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N.º 10
SESSÃO DE 17 DE MAIO. 1855.
PRESIDENCIA DO SR. SILVA SANCHES.
Chamada: — Presentes 81 srs. Deputados
Abertura: — Ao meio dia. Acta: — Approvada.
O sr. Mello e Carvalho: — Tendo por causa de doença, deixado de comparecer ás sessões da camara, não assisti á votação das medidas legislativas promulgadas durante a dictadura, e como é esta a primeira vez que venho á camara depois que tem logar essa votação, mando para a mesa a seguinte
DECLARAÇÃO DE VOTO — «Decimo que se estivesse presente na sessão de 25 de abril de 1853, em que por votação nominal foi approvado o parecer da commissão especial sobre os actos da dictadura, o meu volto era pela sua rejeição, em conformidade com a minha proposta apresentada na sessão de 0 do mesmo mez. — Mello e Carvalho.
Mandou-se lançar na acta.
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CORRESPONDENCIA.
Declarações: — 1.ª Do sr. Bivar, de que não compareceu a sessão de hontem por incommodo de fraude. — Inteirada.
2. Do sr. J. A], de Andrade — de que o sr. J E. de Magalhães Cominho, não póde comparecer hontem á sessão, não vem hoje, e faltará ainda a mais algumas sessões, por motivo de molestia — Inteirada.
Officios: — 1.º Do ministerio da guerra, dando as informações que lhe foram pedidas sobre as quantias distractadas do monte pio, e as que restam a disstractar. — Á commissão de fazenda.
2. Do mesmo ministerio acompanhando uma nota da importancia dos vencimento- dos officiaes militares, e empregados civis do exercito, que não pertenciam aos quadros, e que tem fallecido desde 30 de novembro de 1851, até hoje; importando em 36:438$ réis. — Á commissão de fazenda.
3. Do mesmo ministerio acompanhando duas notas, uma dos officiaes que na occasião de se confeccionar o orçamento daquelle ministerio para o seguinte anno economico, estavam em disponibilidade, e passaram depois ás fileiras, e outra dos officiaes que depois de encerrado o dicto oiça mento entraram para a disponibilidade. — Á commissão de fazenda.
Representações: — 1. Da camara municipal de Barcellos, pedindo, para quartel militar, a concessão de uma casa, apenas com paredes, que existe no campo dos touros desta villa. — Á commissão de fazenda.
2. Da camara municipal de Penalva de Alva, pedindo que a ponte junto da villa seja continuada e consumada com arcos de pedra sobre os pés e cortamares, que já se acham feitos. — Á commissão das obras publicas.
Deu-se pela mesa destino ao seguinte
1. Requerimento. — «Requeiro que o ministerio da fazenda informe esta camara do preço porque estão arrematados os dizimos da ilha de S. Miguel no trienno que finda, e do preço porque acabam de ser arrematados para o futuro triennio» —.Maia (Carlos).
Foi remettido ao governo.
2. Requerimento. — “ Requeiro que o governo seja convidado a mandar a esta camara uma declaração do numero de exemplares do codigo penal, de que é auctor José Manoel da Veiga, que existe na imprensa nacional, ou em outra qualquer estação publica” — Bordallo.
— Foi remettido ao governo.
3. Requerimento. — Requeiro que pelo ministerio competente seja informada esta camara, se ha lei, que auctorise os commandantes dos batalhões nacionaes a fazer descontos ás praças de pret dos respectivos batalhões, para alteração dos fardamentos, n
— Cezar de Vasconcellos. Foi remettido ao governo.
SEGUNDAS LEITURAS.
Requerimento. — «Requeiro se imprimam e distribuam com o parecer da commissão de obras publicas, quando fôr apresentado, sobre o contracto do caminho de ferro, todos os esclarecimentos pedidos por aquella commissão.» — Nogueira Soares.
Foi admittido — E logo approvado.
Leu-se a ultima redacção do projectou. 27 — e foi approvado.
Deu-se tambem couta do seguinte
1. Parecer da commissão de marinha sobre a fixação da força de mar para o anno economico de 185:5-1854.
2 º Parecer da commissão do ultramar para tornar livre o commercio da polvora nas provincias da Africa occidental e oriental.
Mandaram-se imprimir — E se transcreverão quando se discutirem.
O sr. Quelhas: — Vou mandar para a mesa o parecer da commissão encarregada de examinar o processo em que se acta pronunciado o sr. Manoel Thomaz da Silva Cordeiro. (Leu.)
Por esta occasião peço a v. ex. e á camara licença para fazer curtas observações ácerca da demora que tem lido este parecer: — 1.º A commissão ficou pela saída do sr. Salvador Pinto da França, e de outro dos seus membros, que foi nomeado par, reduzido só a tres membros; um destes, o sr. Cazal Ribeiro, por delicadeza, propria de cavalheiro que é, declarou á commissão que não podia tomar parte no exame deste processo: então V. ex.ª houve por bem nomear no logar destes o sr. Cezar de Vasconcellos, e o sr. Pegado, que passaram a conferenciar com os outros dois membros, eu, e o sr. Novaes, que me escuta, e assignámos esse parecer: — 2.º Porque houve da parte da commissão a deferencia de querer ouvir, como ouviu, o sr. deputado, que lho mereceu toda n contemplação, e que póde, nas conferencias da commissão, fazer algumas observações; entretanto, ella, com muito sentimento, viu-se na necessidade de dar o parecer que mandei para a mesa, e que a camara avaliará devidamente.
Mandou-se imprimir — (E se publicarei quando entrar em discussão).
O sr. Maia (Carlos): — Mando para a mesa uma representação da camara municipal de Almada, pedindo auctorisação para incluir no orçamento das suas despezas obrigatorias uma verba de 600$000 réis, a fim de com ella auxiliar a communicação por meio de vapores entre Lisboa e Cacilhas, a qual se acha interrompida desde o primeiro deste mez.
Ficou para se lhe dar destino amanhã.
O sr. D. Diogo de Sousa: — Foram-me enviadas, para apresentar na camara dos srs. deputados, tres representações da camara municipal de Monte Mór o Novo; uma pedindo a extincção do pesado tributo das terças municipaes; outra, pedindo uma medida, para ser concedido ás municipalidades aforarem as suas herdades com as solemnidades do estilo, e sempre sobre condição de que da emphytheuse resulte maior rendimento para os concelhos do que aquelle que perceberem por effeito dos actuaes rendimentos; e outra pedindo que se derogue a portaria do ministerio do reino, de 18 de outubro de 1850, sendo a camara municipal dispensada de fazer e conservar a estrada postal, que percorre dentro da villa.
Peço que estas representações sejam enviadas ás illustres commissões competentes para as tomarem na consideração que lhes merecerem.
Ficaram para se lhes dar destino ámanhã.
O sr. Cezar de Vasconcellos: — Desejava que v. ex.ª em occasião opportuna, quando estivesse presente o sr. ministro da fazenda, me concedesse a palavra, porque tenho de fazer algumas perguntas a s. ex.ª,
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para ver se remedêam de algum modo os vexames violencias que se estão practicando nas provincias, em execuções por fóros e legados pios não cumpridos. Em Tones Novas, e provavelmente em mais pontos do reino, fazem-se execuções por fóros, de que não apparecem titulos, a arbitrio do delegado do thesouro de Santarem, e por legados pios não cumpridos, em bens que estão em terceiro e quarto possuidores!... Isio é preciso que acabe; que cada um saiba o que ha de fazer, o que ha de pagar; e que cesse esta confusão e desordem, que da logar a muitos vexames.
Aproveito a occasião para pedir aos meus amigos collegas, membros da commissão de legislação (que eu sei têem trabalhado com muita actividade; entretanto sou instado todos os correios pelos meus patricios) para que quanto antes tractem de dar o seu parecer sobre o projecto, que tive a honra de apresentar, de reforma judiciaria; porque é esta tambem nina medida altamente reclamada pelos povos, que muito soffrem pela falta da reforma, acontecendo até na comarca de Torres Nova, que para se fazer uma escriptura, ou um testamento, é preciso preceder distribuição, o que só alli se practica depois que lá está o actual juiz de direito, aliás, homem probo e habil, mas que faz muito mal com estas disposições, porque em objectos de escripturas, e principalmente de testamentos, é necessario ter confiança em quem as faz.
Desejava, pois, que algum dos illustres membros da commissão de legislação tivesse a bondade de dar alguma esperança de que em breve se removeriam estas difficuldades a respeito das fórmas judiciaes; e algumas palavras consoladoras aos administradores dos vinculos, com que contassem por termo aos vexames que soffrem.
O sr. Nazareth — Poso assegurar ao illustre deputado, que a commissão tem trabalhado incessantemente, reunindo-se mais cedo que a hora marcada para a abertura da sessão, e que ainda hoje antes de entrar nesta sala, se occupou umas poucas de horas dos projectos sobre vinculos, esperando apresentarem breve o resultado deste trabalho; assim como que, prompto elle, se vai occupar com toda a diligencia do seu projecto da reforma judiciaria, realmente muito importante, a respeito do qual destinou já ter uma reunião na quinta-feira; não podendo ser ámanhã, porque uma parte dos seus membros são tambem da commissão de instrucção publica, e não é possivel trabalharem em ambas as commissões ao mesmo tempo.
Km quanto a exigir-se na comarca de Torres Novas, que preceda distribuição para as escripturas, ditei, que a legislação é contraria a essa praxe, e admiro-me de que assim se proceda; mas pelo que respeita aos testamentos, isso é inaudito, nunca se fez, não se auctorisa em lei, nem em practica alguma.
O sr. Passos (Manoel): — Sr. presidente, o systema representativo tem sido atacado na Europa, e não sem alguns pretextos que, até certo ponto, justificam essa aggressão.
Eu deploro que uma parte das nações da Europa não tenham seguido antes os precedentes e exemplos de Inglaterra, que os precedentes e exemplos da França. Mas o systema representativo não póde ser mantido sem grandes reformas nas instituições politicas, administrativas e judiciaes, e em quanto não se preencherem os fins da sociedade, procurando os melhoramentos moraes e materiaes (Apoiados).
Em todos os povos a mais valiosa das industrias é a agricola, ainda que seja a menos lucrativa, aquella que dá menos interesses aos particulares. A França fez uma importante reforma na sua legislação de vinculos, em virtude da qual offereceu a terra ao trabalho; e em Portugal a abolição dos dizimos e dos foraes, essa reforma verificada pelo luminoso ministerio do sr. Mousinho da Silveira, deu tambem ao trabalho uma grande parte da terra.
Essa reforma apresentava necessariamente prodigiosos resultados; mas as idéas do ministro não tiveram tempo de se realisar; os meios de que lançou mão para reprimir a reacção, que se levantava de todos os pontos, não puderam alcançar-lhes inteira execução; e das disposições da lei de 13 de agosto de 1832, só algumas se levaram a effeito. Não que em algumas dellas a lei não carecesse de emendada; porém quando se tractou dessa emenda, em logar de a melhorar, em logar de se facilitar a plena e inteira execução do pensamento do seu auctor, fez-se uma lei reaccionaria; mutilou-se, em vez de a emendar, essa lei que linha libertado a terra, que a entregava ao trabalho, foi destruido o seu pensamento; foi destruida essa lei, que tantos beneficios dava ao paiz, essa lei que nunca devia ser offendida; porque o Imperador não venceu só com os 7:500 homens, que desembarcaram no Mindello, venceu com as leis que libertaram a terra, e alliviaram os povos dos pesados e oppressivos encargos a que estavam sujeitos (Apoiados).
Mas, sr. presidente, a reacção appareceu: veiu a lei de 22 de junho de 1846; lei que, organisada n'uma camara dissolvida por effeito ou em resultado do movimento de 1846, foi, por uma Inste fatalidade, promulgada por um homem eminense!!! Dahi começou uma rásia contra a propriedade, não só por effeito dos inconvenientes economicos dessa lei, mas ainda pelas violencias contra os povos a que tem dado logar. (Apoiados)
Muitas vezes tenho deplorado a inacção dos nossos pai lamentos para modificarem aquella lei; mas lendo havido dictadores, ainda nenhum se lembrou de que pertencia a um paiz que já leve por dictador o Duque de Bragança, e por seu ministro Mousinho da Silveira!... Deploro que se tenham inaugurado e erguido dictadores no seio da paz e da ordem; mas deploro ainda mais que dellas uma unica não tornasse exequivel o principio da liberdade da terra, não realisasse o pensamento do Imperador e do ministro Mousinho da Silveira, cujas leis tamanhos beneficios derramaram sobre ele paiz.
