ser apparente e legal para se tornar clandestina.
A historia economica da peninsula e a de todas as nações demonstra exuberantemente que as medidas repressivas, por mais rigorosas que sejam, são insufficientes para prender os metaes monetarios em um paiz, quando as conveniencias commerciaes os chamam para outra parte.
O effeito immediato dos direitos prohibitivos ou exaggerados, de exportação ou importação, é sempre promover e favorecer o commercio clandestino e immoral — o contrabando.
A commissão não desconhece que o desapparecimento da moeda de prata, que alimentava a circulação no nosso paiz, é uma verdadeira calamidade, cajás causas convem investigar de prompto, mas com prudencia e madureza, a fim de descobrir os meios mais efficazes para atalhar os seus perniciosos effeito. Esta questão é, segundo a commissão intende, uma questão puramente monetaria, e que nada tem com os direitos da alfandega — é preciso atacal-a na sui origem, e resolvel-a segundo os principios da sciencia, de um modo permanente, destruindo os vicios do nosso actual systema monetario.
Por todas estas razões e outras muitas, que não podem deixar de ser obvias á intelligencia dos membros desta camara, porque ellas se derivam dos principios rigorosos da economia politica e da natureza das cousas; parece á commissão que se não deve adoptar o projecto de lei do sr. deputado Santos Monteiro. — José Ferreira Pinto Bastos = A. J. Coelho Louzada = A. Augusto de Mello Archer, Secretario. = Antonio Ferreira de Macedo Pinto = Antonio Gomes Corrêa com declaração), = Francisco Joaquim Maia (com declaração), — Julio Maximo de Oliveira Pimentel (relator).
Pareceis: — commissão de fazenda tem a honra de enviar á commissão de commercio e artes, o projecto de lei, apresentado pelo sr. deputado Antonio dos Samos Monteiro, para ser elevado de 100 réis a 1$000 réis por marco o direito de saída de prata em barra.
A commissão, considerando este projecto mais especialmente em relação á receita publica, intende que da sua adopção não póde resultar diminuição consideravel nos rendimentos do estado; porque, embora o direito proposto se possa considerar prohibitivo, a receita que provem do actual imposto é pouco importante. Por outro lado a adopção deste projecto vai talvez, satisfazer uma exigencia mais ou menos fundada da opinião; e em todo o caso parece a commissão que póde ser approvado, sem que d'ahi resulte inconveniente.
Sala da commissão, 4 de maio de 1853. — José Maria do Casal Ribeiro — Francisco Joaquim Maia
— Justino Antonio de Freitas — Augusto Xavier Palmeirim — Antonio dos Santos Monteiro.
Projecto de lei (n.º 17 K) a que se referem, o pareceres antecedentes. — Senhores: A falla de prata em moeda, e de prata para amoedar, foi causa de ser elevado o direito de exportação de 100 a 1$000 réis o março, pelo artigo 3.º da carta de lei de 30 de janeiro de 1851.
A saída de prata em bruto, barra, e objectos quebrados, se não se extinguiu de todo, diminuiu consideravelmente; e de culto para cá em logar de ser vendida para o estrangeiro, ía ser levada á casa da moeda, que pagando-a de prompto, alguma cousa pôde cunhar nos dois ultimos annos. Não ficou havendo abundancia de moeda de moeda de prata, porém a escacez não era de assustar.
Do principio deste anno para cá h uive uma mudança completa neste objecto. A nova pauta das alfandegas reduziu outra vez o direito de exportação a 100 reis por marco. Os especuladores com um bonus de quasi 15 por cento, vão fundindo o ultimo crusado novo, e a prata vai saindo toda em barra, ao mesmo tempo que a casa da moeda não póde cunhar uma corôa.
Conheço que a materia é gravissima, e que depois de estudada, precisa de uma medida radical, precisa talvez que façamos, o que já se tem feito em outros paizes, movidos pelo desequilibrio entre o? dois metaes, ouro e prata. Mas, em quanto se não tracta da questão em grande, parece-mo de summa conveniencia tomar desde já uma medida, que atalhe o progresso do mal Neste intento offereço o seguinte projecto de lei.
Artigo I. Fira em vigor a disposição do artigo 3.º da caria de lei de 30 de janeiro de 1851, que elevou a 1$000 reis o direito de saída de cada marco de prata em bruto, barras e objectos quebrados.
Art 2.º São revogadas a legislação, e mais disposições em contrario.
Camara dos srs. deputados, em 7 de abril de 1853.
— Antonio dos Santos Monteiro, deputado por Faio. O sr. Presidente — Aqui ha uma substituição do
auctor ao projecto, que diz assim:
Substituição — Artigo 1.º E elevado a 1$000
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réis por marco o direito de saída da prata em bruto, barras, objectos quebrados, e moeda nacional.
Art. 2.º Fira revogada a legislação em contrario. — Saidos Monteiro.
Foi admittida, e ficou tambem em discussão.
O sr. C. M. Gomes: — Sr. presidente, creio que o fim deste projecto é debellar um panico; mas confesso que ainda não vi, nem encontrei esse panico; o que encomio e vejo, é uma legislação que tracta de forçar a permanencia da relação entre si de dois prodigios que, como todos os outros, não podem deixar de estar sujeitos ás regras da producção, da offerta e da procura; o que vejo é uma legislação surda aos principios e doutrinas professadas já no 17. seculo por Petty, e depois por Loche o que vejo é uma legislação que admitte duas moedas feitas de melai differente, que não estão sujeitas á mesma regra de dilatação e concentração, e que por conseguinte só em rarissimas occasiões podem accordar-se na medição; fallo de duas moedas typos no mesmo paiz, da moeda typo ouro e da moeda typo prata. Vejo mais, que a sub-divisão de uma dessas moedas deixa de representar as partes alíquotas que dizem representar; fallo dos soberanos em relação ás peças portuguezas. Mas diz-se: — o soberano tem o desconto de 70 réis — e porque não não ha-de ter o soberano este desconto? Diz-se tambem — que sendo elevada a prata, esta elevação fará desapparecer este desconto.
Eu não sei que a prata deixe de seguir a natureza de todos os outros productos; e porque motivo não ha-de a prata, em dadas circunstancias, ler um premio? Se isto se póde considerar um panico, confesso que vejo este panico nas vesperas de uma boa colheita, e em todas as occasiões em que o anno dá esperanças de ser abundante, e apresentar bastante producção no mercado: é isto o que me parece que acontece actualmente com a prata.
Mas vamos analysar este desconto, que os soberanos tem. Em primeiro logar, quando se quer trocar um soberano, procura-se um cambista. Ora ninguem ignora que o cambista presta um serviço que tem de ser retribuido; porque elle tem de se vestir e alimentar, pagar renda de loja, caixeiros e maneio, fretes do dinheiro, e tem de tirar um juro do capital que assim tem occupado e empregado. Ainda mais, todos sabem que um soberano tendo o valor legal de 4$500 réis, vem a ter por consequencia sobre o valor relativo da peça portugueza, o favor de uns 45 réis. É tambem conhecido de todos a grande producção das minas da Russia Boreal, da Siberia, da Califórnia e da Austrhelia, ao passo que é limitada a exploração das minas de praia na America Hespanhola. Ora se se observar este facto, não nos deve surprehender que o soberano, moeda de ouro, venha a ler alguma disparidade em relação ao valor que se tem estabelecido para a prata. No entre tanto a desigualdade da producção destes dois metaes influe tão morosamente no desequilibrio dos seus valores, que o soberano apenas perde, trocado contra prata, uns 70 réis, que se decompõem dos 15 réis que já apontei, e. réis em que se póde reputar a paga do serviço do cambista; vindo por tanto todas essas maravilhas da Califórnia a influir apenas nos 15 réis que restam, ou 3 por milhar, que vem a ser a mesma cousa. Ora se dos effeitos das grandes descobertas de minas de ouro se quer fazer resultar o panico; em
quento havemos nós avaliar esse panico? E claro que elle não póde ser representado senão em 15 réis por soberano, conforme o calculo que eu acabei de demonstrar.
Por consequencia já se vê que esta differença é tão insignificante, que não se póde dizer que haja um panico, nem que as minas de ouro tem podido dar, por agora, um resultado para o desequilibrio dos dois metaes.
Porém diz-se: nós podemos com a nossa legislação concorrer para que nem este pequeno desequilibrio exista; e não devem hesitar em adoptar uma medida neste sentido; e é por isso que nós lembramos o augmento do direito na exportação da prata.
Mas, sr. presidente, o que resta provar é se ha vantagem em contrariar as tendencias do mercado, e fazer com que a prata não siga o curso para onde ella é chamada. Oque eu vejo, e o que a sciencia ensina, é que em todos os paizes é necessario que haja metal precioso, que sirva para a permuta, e sirva de equivalente nos trocos; é necessario que estes metaes preciosos sejam subdivisiveis em pequenas fracções, para representarem as moedas nas suas differentes graduações, e para servirem ao uso dos trocos; e se elle não é susceptivel desta divisão, então é necessario que haja um outro representativo, que sirva para as fracções mais pequenas.
Nestas circumstancias perguntarei eu, qual dos dois metaes deverá preferir-se para servir na moeda typo, deverá ser o ouro, ou a prata? Parece-me que, sem ser ousado, posso dizer que ninguem poderá asseverar que se deve preferir um ao outro melai. A probabilidade das circumstancias actuaes aconselha que se deve preferir a prata, em consequencia da grande descoberta das minas de ouro, que ultimamente se tem feito; mas quem nos diz a nós que amanhã se não podem descobrir novas minas de praia, e que a chimica, que invade todos as industrias, não vá amanhã simplificar e baratear consideravelmente os processos da exploração deste metal? Quem nos diz a nós, que a America Hespanhola, onde particularmente existem minas de praia, pertencendo hoje a uma nação menos emprehendedor, não vá pertencer amanhã a outra nação mais emprehendedor, que dê a esta industria o augmento de que ella é, e póde ser susceptivel? Se um dia estas metamorfoses se realisarem, a praia póde inverter o actual desequilibrio que existe entre os dois metaes. Mas pergunto: Portugal no estado actual das cousas, querendo adoptar uma só medida typo, qual das duas moedas deve preferir, o ouro ou a prata? Parece-me que no estado actual das cousas, Portugal não póde ter opção, tem forçosamente de preferir o ouro, porque não tem prata bastante para meio circulante; salvo se quizer seguir o exemplo inverso dos Estados Unidos, que elevando a relação entre a praia e o ouro, que era de 1 para 15 [, a 1 para 16, fez desapparecer a praia dos seus mercados, ficando o ouro quasi moeda exclusiva do paiz; nós podiamos fazer uma cousa similhante; no entanto eu não aconselharia a que se fizesse um sacrificio n'um jogo de azar, porque não sabemos quaes serão as consequencias futuras da continuação da exploração das minas de ouro, e a exploração que podem vir a ler as minas de prata. O que é verdade, sr. presidente, é que nós vamos realisado aqui um nosso antigo rifão «ha males que vem para bem.» Nós tinhamos um systema monetario extremamente defeituoso, e esta
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chamada calamidade tem em parte corrigido alguns desses defeitos. Nós tinhamos cruzados novos de differentes pesos; e a especulação tem ido limpando do mercado os que tinham maior peso, e hoje póde-se dizer, que todos elles, com pequena differença, tem igual peso. Nós tinhamos duas moedas na circulação para os grandes usos do commercio; a sciencia aconselha que deve haver uma só, e de facto estamos reduzidos só ao ouro. Tinhamos duas qualidades de moedas de ouro que não estavam em paridade uma com outra, que eram a peça e o soberano; as especulações commerciaes tem feito com que effectivamente estejamos reduzidos a uma só moeda de ouro que é o soberano, que não e nossa. Por consequencia eu intendo que a calamidade de que tanto se tem fallado, não é no fim de tudo tão má como se diz, e tem trazido alguns bens; o que eu tenho pena é que em vez de serem os especuladores particulares quem se tem aproveitado desta imperfeição da nossa moeda, não tenha sido o estado que tenha agarrado nos bons cruzados novos e os tenha fundido em novos.
