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Esta questão é gravissima, e confio que o sr. ministro a tratará como o exigem os principios do nosso seculo e da humanidade.

ORDEM DO DIA

O sr. Presidente: — Continua a discussão do projecto de lei n.° 8, que ficou adiado e que diz respeito á applicação de sobras nos differentes capitulos do orçamento do ministerio das obras publicas, com relação ao anno economico de 1867-1868.

O sr. Fradesso da Silveira: — Eu comprehendo a impaciencia da camara, que deseja retirar-se, e pela minha parte não hei de demora-la muito; mas parece-me que não será mal recebido pelos nossos constituintes, que nós occupemos o tempo de que podermos dispor, no exame e estudo dos negocios do estado (apoiados). Creio que os corpos constituintes não nos mandaram aqui senão para isso (apoiados) e portanto, apesar de fazer calor, creio que devemos conservar-nos aqui até ao fim da hora.

Esta impaciencia de nos retirarmos, esta falta de numero que eu com desgosto observo, creio que não é muito lisonjeira para o paiz, cujos interesses descurâmos, nem muita honrosa para a camara (apoiados)

Este projecto é analogo em alguns pontos a outros projectos que já se discutiram o votaram; mas ha certas differenças que deram logar a que eu dissesse n'esta casa, que me parecia indispensavel a presença do sr. ministro das obras publicas, porque essas differenças exigiam explicações que só s. ex.ª podia dar á camara.

Diz o governo no seu relatorio que a lei de 19 de julho de 1866 não estabelece preceito algum para transferir, de uns para outros artigos da despeza extraordinaria, as sobras que houver.

Este relatorio não foi apresentado pelo sr. ministro actual, foi apresentado pelo seu antecessor; mas o sr. ministro actual exigindo a discussão do projecto, toma uma certa responsabilidade, e como não fez ainda declarações, dá fundamento para que acreditemos que aceita as doutrinas que o relatorio da proposta apresenta.

Pelo menos, e já não é pouco, manifesta a sua approvação ao projecto e não demonstra repugnancia em approvar as asserções do relatorio que precede a proposta.

Ora, eu peço licença para justificar esta pobre lei de 19 de junho de 1866, que votei e que a camara tambem votou.

Diz-se que esta lei de 19 de junho de 1866 não determina preceitos para a transferencia de verbas de uns para outros artigos da despeza extraordinaria.

No artigo 1.° estabelece ella a despeza ordinaria; no artigo 2.° a despeza extraordinaria; e no artigo 6.° diz o seguinte: «A despeza faz-se em regra como é auctorisada para cada artigo do orçamento. Quando, porém, for indispensavel transferir uma ou mais verbas de um para outro artigo, dentro do mesmo capitulo, poderá levar-se a effeito a transferencia, etc.» Quando n'um artigo se diz, despeza ordinaria, quando n'outro se diz, despeza extraordinaria, e quando n'outro emfim se falla em despeza, isto quer dizer despeza ordinaria ou extraordinaria, e por consequencia não se póde dizer que a lei de 19 de junho de 1866 não estabelece preceitos, nem tambem a commissão de fazenda póde dizer que essa lei é omissa.

Conseguintemente, repito, aqui não ha omissão nem tambem falta o preceito necessario para a transferencia.

Se pois o projecto, que vamos votar, tem uma parte inutil, não é muito acertado que o corpo legislativo deixe passar o que é inutil nas leis, e aceite o que parece ou seja realmente superfluo (apoiados).

Ainda ha pouco discutimos um projecto similhante relativo ao ministerio da justiça, que se apresentou regular, com todos os esclarecimentos necessarios.

O ministerio dos negocios da fazenda pediu tambem transferencias; vieram já os esclarecimentos publicados no Diario, mas parece-me que esses não estão regulares, porque não indicam as sobras, não indicam as verbas d'onde saíram as sommas necessarias para pagar os excessos de despeza. Apesar d'isso a camara votou as transferencias.

Agora temos este projecto que de todos é o mais irregular. Eu desejo que a camara vote sabendo o que vota, e parece-me que o que se fez no ministerio da justiça se podia tambem fazer nos ministerios da fazenda e obras publicas...

