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CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
Sessão de 27 de agosto de 1868
PRESIDENCIA DO SR. JOSÉ MARIA DA COSTA E SILVA
Secretarios — os srs.
José Tiberio de Roboredo Sampaio.
José Faria de Pinho Vasconcellos Soares de j Albergaria.
Chamada — 60 srs. deputados.
Presentes á abertura da sessão — os srs.: A. E. de Seabra, Villaça, Sá Nogueira, Falcão de Mendonça, Correia Caldeira, Gomes Brandão, Ferreira Pontes, Azevedo Lima, Antas Guerreiro, A. J. Teixeira, Faria Barbosa, A. de Faria, Montenegro, Barão da Trovisqueira, Cunha Vianna, B. F. Abranches, B. F. da Costa, Vellosa do Carvalhal, Custodio José Freire, Pereira Brandão, E. Cabral, F. F. de Mello, Silva Mendes, Albuquerque Couto, Gavicho, Bicudo Correia, Silveira Vianna, Van-Zeller, G. A. Rolla, F. Blanc, I. J. de Sousa, Freitas e Oliveira, Baima de Bastos, Santos e Silva, J. A. Vianna, Assis Pereira de Mello, Cortez, João M. de Magalhães, Aragão Mascarenhas, Fradesso da Silveira, Xavier Pinto, Maia, J. Klerk, Mardel, Sette, Correia de Oliveira, Carvalho Falcão, J. M. da Costa e Silva, Achioli de Barros, Rodrigues de Carvalho, Menezes Toste, Mesquita da Rosa, José de Moraes, José Tiberio, Camara Leme, Aralla e Costa, Mathias de Carvalho, P. M. Gonçalves de Freitas, Ricardo de Mello, Sabino Galrão, Deslandes.
Entraram durante a sessão — os srs.: Annibal, A. J. de Seixas, Faria Pinho, Batalhoz, Limpo de Lacerda.
Não compareceram — os srs.: A. R. de Azevedo, Fevereiro, A. Ornellas, Braamcamp, Rocha París,. Alves Carneiro, Costa Simões, Ferreira de Mello, Antonio de Azevedo, A. B. de Menezes, Silva e Cunha, Barros e Sá, A. J. da Rocha, A. J. Pinto de Magalhães, A. L. de Seabra Junior, Arrobas, Falcão Povoas, Magalhães Aguiar, Costa e Almeida, Araujo Queiroz, Lopes Branco, Torres e Silva,. Falcão da Fonseca, Saraiva de Carvalho, Garcez, Carlos Testa, Carlos Vieira da Motta, Conde de Thomar (Antonio), Eduardo Tavares, Faustino da Gama, Fernando de Mello, Coelho do Amaral, Dias Lima, F. L. Gomes, F. M. da Rocha Peixoto, Pinto Bessa, Xavier de Moraes, Gaspar Pereira, Guilhermino de Barros, Noronha Menezes, Silveira da Motta, Homem e Vasconcellos, Meirelles Guerra, Almeida Araujo, Judice, Matos e Camara, Ayres de Campos, João de Deus, Gaivão, J. M. da Cunha, Pinto de Vasconcellos, Albuquerque Caldeira, Calça e Pina, Ribeiro da Silva, J. Pinto de Magalhães, Faria Guimarães, J. T. Lobo d'Avila, Gusmão, J. A. A. Ferreira Galvão, Bandeira de Mello, Costa Lemos, Dias Ferreira, Firmo Monteiro, Teixeira Marques, Pereira de Carvalho, Lemos e Napoles, Vieira de Sá Junior, Frazão, Ferraz de Albergaria, J. M. Lobo d'Avila, José Maria de Magalhães, José Paulino, Silveira e Sousa, Rodrigues Coelho do Amaral, Mendes Leal, J. F. Pinto Basto, Levy, Lourenço de Carvalho, Alves Ferreira Junior, Leite de Vasconcellos, M. B. da Rocha Peixoto, Motta Veiga, Penha Fortuna, Julio Guerra, Pereira Dias, Lavado de Brito, Paulino e Sousa, P. A. Franco, R. V. Rodrigues, Sebastião do Canto, Theotonio de Ornellas, Thomás Lobo, Vicente Carlos, Scarnichia, Visconde dos Olivaes.
Abertura — Ás duas horas e vinte minutos da tarde. Acta — Approvada.
EXPEDIENTE
A QUE SE DEU DESTINO PELA MESA
Participações
1.ª Declaro que, por motivo justificado, não me foi possivel assistir ás sessões dos dias 22 e 24 do corrente mez. = Alvaro Ernesto de Seabra.
2.ª Declaro que por motivo justificado faltei ás seis ultimas sessões, e que se estivesse presente quando se votaram os projectos n.° 12, ácerca das fortificações, e o pertence ao n.° 1, sobre as emendas ao projecto da desamortisação, te-los-ía approvado. = Antonio José Teixeira.
3.ª Participo a v. ex.ª que o sr. deputado pelo circulo de Vianna do Castello, Antonio Alberto da Rocha París não tem comparecido ás sessões da camara por incommodo de saude. = Rodrigues do Carvalho.
4.ª O sr. deputado Saraiva de Carvalho encarregou-me de participar a v. ex.ª e á camara que não tem podido comparecer ás ultimas sessões por motivo de falta de saude. = Lopes de Azevedo Lima.
5.ª Declaro que não tenho comparecido na camara por motivo de doença, que me obrigou a fazer uso de aguas • mineraes fóra do reino. = Aragão Mascarenhas. ' Inteirada.
O sr. Rodrigues de Carvalho: — Mando para a mesa um parecer da commissão de fazenda, e peço a v. ex.ª que consulte a camara se, dispensando o regimento, permitte que elle entre desde já em discussão.
Consultada a camara resolveu affirmativamente.
Leu-se na mesa e entrou em discussão o seguinte:
Projecto do lei
Senhores. — Á vossa commissão de fazenda foi presente a proposta de lei n.° 13 - A, que auctorisa a distribuição da despeza do ministerio dos negocios ecclesiasticos e de justiça no anno economico de 1866—1867, na conformidade da conta junta á mesma proposta, e a applicação das obras existentes ao pagamento de quaesquer encargos que ainda haja por satisfazer dentro do respectivo exercicio.
A commissão, considerando que a distribuição da despeza d'aquelle ministerio não póde fazer-se em exacta conformidade com os artigos da tabella, que faz parte do decreto de 5 de julho de 1866, porque acresceram as despezas eventuaes com o augmento do terço dos ordenados aos magistrados, com a sua aposentação e collocação no quadro, bem como com o sustento dos presos e policia das cadeias:
Considerando que todas estas despezas se acham auctorisadas por leis, e documentadas com uma conta corrente, d'onde consta circumstanciadamente a sua procedencia, e a importancia das respectivas verbas;
Considerando finalmente que o governo não excedeu a somma total da despeza • destinada áquelle ministerio, porque ainda ha sobras na importancia de 433*872 réis:
E de parecer que a proposta do governo seja convertida no seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° E auctorisada a distribuição da despeza do ministerio dos negocios ecclesiasticos e de justiça no anno economico de 1866-1867, na conformidade da conta junta que fica fazendo parte d'esta lei.
Art. 2.° A sobra existente é destinada ao pagamento de quaesquer encargos legaes que ainda estejam por satisfazer dentro do respectivo exercicio.
Art. 3.° Fica revogada toda a legislação em contrario.
Sala da commissão, 26 de agosto de 1868. = Hermenegildo Augusto de Faria Blanc = Antonio Correia Caldeira = João Antonio dos Santos e Silva = Francisco Van-Zeller = Tem voto dos membros da commissão os srs. Ferreira Pontes e Antonio José Teixeira = José Maria Rodrigues de Carvalho, relator.
N.° 13 - A.
Senhores. — A distribuição da despeza do ministerio dos negocios ecclesiasticos e de justiça no anno economico findo de 1866-1867 não foi possivel fazer-se por artigos como esta na tabella que faz parte do decreto de 5 de julho de 1866 para execução da carta de lei de 19 de junho do
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mesmo anno, porque acresceram outras despezas auctorisadas por lei; a saber: A terça parte dos ordenados a magistrados, a sua aposentação, a collocação no quadro e os que foram aggregados, ainda que temporariamente, aos tribunaes de segunda instancia. Igualmente o sustento dos presos e policia de cadeias no continente do reino e ilhas adjacentes differiu da dita distribuição sem que apesar d'estas despezas fosse excedida a somma total auctorisada, porquanto ainda ha uma sobra, como mostra a conta junta.
Sendo pois indispensavel legalisar a indicada alteração, tenho a honra de submetter á vossa approvação a seguinte proposta de lei:
Artigo 1.° É auctorisada a distribuição da despeza do ministerio dos negocios ecclesiasticos e de justiça no anno
economico de 1866-1867, na conformidade da conta junta que fica fazendo parte d'esta lei.