Mas dir-se-ha — embora deva ficar uma só moeda para as transacções em grande e seja o ouro, é certo, porém, que é indispensavel que haja alguma moeda de praia para as fracções dos grandes pagamentos, e para o pagamento de pequenas quantias. — Eu quero que haja alguma moeda de prata; agora o que eu nego, é que não haja no mercado a moeda de prata necessaria e mais ainda do que a necessaria para estas fracções, e a prova é que ella se exporta. Se a não houvesse, o seu preço havia de ser elevado de maneira que a especulação não a compraria para a exportar; mas se ella se exporia, é prova que a ha, e de que ha mais que a indispensavel para os usos do commercio. Eu só diria que não havia prata bastante para estas fracções, quando eu chegasse a um cambista e não encontrasse troco para um soberano, quando eu visse que o cambista só linha troco para um soberano e que apresentando-se-lhe 10, 20, e 100 para trocar elle não tivesse prata para isso, então diria eu que havia falta de prata; mas o que eu vejo é que sujeitando-se os que offerecem os soberanos a um desconto, que já declarei que é rasoavel, encontram sempre praia para esse troco. Por consequencia não se póde dizer que haja a falta de prata que se allega, e nem podia deixar de ser assim, porque se houvesse esta falta de prata, o que se seguia era que o preço da praia havia de ser elevado de maneira que não era possivel então deixar de apparecer aquella que estivesse escondida, e ninguem poderia trazer soberanos de Inglaterra para Portugal como objecto de especulação para os trocar por praia que não havia, ou que havia por um preço tão exorbitante que não conviria. O que aconteceria era que a prata que em alguma parte existe, porque de certo não se sumiu, havia de affluir a Portugal a procurar esse preço. Não me assusta por consequencia que possa haver uma alta especulativa; não me assusta a saida da prata; assusta-me, sr. presidente, muito mais que os meios de producção em Portugal sejam tão despendiosos, que as vias publicas estejam em tão máo estado, que os nossos generos postos nos caes saiam por um preço exorbitante. A perda de meio, ou um por cento, que o paiz soffre na saida do nosso meio circulante prata, e por uma só vez, é nada em comparação do prejuizo que cada um do generos da nossa producção animal soffre pela carestia dos meios de producção e transporte.
Quanto porém a elevar-se o direito de 100 réis a 1$000 reis, peço licença ao illustre auctor do projecto para lhe dizer, que não posso concordar com isso. A illustre commissão de fazenda annuindo a este pensamento, diz logo, que é por transigir com a opinião popular, mas deu a intender que era errada, e logo em seguida diz, que isto havia de trazer a perda dos direitos da exportação da prata. Ora isso intendo eu, sr. presidente, que é um desperdicio a que não devemos subscrever, e accresce para me não prestar a subscrever a este desperdicio o ser acompanhado de um mal que intendo ainda maior que a perda dos direitos, que é a immoralidade. Todos conhecem o dicto da camara de Arahas que passou a axioma economico dos direitos prohibitivos nada prohibem» por consequencia se os direitos prohibitivos nada prohibem, isto traduzido em portuguez quer dizer, que quando se impuzer o direito de 1$000 réis sobre o março de prata, a consequencia ha de ser, que o commercio não podendo fazer saír a prata, que as tendencias chamam a outra parte, por dentro da alfandega, ha de sahir por fóra. E peço á camara que note que as estatisticas da alfandega que se apresentam, nada podem dizer sobre a prata que é exportada por contrabando, e sómente podem dizer aquella que foi despachada. Ora eu já disse que não tinha tanto amor á prata que me importasse que ella saisse; por consequencia não é a mim, mas sim aos pratilistas (seja-me permittido usar deste termo) a quem cumpro impugnar o projecto, porque elle facilita a saída da prata; porque se até agora convinha a especulação, pagando-se 100 réis de direitos por marco, mãi» deve convir, quando de facto nada se pague, e é isso o que na realidade imporia um direito prohibitivo, como eu censidero aquelle que se propõe.
Sr. presidente, todos os dados estatisticos cuidadosamente collegidos por homens tão celebres como Hum-bold mostram que effectivamente não ha grande tendencia para que appareça o desequilibrio entre o valor da prata e do ouro numa grande escala, e prompto, apezar das maravilhas que todos os dias ouvimos ácerca da producção do ouro na Califórnia e de outras minas importantes, porque a producção do ouro tem sido um augmento immenso nos ultimos annos, mas ainda não chegou á terça parte da producção ordinaria, direi mesmo enfezada como está, do milhão de kilogrammas que sáe das minas de prata do Mexico, Perú, e Cheli. Depois qual é a circumstancia que produz a consequencia necessaria da alia e baixa dos productos? A maior ou menor porção delles. Ahi temos o correctivo. Descobriam — supponhamos 10 ou 20 Californias, o ouro baixava immensamente. O que se seguia, era que o baixo preço matava o afan dos exploradores deste metal. Pela razão inversa a prata subia bastante: o preço desafiava a exploração da praia, e ahi estava o equilibrio a restabelecer-se. Ora as ultimas noticias de Inglaterra já dão a procura de prata como frôxa na praça de Londres, e com tendencias para baixa.
Ainda ha mais: a abundancia de metaes preciosos baixa em regra o valor delles; mas como esta baixa não affecta consideravelmente os outros generos, carece-se de maior porção destes metaes como equivalentes nas trocas. Ora sendo no ouro o accrescimo da producção, elle baixará, mas o seu companheiro na funcção de equivalente para as trocas, não póde deixar de ser affectado nessa baixa; e ahi está tam
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bem a razão porque o desequilibrio dos dois metaes não é, nem póde ser proporcional ao augmento de producção de um delles.
Eu concebo que alguns centenares de homens; que nunca abriram um livro, confundindo os equivalentes dos valores com os seus representativos, se apossem do terror de que os solidos e sonoros soberanos venham a ter a sorte do papel-moeda, ou mesmo dos assignats, e por isso enthesourem a prata e a desviem da circulação; mas o paiz não é só composto de taes intelligencias; e nem todos os ignorantes podem pôr em practica essa theoria, porque lhes falta que enthesourar. Mesmo daquelles que teem possibilidades para enthesourarem, alguns haviam de trazer a prata ao mercado, em o agio lhes dictando que deviam sacrificar a sua idolatria á ambição do ganho. Só ficariam Os mais obsecados, os quaes teriam a devida correcção no juro que perdiam do capital em ocio, e nos roubos e mais apanagio da avareza; em quanto que os homens esclarecidos admittindo o ouro e servindo-se delle, sem idolatrara prata, poupariam talvez annualmente em fretes e tempo de contagem, o que aquelles fanáticos mal poderiam obter depois de muitos annos.
Resumindo, sr. presidente, digo: não vejo panico, nem razão para elle; não me parece necessaria a providencia de se elevarem os direitos de saída na prata, porque nem acho essa saída uma calamidade, e nem essa saída a acho exequivel além dos limites rasoaveis; mas quando se insista em transigir com opiniões infundadas, acquiescerei ao augmento do direito de 100 a 150, 200, ou 250 réis, mas nunca a um direito prohibitivo.
O sr. Santos Monteiro: — Este projecto em quanto n mim não póde ler senão uma discussão, por isso que não tem senão um artigo, e por conseguinte o mesmo que ha a dizer na generalidade, diz-se na especialidade, porque a these é a unica.
Quando eu o apresentei, não me passou pela idéa, e nem nunca ninguem podia pensar, que elle resolvia a grave questão da moeda. Basta lêr o preambulo para conhecer o meu fim; para não haver hesitação a esse respeito. Apresentei-o unicamente como medida de momento, coroada pela experiencia de 2 annos, lendo essa experiencia provado ser de conveniencia publica. Foi debaixo deste ponto de vista unicamente que apresentei o projecto, dizendo então, é repelindo agora francamente — conheço que a materia geral é gravissima, e que depois de estudada precisa de uma medida radical, precisa que se faça o que já outros paizes têem feito a lai respeito, precisa de medida rasgada; mas não sou eu o competente para a apresentar. Estou convencido de que medidas de similhante natureza não devem ler. iniciativa senão da parte dos srs. ministros.
Estava quasi decidido a seguir a opinião que já ouvi ao sr. Julio Pimentel, que era não fallar em quanto se não pronunciasse a opinião do sr. ministro da fazenda; mas prescindindo disso vou desde já fazer breves considerações, reservando para mais tarde outras, que provavelmente me obrigarão afazer ainda os senhores que tudo querem subordinar a sciencia; II pesar de lautas vezes ser contrariada pela practica.
O sr Gomes disse-nos que ainda não viu o panico de que aqui se tem fallado. Permitta-me porém o illustre deputado que lhe diga que o panico não é corpo fysico que se veja, é cousa que se sente; o panico não é nenhum gigante que se apalpe, é um facto de que todos nós sabemos, e cujos effeitos sentimos. Ninguem ignora de que no fim do anno passado para se reduzir um soberano a prata perdia-se um vintem, hoje perde-se um tostão ou quatro vintens, conforme os cambistas querem. O que eu não sahia, e creio que ninguem, era que esse cerseamento não importava perda, mas a paga do trabalho do cambista em trocar o ouro a prata. Ja é pagar o trabalho generosamente. Seja o que fôr, é certo que a perda existe agora; que não existiu anterior mente; que o trabalho do cambista é bem compensado com a differença de 10 réis de uma a outra troca; que perdiamos ha pouco tempo uma insignificancia, e perdemos agora proporcional mente nos soberanos tanto como nas notas. Para assim acontecer houve causas que fizeram com que apparecesse o panico, que o meu amigo não viu, mas que eu tenho sentido, porque tenho já trocado uns poucos de soberanos perdendo em logar de um vintem, quatro vintens, e quatro e meio, e já perdi um tostão.