O sr. Mathias de Carvalho: — E devia-se.

O Orador: — Não exijo outra cousa senão que haja toda a regularidade, e não me opponho ao projecto logo que esteja em termos de ser approvado.

Tambem desejo que se conheça a opinião da camara, e que igualmente seja ouvido o pensamento do nobre ministro das obras publicas sobre o assumpto que reputo mais grave, que é o que diz respeito á desnecessidade da lei em relação a uma parte, ao menos, das transferencias propostas.

Sr. presidente, se o fundamento que o governo e a commissão tiveram em vista foi a supposição de que a lei era omissa, eu evidentemente entendo que não é necessario que votemos uma lei, visto que não se encontra omissão de preceitos para a transferencia de verbas de uns para outros artigos da despeza extraordinaria (apoiados).

Os preceitos aqui estão. E portanto se o governo não precisa da lei é desnecessario insistir na discussão. Não teve occasião de dizer isto mais cedo, mas no caso do nobre ministro, se a tivesse tido, de certo não teria instado pela discussão. O nobre ministro entendeu o contrario.

O fundamento que o governo transacto apresentou foi a falta de preceito relativo á despeza extraordinaria; a commissão de fazenda conformou-se com o pedido do governo, e disse que = a lei era omissa! =

Mas, com relação a este ponto, tenho a dizer que aonde a lei não distingue ninguem póde distinguir (apoiados), e que o artigo 6.° da lei tanto se refere á despeza ordinaria como á despeza extraordinaria. Resta agora considerar outra parte do negocio.

Perguntará o nobre ministro, e perguntará bem, se a transferencia que se propõe é uma transferencia de capitulos ou de artigos? Porque se é de capitulos, não está o governo auctorisado para ella; se é de artigos, então está auctorisado. Aqui é que póde estar a difficuldade.

O nobre ministro póde dizer que não está, ou que não quer fazer uso da faculdade que a lei lhe dá.

A lei diz que = o governo póde obter a transferencia de uma certa maneira =.

Talvez que o sr. ministro não queira usar d'esse recurso, e portanto explica-se a vinda do projecto, ou a exigencia de que elle se discuta.

Mas se o sr. ministro não quer fazer uso da faculdade que a lei lhe dá, é preciso que o diga e indispensavel que o declare. Por outra parte se não é esse o motivo, supporá s. ex.ª que a despeza extraordinaria é um capitulo, ou que a tabella é constituida por uma reunião de capitulos? Essa questão temos do a ver agora resolvida pelas declarações que vamos ouvir de s. ex.ª, e tambem por uma votação da camara, que me parece de grande conveniencia para evitar futuras duvidas e abusos.

Eu entendo que a despeza extraordinaria é um capitulo composto de diversos artigos, e se são artigos diversos, como creio, está o governo auctorisado para fazer a transferencia.

Desde que se prova que a despeza extraordinaria constitue um capitulo, e que este capitulo é composto de differentes artigos, o governo não precisa d'esta lei que estamos discutindo.

O governo póde retirar a lei, a camara entrega-lhe o projecto, que póde levar em paz para casa, porque não precisa d'elle para nada. Mas se o contrario acontece, se os titulos são capitulos e não são artigos, então eu não tenho rasão e o governo precisa lei, porque sendo capitulos e não artigos o governo não póde sem lei fazer a transferencia.

Eu formulo talvez assim uma duvida que para mim realmente não é duvida, mas para outrem o será. As minhas convicções estão formadas, mas talvez o nobre ministro com rasões contrarias as destrua.

O principal motivo que tenho para fundamentar estas minhas convicções está, como disse, na legislação vigente.

Aqui vem nos diversos ministerios designados os varios capitulos a cada ministerio. Diz-se, por exemplo: ministerio da fazenda, dotação da familia real, côrtes, juros; no ministerio dos negocios estrangeiros, corpo diplomatico, corpo consular. Comprehendido tudo no ministerio debaixo do titulo geral — ministerio.

Chega-se á despeza extraordinaria acha-se: ministerio da justiça, obras publicas e marinha, collocados cada um destes ministerios como representados pela verba que está descripta n'um só capitulo do orçamento da despesa extraordinaria.