Apresentou-se nesta camara um projecto sobre a reforma dos foraes; foi a uma commissão; é preciso que quanto antes essa commissão examine este negocio, mas em todas as suas relações economicas, em todas as suas relações de protecção á propriedade, e á propriedade dos povos. (Apoiados)
Nós pagamos para o thesouro 11:000 contos; pagamos, além disso, mais 1:000 contos para as camaras municipaes; pagamos 600 contos, ou talvez, se se examinar bem, 1:000 contos para os parochos; = em contar milhares de encargos que não veem nem no orçamento geral do estado, nem nos orçamentos municipaes, como é o que pagamos, por exemplo, ás freiras, o que pagamos de emolumentos nos tribunaes
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e repartições do reino... Esta questão dos emolumentos e um grande tributo (Apoiados) que ainda não está calculado; mas póde dizer-se que importa numa cifra bastantemente consideravel. (Apoiados)
O povo portuguez é o povo que paga mais, e é o que goza menos! Destes 11:000 contos que nós pagamos, não vão senão 300 contos para a instrucção publica, unica despeza productiva!!! Quereis que o paiz pague e não lhe dais nenhuma vantagem, e destruis os beneficios que o povo devia ao patriotismo de um grande principe, ao juizo e illustração de um grande ministro (Apoiado) beneficio ganhos á custa de cem combates, á custa de sangue; primeiro derramado no patibulo, e depois no campo da batalha?.. (Apoiados) Quereis caminhos de ferro, quereis illustração, quereis o desenvolvimento da riqueza nacional, o augmento da população e da producção, e não applicais um unico meio para isso?
Eu tambem quero caminhos de ferro, inclusive para o deserto; mas antes dos caminhos de ferro, quero que-este paiz seja habitado, quero que seja elevado, quero que a terra seja libertada, quero emfim que gose de todas as vantagens que devem gosar todas as sociedades.
Portugal tem tres a quatro milhões de habitantes, e segundo os calculos dos srs. Claudio Adriano da Costa, e José Bonifacio de Andrade, podia ter nove a dez milhões. Se assim fôra, esses 11:000 contos que hoje são pagos por tres milhões de habitantes, sel-o-iam por oito ou nove; de sorte que diminuindo as quotas de cada individuo metade, ainda assim teriamos a mesma receita, ou maior, e o povo alliviado de metade dos actuaes gravames. O nosso paiz está deserto; o Alemtejo com grandes terrenos completamente abandonados: e porque é isto? E porque no espaço de seis seculos de monarchia, não se empregou um unico meio para libertar a terra, e fazer assim augmentar a população e a producção. A terra sempre onerada, os dizimos, as jugadas, os terços, os quartos, emfim preza de mil alcavalas, que não a deixavam prosperar; surgiu no fim de seis seculos um homem de estado neste paiz que lhe abriu as fontes de riqueza, da producção e do augmento da população.
Mas que aconteceu depois, sr. presidente? Veiu a reacção contra as suas leis; e foram annulladas; por que os homens pequenos, que vem constantemente depois dos homens grandes, não quizeram abraçar o pensamento do Ínclito ministro, destruir todas as barreiras que se oppunham ao desenvolvimento da nossa agricultura.
A missão da camara, a missão do parlamento no systema representativo é olhar pela agricultura, pelas fabricas, pelo commercio, em fim por todas as industrias do paiz; e como do desenvolvimento da industria agricola depende o das demais industrias, porque os trabalhos de todas começam no da agricultura, é para esta industria que devemos applicar todos os nossos cuidados, é para o desenvolvimento della que devemos empregar todos os meios. Mas actualmente está acontecendo o contrario. Em vez de tirar de sobre ella todos os encargos que não servem senão para vexar os povos, e impedir o desenvolvimento da producção agricola e o augmento da população, eu vejo levantarem-se os mesmos embaraços que existiam antes da lei de 13 de agosto de 1832: vejo todos os dias publicada no Diario do Governo a continuação da venda de 5:000 a 6:000 fôros, 5:000 ou 6:000 fóros, que produzirão 1:000 ou 2:000 contos de réis; mas 2:000 contos que tornam a terra captivo, e tiram aquellas condições, pelas quaes só póde ser facilitado o trabalho e desenvolvimento da riqueza publica.
O paiz está opprimido, e onerado com mil encargos: os vexames que se lhe estão fazendo por causa dos fóros, são grandes, a obrigação da camara é olhar para este negocio com seriedade. Se quer honrar o systema representativo, é preciso attender a estas questões, como um dos seus primeiros deveres.
A camara deve olhar para a constituição da nossa sociedade. Nós temos duas legislações, uma geral, e outra particular: a geral que regula a successão; e transmitte a propriedade ao herdeiro com todo o dominio e posse; e a especial de vinculos e prazos, que não a transmittindo por este modo, deixa a propriedade oscillante na incerteza; e é evidente que não póde subsistir assim, senão para um foco de demandas, e para sustentar letrados e procuradores. Os 2:000 contos á custa da liberdade da terra são um dos maiores flagicios.
Tem-se visio desde 1846 o paiz reclamar constantemente a reforma daquella lei; mas tivemos então a guerra civil, e depois della apenas em 1852 houve uma camara eleita livremente. Essa primeira camara assim eleita foi dissolvida, e a missão de effectuar a reforma daquella lei pertence a esta camara, se ella quer attender á sua dignidade, ao bem do seu paiz, e manter o systema representativo.
Por isso eu pedia á illustre commissão de legislação, que considerasse esta questão dos foraes debaixo de todos os aspectos, e apresentasse quanto lhe fosse possivel um projecto de tal modo elaborado, que ao mesmo tempo que facilitasse o principio do libertamento da terra, desse a certeza á propriedade, e livrasse o paiz dos diversos flagellos que o opprimem.
Outro ponto a que alludiu o sr. Cezar de Vasconcellos, é o dos legados pios. Tambem isto foi verdadeiramente um flagello que caiu, não sobre todo o paiz, mas sobre uma parte delle; e ainda que este mal não é tão grande e extenso como o dos foraes, tambem deve merecer a sollicitude do parlamento.
A respeito das custas, de que tambem fallou o sr. Cezar de Vasconcellos, effectivamente ha casos em que os povos não podem obter justiça, porque os emolumentos são tão gravosos, que até de a reclamar os impedem.
E pelo que toca aos foraes, se houver algum homem que queira organisar a fazenda publica pelo pagamento dos fóros... não sei como classificar essa opinião. A fazenda publica não se Póde organisar, senão pelo augmento da producção, e o augmento da producção não se póde conseguir senão pela liberdade da terra, porque é ella quem ha de fazer augmentar a população, como fez desde a vinda do Imperador; a nossa população desde 31 para cá subiu de 3 milhões a muito perto de 4 milhões, ao mesmo passo que debaixo do regimen opposto ella se conservou estacionaria por espaço de seis seculos. (Vozes: — Muito bem).
O sr. Themudo: — Sr. presidente, pedi a palavra para responder ao illustre deputado, o sr. Cezar, na parte em que se queixou da abusiva practica de em algumas comarcas o julgados se mandar fazer a distribuição das escripturas com detrimento das partes,
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Pedindo á commissão de legislação o seu parecer sobre este ponto, e sobre a reforma judicial, e lei dos foraes.
Em quanto á distribuição das escripturas não é preciso exigir da commissão o seu voto, porque ha lei expressa que dispensa da distribuição das escripturas feitas pelos tabelliães, qual é a resolução de 15 de fevereiro de 1749; e assim tem sido a practica, como se póde ver no diccionario juridico do sr Fernandes Thomaz, verbo tabelliães, e em Lobão, segundas linhas do processo civil; e assim se observa em Lisboa, Porto, e em muitas comarcas, de sorte que a practica em contrario é um abuso, e contra lei; mas para evitar este mal não é á commissão de legislação que se deve pedir o remedio, e sim no sr. ministro das justiças, para que por uma portaria mande, em quanto aos tabelliães privativos, observar a referida lei; e o mesmo a respeito dos tabelliães escrivães, onde não houver tabelliães privativos.
A respeito da reforma judicial, e lei dos foraes, julgo que a commissão se tem occupado deste negocio com cuidado, mas são medidas do grande consideração, em que a commissão não deve andar de leve, principalmente na lei dos foraes, porque se a lei de 22 de junho de 1846 trouxe embaraços, não menores os trouxe o decreto de 13 de agosto de 1832, e a prova disto está nas demandas sobre fóros, que affluiram no fôro até 1846. E portanto desculpavel a commissão em ainda não ler apresentado o seu parecer sobre estes objectos; mas deixaria de o ser, se não o apresentasse nesta sessão, porque são negocios urgentes, e a sua necessidade é reclamada por todo o paiz.
O sr. Cunha Sotto-Maior: — Vou mandar para a mesa o-requerimento de um cidadão, tambem sobre foraes. Este cidadão pede (Leu).
Eu sei, sr. presidente, que. o regimento desta camara prohibe que os requerimentos de particulares sejam mandados para a mesa; mas como a experiencia me tem mostrado, que os requerimentos que vão para a caixa não tem seguimento algum, e que cada requerimento que se alli deita, é alma que cáe no inferno, vejo-me na necessidade de pedir venia para o mandar para a mesa. Eu tenho deitado na caixa milhares de requerimentos, e não só não têem lido solução, mas quando procuro o caminho que tiveram, ninguem me dá noticia delles. O requerimento que eu mando para a mesa é de um individuo, a quem se pedem fóros, que elle julga que não deve satisfazer.
Ficou para se lhe dar destino convenientemente.
O sr. Placido de Abreu: — Mando para a mesa os seguintes dois pareceres da. commissão de guerra (Leu).
Ficaram para opportunamente se tomarem em conta.
ORDEM DO DIA.
Continua a discussão do parecer n. 31 (Vede sessão de hontem).
O sr. Carlos Bento: — Sr. presidente, póde-se dizer que este projecto é a segunda vez, que 4 submettido á nossa consideração; foi o a primeira, quando tivemos de nos occupar do projecto apresentado pelo nosso collega, o sr. Lourenço, Cabral, a respeito da, levação do valor dos cruzados novos; e renova-se nesta occasião quando se tracta de restabelecer o antigo direito imposto na prata para impedir com a saída que se dizia ter tido logar depois da alteração da pauta, o encarecimento desse metal.
Sr. presidente, não me parecem applicaveis, em toda a sua extensão, os principios que são apresentados, quer pela commissão de commercio e artes, quer pelo illustre auctor do projecto.
Devo lembrar á camara, que a commissão de fazenda, tendo apresentado um parecer a respeito do projecto do sr. Lourenço Cabral, em um dos parágrafos desse parecer attribue exclusivamente á apresentação desse projecto, o facto da depreciação apparente do ouro, e que não havia causas permanentes para o panico que se linha levantado. Comtudo o projecto foi retirado, desappareceu a origem do panico, e na mesma occasião é que se propõe um projecto que tende a remediar causas que se dizem permanentes, e que no parecer da commissão de fazenda se declarou que não existiam!
Um sr. deputado, cujas luzes todos respeitamos, disse que áquelles que combatiam o projecto era necessario que indicassem um remedio, e eu intendo que esse remedio é mui facil. O facto que se nota, isto é, a procura da prata significa que a moeda que anda na circulação, não é bastante divisivel para as operações dos nossos actos ordinarios; significa que o soberano, que é uma moeda regular em Inglaterra, onde é o preço regular das despezas mais frequentes, não se acha no mesmo caso entre nós: fallam os submúltiplos, não ha trocos; é esta a razão principal da difficuldade que hoje se encontra, á qual se deve obviar, cunhando moedas de pequeno valor, como tem feito outras nações, cujas circumstancias se aproximam mais das nossas, e que tambem têem a moeda de ouro como padrão legal da circulação. Effectivamente já se cunharam moedas de ouro pequenas, mas foram tão poucas, que são hoje guardadas como objecto de curiosidade, não fazem parte da circulação: eu estou persuadido que com 30 ou 40 contos de réis cunhados nestas moedas, se removia a difficuldade dos trocos: menos ainda, de certo, no primeiro momento produziriam o desejado effeito.