Art. 2.º A sobra existente é destinada ao pagamento de quaesquer encargos legaes que ainda estejam por satisfazer dentro do respectivo exercicio.
Art. 3.° Fica revogada toda a legislação em contrario.
Lisboa, 22 de junho de 1868. = Visconde de Seabra.
Conta da despeza d'este ministerio no anno economico de 1366-1867, na conformidade da carta de lei de 19 de junho de 1866 e da tabella que faz parte do decreto de 5 de julho do mesmo anno, a saber
[Ver diário original]
(a) Comprehende 450$333 réis (carta de lei de 16 do abril do 1867). — (b) Vacaturas. — (c) Terça parte de ordenados, collocação do quadro, aposentados e expediente, liquido do subsidio de deputado ao guarda mór e secretario. — (d) Terça parte do ordenado e um juiz aggregado. — (e) Terça parte de um ordenado e dois juizes no quadro, liquido das vacaturas. — (f) Vacaturas e subsidio de deputados. — (g) Expediente. — (h) Expediente e renda de casa.
Secretaria d'estado dos negocios ecclesiasticos e de justiça, em 9 de junho de 1868.
O sr. Sá Nogueira: — O parecer que está em discussão não foi impresso nem distribuido; ouço comtudo dizer que a proposta do governo vem documentada. Entretanto não pedi a palavra para impugnar o parecer, mas para o não deixar passar sem reparo, porque entendo que projectos d'esta natureza não devem ser approvados de improviso, mas sim discutidos com exame e com tempo necessario para o confrontar com a lei geral da receita e despeza do estado.
A camara póde votar como entender, mesmo porque já tem votado outros projectos da mesma natureza, por isso não faço agora questão, não o approvo nem o rejeito, entenda-se assim a minha votação; e reservo-me para fallar sobre o projecto n.° 8, porque sobre esse ha mais que dizer.
O sr. Ministro da Justiça (Pequito de Seixas): — Esta proposta foi apresentada na camara pelo meu antecessor, e eu não podia deixar de considerar igualmente necessario que a camara se pronunciasse a respeito d'ella, vista tambem a necessidade de legalisar a alteração a que a mesma proposta se refere.
Procedendo assim o governo não faz mais do que prestar homenagem á camara, respeitando as suas attribuições. Ainda que a proposta não é do tempo da minha gerencia, devo dizer que ella vem acompanhada de uma conta, em que se acham indicadas as alterações que tiveram logar. Effectivamente ha na dita conta columnas, em que se declara o quanto da despeza auctorisada, e da liquidada ou abonada, e a differença para mais ou para menos; e nas respectivas notas vem indicado o motivo d'essa differença. Gastou-se a mais, por exemplo, na aposentação de alguns magistrados, e na concessão do terço a outros, despeza que estava auctorisada por lei.
Gastou menos, por exemplo, porque houve vacaturas em alguns logares, que não foram providos, e por isso não se gastaram os ordenados correspondentes a esses logares vagos.
Emquanto ao illustre deputado dizer que esta proposta era documentada ou que vinha acompanhada de uma conta documentada, devo declarar, que não é inteiramente exacta a asserção do illustre deputado. Nem a proposta, nem a conta, nem as notas respectivas veem acompanhadas de documentos.
Creio porém que nem a camara, nem o illustre deputado consideram indispensavel a juncção dos documentos que provem a vacatura dos logares, a concessão das aposentações, e as outras differenças que vem indicadas (apoiados).
Pareceu-me conveniente dar estas explicações porque o governo é o primeiro que tem obrigação de prestar homenagem á camara, e pedir-lhe que legalise estas alterações da ordem regular das cousas.
O sr. Rodrigues de Carvalho: — Depois das explicações dadas pelo nobre ministro da justiça pouco tenho que dizer em resposta ás observações do illustre deputado o sr. Sá Nogueira.
Sem a mais leve intenção de censurar o procedimento de s. ex.ª, porque sou o primeiro a reconhecer e até a louvar o zêlo com que costuma fiscalisar a applicação dos dinheiros publicos, permitta-me que eu considere um pouco exagerados os seus escrupulos com referencia ao projecto em discussão.
Eram muito naturaes os reparos que s. ex.ª fez á proposta de lei do sr. ministro das obras publicas, submettida á discussão n'uma das ultimas sessões, porque se tratava de auctorisar o governo a applicar ao pagamento de despezas d'aquelle ministerio quaesquer quantias que sobrassem nos diversos artigos da tabella da despeza extraordinaria para o exercicio de 1867-1868, até á somma avultada de 1.742:800$000 réis, sem que o pedido d'aquella auctorisação viesse acompanhado dos esclarecimentos necessarios para se poder apreciar bem a necessidade e legalidade de taes despezas.
A commissão de fazenda, esclarecida pelas informações do respectivo ministro, e pelos documentos que lhe foram presentes, podia julgar-se habilitada para dar um parecer favoravel, mas o illustre deputado, na ausencia daquellas informações e documentos, podia tambem ter duvidas em conceder a auctorisação. Mas o projecto que hoje se discute, posto que seja identico na essencia, differe muito nas circumstancias. Trata-se de legalisar as alterações que tiveram logar na distribuição da despeza do ministerio dos negocios ecclesiasticos e de justiça no anno economico de 1866—1867. Aquella distribuição não foi possivel fazer-se em conformidade dos artigos da tabella que faz parte do decreto de 5 de julho de 1866, porque acresceram despezas eventuaes, que não podiam fixar-se de antemão, taes foram as despezas com o augmento do terço do ordenado aos magistrados, com a sua aposentação e collocação no quadro, bem como copa o sustento dos presos e policia das cadeias no continente do reino e ilhas adjacentes.
O illustre deputado sabe muito bem que estas despezas não podem determinar-se antecipadamente com exactidão, porque circumstancias imprevistas podem influir no seu augmento ou diminuição. É impossivel prever o numero de magistrados que n'um certo periodo hão de requerer a sua aposentação ou collocação no quadro, assim como tambem não póde fixar-se a despeza que ha de fazer-se com o sustento dos presos, porque essa despeza é para assim dizer fluctuante, augmentando ou diminuindo na proporção do movimento de presos e até da carestia dos generos ou elevação do preço das subsistencias (apoiados).
Mas todas estas despezas estavam auctorisadas por lei, e sendo algumas de sua natureza impreteriveis, o governo precisava de as attender, e na falta de auctorisação não podia occorrer a ellas por meio de creditos supplementares. Acresce a isto que a proposta do governo veiu acompanhada de uma conta muito explicita e desenvolvida, d'onde consta circumstanciadamente a procedencia das despezas, a importancia das respectivas verbas, e as alterações que houve nos diversos artigos, bem como que essas despezas não excederam a somma total auctorisada, havendo ainda sobras na importancia de 433$872 réis.
N'estas condições entendo eu que o illustre deputado póde approvar este projecto de lei com inteira serenidade de consciencia.
O sr. José de Moraes: — Pedi a palavra para declarar a v. ex.ª e á camara que approvo o parecer da commissão, e quaes as rasões por que o faço.
Approvo o parecer porque o sr. ministro da justiça, apresentando as contas da receita e despeza, juntou-lhe uma conta detalhada das verbas que despendeu a mais e das que despendeu a menos com relação aos differentes capitulos. Assim entendo que posso approvar o parecer da commissão, mas se o sr. ministro da justiça não tivesse enviado a conta detalhada de todas as verbas gastas, havia de continuar a minha tarefa de não approvar quaesquer despezas sem saber em que foram applicados os fundos. Eu, na minha administração particular, tenho tambem conta detalhada, e portanto quero que na administração do estado as haja, ainda com mais rasão.
Entendo que a camara nunca devia approvar a transferencia de sobras de um para outro capitulo, sem saber primeiramente o modo por que as despezas foram feitas. As vezes fazem-se estas transferencias para fazer favor a um ou outro individuo, e depois a camara approva tudo sem saber o que vota realmente.
Eu não quero prolongar muito esta discussão, visto que os trabalhos da camara estão quasi a concluir; mas sempre direi que talvez em janeiro apresente á camara um lindo relatorio sobre a applicação de certas quantias que eu ouço apontar como pouco regulares, solicitando sobre isso alguns esclarecimentos.
Refiro-me, por exemplo, a umas certas gratificações chamadas do pão barato, a uns taes 600$000 réis para sege, que, segundo se diz, alguem recebe, e mais algumas outras cousas. Fica já a camara de sobreaviso. É preciso que o paiz saiba como é que os governos applicam os tributos que pedem ao povo. Nada mais.
O sr. Sá Nogueira: — O nobre ministro da justiça labora n'um equivoco. Eu não exigia que a conta viesse documentada.
O sr. Ministro da Justiça: — Eu tambem não disse isso; disse apenas que o illustre deputado se referira a que a conta não viesse documentada. É verdade que não vem documentada, mas se s. ex.ª quizer eu posso apresentar todos os documentos.
