1768 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
muito caro ao paiz! (Apoiados.} Nós nunca dissemos isto, nem a nossa imprensa nunca tal affirmou; mas quando um jornal, de tanto valor o declara, é que lá sabe como lhe pecaram.
Por conseguinte não foi esse jornal, foi sim o jornal inspirado do sr. Luciano de Castro que fez com que vote as sessões nocturnas, depois de as ter combatido em nome da gravissima inconveniencia que havia para o paiz em se votar a grande totalidade de projectos de lei que o governo appresentou, porque se esses projectos representam grandes encargos para o thesouro e muitos d'elles, só o interesse de terceiro!
Eu vou ler este jornal do sr. Luciano de Castro, que apresenta o seguinte facto. Peço a attenção de v. exa. e sobretudo peço ao sr. presidente do conselho a fineza de attender a isto para que seja sentinella vigillante do seu jornal ao menos.
(Pausa.)
Eu não continuei o meu discurso, emquanto v. exa. estava conversando, porque eu estou fallando a favor das sessões nocturnas, e devo dizer que foi este jornal a visão luminosa que mo appareceu na estrada de Damasco.
E v. exa. bem vê, que quando se converte com um artigo do jornal a opinião de um adversario tem-se conseguido um facto, digno de reparo na historia das conversões politicas.
Diz o articulista que escreveu no Correio da noite.
(Leu.)
Não é d'estas luvas que elle vae fallar, é d'outras, de pellica; mas ficar se-ha percebendo pela leitura d'este reclame, se isto não fosse um disparate, que com luvas é que se obtiveram os melhoramentos do porto de Lisboa, é que se obterão as concessões dos caminhos de ferro, ou outras quaesquer identicas, que na nossa terra são sempre, diz o jornal, arranjadas por este meio.
Quando o sr. Luciano de Castro, elle que é a sentinella vigilante do gabinete, permitte que no seu jornal se diga que é com luvas que se arranjam estas concessões, claro é que essas luvas são moralissimas, é uma cousa innocente, corrente, que está, por assim dizer, convertida n'um modus faciendi d'aquelle gabinete. Parece que isto é assim, já que não ha duvida em se publicar n'um jornal governamental. Foi este facto que me dispoz a favor das sessões nocturnas. (Riso.)
As sessões nocturnas são indicadas, unica e exclusivamente, pela necessidade de fazer votar os seguintes projectos de lei. O projecto sobre Leixões, já se vê, se isto é verdade, com as luvas respectivas, para quem arranjar o negocio. Eu calculo que o freguez será o sr. Marianno dê Carvalho, que é quem tem de adjudicar. (Riso.)
O projecto do caminho de ferro do sul e sueste. Calculo ue serão dois os servidos e dois os pares de luvas ou duas luvas, uma para cada mão. (Riso.)
(Interrupção do sr. Oliveira Matos que não se percebeu e do mesmo modo a resposta do orador.)
Ha de haver por consequencia mais difficuldade n'este projecto por terem de se dar dois pares de luvas...
O sr. Oliveira Matos: - Peço a palavra para explicações.
O Orador: - ... ou se se der uma para cada mão talvez os beneficiados não ficarão satisfeitos.
Concessão dos alcools. Estas luvas devem ser de inverno, boas e pesadas. (Riso.) Aqui é com o sr. Marianno, que ha de dar o monopolio dos alcools e receberá as luvas de que falla o jornal do sr. Luciano de Castro.
Em nome de todas essas concessões, com luvas ou sem luvas, eu entendia que era uma altissima immoralidade o obrigar-se o parlamento a abdicar completamente do seu direito de fiscalisação para votar estes projectos de lei, e oppunha-me conscienciosamente, não por espirito de obstruccionismo, não para difficultar a acção do governo, mas sim para evitar ao paiz maiores desmandos do que os
praticados na sessão anterior, oppunha-me a que houvesse sessões nocturnas por confiar em que a simples discussão serena, sem protestos violentos contra as medidas que poderiam ser discutidas em sessões diurnas, seria bastante para evitar ao paiz muitissimos desgostos e uma grande ruina. (Apoiados.) Mas como tudo está mudado, e como fazer negocios com luvas não é já um negocio immoral, porque isso se apregoa em jornaes do governo, eu quasi estou em pedir a v. exa., era vez dê sessões nocturnas, nos de sessões matutinas, de tarde e á noite, para que isto, esta feira franca de todas as negociatas termine rapidamente. (Apoiados.)
Eu bem sei que estas palavras, ou passam despercebidas como protesto individual, ou não impressionam já o espirito do publico; mas o papel do parlamento, que tanto se pretende querer desacreditar, é importante ainda hoje, e nós estamos fazendo ao paiz o maior serviço que parlamento algum tem feito. (Apoiados.)
Não é o parlamentarismo que está decadente; o que está decadente é a moralidade do governo, porque são os governos immoraes que tornam os parlamentos insoffridos, impacientes, e violentos. (Apoiados.)
Nós tambem não queremos demover a maioria. A maioria ha de votar tudo que o governo entenda ser preciso. Emquanto as maiorias não forem a expressão da vontade popular, mas sim o producto de vontade do gabinete, ha de ser assim.
O contrato é bilateral. O governo da e os senhores recebem. E cada um por sua vez salda as suas dividas.
Eu não appello para a maioria, porque, se appello para ella, individualmente são meus amigos, não tenho de lhes fazer appellos nem doestos. Se appello para ella, como particula do mechanismo constitucional, não acredito n'ella, porque é uma ficção constitucional.
Por consequencia os meus protestos são só contra o governo.
E, sr. presidente, a respeito d'isto, que eu reconheço que é perfeitamente exacto, eu sou pelas sessões nocturnas, porque quanto mais depressa melhor.
Nós estamos condemnados a esta immoralidade; pois então bebamos o copo d'esta triaga o mais depressa possivel.
O governo não póde viver sem mais esta immoralidade, esta corrupção, este baixo producto das suas combinações tenebrosas, faça-se, mas vamos-nos embora o mais depressa possivel. E sabem porque? Porque eu sou d'aquelles que acreditam que o governo ha de pagar a cada um dos seus credores, e se temos de votar tudo isto em sessões interminaveis e em sessões permanentes, voto as sessões nocturnas.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem.
Leu-se na mesa a seguinte:
Moção de ordem
A camara, reconhecendo que o governo tem muitos projectos que, com a devida fiscalização do parlamento, não teriam probabilidades de serem convertidos em leis, abdica do seu direito de larga discussão em favor do governo e passa á ordem do dia. = José de Azevedo Castello Branco.
Foi admittida.
O sr. Presidente do Conselho de Ministros (José Luciano de Castro): - Manda para a mesa duas propostas de lei:
l.ª Declarando de utilidade publica e urgente as expropriações dos predios rusticos e urbanos comprehendidos nas zonas que forem necessarias á camara municipal de Lisboa para construir o parque da Avenida da Liberdade e ruas adjacentes, e para á abertura da avenida das Picoas ao Campo Grande e ruas adjacentes.
2.ª Auctorisando o governo a conceder á companhia do gaz de Lisboa que o material de canalisação e os apparelhos