O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

1600

para suppormos na opposição parlamentar a intenção de empregar meios impeditivos.

Já hontem mostrei quanto tinham sido injustas as censuras que por parte de um illustre collega nosso, que sinto não ver presente, foram dirigidas á commissão de fazenda, a proposito de se haver, no parecer relativo ao orçamento, feito menção especial de uma pequena economia que se dava no ministerio da guerra. E não se argumente agora com a apresentação subsequente do projecto relativo á organisação do exercito, que é um facto posterior, que a commissão não podia prever nem calcular quando lançou aquellas palavras no seu parecer.

Tinha tambem muito a ponderar quanto á pouca importancia que o nobre deputado, a que hontem me referi, dá ao novo systema adoptado para o orçamento do futuro anno economico, pois me parece que a reforma introduzida no orçamento tem um alcance muito maior do que s. ex.ª pretendeu dar lhe. Se é introducção, como de facto é, de um invento estranho, tem, quando menos, direito, como outras introducções da mesma natureza, qual o credito predial, e muitas mais, ao brevete ou patente que geralmente se confere aos introductores de inventos uteis.

E bom reconhecer o serviço dos adversarios quando elle é proficuo ao paiz, porque é bom ser sempre justo (apoiados).

N'essa reforma do orçamento ha mais alguma cousa do que uma questão de methodo, e quando outras vantagens não tivesse, bastava a de coarctar e pôr limites á carta branca, que até aqui têem tido todos os ministros da fazenda, para levantarem os fundos que bem lhes parece, bastava essa que é de uma grande significação.

Não será n'uma assembléa, onde vejo tantos homens, que em diversas epochas e circumstancias têem gerido os negocios publicos, que eu virei pôr em duvida os louvaveis exforços que n'estes ultimos tempos se tem feito para se aperfeiçoar esta peça denominada orçamento.

Algumas palavras disse já com referencia ao que entendo por orçamento. O orçamento é a pedra angular do edificio governamental no systema representativo; systema que substitue á inquisição do real erario a publicidade das contas, do mesmo modo que substitue á inquisição de S. Domingos a tolerencia religiosa, do mesmo modo que vae substituir ao monopolio do tabaco, que é a inquisição dos narizes, uma liberdade que não prejudica os interesses legitimos do estado.

Entretanto, porque o orçamento n'este anno apresentou notaveis melhoramentos, nós commissão de fazenda não quizemos no nosso parecer por fórma alguma sustentar que o progresso estacionava.

O progresso é inimigo de todo o estacionamento, e se o orçamento para o proximo anno economico é mais perfeito, quer dizer, se mais se approxima da verdade, que é n'isto que consiste a perfeição dos orçamentos, do que todos os orçamentes dos annos anteriores, é de esperar, é de crer, é quasi certo, que os orçamentos dos annos futuros sejam muito mais perfeitos do que o orçamento que discutimos.

E isto que em linguagem expressa disse o meu illustre collega relator do parecer na generalidade, o sr. deputado Blanc, que tambem não tenho o goato de ver presente, e senti até certo ponto, que as palavras d'aquelle cavalheiro não fossem devidamente interpretadas e entendidas quando ellas me pareceram tão claras.

Entrarei agora na especialidade do orçamento do ministerio da guerra. Sr. presidente, eu approvo o orçamento, approvo a despeza consignada em cada uma das suas verbas, em cada um dos seus capitulos. Approvo-a, porque sei O escrupulo com que na estação competente este documento é formulado. Approvo-a, porque conheço o zêlo dos empregados que se occupam, com um esmero digno dos maiores elogios, da confecção d'este importante documento.

E direi mais. Na secretaria a que me refiro não só este documento é formulado com escrupulo senão que é tambem observado com bastante rigor a lei orçamental.

Portanto, e pelo modo porque eu encaro a questão que debatemos, não foi para discutir as verbas de despeza do ministerio da guerra que pedi a palavra, mas para discutir a questão intimamente ligada ao orçamento—a questão militar.

A questão militar tem um grande alcance, uma grande significação, pois prendem a ella fortemente a independencia, a autonomia, a ordem, o respeito ás leis, a dignidade e a honra do paiz.