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O Orador: — Eu não exigi nem podia exigir que a conta viesse documentada; o que eu exigi é que as despezas se justificassem. Foi isto que o nobre ministro fez, e tão completamente que eu entendo que s. ex.ª merece por isso louvores (apoiados).
Emquanto á fórma de pedir estas auctorisações á camara, é essa uma questão que fica para outra vez. Por agora só tenho a reiterar os meus louvores pelo modo por que s. ex.ª justificou e esclareceu a sua proposta de lei.
O sr. Ministro da Justiça: — Devo declarar á camara que não mereço os louvores que o illustre deputado se dignou dirigir-me. A quem elles cabem é ao meu antecessor, que foi quem apresentou estes trabalhos.
Cumpria-me fazer esta declaração, para que se não suppozesse que eu queria tomar para mim louvores que pertencem ao meu antecessor.
Vozes: — Muito bem.
Não havendo mais ninguem inscripto, foi approvado o projecto.
O sr. Presidente: — Peço a attenção da camara para um negocio puramente particular d'esta casa, e sobre o qual eu não sei se me devo decidir.
Os continuos d'esta camara pediram á mesa licença para fazerem algumas modificações nos seus uniformes. Entro em duvida sobre se a mesa tem arbitrio para decidir este negocio, e por isso o exponho á camara.
Muitas vozes: — Isso é negocio só da mesa.
O sr. Presidente: — Em vista d'esta manifestação a mesa defere a pretensão.
O sr. Correia Caldeira: — A camara tem conhecimento de uma questão grave para o direito da corôa portugueza, que se agitou por muito tempo entre o governo d'este paiz e o de sua magestade britannica; fallo da soberania da ilha de Bolama, e tem tambem conhecimento de que, para tratar d'esta negociação, que foi muito importante e que se protrahiu por muito tempo, foi nomeado um negociador especial portuguez, bem como foi nomeado um negociador especial inglez.
Desde o momento em que um ministro da corôa de Portugal declarou officialmente que sobre esta materia tinha sido proposta pelo governo portuguez, e aceita pelo governo de sua magestade britannica, a arbitragem, considerei eu, e creio que consideram todos, esta negociação como finda.
N'estes termos pareceu-me de summa conveniencia que este importantissimo processo, que tem de ser publico, fosse bem conhecido de todos, especialmente dos membros das duas camaras do parlamento portuguez, e requeri por isso a v. ex.ª e á camara que, não havendo inconveniente, fossem submettidos a esta camara todos os papeis relativos a este negocio, para que, logo que chegassem, fossem mandados imprimir em numero sufficiente para serem distribuidos pelos membros das duas camaras.
A camara dos deputados, segundo informações que teve a bondade de me dar o sr. secretario, porque eu não estava presente na occasião em que se tratou d'isso, approvou o requerimento que foi remettido ao governo.
Supponho, pelas considerações brevissimas que apresentei, que não haverá inconveniente, por parte do governo, em se mandarem estes esclarecimentos que julgo necessarios; mas, como está a findar a actual sessão extraordinaria, e como desejo que por este facto se não demore por muito tempo mais a impressão d'estes documentos, eu requeria que, se a camara conviesse, v. ex.ª mandasse officiar ao sr. ministro dos negocios estrangeiros, para que s. ex.ª, não tendo inconveniente, como supponho que não tem, os mandasse, no intervallo d'esta sessão, para a imprensa nacional, de modo que, na proxima sessão legislativa possam estar impressos e ser distribuidos, como é meu desejo, e como creio que é o desejo de todos os meus collegas (apoiados).
Se assim for, se o assentimento da camara confirmar o meu requerimento, pedia a v. ex.ª que, n'esta conformidade, mande officiar.
Leu-se na mesa o seguinte
Requerimento
Tendo a camara approvado o requerimento que fiz, em sessão de 13 do corrente, para se pedir ao governo, pelo ministerio dos negocios estrangeiros, a remessa de toda a correspondencia que, sobre a restituição da ilha de Bolama á corôa portugueza se trocou em Lisboa entre o negociador portuguez, e o de sua magestade britannica, e outrosim que esta correspondencia logo que remettida fosse pelo governo, se mandasse imprimir, e em numero sufficiente de exemplares para ser distribuida pelos membros das duas camaras legislativas, requeiro que se recommende ao governo que, não obste o encerramento proximo d'esta sessão extraordinaria a que a dita correspondencia seja, em conformidade da resolução já tomada, remettida á imprensa nacional, para que a impressão se faça, e a distribuição aos membros da duas camaras possa verificar-se logo no principio da immediata sessão legislativa. = A. Correia Caldeira.
Foi approvado e remettido ao governo.
O sr. Freitas e Oliveira: — Pedi a palavra para chamar a attenção do nobre ministro das obras publicas e o nobre ministro da justiça para o estado em que se acha a igreja parochial da Pampilhosa.
O templo está quasi a desabar, pelo que a vida do ministro do culto e a dos fieis correm risco todos os dias em que ali se celebram os officios divinos.
A junta de parochia póde obter no anno passado da commissão da bulla da cruzada 84$000 réis de esmola para uns reparos n'aquella igreja, mas isso foi insufficiente mesmo para concertar o telhado, e, como o vigamento está todo
podre, o concerto que se fez em nada remediou o estado em que se achava o templo.
No ministerio das obras publicas ha uma verba destinada para reparos das differentes igrejas do reino, e por isso eu pedia ao nobre ministro das obras publicas que contemplasse a igreja da Pampilhosa na distribuição que fizer este anno.
É a primeira vez que toca a sineta do meu campanario e espero que s. ex.ª tenha isto em attenção, porque eu não sou dos que mais exigem e dos que mais importunam o governo com pedidos para os respectivos circulos.
O sri Ministro das Obras Publicas (Calheiros de Menezes): Não é a primeira vez que o ministerio das obras publicas se tem encarregado de differentes obras de igrejas, mas ultimamente renovou-se uma disposição que havia n'essa repartição, e pela qual se ordenava que o pedido de quaesquer obras concernentes a outros ministerios, que não fosse o das obras publicas, viesse dirigido pela respectiva secretaria.
Por conseguinte a junta de parochia terá de dirigir o seu pedido ao ministerio da justiça.
O sr. Freitas e Oliveira: — Eu quasi que preveni a resposta do illustre ministro das obras publicas, porque tambem chamei a attenção do nobre ministro da justiça para o meu pedido. S. ex.ª acaba de declarar que pelo ministerio das obras publicas não se applica hoje quantia alguma para obras de igrejas, sem que proceda o pedido feito pelo ministerio da justiça. Peço pois ao sr. ministro da justiça que tome em consideração os melhoramentos d'esta igreja, que nunca obteve do thesouro somma alguma para a sua conservação. Como disse, o unico donativo que houve foi o da junta da bulla da santa cruzada.
Leu-se na mesa a ultima redacção do projecto que foi votado, e em seguida remetteu-se para a outra casa do parlamento.
O sr. Ministro da Justiça: — Não estou inteiramente habilitado para responder ao illustre deputado que acabou de fallar, o sr. Freitas e Oliveira. S. ex.ª é o proprio que acaba de dizer que pela junta da bulla da santa cruzada já foi concedido um subsidio pecuniario para as obras daquella igreja, que s. ex.ª affirma não estar ainda reparada devidamente.
Effectivamente ha no orçamento do ministerio das obras publicas uma verba destinada para reparos e concertos de edificios publicos, e consta-me que já por vezes foram applicadas algumas verbas para fazer face a essas despezas. Parece-me que, em relação á junta da bulla de santa cruzada, já houve tempo, principalmente no principio, em que por ali se concederam subsidios valiosos e de bastante importancia para a reconstrucção de igrejas; mas aconteceu depois, segundo estou informado, que sobreveiu um tal numero de pretensões d'esta ordem, que foi necessario até certo ponto restringir estes subsidios; e creio que ultimamente pela junta da bulla da santa cruzada não se tem concedido mais do que a verba de 100$000 réis. Em consequencia d'estas numerosas exigencias não se póde attender a todas as obras com tão valiosos auxilios.
O illustre deputado disse que a junta da bulla da santa cruzada já tinha dado um subsidio, mas que ainda não chega para a conclusão da obra. Se as circumstancias são as mesmas, se os habitantes da freguezia de que se trata têem empregado todos os seus esforços, porque são elles que mais se devem interessar, e contribuir para a reconstrucção da sua igreja, e se não podem arranjar meios, então requeiram, porque o negocio será devidamente considerado, e depois ver-se-ha o que se poderá fazer.
O sr. Freitas e Oliveira: — Ouvi com muita attenção as explicações dadas pelo nobre ministro da justiça, e agradeço a promptidão com que se dignou dar m'as, mas não me posso conformar com a opinião de s. ex.ª, de que a despeza para a reconstrucção das igrejas deve estar a cargo do municipio.