O illustre deputado, o sr. Avila, apresentou a opinião de que era necessario retirar os soberanos da circulação; mas eu observo desde já, que nesse caso convem fixar bem a idéa de que o estado nunca prejudicará o direito daquelles, que receberam essa moeda pelo valor que foi estabelecido.
A difficuldade desta questão, sr. presidente, está na natureza complexa dos mataes preciosos, de que se tracta, que são ao mesmo tempo mercadoria e signal representativo dellas; por isso não admira que não sejam applicaveis em toda a extensão os principios de liberdade economica, que se querem applicar a respeito destes metaes. Se por acaso o governo não tivesse já intervindo no valor dos metaes, por meio da determinação do seu valor relativo como moeda, leria logar a applicação a este objecto das leis economicas de liberdade de commercio; mas o governo já declarou a relação do valor do ouro e da praia como moeda, por consequencia não se podem applicar essas leis, porque esta circumstancia anterior tornou impossivel essa applicação illimitada.
O ouro ha de sempre exercitar funcções de grande importancia, em relação a outros metaes, e segundo observações feitas, tem-se reconhecido, que O que tem
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Variado mais, dentro de um certo numero de annos, não é o ouro, mas sim a prata, mesmo já depois da importantissima descoberta das minas do ouro.
Succede mais, que as apprehensões politicas fazem com que o ouro na Europa suba de valor; todas as vezes que algum perigo ameaça a tranquillidade publica, o ouro sobe de valor, O que se explica pela elevação do seu valor, e pela universalidade da sua natureza de signal monetario.
Ninguem dirá que em França a relação do ouro e da prata não se ache estabelecida da maneira o mais desvantajosa para a prata: está estabelecida na proporção de quinze e meio para um. Entretanto em França a moeda de ouro tem premiu; e tambem deveria concorrer para tranquillisar alguns animos entre nós a respeito dos metaes preciosos o saber-se que segundo as noticias ultimamente chegadas pelo paquete, havia muita procura de dinheiro em Inglaterra, o desconto das letras linha subido a 3 por cento, e havia todas as apparencias de augmentar, e os depositos do numerario nos bancos de França ç Inglaterra tinham diminuido consideravelmente.
Nos Estados-Unidos mesmo, que tem a Califórnia dentro em si, o grande apparecimento do ouro não determinou uma crise monetaria, e o seu presidente, mr. Fillmore, pareceu consternado, porque a exportação do dinheiro excedia a importação. Naquelles Estados, com tanta abundancia de ouro, a relação da prata para o ouro é das mais desvantajosas conhecidas 15, 93: 1.
Sr. presidente, eu não me aterro com a presença do ouro; por ora não ha motivo para isso, e já em outra occasião se disse, que o paiz do Douro estava inundado de soberanos, e ninguem reputou isso uma calamidade.
Não se póde explicar a presença do ouro pela saida da prata; outras causas a determinam; por exemplo o saldo do nosso commercio com o Brazil, que é feito em numerario, faz-se por meio do mercado de Londres, e esse saldo é em ouro inglez; e além disso tem affluido a Portugal fortunas do Brazil, tambem em ouro inglez.
Em muitos casos, ceitas medidas que se tomam, fazem muito maior mal do que os agentes naturaes a que se attribue o mal que se quer prevenir E assim que hoje todos concordam, em que a depreciação momentanea que houve no ouro em 1850, não foi devida á descoberta das minas da Califórnia, mas sim á disposição que tomaram alguns estados, para prevenir os males que receavam, a Hollanda por exemplo; mas se alguns estados tomaram medidas a este respeito, outros não as tomaram, Em França nomeou. se ninai commissão para tractar dessa questão, commissão a que pertenceu mr. Hiers, e ella declarou que nada linha a fazer, e não se tomou medida alguma.
Accrescentarei ainda que a fluctuação de legislação em objectos desta ordem, tem graves inconvenientes, (Apoiados) e por isso não convém restabelecer agora exactamente aquella que ha pouco foi derogada.
Não gosto de direitos prohibitivos, mas intendo comtudo, que se deve estabelecer um direito de sahida, para a parte mais forte do que aquelle que actualmente existe, porque este metal tem um valor mais consideravel em outras praças estrangeiras, e esse direito sendo um pouco mais elevado, mas não o que se propõe no projecto, obstará tambem ao contrabando, porque o contrabando não se fará quando a elevação do imposto não lhe prestar incentivo. Os direitos prohibitivos são na minha opinião, não só um erro em economia, mas um perigo em administração. Não deixam ver a acção dos acontecimentos. Produzem o mesmo effeito, que se dá quando se carrega demasiado o barco que sujeita a valvula de segurança das machinas de vapôr. Não se observa o resultado da pressão, e as explosões apparecem sem haver prevenção que as acautele. Intendo que houve um grande salto, quando dictatorialmente se passou do direito de mil réis que é prohibitivo, para o de cem réis, que é estimulo de exportação rias circumstancias, em que se adoptou, reputo ser hoje contrajudicado por todas as considerações o saltar de novo para o direito prohibitivo. Uma tal flutuação de legislação basta por si só para explicar ainda mais graves desordens economicas, do que as de que actualmente] ha queixas. Proponho pois um meio, que me parece conciliar o maior numero de vantagens.
O sr. Cunha Sotto-Maior: — Sr. presidente, declaro com franqueza que tinha vontade de ceder da palavra, porque o aspecto da camara, o acharem-se desertos os bancos dos srs. ministros faz-me suspeitar que se considera a questão em debate ridicula e insignificante; e como eu não desejo entrar em questões ridiculas e futeis, linha por isso desejos de ceder da palavra. Vejo que o governo abandonou o campo, que a camara não quer prestar attenção aos oradores, e estas circumstancias são desairosas para quem falla, porque é dar consideração a uma cousa a que a camara não liga a menor importancia. Mas como tenho a palavra, sem me importar que os ministros estejam ou não presentes, que a camara me preste ou não attenção, darei sempre a minha opinião a respeito do assumpto. Em primeiro logar direi que a camara está representando o papel dos gregos do baixo imperio, divertindo se em discutir theses academicas, em quanto os turcos hasteam o pendão do crescente no templo de Santa Sofia.
Ha um mal radical, um mal que contende com todas ris fortunas, especialmente com o commercio, e a camara mostra-se indifferente a este mal, diz que não é agora a occasião de se lazer a invocação dos principios da sciencia! Se se não póde occorrer a este mal só porque a sciencia o não permitte, então declaro que me insurjo contra essa sciencia; o facto e a depreciação da moeda, a depreciação existe, por consequencia é necessario atalhar e remediar este mal.
Eu ouvi com pasmo e admiração a invocação feita por um illustre deputado, dizendo que esta questão se não deve discutir porque o sr. Avila dissera, que a questão pertencia ao governo, e que por conseguinte não pertence á camara. O principio e as consequencias serão muito logicas; mas seja-me licito dizer que são demasiadamente absolutas para não serem muito absurdas. O pensamento do sr. Avila parece-me que foi este — que como o objecto da questão era economico e administrativo, ao governo é que pertencia dar-lhe uma certa direcção; — mas esta opinião não quer dizer que á camara não pertence discutir o assumpto: lai inducção e pecca de mais.
O sr. Avila: — Eu disse que o governo é que devia tomar a iniciativa.
O Orador: — Mas de dizer-se que o governo é
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que deve tomar a iniciativa, a dizer-se que a camara não lhe compete discutir o assumpto, vai uma differença immensa. Quando se argumenta assim, não ficam bem as pertenções a Cicero e a Demosthenes! Grandes logicos! O seu prurido de ministeriaes consiste na impotencia para o bem, e na indifferença para o mal. E querem que os deputados da opposição mostrem sympathia e respeito por elles e pelo ministerio?! Não póde ser.
Não tomarei muito tempo á camara, até mesmo porque quando se chega a um tal estado, a situação está bem definida, e o silencio é o unico partido a tomar: o silencio, direi agora tomo já disse um distincto escriptor francez, é o pudor das historias, como esta. Nós os deputados da opposição devemos curvar a cabeça e cobrir a cara de pejo, devemos envergonhar-nos de estar n'uma camara, que é insensivel e indifferente no mal que ataca as fortunas particulares e publicas.
E que fizestes vós para remediar este mal? Podereis acaso negar a existencia do mal? Eu vos vou contar um facto que soube já nos corredores da camara. Hoje houve pagamento de pret á guarnição da capital, este pagamento foi feito em soberanos, e para se trocarem estes soberanos em cobre foi necessario perder 30 réis em cada um. E é isto indifferente á camara.'... Trocam-se os soberanos por prata com o rebate de quatro vinténs e um tostão, e por cobre é necessario dar 30 réis!
Mas alguns srs. deputados que dão certas idéas como precedentes a imitar, nem se quer leram o relatorio da commissão. Que não façam caso dos meus argumentos, e dos factos que eu cito, muito embora, não me afflijo com essa resolução: mas que não façam caso dos seus collegas, e dos cavalheiros que são ministeriaes como elles, isto é muito, é de mais.
Entretanto o mal existe, e ninguem o nega, a propria commissão o confessa. Mas qual é o remedio que se propõe? Nenhum, ou por outra soffrer e não queixar. O parecer da commissão de commercio e alies em quatro palavras diz muito mais do que eu poderia dizer em muitas.
Peço a attenção para o seguinte enunciado da commissão.
A commissão não desconhece que o desapparecimento da moeda de praia, que alimentava a circulação no nosso paiz, é uma verdadeira calamidade, cujas causas convem investigar de prompto, mas com prudencia e madureza, a fim de descobrir os meios mais efficazes para atalhar os seus perniciosos effeitos.
Mas esta calamidade que convem investigar de prompto, para a illustre commissão, para o governo, «. para a maioria significa não fazer nada, não fazer caso.
De maneira que a commissão reconhece que é uma verdadeira calamidade o desapparecimento da moeda de prata, e que esta calamidade deve ser atalhada de prompto, a fim de senão sentirem os seus perniciosos effeitos; mas o governo e a camara, torno a dizer, querem evitar esta calamidade não fazendo caso della, nem tractando a questão. Bella logica Não a quero seguir.
Ainda mais, a commissão não contente com estas poucas palavras, que acabo de citar, mais abaixo diz que “ era preciso atacar esta questão na sua origem, e resolve-la segundo os principios da sciencia, de um medo permanente, destruindo os vicios do nosso actual systema monetario,» Pergunto, come é que a illustre commissão quer destruir os vicios do nosso systema monetario? Quaes são as medidas que apresenta para esse fim? Nada, nada absolutamente nada! E não será muito bem dicto, muito parlamentar, muito financeiro, muito administrativo, o parecer da illustre commissão!!!
Quanto á commissão de fazenda, esta teve o atilado engenho e a sublime idéa de considerar a questão pelo lado fiscal; fez de uma questão grave e séria uma questão mesquinha e pueril. As abalisadas intelligencias da commissão de fazenda não tiveram duvida de rebaixar a questão a uma questão fiscal! Em que mãos está entregue a orle financeira do meu paiz \.'.. (Riso) A commissão de fazenda diz — como da proposta do sr. Santos Monteiro não póde resultar diminuição consideravel nos rendimentos do estado, póde por isso adoptar-se. — E para cobrir a cara de vergonha quando se vê que um assumpto desta importancia é rebaixado ignaramente ás mesquinhas e acanhadas proporções de um assumpto fiscal.
Sr. presidente, devemos lamentar vêr o nosso paiz, e a fazenda publica entregue em taes mãos!