Vamos ao ponto preciso. Apresentei o meu projecto, porque a practica de 2 annos me convenceu de que o direito prohibitivo da saida da prata era a nosso favor. E porque? Vejamos o que dizem as auctoridades competentes. Tenho aqui um mappa da prata exportada em differentes annos tanto em moeda como em barra. E tenho igualmente o mappa da praia levada á moeda para cunhar nos mesmos annos.
Os factos constantes e demonstrados nos mesmos mappas ninguem os póde destruir — elles fallam mais alto do que todas as theorias. Em quanto existiu o direito prohibitivo, em vez de sair para o estrangeiro, foi a prata para a casa da moeda. De janeiro para cá nem mais 1 oitava lá appareceu, e já a expoliação excede a 9.000 marcos neste anno!
Em 11351 houve motivo para ser aposentada a proposta, depois convertida em carta de lei, de 30 de janeiro. Para a apresentação da proposta foi ouvida uma commissão especial externa, creada por decreto de 15 do mesmo mez, da qual fez parte o illustre relator da commissão de commercio e artes. Por essa lei, foi elevado, o direito da exportação da prata de 1 tostão em março a 1 $000 réis, resultando jogo que tendo saido em um mez 3.408 marcos de prata em barra, dahi por diante não saiu mais nenhuma, e em 1852 apenas sairam 17 marcos.
Agor.t é occasião de defender a repartição a que pertenço, e hei-de defende-la todas as vezes que intenda que ella é arguida injustamente. O meu amigo, o sr. Gomes, disse que a prata não se exportava legalmente, mas sim illegalmente: sinto que este illustre deputado se não tenha habilitado melhor para saber como se fazem e fiscalisam ás expoliações, e como podem ser fiscalisadas as importações. K mais difficil contrabandear na saida um volume deste tamanho (Mostrou uma caixa de rapé do que na entrada outro que custe a caber por aquella poria. (Ris-r) As expoliações são feilas no quadro, ou lendo as embarcações guardas a bordo, e guardas vão ainda ale os navios se fazerem de véla além das forres. Para as importações ha uma costa extensissima e pouco guardada, e ha ainda a raia secca, que está como Deus é servido, e por ahi só não contrabandêa quem não quer contrabandear. Não quero comtudo dizer que se não posa contrabandear alguma cousa na saida, mas hão-de ser volumes de porte mais manual do que a prata, é com grande risco.. Sr. presidente, não me cansarei de repetir que o
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Que resultou do augmento do direito foi que a maquina de amoedar não se limitou a trabalhar em cobre durante os 2 annos de 1851 e 1052, trabalhou em prata, e póde dizer-se que em quantidade, se attendermos, que não teve outra além da que lá foi levada espontaneamente. Isto aconteceu até dezembro, de janeiro para cá, repito, nem uma oitava mais foi offerecida. Póde por ventura haver prova mais clara de que a prohibição indirecta de saida da prata era a nosso favor?
O illustre relator da commissão, para sustentar o seu voto, e para attenuar os argumentos que devia esperar, e que eu lhe annunciei com a franqueza de que uso, fez todas as diligencias, como sempre costuma, para obter toda a qualidade de esclarecimentos para chegar ao seu intento. Sabendo a illação que pretende tirar de alguns, não posso deixar de observar que, sendo o illustre deputado um dos membros da commissão que em 1851 trabalhou na casa da moeda, não póde ignorar as causas que deram logar á grande disparidade que houve em 1839 e em 1847, entre a prata cunhada, em um e outro anno.
Em 1847 houve, como todos sabem, um panico que não sei se o sr. Gomes viu, mas que nós todos sentimos muito: houve uma falta extraordinaria de numerario, e então recorreu-se a muitos alvitres para vêr se se achava o modo de o fazer attenuar, não só o panico, — mas os perniciosos effeitos delle, o que só mais tarde se póde conseguir. Um ministro da corôa daquella época, para sair dos glandes apuros em que se via, além de outros expedientes fez um contracto com um negociante, logo contarei o que aconteceu a esse negociante. Fez-se o contracto de 23 de outubro de 1846 com um negociante estrangeiro para elle mandar vir prata de Inglaterra, e faze-la cunhar na casa da moeda; mas o resultado deste contracto foi negativo para a nação. A prata embarra veiu — era cunhada, e da moeda ia em saccos sellados para casa do dono, e o caminho que tomou foi provavelmente o mesmo que tomam os cursados novos que ahi se estão reduzindo a barras para irem, como vão para Inglaterra. O especulador liquidou em pouco tempo, e não tirou de premio menos de 14 contos de réis, quero dizer, 10 por cento do total da moeda cunhada, e muito mais em relação ao empate que foi sendo gradua). Houve outro resultado infeliz para o especulador, pez lhe tal impressão ler elle lido faculdade de cunhar moeda portugueza por sua conta, e em seu unico proveito, que transtornou-se-lhe a razão, com a mania de ser rei de Portugal, e com ella acabou os seus dias. Foi este um dos motivos de augmentar a amoedação da prata em 1847, e augmentou ainda, porque tornando-se grátis para quantos a levassem á moeda, concorreram alli não só particulares, porém o proprio banco de Lisboa. O referido anno pelo que respeita a amoedação não seive de regra, e nem deve ser citado por quem não póde ignorar estas circumstancias excepcionaes.
A razão mãi forte porque a prata sáe agora em tamanha quantidade, e porque se tomou um negocio que em um anno dá 36 por cento de interesse': o capital empregado em trazer soberanos para Lisboa, e levar pinta para Londres, dá 36 por cento, porque havendo 36 paquetes durante o anno, e liquidando-se a transação de paquete para paquete, e deixando pelo menos 1 por cento, um mesmo capital produz no fim do anno pelo menos 36 por cento.
Eu não creio que esta medida cure o mal, não ã propuz nesse sentido, mas creio firmemente que ha-de melhorar muito os males que estamos sentindo, e é a experiencia quem me decide a pensar assim. Deos nos livre porém de adoptarmos um dos expedientes que o sr. Gomes apresentou.
O sr. Gomes quer que o governo faça reduzindo-o a outra moeda, o que os especuladores estão fazendo, reduzindo a moeda de praia a barras de prata. O expediente do sr. Lourenço Cabral era mais rapido e mais economico. Eu por ou Iro motivo, e para vêr como se póde evitar outro mal que é grave em Lisboa, e causa até de muitas contendas nas provincias, fiz algumas indagações na repartição respectiva, e soube com certeza que para fundir só o dinheiro miudo safado que ha actualmente em giro, nessa operação se o governo a tentar, perde o melhor de 60 contos de réis.
Disse o sr. Gomes — fundam-se os cruzados novos e façam-se depois corôas. (O sr. Gomes: — Eu disse que linha pena que não fosse o governo quem fizesse essa especulação.) O Orador: — Pareceu-me ter ouvido outra cousa, — e não fui só eu que me enganei; (Apoiado) mas nem com isso eu me conformo, é operação que deve ficar reservada para quando se solver a questão geral. A camara tem obrigação de olhar para os interesses do thesouro, porque olha ao mesmo tempo para os da sociedade. Nessa operação feita sem calculo, e como ao acaso, quem era o prejudicado era o povo, que por fim de contas é quem vem a pagar os desacertos de quem governa mal, assim como paga agora, e pagou sempre, as differenças das moedas que representam mais do que ellas valem.
Sr. presidente, o sr. Gomes disse que a commissão de fazenda não tractou deste projecto senão de um certo modo; direi ao sr. deputado que a commissão de fazenda estava e está toda de accordo na approvação do projecto, e se não deu um outro parecer, e mais explicito, e mais fundamentado, foi porque nunca imaginou que a illustre commissão de commercio e artes désse um voto differente. Foi ainda por uma razão especial e particular, e de deferencia que a camara ha-de permittir que eu não revele. Se a commissão de fazenda adivinhasse, é provavel que não considerasse a questão só pelo lado fiscal como a considerou o projecto. O sr. Gomes lamenta a perda dos direitos de exportação da praia! Devo notar ao sr. deputado que para o estado o desfalque nestes direitos é insignificante. O maior anno de exportação da praia foi o de 1848 a 1849, mas o termo medio póde calcular-se ter sido de 11 a 12 mil marcos, e só naquelle, o de 1848 a 1819 é que foi maior, em consequencia da mesma prata que tinha entrado, ser a que foi exportada, sendo exportador o proprio que havia sido importador, o proprio que a mandou vir para a cunhar por sua conta.
Quero, e não posso deixar de concordar, que alguns mil reis se hão de arrecadar de menos de direitos de expoliação de prata, se passar o projecto. Observarei, comtudo, que em ella saindo toda, estanca-se a fonte da receita. E quanto perdemos todos nós na troca dos soberanos, para que posa excitar uma verba ião insignificante e Ião pouco duradoura?
Perdendo nós de 70 a 160 réis em cada soberano, quanto pagavamos das nossas algibeiras para ficar em pé esse direito? Dez vezes mais. Repare-se na quantidade de soberanos que anda em todos os pa-
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gamentos, e que devem ser trocados e retrocados repetidas vezes, e sommando isso, veja se não ha de dar dez vezes mais. E uma calamidade que nós tenhamos uma moeda nossa, que não é depreciada, como são os cruzados novos, a deixemos ir embora, e em troco della fiquemos com os soberanos, que além de não, ser nossa, é uma moeda depreciada. (Apoiados) É uma calamidade virem os soberanos, que entraram na circulação com o valor de 4$ 120 réis, que hoje estão elevados a 4$500 réis, e que se vão os nossos cruzados novos; (Apoiados) mas isso fica para quando chegarmos á questão da moeda. Note v. ex.ª que não andam em circulação senão as peças e os soberanos; mas as peças que não têem o pezo, e aquellas que lhes faltam 3 grãos, já são muito boas. A experiencia de dois annos mostra que a prohibição da saida da prata faria com que não houvesse tamanho agio no troco dos soberanos, mas depois que a prata principiou a sair, cresceu o agio, e ainda augmentou muito pela apresentação do projecto do sr. Lourenço Cabral.
Não quero dizer tudo quanto desejava dizer sobre este objecto, e como sei que o meu projecto ha de ser impugnado, pedirei de novo a palavra para responder aos srs. deputados, se assim o intender conveniente. Por ora voto por elle.
O sr. Julio Pimentel: —.Sr. presidente, a questão de que actualmente a camara se occupa, é uma questão muito grave e séria, e inteiramente ligada com as questões economicas, que mais influencia tem sobre a fortuna publica; deve por tanto tractar se com toda a serenidade e placidez que reclamam as questões desta ordem, sem a involver, nem embaraçar com outras questões, que, ainda que pareçam ter relações com ella, são comtudo inopportunas, e não são a questão principal.
O objecto principal e unico em discussão é o projecto do sr. deputado Santos Monteiro, que tem por fim elevar de 100 a 1$000 réis o direito de exportação por cada marco de prata em barra, e quebrada; e julgo que o mesmo sr. deputado apresentou ainda depois um additamento ao seu projecto, para evitar a saída da moeda portugueza, que, segundo as disposições da nova pauta, póde legalmente exportar-se.