Desde que assim é, ou desde que isto seja assim, parece-me evidente que pela lei de 19 de junho de 1866 a despeza extraordinaria é um só capitulo, e que o governo está auctorisado a fazer a transferencia de que se trata sem precisar de lei para isso.

Ouvirei as explicações que o nobre ministro das obras publicas de certo vae dar, e peço a v. ex.ª que me reserve a palavra para depois d'essas explicações.

O sr. Ministro das Obras Publicas: — Como v. ex.ª sabe, este projecto tinha sido apresentado pelo meu antecessor; e o illustre deputado que acaba de fallar mostrou as rasões que se podiam dar para o meu antecessor entender que a transferencia era de capitulo para capitulo, e não de artigo para artigo, como parece entender o illustre deputado. É este o motivo: o governo apresentou aqui este projecto, porque entendeu que a transferencia era de capitulo para capitulo, e sendo assim tinha necessidade d'elle.

Se se entrasse na discussão das differentes verbas, ou estava perfeitamente preparado com os precisos esclarecimentos para dar os que fossem necessarios á camara; mas não tenho presente o mappa dos capitulos, pelos quaes se fez a transferencia, por isso não posso dizer mais nada.

O sr. Fradesso da Silveira: — Do discurso do nobre ministro o que pude apenas concluir é que s. ex.ª entende que a transferencia é de capitulo para capitulo. S. ex.ª entende o mesmo que entendeu o seu antecessor. Mas o seu antecessor, se estivesse ainda no ministerio, havia de explicar e fundamentar a sua opinião; e quem insiste por que se discuta, occupando agora esse logar, deve apresentar as rasões que tem para adoptar a opinião que manifesta. O nobre ministro tem a opinião de que o projecto deve ser approvado; mas a minha opinião, a opinião que apresentei ha pouco, tem fundamentos, e creio que será bom destrui-los para que seja possivel a approvação que se pede.

Eu considero em um capitulo todas as despezas extraordinarias de cada ministerio, e digo a rasão por que assim o julgo: parece-me que não é ser muito exigente pedir ao nobre ministro das obras publicas que apresente as rasões contrarias com que possa destruir as minhas. Não creio que abuse reclamando ou pedindo que se removam com argumentos serios as duvidas por mim adduzidas.

O orçamento está organisado de maneira que os capitulos de cada ministerio apparecem distinctos, e quando se chega á despeza extraordinaria apparecem os ministerios como que designando capitulos. E não pense a camara que por estarem reunidas ali diversas verbas com applicações muito variadas, não tem logar considera-las em um só capitulo. O nobre ministro tem exemplo no seu proprio orçamento, em capitulos que comprehendem verbas muitissimo distinctas. Veja s. ex.ª o capitulo 11.º do seu orçamento, e achará que elle comprehende nada mais, nada menos do que isto — monumentos historicos, levada do Juncal, canaes da Azambuja, officiaes em commissão, subsidios a companhias e estudos fóra do reino. Tudo isto está comprehendido em um só capitulo, e não é motivo para estranheza que um capitulo só comprehenda tantos assumptos.

Mas note v. ex.ª que n'esta estão envolvidos principios e preceitos, que deve cuidadosamente apreciar quem administra a fazenda do estado. Não convem de fórma alguma ao paiz e á camara que continue este vago e indefinido que se nos apresenta; convem que fixemos as cousas como ellas devem ser.

A despeza extraordinaria é um capitulo ou não? Se o governo a considera distribuida em capitulos, na tabella respectiva do orçamento, correspondendo a cada ministerio um capitulo, é preciso que o sr. ministro claramente se explique.

Outra nova questão apparece depois d'esta, que não vejo ainda resolvida.

Temos despezas ordinarias e extraordinarias no orçamento, e esta transferencia que se pede é só quanto á despeza extraordinaria? Está o governo seguro de que o que nos pede é, como affirma, em relação á despeza extraordinaria?

Estimaria que o governo dissesse se era a transferencia da despeza extraordinaria só o que se pedia. Está o governo seguro de que seja só a transferencia de despeza extraordinaria, e não haverá aqui verbas de despeza ordinaria?