Essa importancia não lh'a nega nenhuma escola séria, porque todas as escolas politicas, dignas de tal qualificação, sabem como os factos sociaes contrariam as doutrinas cerebrinas de todos os socialismos pretenciosamente optimistas. Os factos sociaes de todos os tempos e de todos os povos estão em antagonismo perfeito com essas doutrinas subtis, e quasi impertinentes de uma perfectibidade impossivel.

O sr. Aragão Mascarenhas: — Que são velhas tambem.

O Orador: — Sim, que são velhas tambem. Que são excellentes themas para dissertações academicas, excellente basea para discussões philosophicas, mas que no campo das cousas praticas e na vida dos povos não significam absolutamente cousa alguma.

Portanto invertamos a questão, consideremo-la como ella é, no terreno das realidades, e não nos illudam visões, nem nos deslumbrem chimericos optimismos. Havia no nosso paiz uma organisação militar, que passou por boa, considerando a ainda agora muita gente como tal.

Essa organisação foi derribada pela revolução, quer dizer, por nós os revolucionarios.

Tem ella ainda hoje, como disse, defensores enthusiastas. Em muitos artigos, memorias e escriptos de auctorisados talentos militares, que aliás respeito, vejo dar-lhe gabos.

Entretanto eu não a considero como modelo; entendo que com apparencia de robusta a nossa antiga organisação militar era extremamente fraca.

A nossa antiga organisação militar era uma verdadeira leva em massa. Por ella todos os homens, capazes de algum serviço, eram chamados ás armas; haviam corpos de linha, de milicias, de ordenanças, e corpos intermediarios que se denominavam batalhão de tal terra, batalhão academico, batalhão liberal, batalhão realista; n'uma palavra, era a nação toda em armas, signal de medo, e ò medo em cousas militares é meia derrota.

E porém notavel, sr. presidente, que apresentando essa organisação a força enorme de perto de 200:000 homens debaixo de armas, nunca essa força fosse incapaz sem auxilio estranho mais ou menos effectivo de resistir ao inimigo sempre que o inimigo aggrediu Portugal. Não ha prova mais concludente do que esta da debil organisação d'aquella força. Pois como é que com 200:000 homens se não resiste a quem quer que seja que ataque o reino? Metade d'essa força é sufficiente, quando bem militarmente constituida. E se compararmos as façanhas de alguns milhares de portuguezes que, embarcados nos nossos antigos galeões, foram fazer descobertas e conquistas de terras longicuas, e pelejar batalhas em todas as latitudes do globo; se compararmos, digo, tão admiravel vigor com a debilidade da força da metropole, havemos de convir em que essa organisação, tão elogiada, tinha vicio organico e não correspondia aos fins. Tenho para mim como certo que, comquanto o exercito que hoje temos seja muito menos numeroso do que aquelle que tinhamos pela organisação antiga, elle é todavia um melhor nucleo militar. Tem menos soldados, é verdade, mas está mais bem armado, mais bem equipado, mais bem vestido, tem mais instrucção theorica, e tem sobretudo uma excellente lei de recrutamento que seria a melhor de todas as organisações militares, se d'ella podessemos tirar as isenções e privilegios que ainda tolera, isenções e privilegios que tolhem o seu effeito salutar.

Não o podemos fazer n'esta legislatura, e temos durante ella estado sempre de correias ás costas e de guarda á lei do recrutamento, sitiada, assaltada e posta em échec pelas forças do campanario, que é egoista, e que alem da circumscripção da parochia não vê nem reconhece o paiz.

Tenho comtudo esperança de que a lei melhorará um dia no sentido que indiquei, de se eliminarem as isenções e os privilegios que, no meu entender, não devem admittir-se no imposto de sangue.

Sem essa reforma da lei eu não vejo meio de realisar plausivelmente o pensamento do nobre ministro da guerra, de elevar a força do exercito em tempo de guerra de 31:478 homens a 70:649 homens, pensamento que eu aceito e louvo. Com a actual lei do recrutamento não é isso possivel, a não ser empregando o cordel, que a fallar a verdade é um triste meio.