E por conseguinte a estes pontos, que deve restringir-se a discussão.
No projecto do sr. Santos Monteiro deve distinguir-se — 1. Os motivos que o determinaram a apresenta-lo — 2. O projecto em si mesmo, e os seus fundamentos. Do projecto e do relatorio que o precede, conhece-se bem que o principal motivo que determinou a sua apresentação, foi a retirada da moeda de prata da circulação — este motivo é manifesto e ponderoso — todos o reconhecem, e lastimam como verdadeira calamidade; e debaixo deste ponto de vista intendo que o sr. Santos Monteiro fez um grande serviço ao paiz em suscitar esta questão, para que se investiguem as causas deste mil, e se lhe procure remedio.
Tambem intendo, sr. presidente, que o sr. Lourenço Cabral fez um bom serviço, quando apresentou um projecto para a elevação do valor legal da moeda de prata, ainda que estou convencido que o meio proposto não é o mais conveniente para alcançar o resultado que se deseja; e principalmente é o sr. Avila a que se deve a iniciativa desta questão, quendo em 1851 creou uma commissão externa para estudar os meios de reformar a moeda.
Sr. presidente, eu estou intimamente convencido de que é muito mais conveniente suscitar a discussão sobre as questões importantes que reclamam resolução prompta, do que deixa-las adormecer, com o receio de assustar a opinião, manifestando-lhe o perigo. Isso seria o mesmo que deixar de applicar os remedios a um enfermo, só pelo receio de o assustar e de lhe dirigir a attenção sobre a gravidade da molestia.
Parece-me porém que o sr. Monteiro não foi muito feliz na apreciação das causas do mal, nem na indicação do remedio. O sr. Monteiro viu esta questão com o olhos da alfandega — só pela alfandega, e só para a alfandega. Viu que a prata se retirava, o que passava pela alfandega, e disse: — então fechemos-lhe a porta da alfandega, e ella irá para a casa da moeda. Não me parece isto muito exacto, porque se o fosse, a grande somma de metaes, prata e ouro, que se tem amoedado desde longas datas, ainda estariam entre nós, porque principalmente depois das Ordenações Filippinas, a saída dos metaes amoedado era prohibida com pena de morte: e a pesar disso toda essa grande quantidade de moeda ha longo tempo deixou este paiz.
Isto mesmo acontece em Hespanha, onde governa a mesma legislação; accontece em Inglaterra, e em outras muitas nações.
Só durante o seculo que decorreu entre 1752 e 1852 se cunharam 37:587 contos de réis em ouro, e 31:355 contos de réis em prata na casa da moeda, como se vê da estatistica publicada por esta repartição. Pergunto agora: — onde existe todo este melai? A exportação da nossa moeda era prohibida com pena de morte; e entretanto sempre nos jornaes inglezes se viram cotados os preços das nossas peças de ouro, assim como das patacas hespanholas, dos dolards etc. Pergunto tambem: — se ha genero mais facil de levar por contrabando, do que os metaes amoedado», ou mesmo em barra? Como é que a alfandega póde fiscalisar a expoliação deste genero? Ainda ha pouco se fallou aqui do muito contrabando que se faz em aguardente; e póde alguem admirar-se de que se faça o contrabando da prata e do ouro? O contrabando faz-se em todos os paizes, até na propria Inglaterra, cujas alfandegas são tão rigorosas, e cuja posição e circumstancias geográficas auxiliam tanto a boa fiscalisação.
Pelo que respeita á exportação da moeda estrangeira nada direi, por que esta está compensada com a importação da mesma moeda. A moeda, estrangeira entra e sae continuamente. Eu Ira pela raia, e sae pelos portos de mar — circula e continúa incessantemente: por isso intendo que sobre este ponto não é necessario fixar a attenção da camara.
Sr. presidente, o principal argumento com que o sr. Santos Monteiro fundamenta o seu projecto, dirige-se á affluencia da prata á casa da moeda, durante o periodo de dois annos, em que a exportação daquelle metal esteve sujeita ao alto direito de réis 1$000 por marco; quer dizer, que desde que se decretou aquelle direito, não foi mais praia passar pela alfandega: e de certo; como havia a prata supportar aquelle direito? A prata amoedada na casa da moeda, em 1851, subiu a 45:576$500 réis, e em 1852 a 33:059$500 réis. Mas pergunto: — esta affluen-
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era é superior á dos outros annos, aponto de se poder attribuir a sua superioridade á elevação do direito? Parece-me porque pela estatistica, publicada pela casa da moeda se vê, que nos annos, que decorreram depois de 1837, em que se reformaram as pautas, havia uma grande diversidade nas quantidades de prata amoedada, sendo n'alguns annos muito superior, como foi em 1837 em que se cunharam 96 contos de réis, em 1842 67 contos, no anno seguinte 52 contos e oitocentos e tantos mil réis, em 1816 foram 37 contos: em 1847 subiu a amoedação da prata a 387 contos, em 1819 a 29 contos, e finalmente em 1850 a 20 conto».
Eu bem sei que a grande quantidade de praia, cunhada em 1847, tem a origem que o illustre deputado lhe assignou, mas isso não prova a influencia do direito alto, para a affluencia que occorreu em 1851 e 1852. Ora nos annos anteriores, como eu acabo de provar tambem affluiu praia á casa da moeda, e em quantidade superior á daquelles dois annos, e todavia nesses tempos regia o direito, actual de 100 réis por março na exportação daquelle metal. Eu bem sei, que todas estas anomalias tem uma explicação: todos os effeitos tem sua causa; mas o que o illustre deputado me não póde provar, e que ellas dependam do direito alto ou baixo, porque elle sempre se considerou o mesmo desde 1837 até 1851.
Mas, sr. presidente, o que melhor explica a affluencia da prata II casa da moeda, é por ventura o preço baixo, que ella tem em Londres, o que se póde mostrar, comparando os preços que este metal tem lido naquella praça nas differentes épocas; como faço ver por uma nota que tenho presente, e da qual se reconhece, que á maior amoedação em 1852 correspondem os preços mais baixos em Londres desde janeiro a. outubro daquelle anno.
Ora para mostrar a conveniencia que o commercio tem em exportar a nossa praia, basta só fazer a comparação dos preços que este metal tem no nosso mercado, e no de Londres, com attenção aos cambios, e mais circumstancias commerciaes.
Sr. presidente, todos sabem que a lei antiga fixou o valor do marco de prata em 6$000 réis; hoje os commerciantes deste genero compram-na a 32 por cento de augmento; isto é, a 7920 réis: a casa da moeda não a póde comprar, senão com o augmento de 28 ½ por cento; isto é, a 7$750, que tanto e o valor das corôas que dá um março de prata. Por esta razão ninguem irá leva-la á casa da moeda, em quanto os compradores de fóra lhe derem um preço maior, e pago á vista; e isto ha de acontecer sempre que este metal tiver em Londres o preço que hoje tem. As ultimas noticias vindas pelo paquete dão o preço da praia em Londres a 5 sch. L 3/8 por onça que corresponde a 8$357 íeis o março, que ao cambio de 54d por 1 $000 reis á vista, e dos quaes, deduzindo a importancia dos direitos, frete, seguro, corretagem, etc, e o preço actual em Lisboa, dá um lucro de 240 réis por marco, ou de 3 por cento. Mas pode o commercio com o augmento de direito?
Augmente-se o direito, como propõe o sr. Monteiro; só este perfaz 12 por cento, e então o commercio legal é impossivel; e a prata, cujo preço em Londres convida á expoliação, deixará de passar pela alfandega, e seguirá os caminhos occultos. E sabido que o premio de contrabando para a prata é de ½ por cento, e para o outo de ¼ por cento, segundo me asseveram pessoas conhecedoras do commercio; mas todos sabem que neste artigo não pode haver nada de official. O que é facto é, que este contrabando se póde fazer de mil modos, e com pouco risco, nas barricas de carne salgada, nos barris de azeite, e em mil outras mercadorias, cuja exportação não é facil de fiscalisar debaixo deste ponto de vista sem multiplicar indefinidamente o serviço das alfandegas, e tornar impossivel o commercio pelos vexames e impertinencias do fisco.
Sr. presidente, a verdadeira causa da exportação da prata está no desfavor que a lei lhe dá em relação ao ouro (Apoiados). Esta foi a opinião da commissão, a que tive a honra de pertencer, e a opinião de todas as pessoas competentes, que teem pensado nesta materia. E aquelle inconveniente que se torna necessario e urgente remediar.
Depois de muitas fluctuações fixou-se entre nós o valor reciproco dos dois metaes, pela lei de 4 de agosto de 1698, na razão de 1 de ouro para 16 de prata. Hoje a verdadeira relação destes dois metaes 110 commercio da Europa é de 1: 15; mas no» differentes paizes, em que estes dois metaes são simultaneamente moeda auctorisada, a relação legal varia, e não coincide com a verdadeira. Em Inglaterra é 1: 14, em França de 1: 15», em Hespanha e nos Estados da União americana de 1:10.
Está demonstrado pela experiencia de muitos seculos, que dois metaes não podem servir simultaneamente de moeda com curso foiçado e relação fixa, senão durante o pequeno espaço de tempo em que a relação verdadeira coincide com a legal; mas logo que a differença se manifesta, seja qualquer que fôr a causa, o metal mais favorecido ha de necessariamente expulsar o outro. E isto o que actualmente nos está acontecendo; e o mesmo acontecimento teve logar, em sentido inverso, em outra época, de que ainda se acham vivas muitas testimunhas. Todos sabem que as peças de ouro de quatro oitavas, quando tinham o valor legal de 6$400 réis, mas um valor lealmente superior, foram expulsas pela prata, então mais favorecida pela lei do que o ouro. Hoje mudaram as circumstancias; é o ouro mais favorecido, e vai este expulsando a praça da circulação.
Isto mesmo tem acontecido em todas as épocas e a todos os povos, e continuará a acontecer, em quanto se não adoptar um systema monetario racional e conforme aos verdadeiros principios economicos. Lá se está em França manifestando o mesmo movimento nas ondas da circulação — o ouro expulsando a praia — como se vê pelo que refere o illustre ecanomista mr. de Puydone, n'uma obra publicada já este anno. Mas haverá nisto um glande mal? Será a crise actual uniu verdadeira calamidade? Não me parece ella ião assustadora como a querem fazer. Talvez seja o signal precursor de uma reforma monetaria, para que todas as nações devam concorrer, em um congresso fraternal, cujo fim seja uniformisar para todo o mundo todas as medidas dos differentes valores.
Não ha duvida de que mis precisamos de uma certa porção de praia para a circulação, mas na minha opinião o ouro preenche melhor as funcções da moeda circulante, por isso não julgo inconveniente que ella avulte mais na nossa circulação actual. Ainda que julgo que não é muito proprio deste momento entrar nesta questão, sempre direi que actualmente estou
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convencido de que o ouro conservar,! um valor menos variavel em relação ás outras mercadorias, pela facilidade de exploração, pelas circumstancias especiaes dos depositos em que se encontra, e por mil outras razões.