A despeza com a fabrica da igreja é que entendo que póde ser feita pelo municipio, mas a reconstrucção não, porque trata-se de um edificio publico. A religião catholica, apostolica romana é a religião do estado, logo o estado é que tem obrigação de construir os templos, porque no caso contrario não deve haver religião official. A isso não me opponho.
Eu já tive occasião, a proposito de outra cousa, de declarar que as minhas aspirações eram essas; mas desde o momento em que ellas estão muito longe de se realisarem, o governo tem obrigação de concorrer para que os templos aonde se celebram os officios divinos estejam em estado de decencia e segurança que é necessario que elles tenham.
Leram-se dois officios da camara dos dignos pares, remettendo a relação das proposições de lei ultimamente adoptadas por aquella camara.
O sr. Castilho: — Começarei por agradecer a s. ex.ª a bondade com que hoje me trata, concedendo-me a palavra, que ha seis sessões successivas me tem negado, não obstante eu declarar na sessão de ante-hontem que a pedia para um negocio urgente.
Eu se estivesse mais familiarisado com a vida parlamentar, e não estivesse debaixo da natural timidez e acanhamento que infunde o aspecto imponente d'esta assembléa, teria ante-hontem appellado da sentença de v. ex.ª para a benevolencia da camara, que dizia «falle, falle», quando eu tinha soltado as primeiras palavras, e v. ex.ª me tolhia a palavra.
Respeito os motivos que v. ex.ª teria para assim proceder, e passo ao meu intuito.
Sr. presidente, chamo a attenção do sr. ministro da fazenda para o cruel procedimento e revoltante injustiça que se está praticando com os egressos no districto de Vizeu.
Vou expor o facto, offerece-lo á consideração do nobre ministro, e recommenda-lo com as providencias que elle reclama á solicitude que é propria de s. ex.ª no cumprimento de todos os deveres a seu cargo.
Pessoas muito respeitaveis e cavalheiros muito auctorisados da cidade de Vizeu e da de Lamego, me informam de que ha oito mezes que os egressos n'aquelle districto não têem recebido as suas prestações, ao passo que todas as classes que recebem do estado se acham regularmente pagas.
É para sentir que se desse uma tão grande falta para uma classe tão desvalida, mas ainda é mais para sentir e estranhar que se fizesse uma excepção tão odiosa n'uma classe de homens respeitaveis, velhos e pobres. Condemnar á fome por oito mezes homens enfraquecidos pelos annos e acabrunhados pelos desgostos, e que talvez já nem esmolar possam, equivale a dar morte lenta a uma duzia de velhos desgraçados, que nem tantos elles serão!
Este procedimento, alem de envolver uma injustiça revoltante e um enorme escandalo, é uma tyrannia de novo genero, que carece de prompta repressão.
E por este e outros exemplos que o clero, em geral, receia a desamortisação, não só porque reputa o rendimento proveniente dos bens rusticos mais seguro e certo que o das inscripções, cujo valor depende das eventualidades do credito e da regularidade das finanças, regularidade que infelizmente no nosso paiz já se afigura a todos como cousa impossivel, mas tambem porque não vê a lei da desamortisação precedida daquella que lhe deve assegurar a devida sustentação.
Felizmente acha-se nos conselhos da corôa o illustre prelado da igreja viziense, em quem o clero põe grandes esperanças, aguardando do genio esclarecido e reformador de s. ex.ª uma lei que regule convenientemente este ramo da publica administração, e que acabe quanto ser possa com os males e abusos que o clero está soffrendo, porque o actual systema de congruas é a todos os respeitos defeituoso, levanta rixas e disputas entre o parocho e os freguezes, e tira áquelle o prestigio e independencia de que carece para inspirar ao povo os sentimentos de respeito e confiança que o parocho deve merecer para o feliz desempenho de sua elevada missão espiritual.
Portanto quando o prelado que faz parte do actual gabinete tiver cumprido a sua religiosa promessa sobre este importante assumpto, trazendo ao seio do parlamento uma lei que assegure a decente sustentação do clero, terá prestado um grande serviço á moral, á religião e á sociedade, e o clero então reconhecido bem dirá o seu nome.
Voltando ao meu proposito, direi que peço e espero que o sr. ministro da fazenda dê as necessarias providencias para que cesse a revoltante injustiça praticada com os egressos do districto de Vizeu, e para que de futuro se evite a repetição de tão enorme escandalo.
Aproveito a opportunidade para tambem invocar em pró dos egressos infelizes o alto valimento do egresso afortunado, que pelo seu merecimento subiu, no espiritual, da vida singela e humilde da clausura, a principe da igreja, e no temporal, a ministro da corôa e valido dos nossos réis.
Repito, invoco o alto valimento de s. ex.ª, o sr. ministro do reino, para com os seus venerandos irmãos, dignos de melhor sorte.
Sr. presidente, oxalá que as sinceras expressões que acabo de pronunciar em pró de uma classe respeitavel, que se acha inteiramente abandonada, possam actuar agradavelmente no animo dos srs. ministros; no do sr. ministro da fazenda, para providenciar á pontual sustentação dos egressos; no do sr. ministro do reino, para promover o allivio e bem estar de seus desventurados collegas.
Termino dizendo, que oxalá, como desejo e como creio, ss. ex.ªs sejam sensiveis á triste sorte dos venerandos e desditosos egressos, para a melhorarem tanto, quanto cabe no seu grande valimento e altas attribuições. Tenho dito.
O sr. Presidente: — Passa-se á ordem do dia.
O sr. Camara Leme: — Peço a v. ex.ª que consulte a camara sobre se me concede a palavra para um negocio urgente.
Vozes geraes: — Falle, falle.
O sr. Presidente: — Á vista da manifestação da camara, tem o sr. deputado a palavra.
O sr. Camara Leme: — São apenas poucas palavras que o dever da minha posição obrigam-me a pronunciar n'este momento.
Pelo paquete ultimamente chegado de Africa, veiu a triste nova de que havia apparecido a febre amarella na ilha de S. Thiago de Cabo Verde. Como não está presente o sr. ministro da repartição competente, não farei longas considerações, como o assumpto requer, mas peço aos seus collegas que assistem á sessão, que lhe recommendem que de prompto tome as medidas necessarias, a fim de que a epidemia não se communique ás outras ilhas.
Lembrarei a conveniencia de se mandarem alguns facultativos e medicamentos, pois, como se sabe, dois empregados do quadro de saude da provincia acham-se actualmente em Bissau; d'onde resulta o estar a população da cidade da Praia entregue só aos cuidados de dois facultativos, que não são os sufficientes para attenderem a todas as necessidades publicas, em presença de um mal tão assustador. Além d'isso o quadro de saude não está completo; mas quando mesmo se desse essa circumstancia, não era prudente abandonar n'esta conjunctura as demais ilhas do archipelago. Se fosse possivel mandar uma corveta estacionar no porto de S. Vicente, para servir de lazareto, seria essa uma providencia util, e um grande serviço áquelles povos, e conviria ordenar que todos os navios procedentes da Praia fossem fazer quarentena a S. Vicente, onde os passageiros encontrariam alguns commodos, e onde devem ser obrigados a quarentena antes de terem a livre pratica, para seguirem para as demais ilhas.
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Esta questão é gravissima, e confio que o sr. ministro a tratará como o exigem os principios do nosso seculo e da humanidade.
ORDEM DO DIA
O sr. Presidente: — Continua a discussão do projecto de lei n.° 8, que ficou adiado e que diz respeito á applicação de sobras nos differentes capitulos do orçamento do ministerio das obras publicas, com relação ao anno economico de 1867-1868.
O sr. Fradesso da Silveira: — Eu comprehendo a impaciencia da camara, que deseja retirar-se, e pela minha parte não hei de demora-la muito; mas parece-me que não será mal recebido pelos nossos constituintes, que nós occupemos o tempo de que podermos dispor, no exame e estudo dos negocios do estado (apoiados). Creio que os corpos constituintes não nos mandaram aqui senão para isso (apoiados) e portanto, apesar de fazer calor, creio que devemos conservar-nos aqui até ao fim da hora.
Esta impaciencia de nos retirarmos, esta falta de numero que eu com desgosto observo, creio que não é muito lisonjeira para o paiz, cujos interesses descurâmos, nem muita honrosa para a camara (apoiados)
Este projecto é analogo em alguns pontos a outros projectos que já se discutiram o votaram; mas ha certas differenças que deram logar a que eu dissesse n'esta casa, que me parecia indispensavel a presença do sr. ministro das obras publicas, porque essas differenças exigiam explicações que só s. ex.ª podia dar á camara.
Diz o governo no seu relatorio que a lei de 19 de julho de 1866 não estabelece preceito algum para transferir, de uns para outros artigos da despeza extraordinaria, as sobras que houver.
Este relatorio não foi apresentado pelo sr. ministro actual, foi apresentado pelo seu antecessor; mas o sr. ministro actual exigindo a discussão do projecto, toma uma certa responsabilidade, e como não fez ainda declarações, dá fundamento para que acreditemos que aceita as doutrinas que o relatorio da proposta apresenta.