Destes que se atreveram a tomar sobre os seus hombros a espinhosa e difficil tarefa de regularisar as finanças da nação, posso eu, com outra applicação, dizer o que dizia Blacás de Touché «Quem se aconselha com taes ministros perde dez corôas se as tiver.» Homens taes, digo eu, perderiam as finanças de dez paizes, se dez paizes lhe entregassem as suas finanças. (Riso)
A questão é simples e clara; ha equilibrio, ha proporção, ha igualdade entre a moeda prata e a moeda ouro? Ha igualdade na moeda prata entre o nosso paiz e a Inglaterra? Não. Em Inglaterra a praia vale 1 para 14 ½, e em Portugal vale 1 para 16 ½. Por conseguinte salta aos olhos de todos, é da comprehensão das intelligencias mais obtusas e acanhadas, que valendo mais a praia em Inglaterra, e mais o soberano em Portugal, vem os soberanos de Inglaterra buscar a prata a Portugal, porque valendo o soberano em Portugal 4:500, mais 660 do que o seu valor intrinseco, afluem os soberanos em procura da prata em virtude das leis do mercado. Parece-me que é da primeira intuição esta consequencia.
Não sei, nem quero saber se a prata sae por contrabando; mas o que sei é que depois da revogação da lei de 30 de janeiro de 1851, que augmentou o direito de exportação, ella tem saido em muito maior quantidade, do que quando vigorava a lei; nem se póde negar a evidencia deste facto.
A prata tinha o direito de 1;000 réis por marco, estabelecido para a sua exportação, e o ministerio achou que este direito era elevado, que podia facilitar o contrabando, e reduziu-o a 100 réis. Mas, suppondo, concedendo mesmo, que este direito provocasse o contrabando; o que é tambem certo, é que a prata não se exportava. E eu não acredito no contrabando da prata em grande quantidade, porque ninguem contrabandêa um genero de grande valor, quando elle involve um grande volume, porque ninguem se quer expor ao risco de o perder. Pois 20 marcos de praia será uma cousa que se possa contrabandear facilmente? Pois 20 marcos de prata poder-se-hão levar n'uma algibeira? Só se fosse aquelle Hercules da minha quer ida Moimenta da Beira, que
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quizesse levar um marco de prata na algibeira do seu palctot. (Biso)
Mas, sr. presidente, ninguem ha em Portugal que duvide um só momento de e fazer no nosso paiz compra de praia por soberanos: ninguem nega este facto. Nem lia que estranhar; porque tendo o soberano o valor artificial de nove crusados novos e nove vinténs, e sendo o seu valor leal oito crusados novos e alguns tantos íeis, se eu com um soberano posso ler 600 réis de ganho, é claro que hei-de buscar este ganho
O que póde acontecer é que a maioria, visto que a iniciativa não partiu do sr. ministro, e que o projecto do sr. Santos Monteiro póde de algum modo considerar-se como de menos sympathia para com os anjos tutelares dos srs. ministros, não o queira approvar; mas se acaso o projecto fosse apresentado pelo sr. ministro da fazenda, ou se concordasse com elle, a camara era-a primeira a approva-lo, e a commissão de commercio e artes a gritar = ao capitolio os srs. ministros como salvadores da patria. = O sr. Julio Pimentel: — Está enganado.
O Orador; — Não sei se estou enganado, mas o que sei é, que não ha nada peior do que a sua paixão politica. A politica faz do branco prelo, e do preto branco, e uma pessoa obsecada por essa paixão faz aquillo que não devia fazer, e que cuida que não fez. E se acaso eu não considerasse este assumpto, como um assumpto serio, pediria ao sr. ministro, só como ensaio, já se sabe, que tivesse a bondade de perfilhar o projecto do sr. Santos Monteiro: queria vêr se a camara o rejeitava. Eu sei por uma experiencia severa, que cada um dos srs. deputados quando entra pera a camara, já traz a sua opinião formada. Não são daquelles que têem a slulta pertenção de querer levar a persuasão ao animo dos seus contrarios: não quero convencer ninguem, nem tambem dou a liberdade a ninguem de se persuadir que me póde convencer.
A minha opinião, sr. presidente, é que o projecto do sr. Santos Monteiro, com quanto não seja um remedio radical ao mal que se sente, comtudo póde concorrer para melhorar o estado de cousas em que nos achamos, e evita de algum modo a maior exportação da praia; e é por estas considerações que voto por elle.
O sr. Santos Monteiro não é da minha parcialidade politica, e por conseguinte lendo este illustre deputado ligações mais ou menos fortes com o governo, parecia que eu devia votar contra o projecto; mas apesar da minha opposição ao governo ser clara e terminante, tenho o bom seno de não sacrificar a intuitos politicos os interesses do paiz. intendo que nesta questão não ha centro, nem direita, nem esquerda; que deve ser avaliada por todos os lados da camara, independentemente de paixões politicas.
E necessario que o sr. ministro cumpra a Sua palavra; s. ex.ª já prometteu resolver a questão porque era grave; pelo menos tenha a bondade de dizer quanto baste para minorar o panico.. O sr. ministro da fazenda esta compromettido perante a camara e o paiz a tomar uma medida qualquer a este respeito, senão adoptar o projecto do sr. Santos Monteiro. Se o sr. Santos Monteiro rei irar da discussão o seu projecto, o agio dos soberanos augmentará. Estou convencido que se o agio dos soberanos estacionou, é porque todos esperam que o projecto do sr. Santos Monteiro seja convertido em lei: mas desde que os cambistas e os especuladores -souberem que este projecto não é comedido em lei, farão crescer o agio. Não tenho o menor receio de asseverai, que não approvando u camara o projecto, o agio dos soberanos augmenta. Eu, pela minha parte approvo o projecto.
O sr. Carlos Bento (Sobre a ordem): — Mando para a mesa a seguinte
Proposta. — Proponho que o direito de saida de 100 reis sobre o marco de prata seja elevado a 300 réis.» — Carlos Bento.
Foi admittida.
O sr. Julio Pimentel: — Sr. presidente, a ampla liberdade da discussão é na verdade uma das melhores garantias do systema representativo; é um direito sagrado, cujo exercicio traz sempre resultados proveitosos, quando é judiciosamente dirigido; porém quando delle se abusa, porque é susceptivel de abuso, como o são todos os outros direitos, então de ordinario o resultado é máo.
Esta discussão, sr. presidente, que ao principio marchou com a maior regularidade, tem-se desviado um pouco do seu verdadeiro caminho. O seu fim principal é saber se se deve, ou não, elevar o direito da prata. A questão monetaria veiu aqui incidentemente, e quando muito para fundamentar o projecto, com o qual tem ale certo ponto intima relação; porém nós lemo-nos occupado mais dos defeitos e vicios do nosso systema monetario do que da questão principal.
O que é necessario saber, é, se com o augmento dos direitos da exportação da prata, se obsta á sua saida? É isto o que eu exactamente intendo que não acontece: entretanto tractarei de responder a algumas das asserções que se têem apresentado nesta discussão para combater o parecer da commissão do commercio e artes.
O sr. Avila notou que havia uma contradicção entre a opinião da commissão do commercio e artes e de algum dos oradores que tinham fallado em defeza do seu parecer; pois que a commissão reputava, uma calamidade a saida da prata, e o orador a que alludia era de opinião diversa neste ponto. O que a commissão intende, eu tambem particularmente o intendo assim, é — que a exportação da pauta é só uma calamidade, em quanto este metal se troca por uma moeda fraca e depreciada em relação á moeda de pronta do paiz, isto é, pelos soberanos: porém a exportação da praia, por si só e sem relação com os valores, que em troca della recebemos, não a considero como calamidade (Apoiados) porque é a saida de uma mercadoria como qualquer outra.
O sr. Avila quiz reforçar os seus argumentos com as noticias, que havia recebido das provincias (noticias que são exactas e conhecidas de muitos) sobre a difficuldade que, alli ha na troca dos soberanos, mesmo por cobre. É verdade que não apparece cobro para fazer a troca dos soberanos. Mas perguntarei eu, se o cobre que alli desappareceu da circulação foi tambem expoliado como se diz da prata? Alas é porque os possuidores de cobre, vendo a depreciação dos soberanos na opinião do vulgo, querem especular com elle, como aqui fazem os possuidores da prata. Aqui mesmo em Lisboa quando se tem querido trocar soberanos a cobre é necessario dar um premio, e comtudo nada ha mais absurdo do que isto, porque todos sabem que a moeda de cobre não val 50 por 100 do seu nominai. (Uma voz: — É melhor não fallar nisso.) O Orador: — Isto é sabido de todos e se
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o não é, é necessario que se saiba. Eu não gosto das verdades occultas, porque essas não aproveitam á humanidade; a verdade deve ser clara, patente, e sabida de todos.
O sr. Avila estranhou tambem que a commissão do commercio e artes não imitasse o prudente exemplo da commissão de fazenda, transigindo com a opinião publica, que era -favoravel ao projecto do sr. Santos Monteiro. Alguma cousa direi a respeito da illustre commissão de fazenda. lista commissão reconheceu que os fundamentos do projecto do sr. Santos Monteiro não eram muito fortes, mas que a opinião publica, externa camara, acreditava nesses fundamentos e concordava no remedio; mas eu perguntarei agora como é que se manifestou essa opinião? Que importancia se lhe deve dar / Onde é que se fez essa manifestação? lin ainda não vi tal manifestação. Os jornaes que são os orgãos da opinião publica nada escreveram ainda a este respeito. Fallando com pessoas intendidas em questões economicas, fallando com as pessoas de juizo claro, vejo pelo contrario, vejo que ninguem se atreve a proclamar o facto que deu origem a este projecto, isto é, o desconto dos soberanos, como verdadeira calamidade, como crise monetaria, e muito poucos são de opinião de que o remedio proposto no projecto seja capaz de obstar áquelle desconto. Pelo que respeita ás provincias ha na verdade um grave inconveniente na difficuldade que alli se experimenta na troca das moedas, não só a prata, mas tambem a cobro; porém as causas desse mal são diversas: é o atrazo em que estamos em todos os pontos importantes da economia das nações; é a falta de estabelecimentos de credito a falta de bancos. Nas provincias, como todos sabem, aquelle que realisa uma certa porção de numerario, que não tem precisão de empregar immediatamente, guarda-o, tira-o da circulação, e este numerario assim inutil e guardado, morre por um certo espaço de tempo. S. alli existissem bancos de deposito e circulação, todo esse numerario disponivel, sendo alli depositado, entraria logo em movimento, de sorte que até nem seria necessario uma tão grande porção de melai circulante, comº aquella de que hoje carecemos.
Tambem o illustre deputado estranhou que a com. missão, reconhecendo que a sahida da prata era uma calamidade, não indicasse os meios para obviar a este mal: a isto respondo, que a commissão não foi encarregada de apresentar medida alguma para remediar ele mal, e que o mesmo sr. Avila reconheceu que a iniciativa de similhantes medidas pertencia no governo. A commissão, ou outro (piniquei membro desta casa, poderia apresentar um projecto neste sentido, mas a discussão desse projecto poderia trazer graves inconvenientes se não houvessem combinado de antemão todas as condições, tolas as circumstancias proprias a produzir um residindo seguro, e sem perturbação. Só o governo é que póde realisar este pensamento.
O principal argumento que o sr. Avila apresentou para sustentar o projecto do sr. Santos Monteiro é tirado da não offerta de prata á casa da moeda para se amoedar durante os 4 mezes que tem decorrido do presente anno; mas essa não offerta está explicada na conveniencia commercial de exportar a prata para Inglaterra, onde ella tem um preço mais elevado do que aquelle que, naquella casa, lhe é offerecido. Já disse, o ainda repito, que o augmento do imposto não obsta a essa saida; o que este faz simplesmente é mudar o caminho que ella deve seguir, porque nesse caso a prata sairá occultamente, e as Vantagens do contrabando serão muito maiores do que as que hoje offerece a exportação legal. Uma das razões porque a prata não tem corrido á casa da moeda, é porque o preço que alli se lhe dá, é muito inferior áquelle que offerece o commercio, e, ainda que se augmente o direito, conservar-se-hão as mesmas condições, porque o risco do contrabando é muito insignificante para obstar a exportação occulta. Perguntou-me s. ex.ª se eu sabia officialmente qual era o premio que resultava para este contrabando e se havia facilidade para o fazer? Direi simplesmente que são coisas que se não podem saber officialmente nem officialmente se podem dizer; essas informações podemos nós havel-as de pessoas que tem conhecimento desses negocios, e da maneira porque elles se fazem. Todos sabem que ha canaes, que ainda que sejam occultos, não são todavia-ignorados; que existem ainda que se não manifestam. Nós vemos accender, por exemplo, o gaz nos candieiros, não vemos canaes, vemos por onde elle caminha, porque não estão elles patentes, o comtudo existem, e todos sabem que existem.