Não direi o mesmo da prata, que está hoje cara, porque a exploração dos riquissimos jasigos da America se tem difficultado muito, em consequencia das perturbações politicas, occorridas naquellas legiões, desde o principio deste seculo; mas logo que estas agitações cessem, logo que os trabalhos da exploração se possam fazer com segurança, e que se aproveitem Os immensos melhoramentos que a sciencia tem preparado, virá dos Andes e da America-Central uma chuva de prata, superior ás torrentes de ouro da Califórnia e de Australia, apesar de que havemos de vêr ainda estas torrentes de ouro reforçadas com as que se hão de descobrir no interior da Africa; e esta época não esta longe.
Resumindo digo, que a proposta, para obstar á saída da prata, no projecto do sr. Santos Monteiro é insufficiente e inefficaz; não ha grande perigo em a adoptar, porque ella é innocente; (Apoiados) mas o que não acho innocente, é que na época actual, em 1053, vá esta camara dar um documento tão flagrante de despreso pelos principios rigorosos da sciencia. Para honra da camara e do paiz desejo e peço que seja rejeitado o projecto do sr. Santos Monteiro.
O sr. Ardia: — Ouvi com muita attenção os dois illustres deputados, que sustentaram o parecer da illustre commissão de commercio e artes apesar de lerem chegado a este resultado por caminhos diametralmente oppostos, o sr. Custodio Manoel Gomes sustentando que não era uma calamidade para este paiz a expoliação da praia, e o sr. Oliveira Pimentel, e com elle toda a commissão de que é relator, sustentando precisamente o contrario, isto é, que era verdadeira calamidade essa mesma expoliação.
Estes dois illustres deputados reconhecem, nem podiam deixar de reconhecer, a existencia do mal que se está experimentando, mas têem a coragem de repellir o remedio que se offerece só porque não cura radicalmente o mesmo mal: concordam em rejeitar o projecto do sr. Santos Monteiro, mas não lhe substituem cousa alguma. Os illustres deputados recorreram aos principios da sciencia, para rejeitar o projecto, mas deviam tambem procurar nesses principios a solução das difficuldades, em que nos achamos. (Uma voz: — A reforma do systema monetario). Então porque a não propõe a illustre commissão de commercio e artes? Porque a não propõem os illustres deputados que são membros desta casa, e que lêem portanto a iniciativa? Vamos já a essa refórma. Se para fazer desapparecer os inconvenientes que hoje se soffrem, é preciso essa refórma, se não ha outro meio senão essa refórma, venha ella. Mas não propôr nada é na verdade triste resposta que se dá ás pessoas que sofrem; porque os illustres deputados não pódem negar que ha quem soffra. (Apoiados)
E não se soffre só aqui em Lisboa, soffre-se tambem nas provincias. Eu tenho recebido em todos estes correios cartas que me dizem que nas provincias não ha senão soberanos, e muito pouco cobre, e não se pódem fazer as transacções commerciaes, ainda as mais insignificantes sem grandissima difficuldade. O cobre existe, mas é insufficiente, faltando a praia, para essas transacções, e a praia tem tambem desapparecido alli. (O sr. José Estevão: — Ha de desapparecer em toda a parte). Pois se ha de desapparecer em toda a parte, e se nós ainda a não banimos do nosso systema monetario, é indispensavel evitar desde já esse desapparecimento, ou reformar o nosso systema monetario com exclusão da prata. Mas não negar II existencia do mal, e repellir os meios de remediar esse mui, ainda mesmo aquelles meios que são innocentes, isto é, que não fazem mal, como se acaba de confessar relativamente no projecto do sr. Santos Monteiro, hão do dar-me licença para lhes dizer que não esperava ver isto. Pois nem ao menos os nobres deputados podiam approvar o projecto do sr. Santos Monteiro em attenção ás razões que deu a commissão de fazenda? Dirão — é um paliativo — de accôrdo; mas votem esse paliativo, que não faz mal, e faz algum bem, em quanto não poderem propôr, o fazer votar cousa melhor. E isto o que o paiz espera dos nobres deputados: é isto o que o paiz espera da camara.
E um facto que a prata tem desapparecido da circulação, e que o ouro só se troca por prata soffrendo um desconto que já é consideravel: é pois precisamente a esse mal que é urgente pôr termo. E um facto que depois da lei de 30 de janeiro de 1851, que elevou o direito de exportação sobre o marco de prata de 100 réis a 1$000 réis, a exportação da prata quasi que cessou, e levaram-se grandes porções deste metal á casa da moeda para se cunharem. E igualmente um facto que logo que aquella lei foi revogada, a expoliação teve logar em larga escalla, e nem uma só oitava de prata foi lotada á casa da moeda para ser cunhada. Ignoro quaes fôramos motivos que teve o governo para revogar a lei de 30 de janeiro de 1851, mas intendo que esta revogação é uma das causas dos inconvenientes que se estão soffrendo.
O illustre deputado, o sr. Custodio Manoel Gomes, que ouço sempre com muita attenção, e que costuma sempre esclarecer os assumpto:, que discute, não me satisfez hoje, digo-o com franqueza, u nas observações, que apresentou á camara, pareceu-me até ver lhe tirar consequencias que se não continham nos principios, que estabeleceu. O illustre deputado sentiu até (elle depois corrigiu estas expressões, mas a idéa ficou sempre) que não fosse o governo quem tivesse joeirado os cruzados novos para tirar o partido que tira o commercio exportando-os. Eu ouvi-lhe depois dizer que o governo devia converter estes cruzados novos em corôas. A idéa é a mesma. O illustre deputado não póde ignorar, que os cruzados novos, que lêem o pezo, e que por isso são os que se exporiam depois de convertidos em barra, têem quatro oitavas e seis gráos, o as corôas estão em proporção com o pezo legal dos cruzados novos; de maneira que o interesse que póde tirar o commercio em fundir o cruzado novo e exportal-o, é o mesmo que tem para fundir as corôas, e as meias corôas. Se actualmente o commercio funde em barra um cruzado novo que tem quatro oitavas e seis grãos, e o exporia por que ganha nisto, hade ganhar o mesmo em fundir as corôas, e as meias corôas. Logo o governo não ganhava cousa alguma em converter os cruzados novos em corôas.
Sr. presidente, esta questão tem sido tractada pela camara muito placidamente, e é uma questão economica que interessa a todos: não deve nestes assum-
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ptos enlear nunca a politica. Mas é certo, que é esta uma questão que só o governo póde convenientemente resolver; porque apresentasse ou embora aqui o melhor de todos os systemas, se tivesse a fortuna de o ter descoberto, uma vez que isto não fosse o do governo, o governo não o executava. É pois indispensavel, que nós conheçamos qual é o pensamento do governo a este respeito, e que o governo se ponha francamente á frente do debate para fazer triumfar esse mesmo pensamento.
O illustre deputado o sr. Julio Maximo, que tractou a questão com toda a proficiencia e segundo os principios da sciencia, fugiu comtudo sempre de um facto, a que eu desejava que elle viesse, e é á não amoedação da praia na casa da moeda depois da revogação da lei de 30 de janeiro de 1851. O illustre deputado fugiu sempre deste ponto, ponto em que eu já toquei, mas reconheceu que a causa principal da exportação da praia era a relação baixa em que este metal estava para com o ouro. É exacto; mas o illustre deputado porque não havia de examinar se por ventura um direito mais elevado na expoliação viria corregir esse desequilibrio? Pois direi ao illustre deputado que foi esse o pensamento que eu tive, quando tractei de propôr ás camaras que se estabelecesse o direito de 1$000 réis por marco, sobre a exportação da praia. Tenho sido censurado porque em certas discussões fallo de actos meus: que remedio tenho eu? Está-se discutindo a revogação de uma lei que revogou outra que eu tive a honra de propôr ao parlamento e de referendar, isto é, tracta-se de restabelecer a lei, que eu propuz e fiz votar, é evidente, que devo expor os motivos que me aconselharam a propor essa mesma lei. Ninguem dirá que a questão que hoje se discute, não é o segundo tomo da questão de 1851.
O facto, repito, que quanto a mim devia chamar a attenção da commissão é este: — a prata era exportada até ao fim de janeiro de 1851 em grande quantidade: fez-se a lei de 30 de janeiro desse mesmo anno, que estabeleceu o direito de exportação em cada marco de 1000 réis em logar de 100 réis: que aconteceu? No resto desse anno de 1851 não se exportou quasi nenhuma prata, e foi á casa da moeda a cunhar uma grande porção. No anno seguinte de 1852 succedeu o mesmo — tambem não se exportou praia nenhuma e cunhou-se uma grande porção. Vem o decreto de 31 de dezembro de 1852 que revogou aquella lei, e a exportação tem logar logo em larga escalla e nem uma só oitava deste melai é levada á casa da moeda. Que leiu o contrabando com isto? Confessem ao menos, que o contrabando não levou tanta praia, quanto a exportação livre, que não deixa ir á casa da moeda uma só oitava, em quanto que o contrabando deixou ir muitos mil marcos.
O illustre deputado o sr. Julio Pimentel fallou da fluctuação da amoedação em diversos annos desde 1837, mas o nobre deputado hade permittir que lhe diga que estes factos nada provam; porque a verdadeira época em que se estabeleceu o panico, foi em 1850, e a causa de se manifestarem toda a Europa, não foi tanto a abundancia do ouro proveniente das minas da Califórnia, como a medida adoptada pela Hollanda em junho de 1850 retirando o seu ouro da circulação. Por virtude desta medida o banco de Hollanda, que tinha nas suas reservas metálicas milhões e duzentas e cincoenta mil libras sterlinas e ouro (19 mil contos de réis pouco mais ou menos da nossa moeda) foi com este ouro a todos os mercados da Europa procurar a prata, e deste facto resultou logo pela grande offerta do ouro, e grande procura da praia, uma grande diminuição no valor do ouro e uma grande subida no valor da prata. Pela mesma occasião, e pelo mesmo motivo, todos os cambios se tornaram desfavoraveis á Inglaterra, cujo padrão da moeda é o ouro. Desta maneira os soberanos que corriam em París até alli por 25 fr. 50 e. desceram logo a 21 fr. e 85 e. isto é, desceram 65 e. ou 111 réis na nossa moeda; descida superior á que tiveram aqui. Como a casa da moeda em París cunha soberanos em Napoleões, dando por cada soberano 25 fr. e 10 e. em Napoleões, que é o que lhe corresponde em pezo, houve grande affluencia de soberanos á casa da moeda para serem convertidos em Napoleões: iam-se buscar soberanos a Londres para os fazer cunhar em França em Napoleões, porque esta expeculação deixava interesse. Nestas circumstancias a Belgica temendo ser inundada de ouro hollandez, francez, e inglez, que alli linha curso legal, e receiando a depreciação do ouro, prohibiu a circulação de iodas as moedas de ouro estrangeiras, e desamoedou uma somma excedente a 14) milhões de fr. da sua propria moeda de ouro prohibindo que dalli em diante se cunhassem mais moedas de ouro. A Hespanha retirou tambem as moedas de ouro francezas da circulação, e prohibiu que se cunhassem mais moedas de ouro, e a Russia prohibiu a exportação da prata dos seus estados. Todos estes factos que tiveram logar quasi ao mesmo tempo no fim do anno de 1850 e principio de 1851 e que deram em resultado uma grande procura de prata e uma grande offerta de ouro, produziram a crise que se sentiu em toda a Europa.