Pelo menos, e já não é pouco, manifesta a sua approvação ao projecto e não demonstra repugnancia em approvar as asserções do relatorio que precede a proposta.
Ora, eu peço licença para justificar esta pobre lei de 19 de junho de 1866, que votei e que a camara tambem votou.
Diz-se que esta lei de 19 de junho de 1866 não determina preceitos para a transferencia de verbas de uns para outros artigos da despeza extraordinaria.
No artigo 1.° estabelece ella a despeza ordinaria; no artigo 2.° a despeza extraordinaria; e no artigo 6.° diz o seguinte: «A despeza faz-se em regra como é auctorisada para cada artigo do orçamento. Quando, porém, for indispensavel transferir uma ou mais verbas de um para outro artigo, dentro do mesmo capitulo, poderá levar-se a effeito a transferencia, etc.» Quando n'um artigo se diz, despeza ordinaria, quando n'outro se diz, despeza extraordinaria, e quando n'outro emfim se falla em despeza, isto quer dizer despeza ordinaria ou extraordinaria, e por consequencia não se póde dizer que a lei de 19 de junho de 1866 não estabelece preceitos, nem tambem a commissão de fazenda póde dizer que essa lei é omissa.
Conseguintemente, repito, aqui não ha omissão nem tambem falta o preceito necessario para a transferencia.
Se pois o projecto, que vamos votar, tem uma parte inutil, não é muito acertado que o corpo legislativo deixe passar o que é inutil nas leis, e aceite o que parece ou seja realmente superfluo (apoiados).
Ainda ha pouco discutimos um projecto similhante relativo ao ministerio da justiça, que se apresentou regular, com todos os esclarecimentos necessarios.
O ministerio dos negocios da fazenda pediu tambem transferencias; vieram já os esclarecimentos publicados no Diario, mas parece-me que esses não estão regulares, porque não indicam as sobras, não indicam as verbas d'onde saíram as sommas necessarias para pagar os excessos de despeza. Apesar d'isso a camara votou as transferencias.
Agora temos este projecto que de todos é o mais irregular. Eu desejo que a camara vote sabendo o que vota, e parece-me que o que se fez no ministerio da justiça se podia tambem fazer nos ministerios da fazenda e obras publicas...
O sr. Mathias de Carvalho: — E devia-se.
O Orador: — Não exijo outra cousa senão que haja toda a regularidade, e não me opponho ao projecto logo que esteja em termos de ser approvado.
Tambem desejo que se conheça a opinião da camara, e que igualmente seja ouvido o pensamento do nobre ministro das obras publicas sobre o assumpto que reputo mais grave, que é o que diz respeito á desnecessidade da lei em relação a uma parte, ao menos, das transferencias propostas.
Sr. presidente, se o fundamento que o governo e a commissão tiveram em vista foi a supposição de que a lei era omissa, eu evidentemente entendo que não é necessario que votemos uma lei, visto que não se encontra omissão de preceitos para a transferencia de verbas de uns para outros artigos da despeza extraordinaria (apoiados).
Os preceitos aqui estão. E portanto se o governo não precisa da lei é desnecessario insistir na discussão. Não teve occasião de dizer isto mais cedo, mas no caso do nobre ministro, se a tivesse tido, de certo não teria instado pela discussão. O nobre ministro entendeu o contrario.
O fundamento que o governo transacto apresentou foi a falta de preceito relativo á despeza extraordinaria; a commissão de fazenda conformou-se com o pedido do governo, e disse que = a lei era omissa! =
Mas, com relação a este ponto, tenho a dizer que aonde a lei não distingue ninguem póde distinguir (apoiados), e que o artigo 6.° da lei tanto se refere á despeza ordinaria como á despeza extraordinaria. Resta agora considerar outra parte do negocio.
Perguntará o nobre ministro, e perguntará bem, se a transferencia que se propõe é uma transferencia de capitulos ou de artigos? Porque se é de capitulos, não está o governo auctorisado para ella; se é de artigos, então está auctorisado. Aqui é que póde estar a difficuldade.
O nobre ministro póde dizer que não está, ou que não quer fazer uso da faculdade que a lei lhe dá.
A lei diz que = o governo póde obter a transferencia de uma certa maneira =.
Talvez que o sr. ministro não queira usar d'esse recurso, e portanto explica-se a vinda do projecto, ou a exigencia de que elle se discuta.
Mas se o sr. ministro não quer fazer uso da faculdade que a lei lhe dá, é preciso que o diga e indispensavel que o declare. Por outra parte se não é esse o motivo, supporá s. ex.ª que a despeza extraordinaria é um capitulo, ou que a tabella é constituida por uma reunião de capitulos? Essa questão temos do a ver agora resolvida pelas declarações que vamos ouvir de s. ex.ª, e tambem por uma votação da camara, que me parece de grande conveniencia para evitar futuras duvidas e abusos.
Eu entendo que a despeza extraordinaria é um capitulo composto de diversos artigos, e se são artigos diversos, como creio, está o governo auctorisado para fazer a transferencia.
Desde que se prova que a despeza extraordinaria constitue um capitulo, e que este capitulo é composto de differentes artigos, o governo não precisa d'esta lei que estamos discutindo.
O governo póde retirar a lei, a camara entrega-lhe o projecto, que póde levar em paz para casa, porque não precisa d'elle para nada. Mas se o contrario acontece, se os titulos são capitulos e não são artigos, então eu não tenho rasão e o governo precisa lei, porque sendo capitulos e não artigos o governo não póde sem lei fazer a transferencia.
Eu formulo talvez assim uma duvida que para mim realmente não é duvida, mas para outrem o será. As minhas convicções estão formadas, mas talvez o nobre ministro com rasões contrarias as destrua.
O principal motivo que tenho para fundamentar estas minhas convicções está, como disse, na legislação vigente.
Aqui vem nos diversos ministerios designados os varios capitulos a cada ministerio. Diz-se, por exemplo: ministerio da fazenda, dotação da familia real, côrtes, juros; no ministerio dos negocios estrangeiros, corpo diplomatico, corpo consular. Comprehendido tudo no ministerio debaixo do titulo geral — ministerio.
Chega-se á despeza extraordinaria acha-se: ministerio da justiça, obras publicas e marinha, collocados cada um destes ministerios como representados pela verba que está descripta n'um só capitulo do orçamento da despesa extraordinaria.
Desde que assim é, ou desde que isto seja assim, parece-me evidente que pela lei de 19 de junho de 1866 a despeza extraordinaria é um só capitulo, e que o governo está auctorisado a fazer a transferencia de que se trata sem precisar de lei para isso.
Ouvirei as explicações que o nobre ministro das obras publicas de certo vae dar, e peço a v. ex.ª que me reserve a palavra para depois d'essas explicações.
O sr. Ministro das Obras Publicas: — Como v. ex.ª sabe, este projecto tinha sido apresentado pelo meu antecessor; e o illustre deputado que acaba de fallar mostrou as rasões que se podiam dar para o meu antecessor entender que a transferencia era de capitulo para capitulo, e não de artigo para artigo, como parece entender o illustre deputado. É este o motivo: o governo apresentou aqui este projecto, porque entendeu que a transferencia era de capitulo para capitulo, e sendo assim tinha necessidade d'elle.
Se se entrasse na discussão das differentes verbas, ou estava perfeitamente preparado com os precisos esclarecimentos para dar os que fossem necessarios á camara; mas não tenho presente o mappa dos capitulos, pelos quaes se fez a transferencia, por isso não posso dizer mais nada.
O sr. Fradesso da Silveira: — Do discurso do nobre ministro o que pude apenas concluir é que s. ex.ª entende que a transferencia é de capitulo para capitulo. S. ex.ª entende o mesmo que entendeu o seu antecessor. Mas o seu antecessor, se estivesse ainda no ministerio, havia de explicar e fundamentar a sua opinião; e quem insiste por que se discuta, occupando agora esse logar, deve apresentar as rasões que tem para adoptar a opinião que manifesta. O nobre ministro tem a opinião de que o projecto deve ser approvado; mas a minha opinião, a opinião que apresentei ha pouco, tem fundamentos, e creio que será bom destrui-los para que seja possivel a approvação que se pede.
Eu considero em um capitulo todas as despezas extraordinarias de cada ministerio, e digo a rasão por que assim o julgo: parece-me que não é ser muito exigente pedir ao nobre ministro das obras publicas que apresente as rasões contrarias com que possa destruir as minhas. Não creio que abuse reclamando ou pedindo que se removam com argumentos serios as duvidas por mim adduzidas.
O orçamento está organisado de maneira que os capitulos de cada ministerio apparecem distinctos, e quando se chega á despeza extraordinaria apparecem os ministerios como que designando capitulos. E não pense a camara que por estarem reunidas ali diversas verbas com applicações muito variadas, não tem logar considera-las em um só capitulo. O nobre ministro tem exemplo no seu proprio orçamento, em capitulos que comprehendem verbas muitissimo distinctas. Veja s. ex.ª o capitulo 11.º do seu orçamento, e achará que elle comprehende nada mais, nada menos do que isto — monumentos historicos, levada do Juncal, canaes da Azambuja, officiaes em commissão, subsidios a companhias e estudos fóra do reino. Tudo isto está comprehendido em um só capitulo, e não é motivo para estranheza que um capitulo só comprehenda tantos assumptos.