Além das razões, que se tem apresentado para explicar a exportação da prata, e sobre tudo da moeda portugueza, dos crusados novos, existe ainda uma que hontem me esqueceu de mencionar; esta é a exploração do ouro que aquella prata contem. Quando mesmo a moeda de ouro era desfavorecida entre nós, e que o metal circulante que dominava era a prata, nesse mesmo tempo exportavamos nós prata, não manifestamente, mas por contrabando, e exportavamos muita: os estrangeiros vinham buscar a prata das nossas antigas baixellas, e mesmo a dos cruzados novos, e dos seus submúltiplos porque ioda ella continha ouro, que chegava muitas vezes a ½ por 100 do seu peso. Convinha neste caso lavar a prata, extrahir-lhe o ouro e tornar a introduzil-a em Portugal para a fazer novamente amoedar. Nesse tempo não havia na casa da moeda laboratorio de affinação da prata liste laboratorio existe só alli posteriormente a 1839.
A commissão reconhece os vicios do actual systema monetario, eu fui o primeiro em confessa-los, mas a commissão não podia, nem poria, apresentar os meios de os remediar: tambem não podia acceitar o projecto do sr. Santos Monteiro, por que o julga insufficiente para obter o resultado que se deseja.
N'uma das ultimas Sessões, creio que na de sabbado, quando se começou a falar sobre esta materia, disse o sr. Avila, que um dos maiores inconvenientes do estado actual, era o fazer-se o despacho da prata na alfandega á vista de todo o mundo o que atterrava os timoratos, porque lhe manifestava esta exportação. lin não acho nisso grande inconveniente; antes quero que esses despachos se façam á vista de todos, quero antes que a prata, que tem de sair, sáia publicamente, porque, se, não saír pela alfandega, não ha meio de conhecer o estado deste negocio, adormecerão todos sobre este ponto e perdendo-o de vista não é possivel seguir e acompanhar o seu movimento, e poderemos até esquecer-nos de voltar as nossas vistas, como devemos, para remediar este mal.
É necessario que haja uma porção de moeda de praia que satisfaça ás necessidade? da circulação;
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mas para prendermos este metal, ou outro qualquer que seja necessario á circulação, o remedio não e por certo o indicado no projecto, que está em discussão. O remedio, no meu intender, é primeiramente uniformisar e regularisar as moedas, pondo de accordo o seu valor nominal com o seu valor real. Se se adoptarem os dois padrões, ouro e prata, é necessario que a relação do valor nominal das moedas seja, quanto possivel for, a mesma que actualmente tem o valor dos dois metaes no commercio: e necessario que se augmentem as fontes de producção, para que em vez de pagarmos os saldos do commercio com metaes, os paguemos com o excedente dos productos da nossa industria, porque nós não somos productores de mais preciosos, e só poderemos vir a produzil-os quando houvermos utilisado os depositos auríferos do interior da Africa.
Parece-me haver respondido á maior parte dos argumentos, pelo menos aos mais ponderosos, que se teem apresentado contra o parecer da commissão do commercio e artes, mas ainda me resta a tocar de passagem em um outro ponto. E relativamente ao additamento que o sr. Santos Monteiro apresentou ao seu projecto sobre a exportação da nossa moeda de prata. Eu intendo que esta deve ser considerada do mesmo modo que a prata em barra. Quer a sua expoliação seja prohibida, como o foi até á ultima reforma das pautas, quer se lhe imponha um direito forte, o resultado será sempre o mesmo. A commissão não deu parecer a este respeito por que o additamento não lhe foi remettido: a opinião que enuncio, é pura e simplesmente a minha — não ha razão alguma plauzivel para que a nossa moeda não seja considerada na exportação de um modo differente do que o é a prata em barra.
O sr. Ministro da fazenda (Fontes Pereira de Mello): — Sr. presidente, eu vou dizer poucas palavras sobre a importante questão que se debate; mas pareceu-me que o governo não devia ficar silencioso neste objecto importante, e que devia pronunciar a sua opinião sobre a materia. As minhas idéas economicas sobre este ponto são conhecidas ha muito tempo; são conhecidas pelos meus discursos em 1851 quando se tractou deste negocio, sendo então ministro da fazenda o meu amigo o sr. Avila, e são conhecidas pelos meus factos como ministro, porque fui eu que no decreto que reformou as pautas da alfandega, reduzi o direito da exportação da prata: Entretanto, sr. presidente, ha circumstancias muitas vezes imperiosas que. pódem obrigar qualquer homem publico a modificar a sua opinião occasionalmente quando bem, ou mal, reputar isso util ao interesse do estado, e dos particulares. Eu estou convencido que a medida que se propõe no projecto do sr. Santos Monteiro, é de mero expediente, que comtudo póde ser util nas circumstancias actuaes. E embora a minha convicção seja, que não está de accôrdo com os verdadeiros principios da sciencia economica, digo que, no momento actual, em que existe um forte desconto sobre o ouro, e principalmente sobre os soberanos, que fazem hoje a maior parte das transacções, não deixa de ser adoptavel. Nem quero eu carregar com a responsabilidade que poderá resultar da não adopção desta medida provisoria: (Apoiados) e prefiro antes consentir pela minha parte na modificação dos meus principios a este respeito, e approvar, como approvo o projecto do sr. Santos Monteiro.
Eu não pertendo fazer, nem é agora Occasião propria, e sobre tudo neste logar, a erudição, que aliás não tenho, sobre os motivos economicos, que regem esta importante questão; e por isso limito-me unicamente a formular este voto, que é baseado sobre tudo na conveniencia publica. (Apoiados)
O sr. Gomes: — Sr. presidente, eu tambem me limito a dar umas breves explicações sobre algumas observações, que se fizeram, relativamente ás idéa que assentei na sessão de hontem.
Disse o illustre deputado por Faro, que eu não vi o panico, porque elle não se via, nem se sentia; e perguntou-me, se eu o tinha visto em 1847? Devo dizer a s. ex.ª que, apesar de estar a 4 mil legoas de distancia daqui, na India, eu vi o panico, encontrei-o, e posso apontar ao illustre deputado as formas desse higante. Era com effeito um grande gigante, e tinha a fórma de milhões de libras sterlinas; recolhia-se de toda a parte do mundo, ao que então se reputava o reducto mais seguro, que era a Inglaterra: esse gigante tinha por guarda de honra, em armas, quasi todos os exercitos da Europa; mas esse gigante, que eu então vi, confesso que o não encontrei agora, e não o posso confundir com esses saquinhos de libras, que mansa e pacificamente vem tomar ares a Lisboa, e voltam a Londres trocados por meia duzia de barras de prata: por isso repito que não vi actualmente o panico, apesar de o ler visto em 1817 e 1848.
Eu sou empregado da alfandega, mas de uma alfandega municipal; é possivel, que ignore muitas das praticas das alfandegas propriamente dietas, no entanto pela minha alfandega tambem se fazem expoliações; e ahi, sei que ha muito mais escrupulo nas entradas dos generos que vem pagar 20, 50 e 100 por cento, do que nas exportações, em que o direito é quasi estatistico, salvo vinhos, em que tem havido todo o escrupulo pela rasão do grande direito que até ha pouco pagava o do Douro. E o inverso seria um vexame quasi improfícuo no caso de saída, e de um risco imminente na, entrada.
Direi mais que folgo muito de dar testimunho á camara, que achei nesta parte as practicas da nossa alfandega de accôrdo com os meus principios e com as praticas geraes de todas as alfandegas: porque lendo viajado in lis de uma vez vi, mesmo aqui em Lisboa, a maxima facilidade para os volumes, até pregados, que embarquei, e a devida cautela e exame até com o sacco de noite com que desembarquei. Por conseguinte continuo na persuasão, de que a despeito das melhores intenções e esforços dos dignos empregados da alfandega, os direitos prohibitivos nada hão de prohibir.
O argumento mais forte, que eu ouvi ao illustre deputado foi — que os soberanos tinham ha pouco 30 réis dê desconto, e hoje têem o de 70. Eu direi á camara como explico este facto, sem ser necessario recorrer ao panico.
Sr. presidente, as moedas são de duas especies — moeda de um valor intrinseco, e moeda de confiança: uma nota nenhum valor intrinseco tem, e póde representar, como moeda de confiança, 20$000 réis: melhor poderia desempenhar esta missão, se tivesse algum valor intrinseco, e muito melhor ainda se este se aproximasse quasi do valor que representa. Ora é este o caso em que reputo o soberano, que valendo pouco menos de 4$500, a lei o faz figurar como 1.$500. -Ninguem se recusava a recebel-o, e todos
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acceitavam com facilidade; mas desde o momento que appareceram nesta casa projectos de lei que tocavam na questão monetaria, despertou-se a attenção publica, tiraram-se para fóra as balanças, a pedra de toque, os preços correntes.de metaes e cambios, e cada um tractou de apurar a moeda, que se mostrava mais vantajosa.
Devo uma explicação ao illustre deputado por Chaves, que tomou parte nesta discussão: e refiro-me á observação de s. ex.ª sobre o meu enunciado, do desejo de que, em vez do especulador, fosse o estado que joeirasse os cruzados novos, para se aproveitar do excesso do pezo que alguns tinham, reduzindo-os a cólons: eu tinha na mente corôas de ouro, obtida a provia troca de metaes, e o illustre deputado por Chaves intendeu, que as corôas deviam ser de prata.
Quiz s. ex. tambem dar-me um conselho que eu acceito e agradeço — que os homens practicos costumam adiar as questões theoricas. Alas a mim não me resta, para poder tornar parte nesta discussão, senão recorrer ao que estudei nas aulas, e ao que vejo nos livros; e em verdade a observação de s. ex.ª faz-me descrer da sciencia, que deve ser abandonada, quando chegar o momento da applicação.
No entanto parece-me que Peel não fechara os litros da sciencia, quando tractou da refórma que fez; a Hollanda, a companhia das Indias, os Estados Unidos, e a Inglaterra tambem não condemnaram os principios (que não são senão o resumo apurado dos factos) ] ara regular a propria questão monetaria.
S. ex.ª estranhou, que eu houvesse impugnado o projecto, sem o substituir por outro. Dê-me licença para observar, que adoptei o projecto da illustre commissão de commercio e artes u Parece a commissão que o projecto não deve ser approvado por outras palavras, parece á commissão, que o direito da saida da prata deve ser de 100 reis por marco.
Permitta-me ainda o perguntar-lhe: s. ex.ª, que combateu os actos da dictadura, apresentou 235 projectos de lei?
Alas porque eu disse, e melhor o illustre relator da commissão de commercio e artes, que o mal que existia, só tinha remedio na refórma monetaria, s. ex.ª estranhou que se tractasse do projecto em discussão, e não desse projecto a fizer; mas por uma coincidencia notavel, um outro deputado, o sr. Alves Martins, censurou-me por ler entrado na questão monetaria, o que aliás eu não fiz, senão no que prende com a questão sujeita.
Antes de me sentar, peço a attenção do sr. ministro do commercio e artes, sobre a necessidade de pio-mover a existencia de uma folha, de preços correntes regular, como já houve, redigida pelos corretores da pinça. Hoje ha um papel anonymo com esse titulo, mas não merece confiança, não satisfaz ás necessidades do commercio.
Sr. presidente, para se appreciar a importancia do assumpto, não invocaria a difficuldade em que me achei para obter esclarecimentos, para estudar o projecto em discussão, bastara notar que não havendo uma folha commercial, como ha em toda a parte, não se saberá lá fóra o que ha neste mercado, nem os seus preços; e uma condição essencial do commercio são as facilidades.
Na questão da moeda, os proprios zeladores da prata reconhecerão a vantagem de uma tal folha.
Apregoando-se lá fóra, por via de uma folha publica, que havia aqui prata a vender, em termos muito vantajosos, muitos concorrentes viriam, e a praia sairia, mas paga por maior preço; havendo, porém, segredo, póde. esse commercio ser exercido só por um ou dois especuladores, que pagam aquella mercadoria por um preço baixo.
O sr. Jacintho Tavares: — Peço a v. ex.ª tenha a bondade de consultar a camara sobre se a moteria está sufficientemente discutida.