São estes factos importantissimos que senão deviam perder de vista e que o nobre deputado devia examinar de preferencia, em logar de procurar os factos ocorridos em épocas anteriores, porque esses não podem ler applicação á questão que nos occupa.
Agora direi ao sr. Custodio Manoel Gomes que estabeleceu um principio que me parece foi tambem estabelecido pelo sr. Julio Pimentel, de que ha um grande inconveniente na existencia de dois metaes servindo de padrões de moeda, que estou perfeitamente de accôrdo com os nobres deputados; porque é evidente que rompendo-se o equilibrio entre esses dois metaes, o de menor valor ha de necessariamente expellir o d maior valor.
Diria ainda ao sr. Custodio Manoel Gomes, que me parece manifestar a idéa de que seria mui difficil resolver hoje qual dos dois metaes devia ser preferido. para padrão da moeda — se o ouro, se a praia; — que dos factos que tenho apontado, resulta que a Hollanda se decidiu positivamente pela prata, e a Belgica e a Hespanha se inclinaram tambem a favor deste melai, e ainda ha mais um voto recentissimo a favor da praia, o da companhia das Indias, que como em outra occasião disse á camara, resolveu não receber mais moeda de ouro no pagamento dos impostos desde janeiro de 1851 em diante.
O nobre deputado o sr. Julio Pimentel manifestou a verdadeira causa da exportação da prata quando disse que ella provinha da baixa proporção, em que se achava a respeito do ouro. Cumpre examinar o que se passou entre nós para se conhecer até que ponto é exacta a proposição do illustre deputado.
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Pela lei de 4 de agosto de 1688 se decretou que o marco de prata de 11 dinheiros valeria 6$000 réis, e o março de ouro de 22 quilates valeria 96$000 réis. Desta maneira a proporção entre os dois metaes era de 1:16. Esta proporção era com tudo imaginaria porque as peças de 4 oitavas valiam 6$400 réis, o que corresponde a 1$600 réis por cada oitava, ou a 102$400 réis por marco, e os cruzados novos de 4 oitavas e 6 grãos valiam 180 réis, o que elevava e o valor do marco de prata a 7$516$ réis. A verdadeira proporção que existia pois de facto entre estes dois metaes era de 1:13 5/4, e daqui resultou que o ouro valia menos entre nós do que valia lá fóra. Fazia-se portanto o contrario do que se faz hoje, isto é, exportavam-se peças para se importar prata. As córtes quizeram remediar este inconveniente elevando o valor do marco de ouro a 120$000 réis, pela lei de 6 de março de 1822; o que fez com que a relação entre os dois metaes ficasse na proporção de 1:16 que lhe dera a lei de 4 de agosto de 1688. Veiu depois a lei de 24 de abril de 1835, e estabeleceu uma proporção mais vantajosa, porque estabelecendo o systema decimal conservou para o marco de ouro o valor de 120$000 réis, e fixou para o da prata o de 7$750 réis, havendo assim aproximadamente a proporção de 1:15 ½ Mas em 1846 a crise monetaria que houve neste paiz, fez promulgar o decreto de 23 de junho que deu aos soberanos o valor de 4$500 réis. Não posso comprehender como se deu este valor a essas moedas, que tendo duas oitavas e 16 grãos só valem «in relação ao valor de 1 0$000 réis para o março de ouro 4$166$. Os soberanos sendo pois uma moeda fraca em relação ás nossas peças, necessariamente estas haviam de desapparecer daqui. Apresentarei o seguinte exemplo — 5 peças valiam 37$500 réis, 9 soberanos têem o mesmo ouro que 5 peças, valem 40$500 réis — logo havia uma differença de 3$000 réis contra as nossas peças, e por consequencia era uma boa especulação exportar peças e importar soberanos. Quiz-se remediar este inconveniente pelo decreto de 3 de março de 1847, que determinou que o marco de ouro fosse elevado a 128$000 réis, e as peças a 8$000 íeis; ficaram comtudo ainda altos os soberanos, porque 5 peças ficaram valendo 10$000 réis e 9 soberanos 40$500 réis. O valor do soberanos devia elevar pois o valor do marco de ouro a 129$600 réis, ou sendo o valor do marco de ]28$000 réis, o valor do soberano devia descer em relação ás peças a 4$444 réis.
O sr. Julio Pimentel disse tambem, que o marco de prata valia em Inglaterra 8$160 réis. Não sei como isto possa ser, porque a praia está para o ouro em Inglaterra na proporção de 1 para 14 ½... (O sr. Pimentel: — E a moeda) Peço perdão ao illustre depurado para dizer, que a prata em barra está tambem para o ouro em barra na proporção de 1 para ½ e ½ ou que um grão de ouro fino vale 14 gráos e de prata tina. Tome o nobre deputado por base o valor dos soberanos em Portugal, e verá que elles d.io para o março de ouro o valor de 129$600 réis. Se o março de ouro está para o marco de prata no mercado de Inglaterra como 14 e para 1, é evidente, que o marco de prata vale alli (em proporção ao valor de 129$600 réis para o março de ouro) 9$ 163 réis e. Valendo pois a prata entre nós 7$750 réis, é claro que a exportação é inevitavel.
Ouererão por ventura os nobres deputados conservar esta situação á espeta de um desiderando que eu tambem quero, mas que não vejo agora a possibilidade de realisar? Não me parece que isto seja conveniente.
Os illustres deputados disseram que não se deviam contrariar as tendencias do commercio: e para sustentar esta sua opinião invocaram o principio da liberdade de commercio. Tambem eu quero a liberdade do commercio, mas quando fôr possivel entre nós. A este respeito direi aos illustres deputados, que eu estava em Paris quando Cobden alli appareceu a pregar estes principios. Pouco depois associaram-se os economistas mais distinctos, que residiam naquella capital, e fizeram muitas reuniões publicas, cujo fim era destruir completamente o systema protector, e fazer entrar a França no caminho, que encetara a Inglaterra, principalmente depois das reformas de sir Robert Peei. Eu tive a fortuna de assistir a muitas dessas reuniões, e n'uma dellas disse a um amigo meu que frequentava com muita assiduidade as mesmas reuniões — pela practica que tenho destas cousas no systema representativo, não vejo nestas reuniões senão um meio destes senhores se fazerem eleger deputados. Assim aconteceu. Muitos desses cavalheiros foram depois eleitos deputados, e algum delles ale foi ministro muito pouco tempo depois, mas não me consta que se aproveitassem destas posições para fazer triunfar os principios, porque antes tanto pugnavam.
Todos os homens theoricos escrevem cousas muito bellas a respeito da liberdade do commercio; mas a verdade é que os homens practicos só as levam á execução em occasião propria e com muita reserva. Foram estes principios absolutos, que fiseram revogar a lei de 30 de janeiro de 1851, a qual se quiz agora restabelecer, e eu espero, que o seja para se provar assim o nenhum fundamento da sua revogação. _
Eu intendo, que a primeira necessidade deste paiz a respeito da questão, que nos occupa, é a reforma do seu systema monetario; mas não sendo possivel fazer já essa reforma, intendo que se póde fazer desde já alguma cousa mais do que votar este projecto, e chamo a attenção do sr. ministro da fazenda, e a da camara para o que vou dizer. É minha opinião, que é indispensavel retirar quanto antes os soberanos da circulação, e prover ás necessidades das nossas transacções com moeda nossa. Mas poderão dizer os illustres deputados — porque não tomastes esta medida em 1851? Respondo — porque não pude. Nessa época foi preciso luctar com as maiores difficuldades no parlamento, para fazer passar a lei de 30 de janeiro, como ella pois ou. Em quanto se estava fazendo a troca do ouro na casa da moeda, e quando eu esperava que todos me ajudassem, 3 dias durou aqui uma interpellação, que me foi feita, e em que se pertendia, que eu não havia trocar as moedas de ouro, que se retiravam da circulação, e que o paiz estava todo abalado; mas só aqui dentro é que existia o abalo; porque fóra tudo estava socegado. Não me foi pois possivel retirar os soberanos da circulação na mesma occasião, em que se retiravam todas as outras moedas de ouro estrangeiras. Mas a minha intenção era (e vou dar uma nova occasião ao sr. José Estevão, para dizer, que eu estava para salvar a patria todas as vezes que saí do ministerio) a minha intenção era antes do parlamento se encerrar, vir pedir á camara um voto de confiança para retirar os sobera-
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nos da circulação quando o julgasse conveniente, ja se vê precedendo a indemnisação. E para lazer uso desta auctorisação esperaria eu que o cambio desse aos soberanos um valor correspondente ao que tem entre nós; de fórma que quando o governo declarasse que os retirava da circulação, e os ía Trocar, uma parte destes fosse logo para a Inglaterra sem dar entrada na casa da moeda. Ainda hoje intendo que é preciso chegar a este resultado: porém é preciso fazer sentir bem aos possuidores dos soberanos que elles não hão-de perder com esta medida, antes hão-de ganhar, porque recebem pela moeda depreciada que elles tem, por isso que o soberano não vale 4$500 réis, uma moeda portugueza que tem esse valor.
Por esta occasião direi, que Portugal foi o unico paiz, que retirando moedas estrangeiras da circulação indemnisou os seus possuidores dando lhes em troca moedas legaes de um valor correspondente. A Hollanda, por exemplo, quando retirou o seu ouro da circulação, indemnisou os seus possuidores, mas não indemnisou os possuidores do ouro estrangeiro. A Belgica e a Hespanha fizeram o mesmo, quanto ao ouro estrangeiro, que declararam pura e simplesmente retirado da circulação sem nenhuma outra providencia. E o que fez a administração, de que fiz parte em 1851? Apresentou uma proposta de lei na qual se estabelecia que todas as moedas de ouro estrangeiras retiradas da circulação seriam trocadas por moedas de ouro legaes. E algumas dessas moedas estrangeiras não tinham nem o toque nem o pezo, como se verificou na casa da moeda, quando se tractou da affinação do ouro proveniente das mesmas moedas, para se cunharem as corôas. Digo isto de proposito, porque me está ouvindo um collega nosso que julgava que as corôas que então se cunhavam, não eram de ouro de 22 quilates. Póde estar a este respeito sem escrupulo. (O sr. Julio Pimentel; — Apoiado)
A difficuldade da retirada dos soberanos da circulação é a troca dos mesmos soberanos, mas a essa difficuldade parece-me que se podia obviar da mancha seguinte — O governo faria pôr um carimbo em todos os soberanos existentes nas repartições publicas, como banco, junta do credito publico, etc.; com estes começava a troca, ordenando-se que só seriam moeda portugueza os soberanos que tiverem esse carimbo. A medida que a troca progredia carimbavam-se os soberanos que se recebiam. Depois fazia-se da mesma maneira o cunho dos mesmos soberanos em moeda portugueza, começando pelos das estações publicas, a fim de se trocarem com estes os dos particulares. Esta operação seria dispendiosa para o thesouro; porém quanto mais tarde se fizer, mais dispendiosa será, porque haverá mais soberanos a trocar. Não nos illudamos: o ouro ha-de necessariamente soffrer uma depreciação no seu valor, e soffre a já: cada estado deve carregar unicamente com a depreciação das suas moedas de ouro, e não com as dos outros estados.