Mas note v. ex.ª que n'esta estão envolvidos principios e preceitos, que deve cuidadosamente apreciar quem administra a fazenda do estado. Não convem de fórma alguma ao paiz e á camara que continue este vago e indefinido que se nos apresenta; convem que fixemos as cousas como ellas devem ser.
A despeza extraordinaria é um capitulo ou não? Se o governo a considera distribuida em capitulos, na tabella respectiva do orçamento, correspondendo a cada ministerio um capitulo, é preciso que o sr. ministro claramente se explique.
Outra nova questão apparece depois d'esta, que não vejo ainda resolvida.
Temos despezas ordinarias e extraordinarias no orçamento, e esta transferencia que se pede é só quanto á despeza extraordinaria? Está o governo seguro de que o que nos pede é, como affirma, em relação á despeza extraordinaria?
Estimaria que o governo dissesse se era a transferencia da despeza extraordinaria só o que se pedia. Está o governo seguro de que seja só a transferencia de despeza extraordinaria, e não haverá aqui verbas de despeza ordinaria?
N'este ultimo caso tudo se transforma e complica.
Quando alguem assume uma responsabilidade qualquer, é preciso que saiba medir todo o alcance da responsabilidade, e que se colloque bem na situação que lhe compete. Nós temos necessidade de considerar agora a questão, tomando a responsabilidade que a commissão de fazenda já tomou, quando concedeu o seu voto á proposta de lei que o governo apresentára. Que significação tem o projecto da commissão? Quaes são os fundamentos d'elle? Qual é a verdade dos factos? Procuro e encontro o que acabo de dizer á camara. Não é para muita satisfação!
Para a despeza extraordinaria não acho motivo em que o governo se funde para exigir a discussão d'este projecto. Se se trata da despeza ordinaria e extraordinaria ao mesmo tempo, então o projecto não presta, não está bom e ninguem o póde votar.
Eis aqui a situação em que nos deixam, porque o governo apenas póde justificar-se, e não se justifica, dizendo o que não diz, isto é, declarando que não quiz usar da faculdade que a lei lhe concede.
E ainda assim esta proposta de lei devia vir á camara muito documentada. Se ha propostas que devam vir muito documentadas são estas.
Ainda na sessão anterior o sr. ministro da fazenda apresentou alguns documentos, que eu já declarei insufficientes, mas note-se que vieram por serem exigidos.
Os que se publicaram ha pouco no Diario de Lisboa, relativos ao projecto de que se trata, foram tambem exigidos; não vieram acompanhando a proposta e não são sufficientes porque não designam as sobras. Apenas os documentos relativos ao ministerio da justiça vieram juntos á respectiva proposta de lei. Ainda bem que assim succedeu.
Pois o que é necessario é que as propostas de lei tragam todos os documentos, porque eu não sei como as commissões podem dar parecer sobre os negocios sem terem visto todos os documentos que se referem a esses negocios. Não sei como é possivel dizer que o governo fica auctorisado para effectuar uma certa transferencia, quando se não sabe se ha sobras, d'onde ellas procedem e como podem ser applicadas ás faltas.
Quando tudo isto se ignora, eu não sei como se póde dar tão de prompto um parecer e como se póde aceitar a responsabilidade que se aceita.
E, seja dito com franqueza. A responsabilidade não é do actual sr. ministro das obras publicas, que tão laconico é nas suas explicações. A iniciativa d'este negocio foi do antecessor de s. ex.ª, que trouxe esta proposta á camara, e agora o actual sr. ministro apresenta-a com uma necessidade do serviço do seu ministerio. Nenhuma censura lhe póde por este motivo ser dirigida, mas o que não posso deixar de pedir a s. ex.ª é que me faça a mercê de dar a sua opinião sobre se a despeza de que se trata é toda extraordinaria ou não é.
Se eu tivesse de entrar na discussão de varios pontos a que se referiu um illustre deputado, teria muito que dizer. Alguns dos oradores que já fallaram n'esta questão referiram-se especialmente á verba que se gastou com a exposição de París. A este respeito direi que a responsabilidade n'esta parte não é nem do sr. ministro das obras publicas actual nem dos seus antecessores; a responsabilidade é realmente da camara.
Na occasião em que se discutiu aqui o projecto para a dotação de 50:000$000 réis apresentei eu propostas que a camara não attendeu, e o resultado é este. Com isto não quero censurar ninguem, mas apenas recordar o que aconteceu. A camara não quiz attender nem approvar as propostas que então lhe foram presentes, e o resultado foi gastar o paiz mais do que podia, podendo ter gasto menos e ganhar mais. É isto o que eu quero registar.
Segue-se d'aqui que os governos não procedem muito bem quando desprezam tudo quanto parte de certo lado da camara, ainda que a opposição d'esse lado se manifeste claramente. Um governo sensato e prudente aproveita muitos alvitres que sejam lembrados pela opposição, quando julga que são bons, assim como as opposições não devem rejeitar tudo quanto o governo propõe. Tanto nas propostas do governo como nas da opposição ha de haver alguma cousa de aproveitavel. Esta é a verdade.
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Nada mais digo a este respeito. Sobre uma certa briga que ha entre o ministerio das obras publicas e o do reino, tambem nada agora direi senão que desejo que ao menos em fevereiro proximo os actos praticados pelo governo actual, tenham dado base a formar-se um juizo seguro sobre as tendencias dos dois ministerios. É preciso acabar por uma vez com as questões de competencia, porque produz um pessimo effeito nas provincias, que as portarias do sr. ministro do reino estejam em perpetua briga com as portarias do sr. ministro das obras publicas. No meio da tal briga não sabem as auctoridades o que devem fazer!
Tenho concluido.
O sr. Sá Nogueira: — Pedi a palavra sobre a ordem para mandar para a mesa um additamento que tem por principal fim ficar consignada nas actas d'esta camara a minha opinião como deputado (leu).
É necessario fazer differença entre despeza extraordinaria que não estava auctorisada e transferencia. São duas cousas inteiramente differentes. A despeza extraordinaria regularmente é aquella que não póde ser prevista e as circumstancias obrigam a fazer, e a transferencia é dispor de uma verba que estava destinada para um fim e n'um certo capitulo, e applica-la para outro fim e n'outro capitulo. Mas esta transferencia não auctorisa a que se gaste mais com o capitulo para que se fez a transferencia, do que a quantia que estava votada para elle. São cousas absolutamente distinctas. Escuso de tomar tempo á camara com estas differenças, eu já disse sufficientemente como entendia esta questão, quando n'outra occasião se discutiu este projecto, e por consequencia só direi, que o que se nos pede não é só a auctorisação da transferencia, pede-se tambem que approvemos despezas que estavam no orçamento, para as quaes o orçamento tinha fixado verbas, e que se excederam, não se respeitando a lei. Eis-aqui esta o que se pede.
Ora, uma d'essas verbas é a da despeza feita com a exposição de París. A lei tinha fixado 50:000$000 réis para essas despezas. Gastou-se muito mais, e este excesso de despeza é que entendo que não devemos approvar, porque é preciso primeiro que se justifique para se poder approvar.
Esquecia-me ainda uma circumstancia.
O sr. ministro das obras publicas declarou que trazia ali os documentos necessarios para justificar essa despeza, eu pediria a s. ex.ª que fizesse publicar esses documentos, assim como a relação das despezas feitas com o pessoal do ministerio das obras publicas.
Mando a minha proposta para a mesa, e não direi mais nada.
É a seguinte
Proposta
Não se comprehende n'esta auctorisação o excesso da despeza com a exposição universal de París. = Sá Nogueira.
Foi admittida.
O sr. Santos e Silva (por parte da commissão de fazenda): — Cumpre-me fazer algumas observações em resposta aos argumentos produzidos pelo sr. Fradesso da Silveira, sensatas como costumam sempre ser, porque a camara reconhece a sua competencia em todos os negocios de fazenda.
O primeiro argumento de s. ex.ª consistiu em affirmar que o governo não precisava de similhante projecto de lei para o auctorisar a fazer transferencias de artigo para artigo na tabella da despeza extraordinaria, por isso que na lei de 19 de junho existe essa auctorisação.