Decidiu-se affirmativamente.
O sr. Maia (Francisco) — Declaro por parte da commissão de fazenda que está acceita a substituição offerecida pelo sr. Santos Monteiro ao artigo 1.º do projecto.
O sr. Presidente — Visto que a commissão de fazenda adopta a substituição offerecida pelo sr. Santos Monteiro, então na fórma do regimento esta toma o logar do artigo, e como a substituição tem tambem um artigo unico, não sei se a camara quererá que a votação verse desde já sobre a especialidade í Vou consultal-a a este respeito.
Decidiu que se votasse a, substituição na especialidade.
E pondo-se logo á votação
1. Se o direito sobre a exportação da prata deve ser elevado? — Decidiu-se affirmativamente.
2. A proposta do sr. Carlos Bento. — Foi rejeitada.
3. A substituição do sr. Santos Monteiro — «É elevado a 1$000 réis por marco o direito de saída da prata em bruto, barras, objectos quebrados e. moeda nacional?» — Foi approvada.
Passou-se ao seguinte:
Projecto de lei n.º 29. — Senhores: A commissão de fazenda examinou a inclusa proposta do iro-verno, tendente a isentar, de pagamento de direitos, emolumentos, e mais despezas, os cereaes e todos os outros generos que forem remeti idos para ilha da Madeira pelas commissões creadas em varios paizes, a fim de serem distribuidos pelos individuos mais necessitados da mesma ilha.
Conformando-se a commissão com os fundamentos do relatorio Intende que a proposta, julgada urgente pela camara, devo ser convertida no seguinte projecto de lei
Artigo 1.º Os cereaes e todos os outros generos de qualquer procedencia remettidos como donativos para serem distribuidos pelas pessoas mais necessitadas da ilha da Madeira ficam isentos de pagar ditei-los e impostos por entrada ou de consumo, emolumentos da alfandega e quaesquer despezas, seja qual fôr a sua denominação.
Art. 2.º A disposição do artigo antecedente é applicavel tanto aos generos que já tiverem chegado á ilha da Madeira para o indicado fim, como aos que similhantemente continuarem a ser ali importados até ao ultimo de dezembro do corrente anno..
Art. 3.º A alfandega do Funchal será encarregada de formar uma estatistica do valor dos generos de que tracta esta lei, e dos direitos e impotos correspondentes que assim deixarem de ser arrecadados.
Art. 4.º Fica revogada toda a legislação em contrario.
Sala da commissão, 3 de maio de 1853. — Francisco Joaquim Maia — Augusto Xavier Palmeirim — Justina Antonio de. Freitas Antonio dos San-
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tos Monteiros Visconde da Junqueira — José Maria do Cazal Ribeiro.
Foi logo approvado na generalidade.
O sr. Justino de Freitas: — Peço que se consulte a camara sobre se quer desde já passar á discussão especial deste projecto.
Decidiu se affirmativamente — E pondo-se. á discussão, e logo a votação o
Artigo 1.º — foi approvado.
Artigo 2.º — approvado.
Artigo 3.º — approvado.
Artigo 4.º — approvado.
Passo use a continuação do projecto n. 28 na generalidade (Vide sessão de 1 4 de maio).
O sr. Vellez Caldeira: — (Sobre a ordem). Como ninguem impugnou este projecto n.º 28 na sua generalidade, por isso para se não gastar tempo inutilmente, por quanto o que se dissesse agora na generalidade, tem de repetir-se na especialidade, peço que se consulte a camara sobre se a generalidade deste projecto está sufficientemente discutida, e no caso affirmativo se quer desde já passar á especialidade, dispensando-se para isso o regimento.
Decidiu que estava discutido na generalidade — E que se passasse á especialidade.
Poz-se pois á discussão o
Artigo 1.º
O sr. Cunha Sotto-Maior; — (Sobre a ordem). Mando para a mesa uma substituição a este projecto n.º 101 da commissão militar do anno passado; porque me parece mais justo, e abrange outras disposições que não leiu aquelle. Se a illustre commissão de guerra concordar nesta substituição, muito bem; se não convier, eu tomarei a palavra para impugnar a proposta da commissão, e sustentar a substituição que offereço.
O sr. Placido de Abreu: — Parece-me que a proposta do sr. deputado Cunha não póde ser admissivel na altura em que vai já a discussão, tendo-se já votado o projecto na generalidade, lira na discussão geral que o illustre deputado podia apresentar uma substituição a todo o projecto, e não agora que só está em discussão o artigo 1.º; na discussão especial o que o illustre deputado póde fazer, é offerecer emendas, substituições, ou additamentos a cada um dos artigos.
Já demais eu devo declarar que a commissão de guerra não póde acceitar a substituição do seu projecto pelo da commissão militar do anno passado.
O sr. Presidente: — Não está presente na mesa o projecto n. 101 do anno passado, mandou-se buscar, e logo que chegue, eu perguntarei á camara se o admitte á discussão no seu artigo 1.º como substituição ao artigo 1.º do projecto n.º 28 em discussão, (Apoiados) e assim irá procedendo-se a respeito de cada um dos artigos que se forem discutindo. (Apoiados.)
O sr. Cunha Sotto-Maior: — Em conformidade do que v. ex. acaba de dizer, mando para a mesa como substituição ao artigo 1.º do projecto n.º 28 deste anno, o artigo do projecto n. 101 do anno passado.
O artigo é o seguinte (Leu.)
Foi admittido.
(N. B. Este projecto está consignado a paginas 94 do vol. 2. deste diario — fevereiro de 1853). O sr. Vellez Caldeira: — Sr. presidente, a commissão de guerra e todos os mais illustres deputados que têem fallado nesta questão, reconhecem que estes officiaes de que se tracta, foram indevidamente reformados: e nele suppo-lo — de que foram reformados contra a lei que eu intendo que devem ser attendidos; mas neste caso o que eu intendo, é que esta camara declare por um acto seu que as reformas dadas a estes officiaes contra a lei são nullas; e não ha deste modo necessidade da intervenção de acto nenhum do governo.
Leva-me a fallar a este respeito não só a justiça que estou persuadido assiste aos officiaes de que se tracta; mas porque me acho compromettido com a minha assignatura no projecto da commissão de guerra do anno passado, de que fui membro, e de que foi presidente o sr. Pestana que o assignou sem declaração alguma. Eu assignei-o com declarações, mas não eram a este artigo 1.º, offerecido como substituição; e por consequencia vejo-me muito mais obrigado a sustentar a substituição que foi mandada para a mesa pelo sr. Cunha, isto é, o artigo 1.º do parecer da commissão de guerra do anno passado.
Como disse, a justiça que assiste a estes officiaes, está reconhecida por todos; o que resta é applical-a por meio da annullação da reforma que lhes foi dada illegalmente.
Intendo por tanto que não póde ser approvado o artigo 1.º do projecto da commissão de guerra, mas que deve sel-o a substituição que é a declaração de que são annulladas as reformas. (Apoiados)
O sr. Camarate: — Sr. presidente, a commissão de guerra examinou esta questão das reformas dos officiaes da guarda municipal, e viu que não se podia fazer della uma questão de (unto vulto como parece que alguem lhe tem querido dar.
Das reformas que se deram a estes officiaes, póde ser que algumas fossem dadas em conformidade de cellas leis que são particulares á guarda municipal; mas se essas reformas foram dadas entrando nisto considerações politicas, estas considerações são o que nós queremos por de parte, (O sr. Cezar de Vasconcellos — Apoiado) e por isso a commissão, querendo que ficassem de parte essas considerações, redigiu o artigo da forma seguinte: (Leu) «É o governo auctorisado a annullar as reformas concedidas por motivos politicos aos officiaes da guarda municipal de Lisboa e do Porto, que assim o requererem. «Redigiu o artigo sem fallar em se as reformas tinham effectivamente sido dadas em conformidade de leis especiaes-, ou em conformidade dessas leis especiaes e por considerações politicas juntamente; abstraiu de fallar nessas leis e casos especiaes. E disse no artigo — que assim o requererem, porque não queria annular as reformas aquelles individuos a quem ellas conviessem. A commissão no seu projecto se leve em vista um fim politico da situação, não leve por certo um fim politico de commissão; e se o tivesse, póde ser que annuisse a alguem que queria que a esses officiaes reformados se applicasse tambem a lei de 16 de dezembro de 1790; mas como a commissão sabia que alguns desses individuos não tinham ainda completado 20 annos de serviço e vinham por consequencia a ser prejudicados pela applicação da lei de 16 de dezembro de 1790, quiz que se elles não estivessem no caso de entrarem nas fileiras do exercito, ficassem nessa posição em que estavam, que posto não seja muito vantajosa, é comtudo muito mais vantajosa para elles do que a
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reforma que lhes dá a lei de 1790 — lei que não dá direito a reforma com vencimento antes de 20 annos de serviço.
A commissão no artigo 1.º do projecto deu ainda maior latitude do que dá o artigo proposto como substituição pelo illustre deputado por Béja, porque não lhe importou mesmo que se tivessem observado alguns preceitos das leis, quando elles fossem de envolta com alguns principios politicos que tenham feito separar esses officiaes da vantagem do accesso. Por consequencia lia no projecto da commissão mais alguma latitude debaixo deste ponto de vista.
A lei que regula a posição em que esses officiaes hoje se acham, é de 1814, não me lembra de quantos de novembro, que alguem diz que está annullada, mas que o não está; é uma lei que reforma os officiaes da guarda municipal, dando-lhes uma certa vantagem de soldo antes dos 20 annos de serviço; e essa lei nunca foi revogada porque quando em maio de 1846 se revogaram algumas leis que tinha feito o governo anterior, foram unicamente a dos juizes, e a lei das aggregações para o exercito, e não é como alguem. (em dito que se annullou essa lei especial que dava reforma a officiaes da guarda municipal sem elles terem 20 annos de serviço. E é a vantagem dessa lei que a commissão teve em vista não fazer perder a esses officiaes, quando não tivessem outra, isto é, se esses officiaes estivessem em máo estado de saude e não podessem entrar nas fileiras do exercito, é essa lei que a commissão lhes quiz fazer chegar, e não leval-os á reforma da lei de 1790.
O artigo 1 º do projecto da commissão de guerra do anno passado diz: São declaradas nullas para todos os effeitos, etc. Não sei qual é a latitude destas para vi as para todos os effeitos. Se é effectivamente para que contem todas as promoções no tempo em que não serviram, devo lembrar que o artigo 1.º da substituição complica com o caso primeiro do urtigo 4. do projecto da commissão; e então vejo-me Obrigado a refutar o artigo que vem como substituição, porque a commissão não póde facilmente retirar a idea que se acha consignada no caso primeiro do artigo 1.º Em toda a parte não se tem dado accesso áquelles individuos que não seriem, isto é, áquelles que não estão em effectividade de serviço; é verdade que se dá aqui o caso politico, e só inste caso póde havei alguma modificação ou consideração particular a respeito deste tempo de contagem nas promoções, posto que não haja o de effectivo serviço.
Por tanto a commissão deixando o artigo 1.º tal qual se apresenta, não prejudica essa questão futura. E eu, sem dizer mais cousa nenhuma, continuo a votar pelo artigo 1.º, salvo alguma pequena modificação na redacção n que me não opponho; e voto contra a substituição inundada para a mesa pelo sr. Cunha..
O sr, D. Rodrigo — Tendo eu tomado a iniciativa neste projecto, esperava que a palavra me tivesse chegado na generalidade para de alguma maneira o sustentar, o mostrar que a illustre commissão de guerra foi menos justa nas alterações que lhe fez, em quasi todos os seus artigos. Não entrarei agora nos argumentos que então desejava apresentar á caiu, na. por que a discussão esta limitado á especialidade; comtudo não posso deixar de fazer sentir que estando de accordo, não só a commissão, senão tambem aquelles que combatem as alterações por ella feitas, em que estas promoções tiveram origem pouco legal, a commissão foi menos justa do que foi a dictadura Palmella, e o governo de (i de outubro que a substituiu. Os officiaes da guarda municipal estão considerados officiaes do exercito pela lei de 5 de março de 1838, a qual lhes garantiu os seus postos, e lhes applicou a lei de 10 de abril de 1835, que dá aos officiaes do exercito garantias e postos que até alli não tinham. Por motivos politicos, que oxalá todos nós esqueçamos, foram reformados, alguns officiaes da guarda municipal em 1844, e até reformados muitos sem soldo: uma lei de 1845 lhes arbitrou uma pensão; e quando em 1810 a dictadura Palmella chegou ao poder, annullou estas reformas; mas essa mesma dictadura reformou depois alguns officiaes; e o' governo de 6 de outubro que se lhe seguiu, igualmente annullou estas reformas.