O sr. Gomes disse que o ouro não vem cá de graça; não, senhor, vem muito caro, porque vem aqui buscar metaes preciosos que valem mais do que elle. O illustre deputado não acha que isto seja uma calamidade, e eu intendo que o é. Pois não e calamidade dar em praia 4$500 por um soberano que em relação á pinta val muito menos! Eu acho que é uma calamidade, porque aquillo que é prejudicial a um individuo, prejudicial a uma nação, e se eu tivesse uma somma consideravel de prata á minha disposição, e a trocasse por ouro pelo valor legal que elle tem, ninguem diria que eu não fazia um pessimo negocio.
Direi ainda quanto no contrabando, que já ouvi dizer, que pelo Porto sáia muita praia, que se tem apanhado muita por contrabando; mas essa que se apanhou, não saiu. (Apoiado») Pois os nobres deputados tambem não calculam o premio de risco do contrabando? (O sr. Julio Pimentel: — E meio por cento do valor da prata?) Pois póde-se asseverar isso 1 Pois ha aqui quem faça esse seguro? Não o creio; tudo o que disserem a esse respeito não póde passar de conjecturas: em quanto o facto que não se póde destruir, é o interesse do commercio na exportação da prata, e esse interesse ha-de levar até a ultima oitava de prata, se não adoptarmos medidas para evitar essa exportação.
Sr. presidente, O que prova que ha um panico a este respeito que é preciso destruir, é que os mesmos cruzados novos que não tem o pezo, não vem á circulação. Como hão-de os nobres deputados explicar este fenómeno? Em 1851 dei-me ao trabalho no ministerio da fazenda de mandar buscar ao cofre central uma porção de cruzados novos, pezei-os todos, e achei, que são raros os cruzados novos que tem mais de tres oitavas e meia de pezo, e ha muitos que tem menos, ha cruzados novos a que falta uma oitava. Pois julgam que vem á circulação um só destes? Não vem; e entretanto esses cruzados novos não correm perigo nenhum; porque mesmo suppondo-os com o pezo de tres oitavas e meia, o seu valor de 480 réis dava para o marco de praia o valor de 8$777 réis, o que não dava margem para a exportação, calculando-se as despezas de frete, seguro e commissão.
O imposto de 1$000 réis por marco na exportação produz este mesmo resultado, elevando o março da prata ao valor de 8$750 réis. Foi pois este pensamento que aconselhou aquelle imposto em janeiro de 1851, e o aconselha ainda agora.
Se os nobres deputados disserem que a situação exige remedio mais radical, não lhes digo que não, mas venha esse remedio, e quanto antes. Se acham que o projecto é um projecto innocente, que não faz mal, digo-lhes que o votem porque faz bem, quando não seja senão á opinião, que póde ser inexacta, mas em objectos desta ordem a opinião é muito. (Apoiados)
Em quanto á necessidade de um remedio radical, repito, que estou de accôrdo, e que intendo, que o governo deve pensar muito a este respeito. O governo não póde nem deve tomar outra medida, nem ninguem lh'a deve aconselhar, que não seja a retirada prompta da circulação do ouro estrangeiro, e uma vez estabelecido o principio de que as moedas de ouro que hajam de se retirar da circulação, hão-de ser indemnisadas, não ha motivo para panico, nem tal panico póde existir. Alterar a proporção entre o ouro e a prata, ou declarar desde já o ouro ou a prata, os padrões da moeda, são questões que me parece ainda cedo para resolver.
Eu tenho aqui ainda muitas outras notas, mas desejo ouvir os illustres deputados. Tenho direito a fallar ainda uma outra vez, por consequencia, se o julgar preciso, tomarei a pedir a palavra. Voto pelo projecto. (Apoiados — mudo bem.)
O sr. Alves Martins — Sr. presidente, a camara
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tem formado a sua opinião a respeito desta materia, está quasi discutida, assim se póde dizer, mas eu ainda não mudei de opinião a respeito do projecto. Apezar de ouvir com toda a attenção o illustre deputado o sr. Avila, e sempre o ouço com attenção, apezar disso não mudei de tenção e a questão reduz-se a remediar um facto que eu lastimo, e eu não concordo com o meu amigo o sr. Julio Pimentel, em que este terror que ha na praça, não seja uma calamidade; é uma calamidade; nisto concordo com o sr. Avila; ha uma calamidade nas nossas praças que resulta da alteração no valor da moeda. Os soberanos trocavam-se por 20, 30 réis, era o cambio delles, e hoje é de 70 e 80 réis. Este facto sentiu-se na praça depois da apresentação nesta camara de um projecto do sr. Lourenço Cabral, para se fazer uma alteração no valor do meio circulante; e sendo este objecto serio, segue-se que na praça, onde este meio circulante existe, havia de sentir-se um effeito; e eu vejo na representação do projecto do sr. Lourenço Cabral a causa effectiva da alteração e do panico que houve na praça.
Mas pergunta-se: este panico e este mal como se hão de remediar? Esta é a questão do sr. Avila, e do sr. Santos Monteiro. O sr. Santos Monteiro propõe, e o sr. Avila sustenta um remedio para este mal que vem a ser ou um paliativo ou um correctivo, o caso é que é um remedio que se propõe. Diz-se: o mal que existe na praça de Lisboa acaba-se, ou diminue-se, ou attenua-se com a approvação do projecto do sr. Santos Monteiro, que é elevando o direito da prata na saida de 100 réis a 1000 réis. Eu intendo que este remedio não é correctivo, não remedeia nada, não attenua nada, nem é correctivo em cousa nenhuma, e por isso voto contra o projecto.
Aqui ha duas questões essencialmente distinctas: uma é o correctivo ou o remedio a este mal, que se sente na actualidade, e a outra é a questão da moeda. Diz o sr. Avila — os srs. deputados reconhecem o mal, e dizem que este correctivo não é efficaz, e não apresentam outro! «Não veem nada!» Isto não é argumento; e tanto não é argumento que o mesmo sr. deputado dahi a 2 minutos responde a si mesmo dizendo — estas questões ninguem as resolve senão os governos. — Pois se estas questões só as resolve a intervenção dos governos, como quer s. ex.ª de cada um dos deputados o remedio para esse mal? De maneira que o sr. Avila respondeu a si proprio. Quem combate um projecto que se apresenta na camara, pelo facto de o combater, e não lhe agradar, não é obrigado a apresentar uma substituição a esse projecto; e se é obrigado pela sua iniciativa, tambem o é qualquer outro da direita ou da esquerda, ou do centro, e o proprio sr. deputado; nós todos temos iguaes direitos e iguaes obrigações. Quando reconhecemos um mal, e apresenta um deputado remedio a esse mal, e não se acha bom esse remedio, não se póde accuzar um deputado, porque não o acha bom, o não apresentar um remedio melhor. Perguntarei eu: qual é a razão porque o sr. Avila em 1851 não retirou os soberanos da circulação, que eram um mal? Porque não póde. II ha de se accusar por não poder! Qual é a razão porque não se entra agora rasgadamente na questão monetaria? E porque não é possivel. Eu não sou governo; não estou nos sagrados do governo, nem sei as forças do actual governo, fallo das suas forças pecuniarias; mas pelas idéas que tenho, tenho toda a certeza de que não é agora a occasião opportuna, para entrar na resolução da questão da moeda, e que as mesmas difficuldades que achou o sr. Avila em 1851, talvez augmentadas as ache hoje o governo, se quizer entrar na questão da moeda.
Mas diz o sr. Avila — se não podemos entrar na questão da moeda, adoptemos este projecto que não faz mal. (Uma voz: — Que faz bem) Ora eu digo que não faz mal nem bem, e se não faz mal nem bem, póde fazer mal. Diz-se: desde que appareceu o decreto que alterou o direito da saída da moeda de praia, a exportação é muito maior; vejam-se os registos da alfandega. Eu sei que só n'um paquete foram 20:000 libras de prata; mas para mim a estatistica da alfandega não é prova de que a exportação da prata é muito maior, depois que se abateu o direito. Eu admitto a premissa, mas nego a conclusão de que não houvesse a mesma exportação que tem havido agora. O que se segue, não é que não tivesse havido tão grande exportação como ha agora, o que se segue é que começámos a saber a exportação que se faz, e começamos a saber isto, porque a baixa do direito não convida o contrabando. Eu trago para isto um exemplo dos governos constitucionaes comparados com os governos absolutos; nos governos constitucionaes commettem-se abuzos, como tambem se commettem nos absolutos, com a differença de que nos constitucionaes os abuzos publicam-se, todos se sabem, e nos governos absolutos não se sabiam. Applico o mesmo para a questão; quando ha um direito forte sobre a saída da prata, esta não vai á alfandega, não consta do registo da alfandega a exportação; mas não se segue dahi que não ha exportação; ha de havel-a sempre que lá fóra valer mais; e u prova em como a ha de haver, e em como não valo de nada o correctivo que se apresenta, está no facto que o sr. Avila apresentou de que o marco de prata vale 9000 réis em Inglaterra. Em quanto lá tiver este valor, ha de por força ír para lá a prata. (O sr. Avila: — 9000 réis em relação aos soberanos)
Em quanto os soberanos aqui tiverem o valor que teem, hão-de affugentar a, prata, e não ha meio nenhum fiscal que possa estorvar que a prata sáia. Diz o sr. Avila que o meio proposto é um correctivo. Pois eu faço a profecia de que ha-de continuar o mal. Se o mal existe, vamos á causa. Emquanto não formos á causa, não se faz nada. E uma incoherencia reconhecer a causa, e não ir a ella. Peço ao sr. Avila que aponte um só economista que apresente o principio de que as leis fiscaes podem remediar este mal. Nem um só no mundo.
Ora se o remedio proposto não é efficaz; se eu tenho a convicção de que não é possivel remediar o mal por este modo, porque o chamariz da prata é o valor que ella tem la fóra, e o valor legal que teem os soberanos em Portugal, e em quanto os soberanos tiverem este valor legal, em quanto houver esta differença que ha entre a prata e o ouro, é impossivel estorvar a saída da prata; se eu, repito, estou convencido de que é impossivel conseguir nada pelo que se propõe, voto contra o projecto, porque não póde remediar cousa nenhuma.