O que é facto é que no artigo 6.° da lei de 19 de junho de 1866 não se menciona se as transferencias de uns artigos para outros, que ella faculta, dizem respeito á despeza ordinaria simplesmente, ou se se applicára tambem á extraordinaria. A lei é omissa n'este ponto. O antecessor do nobre ministro das obras publicas, o sr. Canto, entendeu que o artigo se referia exclusivamente á despeza ordinaria. Com essa interpretação conformou-se a commissão de fazenda o o actual sr. ministro das obras publicas, que assumiu a responsabilidade d'este projecto. É este o estado da questão (apoiados). Não affirmo que esta interpretação seja a mais authentica. Effectivamente attentando no modo por que estão redigidos os artigos da lei, e confrontando uns com outros, póde sustentar-se a opinião do sr. Fradesso. Á letra da lei parece não repugnar a opinião de s. ex.ª, mas eu duvido que ella seja conforme ao seu espirito. Em todo o caso afigura-se-mo que não haveria grande erro em seguir qualquer das duas opiniões. Pela minha parte não me repugnaria ser da opinião de que o governo esta auctorisado para fazer transferencias não só nos artigos de qualquer capitulo da despeza ordinaria como tambem nos artigos de cada capitulo da despeza extraordinaria.
Todavia o que nós não devemos censurar são os escrupulos que por parte de qualquer governo se possam apresentar a este respeito (apoiados). Quando um ministro vem dizer ao parlamento: «Tenho duvida; não quiz por mim, como mostro pela proposta que apresento ás côrtes, interpretar, de uma maneira lata, um artigo da lei que me dá certas auctorisações; venho pedir uma interpretação authentica; receio que me accusem de qualquer abuso; a doutrina da lei não é tão latitudinaria, como á primeira vista parece»; similhante procedimento, que é eminentemente constitucional, entendo que não póde nem deve ser censurado (apoiados).
Póde-se e deve-se censurar um governo, porque interprete latamente uma lei, a respeito de auctorisações, que lhe são concedidas, mas censurar aquelle que tem duvidas em ampliar, em forçar o sentido de qualquer lei, não me parece curial (apoiados).
Sobre este ponto nada mais tenho a dizer, e creio que o nobre deputado, o sr. Fradesso, deverá ficar satisfeito.
A outra questão do sr. Fradesso, é = se os titulos ou designações da tabella da despeza extraordinaria representam diversos capitulos, ou simplesmente artigos =. Se representam diversos capitulos, esta claro que procede o pedido de auctorisação do projecto que esta em discussão. Mas se representam apenas artigos de um só capitulo, o sr. Fradesso, firme nos argumentos a que eu já respondi, julga inutil o projecto, porque suppõe applicavel á despeza extraordinaria o artigo 6.° da lei de 19 de junho de 1866.
N'este ponto ainda estou menos de accordo com o illustre deputado. As designações da tabella da despeza extraordinaria não indicam se são capitulos especiaes ou artigos de um só capitulo. N'este caso de duvida ou de omissão, eu acho mais constitucional que um ministro considere as taes designações antes capitulos do que artigos (apoiados). Póde haver n'esta interpretação escrupulo exagerado, mas não ha o perigo de abuso, e em todo o caso é uma homenagem louvavel prestada ao podér legislativo pelo poder executivo (apoiados). O que é necessario, sr. presidente, é fazer para o futuro orçamentos ordinarios e orçamentos extraordinarios, em bases serias, claras e simples (apoiados).
Se olharmos bem para a tabella e orçamento da despeza extraordinaria, parece-me que no actual estado de cousas acertará melhor quem chajnar capitulo a cada designação. Ha verbas ali inteiramente dessimilhantes, e que não guardam a analogia ou harmonia necessaria entre os artigos de um mesmo capitulo. Isto é innegavel.
O que é facto é que das considerações apresentadas pelo sr. Fradesso não póde derivar censura para o antecessor do sr. Calheiros, cuja responsabilidade em todo o caso s. ex.ª partilha n'este projecto que perfilhou.
Ha ainda outra questão. E a de saber se aqui ha despeza ordinaria, misturada com despeza extraordinaria. N'um caso procede o pedido, e n'outro caso não procede o pedido, diz o sr. Fradesso.
Mas s. ex.ª não se quiz dar ao trabalho de demonstrar se ha n'este projecto a tal mistura ou confusão da despeza ordinaria com a extraordinaria. Emquanto o não fizer, ninguem é obrigado a responder-lhe ou a justificar-se.
De passagem direi a s. ex.ª que me parece labora num notavel equivoco. Se as designações da tabella são artigos de um só capitulo o não capitulos diversos; se a lei auctorisa as transferencias de artigos da despeza ordinaria, como é indubitavel; se, na opinião de s. ex.ª, a mesma lei de 19 de junho estende a sua acção aos artigos da despeza extraordinaria, é evidente que segundo o seu modo de ver, o pedido do governo não procede em caso algum (apoiados).
• À questão valerá muito pela pessoa que a levantou, mas não me parece merecer mais detalhada discussão.
Quanto á moção apresentada pelo sr. Antonio Cabral de Sá Nogueira, em que s. ex.ª propõe que d'esta auctorisação seja excluida a verba que diz respeito á exposição universal de París, não a posso aceitar em nome da commissão de fazenda.
N'esta auctorisação comprehendem-se differentes verbas. Ha as verbas que se referem á exposição universal de París, as que dizem respeito á repartição de pesos e medidas, as do abastecimento das aguas da capital e as de viação, o outras obras publicas, em que se gastaram a mais cento e tantos contos de réis. E sabe se perfeitamente que este ultimo excesso de despeza foi devido ao estado de terror e miseria que invadiu parte do nosso paiz quando tinhamos diante dos olhos um anno desgraçado, que se julgava escassíssimo de producção, e que felizmente foi o contrario daquillo que n'esse tempo toda a gente previa.
O sr. ministro das obras publicas de então entendeu dever dar grande desenvolvimento aos trabalhos publicos, porque havia milhares de braços desempregados e a lutar com a fome. E comquanto eu não seja dos mais propensos a absolver os excessos do poder, entretanto quando os abusos são d'esta ordem, quando têem por fim dar emprego a braços desoccupados, a sustentar familias por meio do trabalho, a conjurar as crises da fome, que são as mais horrorosas, e a dar maior desenvolvimento ás obras publicas, direi sempre: feliz culpa, se culpa é (apoiados).
Por consequencia, sem de maneira nenhuma querer dizer que hei de relevar sempre todas e quaesquer illegalidades que os governos pratiquem, quando vir que procedem por motivos d'esta natureza hei de ser sempre facil em os absolver (apoiados).
Emquanto á despeza a mais com os pesos e medidas, o sr. Fradesso da Silveira, homem competentissimo n'esta questão, porque é chefe da respectiva repartição, não tocou n'ella; foi por esquecimento, talvez. Mas a camara sabe, pela nota que foi mandada para a mesa, que essa despeza não foi mais do que um adiantamento feito pelo governo, e que esta coberto pelo producto das aferições (apoiados). E esta tambem coberta a despeza a mais feita com o abastecimento das aguas pelo producto das sommas que os consumidores têem pago (apoiados). A nota é bastante explicita a este respeito, e tira todas as duvidas (apoiados).
Pelo que toca á despeza feita com a exposição universal de París, esta claro que o governo excedeu a auctorisação que tinha no orçamento. O governo tinha uma auctorisação de 50:000$000 e gastou 73:000$000 réis...
Uma voz: — Por causa da installação.
O Orador: — Por essa e por outras causas, a que foi forçoso attender, como se vê da nota explicativa das despezas.
Ora, pergunto eu, quer a camara approvar esta despeza a mais? Quer legalisada? Quer dar este bill de indemnidade ao governo ou não quer?
A camara faça o que entender. Não hei de ser eu que hei de estar aqui a justificar todas estas verbas despendidas a mais. Esta tarefa pertence ao governo. Faltam-me elementos e dados para poder argumentar. Ninguem os póde conhecer melhor do que o actual governo, e principalmente o sr. Calheiros, pela pasta que gere.
Não fica mal a um ministro defender, em pontos taes, os seus antecessores.
Não sei se todas estas despezas foram necessarias, indispensaveis, fataes. O que poderei afiançar, é que não foram inuteis e perdidas (apoiados). Nunca se perde o que se gasta em assumptos de tal ordem (apoiados).
Podem censurar-se as facilidades com que se fazem certas despezas, em presença de umas finanças arruinadas, mas desde que fomos espontaneamente occupar uma cadeira no congresso da civilisação universal, desde que o parlamento portuguez, apoiando o pensamento do governo, lhe deu meios para figurarmos honrosamente na communhão industrial do todos os povos, nós não podemos nem devemos estar hoje a regatear 20:000$000 réis que já foram pagos e que é preciso legalisar (apoiados).
As despezas foram feitas, e devem estar documentadas; é necessario legalisadas, porque de outro modo não se póde fazer o encerramento regular das contas (apoiados).
Não tenho pretensões algumas a convencer a camara das minhas opiniões. Acho inaceitavel o estarmos a fazer amputações n'este projecto. Se ha excessos da auctorisação n'umas verbas, tambem os ha n'outras. Se umas merecem approvação, tambem as outras a devem merecer.