Sr. presidente, e ha de a regeneração, que tem o caracteristico de ser tolerante, e o distinctivo de querer reunir a familia portugueza, ser menos generoso do que foram os governos de então para com estes officiaes?! Eu intendo que não deve ser.
A illustre commissão de guerra intendeu que devia alterar o art. 1.º do projecto 101 que eu apresentei, deixando ao arbitrio e á vontade do governo fazer ou não essa annullação das reformas; isto corresponde a dizer — que fica ao arbitrio do governo o verificar ou não esta annullação; por quanto se ámanhã mudar o governo que actualmente existe, o vier outro que o substitua, e que não tenha simpathia por esses officiaes, que lhes faz Quando elles requererem, não as despacha; e tanto póde fizer isto que o artigo diz (Leu). Se requererem amanhã 1 ou 4 officiaes, o governo póde despachar um e indeferir os requerimentos dos outros; e está no seu direito.
Portanto ou as reformas foram feilas com legalidade, ou sem ella; se foram com legalidade, a illustre commissão não póde fazer favor a estes officiaes; e se o foram illegalmente, então deve fazer justiça e reparação inteira. A illustre commissão que escolha qual destas duas proposições quizer, que eu acceito as suas consequencias.
Eu tambem linha tenção de apresentar o projecto n. 101 como substituição ao que actualmente se discute; não o fiz por deferencia aos cavalheiros presentes que estão nelle assignados, e que eu conheço lerem em vista favorecer esta classe com a qual não leiu havido bastante generosidade da parte da actual situação, principalmente um delles que tinha mais razão do que eu, e mais interesse, por isso que estes individuos já serviram debaixo das suas ordens. Mas como o sr. Cunha apresentou a substituição década artigo de um a cada artigo do outro projecto, não posso deixar de me ligar ao da sessão passada, por que o acho mais justo e razoavel, e por isso voto por elle.
O sr. Placido de Abreu: — Sr. presidente, a mente da commissão não foi fazer favores, nem faz favoi.es a ninguem, não dá nem póde dar direito a quem o não tem, não lira, não póde nem quer tira-lo áquem o tiver. (Apoiados)
Na redacção do artigo 1.º a commissão o que quiz, foi que as reformas dadas a estes officiaes fossem annulladas, mas só áquelles que requeressem essa annullação; e intendeu que exprimia completamente a sua opinião dizendo — que era o governo auctorisado
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a annullar as reformas concedidas por motivos politicos aos officiaes da guarda municipal de Lisboa e do Porto, que assim o requeressem — já se vê que isto é facultativo, e não perceptivo, porque o governo póde fazer, ou deixar de fazer a annullação; se fôr requerida, deve faze-la, se o não fôr, não a faz.
Porém desde o momento que se levantaram apprehensões sobre este ponto, a commissão de guerra que não tem tenacidade, e que deseja satisfazer a todos os melindres, ainda áquelles que não tenham maior fundamento, não tem duvida alguma. em modificar a redacção do artigo I., e mandar para a mesa uma substituição, na qual se declare muito formalmente — que são annulladas as reformas concedidas por motivos politicos aos officiaes da guarda municipal de Lisboa e do Porto que assim o requererem. (Apoiados) Deste modo estão satisfeitos os melindres dos srs. deputados.
Agora em relação á substituição mandada para a mesa pelo, sr. Cunha, devo dizer, que ella é muito menos vantajosa para esses officiaes do que o artigo 1.º do projecto tal como está; porque nessa substituição ha restricções, e no artigo do projecto não ha absolutamente restricção nenhuma; nessa substituição falla-se em épocas fixas e determinadas, e o artigo é mais amplo, porque quer a annullação das reformas seja qualquer que fôr a época em que ellas foram concedidas. Portanto a commissão é mais ampla, e mais generica, não marca épocas, nem põe restricções; o que deseja, é fazer justiça a todos. (Apoiados.).
Finalmente a respeito, da unica objecção que se apresentou acêrca da reducção do artigo 1.º, fica satisfeita, visto que n commissão tem a docilidade de aliciar o artigo, mandando para a mesa uma substituição no sentido indicado como vou lêr. (Leu)
Uma voz: — Tilando as palavras — que assim o requererem.
O Orador: — Eu intendo que não se faz beneficio a quem o não quer; o illustre deputado sabe isto muito bem. Quem quizer, vai requerer o beneficio de lei, quem não quizer não ha motivo nenhum para se lhe tirar a situação em que se acha. Por consequencia estando assim satisfeitos os desejos dos nobres deputados, parece-me que se póde continuar na discussão dos outros artigos do projecto, e approvar o artigo 1.º como propõe a commissão,
Leu-se logo na mesa a seguinte
Substituição. — a São annulladas as reformas concedidas por motivos politicos nos officiaes das guardas municipaes de Lisboa e do Porto, que assim o requererem >» — Placido de Abreu
Foi admittida..
O sr. Cezar de. Vasconcellos: — Sr. presidente, pouco, tenho que dizei depois da redacção ultimamente apresentada pela commissão de guerra, e que eu não teria difficuldade em approvar de preferencia ao artigo 1.º do projecto n.º 101 do anno passado, porque é uma disposição gerencia, e o artigo do projecto do anno passado marca uma época, dizendo — desde 6 de o outubro de 1844 até 7 de abril de 1851. Ora quando o mino passado se deu ao artigo esta redacção, assegurou-se aos membros da commissão que as reformas dadas em 1811, haviam sido annulladas por um ministerio de que fazia parte V. ex.ª, presidido pelo sr. duque de Palmella. E farto haver um decreto dessa dictadura, que não foi posteriormente revogado, annullando essas reformes dadas em 1844; mas tambem é facto que ha um outro decreto da mesma dictadura, reformando outros officiaes da guarda municipal illegalmente: quer dizer, caiu no mesmo erro que quiz reparar.
E como se tem querido intender que o decreto da dictadura do duque de Palmella que annullou a reforma aos officiaes da guarda municipal, não foi valido, assim como o não foi o decreto da mesma dictadura que reformou outros officiaes da guarda municipal, porque veiu depois a dictadura de 6 de outubro e annullou essas reformas, reformando tambem illegalmente alguns officiaes da guarda municipal; eu em cazo de duvidas, intendo que a redacção do sr. Placido talvez não seja peor uma voz que não vão na substituição mandadas para a mesa essas ultimas palavras — que assim o requererem — porque esta camara não se occupa senão de ver nesta questão se as leis foram ou não cumpridas rigorosamente nas reformas que se deram a estes officiaes. Se as leis foram cumpridas, esta camara nada mais tem que fazer estejam bem ou mal reformados; mas se as leis não foram cumpridas, se foram desprezadas, se estes officiaes foram reformados illegalmente, esta camara occupa-se então de conhecer o negocio, e a sua missão é declarar nullas as leis que fizeram essas reformas, mas sem deixar facultativo aos individuos que soffreram a reforma, o requererem ou não a sua annullação. A nós não nos imporia se depois de publicada esta lei, entre esses officiaes a quem ella vai comprehender, ha um ou outro a quem convenha ficar collocado na posição em que está actualmente; se algum se julgar bem collocado, requeira ao governo que o deixe assim, e o governo obrará como intender; mas a lei não permitte que nenhum official seja reformado só por que assim lhe convem; não permitte que as reformas sejam dadas senão depois de 20 annos de serviço, ou quando por motivo de molestia é julgado incapaz de serviço. E se o contrario acontecesse, a admissão de taes pedidos viria pezar consideravelmente sobre o estado, porque desde o momento e n que um official se considerasse reformado, deixava o logar vago o tinha outro de o ir occupar, fazendo-se por esta foi ma um augmento de despeza consideravel.
Por estes motivos pois desejo eu que na substituição mandada para a mesa pelo sr. Placido se ponha sim a condição de que são annulladas as reformas dos officiaes da guarda municipal, mas sem a clauzula — que assim, o requererem: — porque o são por um acto desta camara, o por não terem sido dadas em virtude das disposições da lei. E depois de passada a lei, está então o governo no seu direito de collocar aquelles que dever collocar, e de reformar aquelles que não estiverem nas circumstancias de servir; ou fazer o que quizer, mas na conformidade das leis.
Quanto ás leis especiaes de que fallou o sr. Camarate sobre a reforma dos officiaes da guarda municipal, não sei que nenhuma haja neste sentido.
A que o illustre deputado citou de 14 de fevereiro de 1845, ha de permittir-me lhe diga que nada tem com a reforma destes officiaes; o seu fim, foi unicamente estabelecer-lhes um vencimento. Eu bem sei que foi um extraordinario favor, tendo por fim tirar da fome e da miseria uns poucos de officiaes que tinham feito muito bons serviços ao paiz na ultima guerra de 32 a 31, alguns que serviram comigo e com o nobre deputado que se acha na minha frente, no re-
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gimento do cavallaria 4, e que todavia não linham direito a soldo. Por tanto ou louvo muito o patriotismo e filantropia dos illustres deputados que votaram aquella lei; mas direi que se continuassem a subsistir os officiaes da guarda municipal de Lisboa e Porto como estavam, se não tivessem sido passados ao exercito pela lei de 61, era uma lei de um favor extraordinario em relação ás reformas dos officiaes do exercito, porque um official do exercito se é capitão, precisa de ler 20 annos de serviço para ler 10000 réis de soldo, e por aquella lei um capitão linha 12$000 réis, e podia ter 5 ou 6 annos de serviço. Já se vê que aquella lei foi uma lei de circumstancias, que tinha por fim dar de comer áquelles individuos, mas por modo algum teve em vista regular a reforma destes officiaes, e a prova de que não foram reformados em virtude della, foi que a lei é posterior á reforma.
Ora agora, para provar ao illustre deputado que sobre este negocio de reforma doí officiaes da guarda municipal tem havido uma grande confusão, não posso deixar de dizer, que consultando ha dois ou tres dias o meu excellente camarada, por quem tenho muita consideração e amisade, o sr. D. Carlos, esse cavalheiro me affiançou que nunca pôde considerar como reformados aquelles officiaes que em 1846 pediu que fossem considerados fóia do corpo, porque em summa era uma crie politica, e s. ex.ª linha o direito como qualquer commandante de ter mais ou menos, ou nenhuma confiança nos officiaes que estavam debaixo das suas ordens; e que já o anno passado linha sido e seria ainda este anno seu defensor na camara dos pares, para não se intender que elle tinha concorrido para a confusão que tem havido a este respeito.
Portanto repito, tencionando eu substituir este projecto pelo do anno passado, o que já não é preciso porque disso se encarregou um illustre cavalheiro amigo meu, não tenho duvida nenhuma em acceitar a substituição do sr. Placido com a condição de se eliminarem as palavras aquelles que o requererem. E permitta-me a camara lhe diga ainda duas palavras a este respeito. Em 46 foram demittidos da guarda municipal pelo duque de Palmella uns poucos de officiaes, isto é, foram reformados illegalmente, porque o que qualquer governo practica illegalmente chamo-lhe illegal, não lhe sei dar outro nome: em 6 de outubro um decreto tambem de dictadura annullou o decreto do duque de Palmella que linha demittido aquelles officiaes; mas, note a camara esta circumstancia, essa annulação deixou de verificar-se só a respeito de um official; por exemplo, o duque de Palmella reformou illegalmente 5 officiaes da guarda municipal, e em 6 de outubro foram alumiadas as reformas de 4, sem desconto do tempo que tinham estado reformados, e ficou só um infeliz a quem não se annullou a refórma. Esse infeliz está hoje juncto com os outros officiaes a quem diz respeito este projecto, e quando se tractar do artigo 4.º é occasião opportuna de eu ser mais extenso a este respeito. Concluo portanto pedindo á camara desculpa de lhe ler occupado a sua attenção por algum tempo, e votando pela substituição do sr. Placido, uma vez que se eliminem as palavras se o requererem.