Em quanto á questão da moeda, os srs. Custodio Manoel Gomes, e Avila entraram na questão — se sim ou não deviam ser padrão da moeda os dois metaes ouro e praia, se seria adoptavel ou não um ou dois. Não entro nesta questão; tomára que o governo es-
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tivesse em circumstancias de poder vir aqui intervir neste negocio, e apresentar a solução do problema para entrarmos na grande questão monetaria — se convem ou não haver os dois metaes, se é melhor u in do que os dois, porque em quanto não houver esta intervenção do governo, e impossivel entrarmos nella, nem convém; o sr. Gomes entrou nella; mas ha-de convencer-se de que a questão monetaria é um outro terreno, e que a questão monetaria não se póde tractar por incidente, e sem que o governo venha aqui e nos diga — a minha opinião sobre isto é esta. É uma questão eminentemente governamental, e se o panico lá fóra foi causado por estes projectos, que aqui tem vindo sobre a praia, muito mais se augmentará, se nós nos mettermos na questão monetaria, sem o governo intervir nella rasgadamente. E tambem intendo que a occasião não é opportuna para tractar da questão mondaria. E como o não é, sabem a minha opinião qual é a respeito do modo como se havia de resolver esta questão do panico? Era quando se apresentou o projecto do sr. Lourenço Cabral, a camara não o admittir á discussão, e não bulir nesta questão, e não trazermos esta questão incidente, porque assim temos aggravado as feridas.
Eu acho utilidade em não deixar adormecer as questões e em as tractar, mas é quando temos força para as levar adiante, porque descobrirmos a ferida, e não poder cura-la, e deixa-la gotejar sangue, a consequencia é que fica o mal aggravado. Aqui está por que voto contra o projecto, e porque acho que este remedio que se discute é inefficaz, que não é possivel com elle remediar nada. Com o tempo estas aguas turvas da praça hão-de assentar. Não me assusto por que a prata se vai embora, porque ella ha-de voltar; anda sempre em continuo giro; é da natureza das cousas. Desde o momento em que o cambio não a favorecer, ella ha-de deixar de sahir.
O sr. Cazal Ribeiro: — Sr. presidente, eu reconheço que vou entrar neste debate n'uma situação bastante desfavoravel, porque ouvi que o illustre relator da commissão de commercio e artes sustentou o parecer, fundado nos bons principios da sciencia economica. Não posso todavia deixar de fazer uma especie de protestação a este respeito: eu concordo em these com o pensamento que dictou o parecer da commissão de commercio e artes; porque a commissão possuiu-se de uma verdade economica, innegavel e reconhecida por todos; e esta verdade é, que nus relações commerciaes ha sempre tendencia para destruir todos os obstaculos, que a legislação lhe oppõe; e essa tendencia obriga, tarde ou cedo, os governos a ceder, abandonando o campo das restricções, e deixando livre o desenvolvimento natural dos interesses: em these, em regra, é esta uma verdade. Eu respeito todos os principios da sciencia, e não intendo que a boa pratica mande adiar os principios da sciencia, porque a sciencia não é mais do que a practica systemalisada; é a collecção dos factos rigorosamente analysados, que dá origem aos principios seguros. O que eu comprehendo e, que os principes rigorosos e absolutos da sciencia não se podem de repente, e sem direcção, transportar para a practica, sejam quaes forem as circumstancias. Não admitto por tanto que haja antagonismo entre a verdadeira sciencia e a practica illustrada.
Sr. presidente, se Leon Fauche não pôde, como ministro, levar á execução as suas doutrinas como economista, é comtudo certo, que as doutrinas de Cobden, não se póde negai, produziam uma grande revolução economica em Inglaterra, e que os seus discursos, e os dos seus correligionarios politicos, dentro e fóra do parlamento, levaram um grande estadista, cujas opiniões eram oppostas, a adoptar em conformidade com as doutrinas de Cobden, a grande reforma que se póde equiparar a uma grande revolução economica.
Mas, sr. presidente, com quanto sejam dignos de respeito e consideração os principios da sciencia, com quanto elles se devam seguir em geral, e os governos illustrados devam procurar aproximar-se gradualmente da sua completa realisação, comtudo ha casos e circumstancias excepcionaes, em que se encontra muitas vezes um paiz qualquer, a respeito de uma dada questão, que para a resolver do modo mais conveniente na actualidade das cousas, do modo que seja mais proficuo e vantajoso a esse paiz, não ha remedio senão sahir um pouco do rigor dos principios; mas nem por isso os desconheço, nem despreso.
É certo que a moeda circulante é uma mercadoria, e como tal está sujeita a essa lei geral do commercio, mas nesta mercadoria dão-se circumstancias especiaes. O destino principal dos metaes preciosos ouro e prata, é a circulação como moedas, e o servir de agentes das trocas.
Nos paizes em que se admitte o duplo padrão dos valores, isto é, a moeda das duas especies, como acontece no nosso paiz, é certo, que a lei declara uma certa relação de valor entre o ouro e a prata, e esta declaração da lei não póde deixar de attender-se, quando se tracta das leis que regem a importação ou exportação destes metaes.
Ora, sr. presidente, é certo que a lei fixando uma relação certa entre o preço do ouro e da prata, póde achar-se em desacordo com o valor real do mercado, e por isso o duplo padrão dos valores é um principio absurdo porque tende a declarar lixo, aquillo que do sua natureza é variavel; a relação legal estabelecida hoje, póde ser falsa ámanhã, ou pelo augmento da producção da prata, ou ouro, ou por uma infinidade de factos economicos que podem dar em resultado o não haver exportação, e então lemos as consequencias do agio como as que estamos soffrendo. Ora nestas circumstancias convem atacar o mal na sua origem? Parece-me que sim. Mas como resolver a questão? Todos os illustres deputados estão de accordo que é necessario e indispensavel acudir a esta grave e importante questão, e todos estão de accordo tambem que o meio que se propõe, não o resolve. Tracta-se simplesmente de saber se a medida que se propõe, póde contribuir para attenuar o mal presente, e para tornar menos sensivel a transmissão do máo systema, para o systema melhor. Parece-me que para isto deve contribuir o projecto era questão, e ainda quando se tractasse de resolver radicalmente a nossa questão monetaria, havia muito graves questões previas a resolver.
Conviria por exemplo alterar a nossa legislação actual? Conviria sair um pouco mais do caminho que indicam os bons principios? Conviria preferir a prata ao ouro, ou o ouro á prata? São outras tanta» questões, que quando se tractasse de appreciar a questão em todas as suas faces, se deviam encarar e resolver. Mas a causa é ioda da actualidade, e no estado actual da nossa legislação, com todas as circums-
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tancias que n'ella se dão, não se póde remed.ar senão por uma reforma larga, e um estudo serio (muito meditado.
Hoje encontra-se a desporproção nas diversas moedas de ouro com relação a prata, e esta desproporção excede a 1:16 ½
Ora quando as nossas circumstancias são estas, quando a legislação que rege as nossas moedas não provem de systema algum, nem se deriva de pensamento nenhum, quando ha uma desproporção alta em relação ao valor que os metaes teem lio mercado, o que convem fazer segundo a minha opinião, é simplesmente limitar-nos a este estado de transição, até se chegar á resolução radical do problema.
A commissão de fazenda viu bom que não havia uma resolução radical do problema no projecto que se apresenta: viu bem que o projecto que hoje se discute, parece contrariar os bons principios economicos; mas entendeu tambem que muitas vezes um bom principio, ligado a um erro póde produzir um grande mal Não sei se digo um grande paradoxo, mas tenho para mim que dois erros entre os quaes haja harmonia, pode produzir menos mal, do que um bom principio ligado a um erro. A legislação das nossas moedas, como digo, não tem base alguma certa e verdadeira, e n'este estado em une se acha, irmos admitir em toda a sua amplitude, um principio reconhecido como verdadeiro. e deixarmos livre segundo as conveniencias particulares, a importação dos me taes, parece-me haver n'isto uma grande inconveniencia.
Passando ás razões que a illustre commissão de commercio e aries deu para a não adopção do projecto em questão vejo que a commissão intendeu que dá uma calamidade a expoliação da pinta, e n'isto vejo que não está muito de accordo com um dos seus membros, que tomou a palavra n'esta questão. Se a illustre commissão negasse que a exportação da prata era um mal, então comprehendia facilmente as suas conclusões; mas a commissão intendeu que era um mal a expoliação da prata, e chamou-lhe — uma verdadeira calamidade Vozes: — Deu a hora.) Se a camara permitte, eu concluo, porque não desejo levar a palavra para casa; tenho muito pouco mais que dizer depois do que já referi. (Apoiados)
Como dizia, não me parece que seja completamente exacta a appreciação que a commissão fez dos factos em relação a este caso. O facto de ter cessado quazi completamente a expoliação da praia poias alfandegas, não valia nada, ou não era nada para admirar, porque o fim a que tendia o direito de 1:000 reis por marco, era evitar a exportação da prata; mas se combinarmos este facto com o da amoedação da prata durante dois annos em maior escala que a que linha tido logar nos dois annos anteriores, sem haver razão alguma conveniente para isso, porque é preciso notar que já depois de 11551 e 1852, já depois de haver uma certa depreciação no ouro, e quando não havia razão nenhuma especial, que podesse determinar a amoedação da prata, quando o nosso systhema monetario continuava com todos os defeitos; apesar de todas estas circumstancias, digo, se o primeiro facto não provava nada, a combinação d'estes dois factos não póde deixar de provar alguma cousa: e sendo a praia uma mercadoria de muito valor, não posso comprehender que ella se contrabandie por um premio de risco tão pequeno.
Sr. presidente, eu vou terminar porque a camara esta fatigada. Pedi a palavra mais por ter assignado o parecer da commissão de fazenda, e querer justificar a minha assignatura, do que para outra coisa, por isso que agora não se tracta da solução da nossa questão monetaria, mas em quanto se não tracta della, declaro que não tenho duvida em prestar o meu voto a favor do projecto do sr. Santos Monteiro, que póde de alguma maneira concorrer para que o mal não augmente, apesar de reconhecer que este projecto não está de accordo com os principios economicos.
Direi ao nobre deputado, o sr. Gomes, que o agio da moeda de ouro para prata não é o preço do serviço do cambista, é a differença entre o valor legal, e o valor real; o preço do serviço do cambista só póde ser representado por uma differença entre o preço por que o cambista compra, e o preço porque vendo Terminarei repelindo que não tenho duvida em vota. pelo projecto do sr. Santos Monteiro, embora vejr contra mim Os principios rigorosos e absolutos da sciencia, que foram tambem sustentados por uma aua ctoridade tão respeitavel como é o digno relator da commissão de commercio e artes. (Apoiados)
O sr. Presidente — A ordem do dia para ámanhã é a continuação da de hoje. lista levantada a sessão — Eram quatro e meia horas da tarde.
O REDACTOR
JOSÉ DE CASTRO FREIRE DE MACEDO