N'este ultimo caso tudo se transforma e complica.

Quando alguem assume uma responsabilidade qualquer, é preciso que saiba medir todo o alcance da responsabilidade, e que se colloque bem na situação que lhe compete. Nós temos necessidade de considerar agora a questão, tomando a responsabilidade que a commissão de fazenda já tomou, quando concedeu o seu voto á proposta de lei que o governo apresentára. Que significação tem o projecto da commissão? Quaes são os fundamentos d'elle? Qual é a verdade dos factos? Procuro e encontro o que acabo de dizer á camara. Não é para muita satisfação!

Para a despeza extraordinaria não acho motivo em que o governo se funde para exigir a discussão d'este projecto. Se se trata da despeza ordinaria e extraordinaria ao mesmo tempo, então o projecto não presta, não está bom e ninguem o póde votar.

Eis aqui a situação em que nos deixam, porque o governo apenas póde justificar-se, e não se justifica, dizendo o que não diz, isto é, declarando que não quiz usar da faculdade que a lei lhe concede.

E ainda assim esta proposta de lei devia vir á camara muito documentada. Se ha propostas que devam vir muito documentadas são estas.

Ainda na sessão anterior o sr. ministro da fazenda apresentou alguns documentos, que eu já declarei insufficientes, mas note-se que vieram por serem exigidos.

Os que se publicaram ha pouco no Diario de Lisboa, relativos ao projecto de que se trata, foram tambem exigidos; não vieram acompanhando a proposta e não são sufficientes porque não designam as sobras. Apenas os documentos relativos ao ministerio da justiça vieram juntos á respectiva proposta de lei. Ainda bem que assim succedeu.

Pois o que é necessario é que as propostas de lei tragam todos os documentos, porque eu não sei como as commissões podem dar parecer sobre os negocios sem terem visto todos os documentos que se referem a esses negocios. Não sei como é possivel dizer que o governo fica auctorisado para effectuar uma certa transferencia, quando se não sabe se ha sobras, d'onde ellas procedem e como podem ser applicadas ás faltas.

Quando tudo isto se ignora, eu não sei como se póde dar tão de prompto um parecer e como se póde aceitar a responsabilidade que se aceita.

E, seja dito com franqueza. A responsabilidade não é do actual sr. ministro das obras publicas, que tão laconico é nas suas explicações. A iniciativa d'este negocio foi do antecessor de s. ex.ª, que trouxe esta proposta á camara, e agora o actual sr. ministro apresenta-a com uma necessidade do serviço do seu ministerio. Nenhuma censura lhe póde por este motivo ser dirigida, mas o que não posso deixar de pedir a s. ex.ª é que me faça a mercê de dar a sua opinião sobre se a despeza de que se trata é toda extraordinaria ou não é.

Se eu tivesse de entrar na discussão de varios pontos a que se referiu um illustre deputado, teria muito que dizer. Alguns dos oradores que já fallaram n'esta questão referiram-se especialmente á verba que se gastou com a exposição de París. A este respeito direi que a responsabilidade n'esta parte não é nem do sr. ministro das obras publicas actual nem dos seus antecessores; a responsabilidade é realmente da camara.

Na occasião em que se discutiu aqui o projecto para a dotação de 50:000$000 réis apresentei eu propostas que a camara não attendeu, e o resultado é este. Com isto não quero censurar ninguem, mas apenas recordar o que aconteceu. A camara não quiz attender nem approvar as propostas que então lhe foram presentes, e o resultado foi gastar o paiz mais do que podia, podendo ter gasto menos e ganhar mais. É isto o que eu quero registar.

Segue-se d'aqui que os governos não procedem muito bem quando desprezam tudo quanto parte de certo lado da camara, ainda que a opposição d'esse lado se manifeste claramente. Um governo sensato e prudente aproveita muitos alvitres que sejam lembrados pela opposição, quando julga que são bons, assim como as opposições não devem rejeitar tudo quanto o governo propõe. Tanto nas propostas do governo como nas da opposição ha de haver alguma cousa de aproveitavel. Esta é a verdade.