O sr. Placido de Abreu: — Sr. presidente, a commissão mostrou toda a docilidade apresentando outra redacção; mas se ella leve essa docilidade, tambem não póde cedei da segunda parte do artigo para que a lei lenha applicação só áquelles que o requererem, sendo principio muito conhecido, que não se faz beneficio a quem o não quer; e eu não sei como se possam impugnar as palavras que o requererem: pois se estes individuos é que veem requerer que se faça esta lei, não hão de elles depois ir pedir a sua applicação? A commissão intendeu que devia consignar este principio, e eu como &eu relator declaro que não prescindo desta circumstancia.
Em quanto á lei de 45 já disse o sr. Cesar que é uma lei de favor; e effectivamente excede tudo quanto se tem feito. Pelo alvará de 1700 para os officiaes poderem ser reformados era necessario que tivessem 20 annos de serviço, que se mostrassem impossibilitados, e só lhes era concedida a terça parte do vencimento; em quanto que pela lei de 1845 os capitães da guarda municipal linham 12 mil réis, e os alicies e tenentes 0 mil reis. Foi portanto uma lei de favor, uma lei de benevolencia, não tem parallelo com o que se practica a respeito dos officiaes do exercito.
Em quanto ao artigo propriamente em discussão, a ultima resolução da commissão a respeito delle é a que tive a honra de mandar para a mesa, e tenho muito sentimento de dizer ao nobre deputado que não podemos prescindir da circumstancia que o requererem, porque julgamos isso de ioda a necessidade.
O sr. Cunha Solio Maior: — Começarei, sobre a ordem, por mandar para a mesa uma emenda á substituição que offereci ao artigo 1.º do projecto n.º 28, e é para que em logar de se dizer — desde o dia 6 de outubro de 1816 — se diga — desde o dia 28 de março de 1844. — (Apoiados)
Direi poucas palavras ácerca da materia, porque a divergencia de opiniões versa mais sobre a fórma do que sobre a essencia; todos está o de accordo, não serei pois extenso, nem incommodarei, se incommodo, por muito tempo a camara com as minhas observações.
Mandei para a mesa o projecto n.º 101 da commissão de guerra do anno passado, em substituição ao n.º 28 da commissão de guerra deste anno; porque me pareceu, e ainda tenho esta opinião, que o projecto n.º 101 do anno passado era mais amplo nas suas provisões, mais justo nas suas consequencias, e mais benevolo em todos os seus effeitos do que o projecto n.º 28. (Apoiados)
E necessario historiar a reforma destes officiaes, e fal-o-hei em poucas palavras.
Foram reformados alguns officiaes das guardas municipaes de Lisboa e do Porto; esses officiaes reformados tinham as suas patentes garantidas em virtude das leis de 5 de março de 1838, e 15 de abril de 1835; desde que linham garantidas as suas pai entes não podiam, ou não deviam ser reformados sem attenção a essas duas leis. Porém quando estivessem no caso de ser reformados, em virtude de que lei o deviam ser. Em virtude do alvará de 16 de dezembro de 1790; mas não foram reformados em virtude desse alvará, foram-no em virtude do decreto do 28 de março de 1844! Estando as cousas nestes lermos, e chegando o negocio a esta situação, veiu depois a lei de 14 de fevereiro de 1845, pela qual a illegalidade das reformas foi modificada, mas sómente em quanto ao soldo; porque a situação das reformas propriamente dietas permaneceu a mesma; ai tendeu á situação financeira em que ficaram o, officiaes reformados
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em 1844, por quanto estavam sem vencimento algum; a lei de 1845 estabeleceu uma especie de pensão a esses officiaes. Essa lei tinha um caracter tão especial, ião particular, tão individual, que até no seu artigo 1.º designa os nomes das pessoas a quem se referia; deve agora reconhecer o sr. deputado Camarate a menos exactidão com que s. s. intendeu que devia citar uma lei, que por caso algum linha referencia á illegalidade da reforma, e que o argumento que s. s.ª adduziu a favor da sua opinião, fundando-se na disposição desta lei, não tem cabimento.
A illegalidade da reforma está reconhecida: reconhecida ella, é necessario repara-la. Eu quero que a lei seja imperativa, e não facultativa; houve a injustiça, a camara tomou conhecimento della, a camara tem, pois, rigorosa obrigação de reparar essa injustiça. E necessario que a camara reconheça, adopte, obedeça e respeite religiosamente um grande principio incontestavel e incontestado, uma idéa inconcussa, doutrina axiomática; e vem a ser — que nos governos representativos os ministros teem o governo, mas não o -poder. Nós temos, por via de regra, idéas erradas do systema pelo qual actualmente nos regemos. No systema representativo o poder está nas cortes, o poder parte das camaras. E nós, por ignorarmos estes principios, estamos dando o tristissimo documento de desconsiderar a nossa alta missão!
Disse aqui uma vez — não me lembra quando, mas disse-o — que nós, camara, eramos o poder; esta doutrina foi recebida como uma herezia, e com certo estremecimento pelos srs. deputados da maioria; os ministerios no systema representativo lealmente practicado, são emanações humildes do corpo legislativo. Não podemos estar a ceder todos os dias os attributos da nossa importancia parlamentar em favor do governo; não devemos estar consentindo que todos os dias sejam calcadas aos pés as nossas regalias. Eu pela minha parte não estou disposto para tanto, não quero abdicar o meu direito; quero conservar esta minha prerogativa; Os srs. deputados, movidos e escravisados por outros intuitos e outras considerações, podem dispor a favor dos Ídolos do dia dos seus direitos e prerogativas como quizerem: a nação revestiu-me de um tal ou qual poder: não estou resolvido a cedel-o. Admiro-me da facilidade com que os illustres deputados cedem de attribuições, para assim dizer, magestaticas.
Quer o sr. Camarate ver a que pessoas certas e determinadas se referia a lei que menos exactamente s. s.ª citou como para attenuar a illegalidade da reforma? Eu vou ler. (Leu)
Já vê o illustre deputado, que não foi modificada a illegalidade da reforma por esta lei. (O sr. Camarote: — Faz favor de ler o artigo Lá vou, porque não desejo deprimir a intelligencia dos meus adversarios. Tenho a idéa constante, o pensamento fixo e determinado de levantar sempre que posso, e tanto quanto posso, os meus adversarios, porque quero torna-los dignos da lucta que travo; quanto maior é o adversario, mais me ennobreço eu na contenda.
O artigo 1.º da lei refere-se só e exclusivamente á parte pecuniaria; isto é, estavam reformados sem soldo; esta lei deu-lhes um tal ou qual vencimento. (Uma voz: — Pequeno) Não discutamos se é grande, se é pequeno. (O sr. ('czar de Vasconcellos. — E pela lei de 16 de novembro de 1814).
O sr. Presidente: — Peço que não haja interrupções.
O Orador — V. ex.ª sabe por experiencia, e já não pequena, que as interrupções não me incommodam; eu recebo-as sempre com gratidão e reconhecimento, porque servem muitas vezes para illustrar a questão.
A questão é a seguinte, em termos claros e precisos: — lia reformados alguns officiaes das guardas municipaes de Lisboa e Porto, em virtude de um decreto illegal; a camara quer destruir essa illegalidade, faz uma boa obra e está no seu direito; mas se a camara realmente quer destruir a illegalidade, deve destruil-a integralmente, e não admittir restricções ou excepções de qualidade alguma. Mas parece ser este o pensamento de alguns cavalheiros, membros da commissão de guerra; ora como é odioso, demasiadamente violento, vir a uma camara estabelecer excepções, que sempre são insupportaveis porque atacam o principio da igualdade; pretende-se por uma tangente, que ainda não pude perceber qual é, restringir o pensamento da lei, por isso que não querem que estas annullações de reformas vão ferir certos officiaes do exercito.
Não estou aqui para advogar os interesse destes ou daquelles individuos, mas sim para advogar a causa da justiça e da legalidade. Se um tenente, um capitão, ou um major graduado ou não graduado, do exercito, propriamente dito, leme ser ameaçado nos seus interesses por um acto de justiça que se faz a estes militares reformados das guardas municipaes, soffra, porque a camara não póde, em virtude de interesses de um ou de outro, suspender um acto de justiça que ella deve religiosamente praticar para com officiaes illegalmente reformados. (O sr. Camarate — Apoiado) Se isto que eu digo é o pensamento da camara, muito bem. (Apoiados)
E notem os illustres deputados que eu não venho tomar parte nela questão movido por intuitos politicos, como desgraçadamente tenho ouvido apregoar ultimamente na camara. Não os deve haverem questões desta ordem. Votemos esta lei, porque é uma reparação politica; desgraçadissimo argumento! Para mim, senhores, em primeiro logar a justiça, depois venha a politica.
Tenho ouvido com assombro e até indignação, para se fazer passar alguns projectos que ultimamente passaram, invocar a parcialidade, e dizer-se — isto é uma reparação politica, devemos isto. — Não, nunca mais façais esta invocação! E escandalosa, deve ferir toda a gente que tiver no coração e na cabeça algumas noções de justiça e sentimentos de dignidade Ha uma injustiça, repare-se. Que me importa a quem se reparou, a que culto pertence; se diz respeito ao homem da minha parcialidade politica, ou ao meu adversario? Não me prendo com essas considerações.
A politica é a moral do individuo applicada á sociedade; se abrirmos mão deste preceito que é toda a politica, toda a moral e toda a dignidade humana, estamos perdidos.
Eu voto por esta lei, não porque diga respeito a officiaes, cartistas, ou a officiaes setembristas; a individuos da politica do lado esquerdo, ou lado direito: voto por esta lei porque esses officiaes foram reformados illegalmente. Esse que está no goso de uma certa posição por effeito de taes reformas, posição que lhe não pertence, esse que desça, e deixe tomar o logar a quem de direito lhe pertence. A camara não póde, para attender a um ou outro homem, sustentar
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actos illegaes e injustos, porque actos injustos e illegaes são todos os que se praticaram com relação ás reformas que se deram aos officiaes da guarda municipal.
Eu, sr. Presidente, não vejo, nem tenho nesta questão motivos ou intuitos politicos, nem os deve haver em questões desta ordem; mas desgraçadamente tenho ouvido apregoar na camara a idéa de — vote-se esta lei, que é uma reparação politica; — intendo que não ha nestes objectos a attender a reparações politicas, ha a attender á justiça: eu, sr. presidente, reparo as injustiças, não me importando se ella diz respeito a um homem da parcialidade politica do lado esquerdo, ou do lado direito. (Apoiados)
Eu, sr. presidente, voto pela substituição ao artigo do projecto: hoje estou perfeitamente de accordo com a camara; estamos hoje muito amigos: nunca suppuz que na minha vida parlamentar havia de ter um dia em que estivesse de accordo com a camara, chegou esse dia, é o de hoje!
E pelo que se tem passado hoje, ou o lado esquerdo está chegado ao lado direito, ou o lado direito está chegado ao lado esquerdo: (Riso) hoje para o lado direito tem-se dado a circumstancia de — coração que desejas, bocca que pedes, satisfeito logo: — tudo tem sido approvado. Eu approvei a proposta relativa á exportação da prata, e como não julgo que o sr. ministro da fazenda tivesse, porque fallou a favor, o poder de violentar a consciencia dos illustres deputados, a camara pesou as observações, que eu fiz, e votou o projecto; (Riso) de sorte que eu tive o prazer de ver hoje um dictador a meus pés! S. ex. o sr. ministro da Fazenda, que o anno passado tinha adoptado a diminuição do direito da exportação da prata por um acto dictatorial, acto que sustentou com tenacidade, de que tomou toda a responsabilidade, s. ex.ª, em virtude das mesmas observações, disse: — Adopto as idéas do meu amigo Cunha, e voto, como elle, pelo projecto, o dicto por não dicto!! — Que mais desejo eu? Nunca na minha vida terei um dia parlamentar como este! (Apoiados — muito bem)
O sr. Presidente: — Está a dar a hora. A ordem do dia para ámanhã será, depois do expediente, dividir-se a camara em commissões. Está levantada a sessão. — Eram quatro horas da tarde.
O 1.º REDACTOR
J. B. GASTÃO.