Visto que todas as despezas foram feitas, e estão legalmente documentadas, o, mais curial, o mais digno para a camara, é approvadas. E esta a minha opinião. A camara procederá como entender.
Repito e concluo: sem poder affirmar que foram indispensaveis todas as despezas feitas com a exposição de París, é convicção minha que não serão desaproveitadas (apoiados).
O paiz ha de ir colhendo lentamente os beneficos resultados d'estes sacrificios pecuniarios, que eu considerarei sempre despezas reproductivas, quando são sensatamente feitas o convenientemente applicadas (apoiados).
O sr. Cortez: — Mando para a camara estes esclarecimentos para que v. ex.ª tentia a bondade de os mandar publicar no Diario de Lisboa. São muito importantes e podem-nos guiar n'esta discussão.
O sr. Fradesso da Silveira: — Não desejo que se conclua das observações que fiz ha pouco, que de algum modo quiz dirigir censura a um ou outro governo, porque gastou em obras publicas mais algum dinheiro, sendo necessario. Nós temos necessidade de applicar meios para as obras publicas, e necessidade de fazer sacrificios para esse fim; o que eu desejo é que se façam regularmente. Não podemos deixar de applicar toda a nossa attenção ás vias de communicado. Faltam-nos ainda 2:500 kilometros de estradas de 1.ª urdem, o temos necessidade de empregar cerca de réis 10.000:000$000 para esse fim. Não temos estradas districtaes, nem municipaes, estão todas ainda por fazer (apoiados).
Já se vê que eu não podia de modo algum, com as considerações que apresentei, dar a entender, sequer, que fazia censura a quem quer que fosse, porque tivesse applicado mais alguns fundos a obras publicas, quando entendo que não podemos saír do estado em que estamos sem obras publicas, quando fundo as minhas maiores esperanças no largo desenvolvimento da viação, o depois de ter eu já lamentado aqui a resolução pela qual o nobre ministro manifestou as suas tendencias, em relação a obras mandando suspender algumas (apoiados).
Repito, nós precisâmos pelo menos de 10.000:000$000 réis para estradas de 1.ª ordem; e não podemos dedicar-nos á construcção de todas estas estradas de 1;* ordem sem nos applicarmos á construcção de muitas estradas districtaes, que facilitem o transporte dos generos de uns pontos para outros, cortando as enormes difficuldades com que os povos hoje lutam, e que só desapparecer quando poderem gosar das vantagens de uma circulação facil o menos despendiosa e arriscada (apoiados).
Usei pois da palavra para justificar ou explicar as poucas considerações que fiz ha pouco sobre este ponto, e para que se não deduza do que eu disse que tivera em vista accusar o governo por ter gasto em obras publicas mais alguma cousa. Eu referia-me apenas, e sómente me referi, ás irregularidades da proposta, do projecto, do relatorio, e do mais que se apresentou aqui.
Agora, quanto ao assumpto, devo dizer a s. ex.ª que estou ainda convencido de que o nobre ministro não precisa da auctorisação da camara, e estimo bem que assim seja, porque evidentemente a camara já não lh'a podia dar. A escripturação soffreria muito, haveria atrazo na contabilidade geral, e agora já não ha, porque s. ex.ª fica auctorisado, sem que a camara tenha necessidade de votar o projecto, o que seria agora impossivel, visto que não ha numero. O governo porém não fica em embaraços, porque resolvendo pelos meios que eu indiquei, tem acabado com todas as difficuldades, e tem chegado, sem a lei, ao ponto a que pretendia chegar conseguindo que ella fosse approvada.
Não quero occupar por mais tempo a attenção da camara, e portanto aqui termino, por este anno, as minhas observações.
O sr. Gavicho: — Não tomarei muito tempo á camara, e limitar-me-hei a fallar sobre algumas duvidas que se apresentaram quanto á approvação d'este projecto.
A primeira é sobre se o governo precisava ou não d'esta auctorisação, porque na despeza extraordinaria ha certos artigos que podem considerar-se como despeza ordinaria. Entrou-se em duvida se isto é assim, e no caso de duvida, cá esta o parlamento para decidir. Muito bem fez pois o governo em trazer a questão ao parlamento, e é preciso, e mesmo conveniente, que este resolva.
Outra duvida é sobre a despeza que se fez com a expo
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sição de París. O illustre deputado o sr. Sá Nogueira approva todas as outras despezas extraordinarias de que trata este projecto, mas não approva a que se fez com a exposição de París.
O motivo que s. ex.ª dá para approvar as outras verbas é porque ellas se gastaram em virtude de casos de força maior. Ora, eu direi a s. ex.ª que, em relação á exposição de París, tambem se póde dizer que se deu, de' certo modo, caso de força maior. A despeza principal que se fez foi com a installação. Eu tenho aqui uma nota, que vou mandar para a mesa, da despeza que se tem feito com a instalação nas differentes exposições (leu).
Por aqui se vê que, só com o edificio para a installação dos nossos productos, se gastaram os 50:000*000 réis que estavam votados, e ainda não chegaram. Agora é preciso que se saiba que o edificio da nossa exposição era digno de se enfileirar entre os dos outros paizes, e não censuro o governo por isso; n'estes casos, ou se não vae á exposição ou se ha de fazer boa figura.
O parlamento podia dizer: «não queremos exposição», mas quando o parlamento diga: «vamos á exposição e auctorisâmos o governo a gastar para esse fim 50:000$000 réis», o governo não devia levar o paiz a fazer uma figura triste, deixando de fazer o que outras nações fizeram; e mesmo assim, ao lado do nosso edificio manuelino, que aliás mereceu as attenções e. os gabos de todos, estavam outras nações fazendo mais do que nós fizemos.
Nas exposições de Londres em 1855 e 1862 não tivemos necessidade de fazer senão a pequenissima despeza de réis 9:000$000, mas para a ultima exposição de París reconheceu-se que era preciso auctorisar o governo a despender 50:000$000 réis, e um caso de força maior obrigou o governo a gastar uma quantia superior áquella para que estava auctorisado, para não fazermos uma figura que nos deslustrasse.
O parlamento póde dizer: «não concedo este bill de indemnidade», e será isso o primeiro passo para uma lei de responsabilidade de ministros, segundo já ouvi dizer ao illustre deputado que se me vae seguir; póde, mas deve lembrar-se que a despeza esta feita, foi feita em proveito do paiz, foi feita para que apparecessemos convenientemente n'uma exposição como a de París, e haveria rigor de mais se não votasse um projecto, cuja approvação é indispensavel para regularidade das contas.
Prometti não fallar mais de cinco ou seis minutos, e por isso concluo aqui, mandando esta nota para a mesa, e declarando que voto este projecto.
O sr. Freitas e Oliveira: — Sr. presidente, não indago, nem quero saber se este projecto é da iniciativa do governo actual, ou do seu antecessor, ou ainda de outro. Se for justo hei de approva-lo, e não o reputando conveniente nem justo, hei de rejeita-lo.
Declaro a v. ex.ª desde já que o rejeito, ainda que ha de parecer absurdo este voto de rejeição desde que se diz que a despeza esta feita, e sobretudo que esta feita n'um paiz estrangeiro.
Uma voz: — De mais a mais esta paga.
O Orador: — Então já não é tão absurdo o meu voto de rejeição, porque o unico inconveniente que podia haver era a vergonha de se não pagar a despeza feita. Como a despeza esta paga, o inconveniente que eu reputava maior acabou.
Eu entendo que a camara rejeitando este projecto, e creio que foi a isto que alludiu o sr. Gavicho, praticava um acto muito conveniente, porque dava um passo para a responsabilidade ministerial.
Nenhum ministro em qualquer circumstancia se atreveria, depois d'este voto, a despender em qualquer ramo de serviço publico mais do que a camara lhe tivesse votado, salvo o caso de força maior; e na exposição de París não havia este caso do força maior para se gastar mais do que estava auctorisado.
O sr. Gavicho: — Em mais de 50:000$000 importou só a installação.
O Orador: — Mas não devia importar.
Não quero fazer censura ao parlamento que votou essa auctorisação, nem ao governo que a propoz, mas eu votaria antes para que se não fosse a exposição alguma, porque quem não tem que expor não vae expor para não passar por uma vergonha. Portanto eu votaria contra.
O parlamento porém votou essa auctorisação de réis 50:000$000, quantia que julgou sufficiente para fazermos a figura que nos convinha como povo industrial, que entendeu que somos, mas eu creio que votou de mais, que foi generoso n'essa auctorisação, e que ella se não devia exceder.
O meu voto agora é inteiramente intencional. Voto contra este projecto na intenção de que, se a camara me acompanhasse, daria um passo para a responsabilidade ministerial, sem o que não ha regimen representativo. Sem ella o que isto continua a ser é um governo absoluto, sem tirar nem pôr. Tenho dito.
Vozes: — Votos! Votos!
Outras vozes: — Não ha numero.
Verificou-se que não havia numero na sala..
O sr. Presidente: — Está fechada a sessão.
Eram quasi quatro horas da tarde.