O nobre ministro ha de concordar na grande conveniencia de se prepararem as cousas em tempo de paz, e de modo que, sem vexame, sem transtorno nem perturbação o exercito passe promptamente do pé de paz ao pé de guerra, e isso só pôde conseguir se pela organisação rigorosa da reserva, sem copiar á letra organisações estranhas, mas tendo em vista as nossas condições especiaes. Entretanto, apesar da idéa vantajosa que formo do exercito, não me julgue a camara tão preoccupado que não veja nem conheça os defeitos do exercito; tem-nos, e muito grandes, que reclamam remedio e providencias, e toda a attenção e estudo do nobre ministro e dos homens eminentes do exercito. O primeiro defeito do exercito na minha opinião é ter poucos sol dados no pé de paz (apoiados), e pouco material adequado á guerra exclusivamente defensiva a que é destinado (apoiados).

O sr. Palmeirim: — Apoiado.

O Orador: — A falta de força era tempo de guerra remedeia por certo o projecto de organisação militar apresentado pelo sr. ministro da guerra, salvos os inconvenientes e imperfeições que já notei da lei do recrutamento.

Quanto porém ao material de guerra que reclama a nossa situação militar, repugna-me expor á camara, descrever ou dar lhe uma ligeira idéa do estado de penuria em que o paiz se acha n'esse ponto (apoiados), para o qual não posso deixar de chamar a attenção do nobre, ministro da guerra. Estou persuadido que s. ex.ª tem o maior empenho em acudir e remediar aos males que aponto, que podem assumir summa gravidade em dadas circumstancias, que não são provaveis, mas tambem não são impossiveis.

Quando disse que o exercito tinha por missão a guerra exclusivamente defensiva, é porque entendo que nenhuma ordem de interesse nos obriga a fazer na Europa outra guerra. Di-lo a historia, e antes d'ella já o bom senso o tinha dito. E se por veleidades ou influencias estranhas nós esquecermos o grande principio, de que nos não devemos envolver por qualquer modo em alguma das grandes questões europeas, mal nos irá, como sempre tem ido quando temo preterido esse preceito de boa politica portugueza.

Temos a sustentar na Europa a autonomia gloriosa das quinas de sete seculos (apoiados). Temos sustentado, como nenhum outro povo, em todas as outras quatro partes do mundo, a guerra da descoberta, da occupação, da conquista e da civilisação, mediante a qual levantámos um imperio poderoso na America, e outro não menos glorioso na Asia; e temo? ainda diante de nós uma empreza gigantesca e gloriosíssima a qual não foi confiada a povo algum antigo ou moderno: a de fundar um vasto imperio africano entre Angola e Moçambique (muitos apoiados). N'essa campanha devemos empenhar todos os nossos esforços (apoiados).

Nessa campanha em que está pela historia, pelas nossa» tradições gloriosas empenhada a nossa honra, n'essa campanha, digo, devemos empregar todos os meios da guerra offensiva. E se algum dia triumpharmos, como confio, e com certeza espero, nesse dia terá subido bem alto, senhores, o nome d'esta nação (apoiados). Vozes: — Muito bem.

O Orador: — É preciso fixar bem estas idéas quanto á missão militar que a Providencia nos confiou. Antes de fixar essas idéas não ha organisação possivel, porque faltam as bases para ella.

Convem advertir que a guerra offensiva a que venho de alludir não é feita com o exercito propriamente dito; é feita principalmente com tropas especiaes, e os individuos que as compõem são para nós uma especie de zuavos. Os nossos zuavos são os empacaceiros, e as tropas francas de Africa ao lado das quaes alguns destacamentos do nosso, exercito, e os excellentes corpos de linha de ambas as Africas, servem de modelos de disciplina e escolas de firmeza e valor. Assim é que em todos os tempos temos feito aquella guerra admiravel, e admiravel por ser feita pelo povo mais circumscripto da Europa, e que pelos seus limitados recursos parecia o menos habilitado e proprio para tão audacioso commettimento.

Porém esta guerra offensiva, mi generis, e de um caracter particularissimo, que tanto nos tem nobilitado e engrandecido, desde o dobramento do Cabo até hoje; essa guerra é dirigida pelo ministerio competente, e o ministerio da guerra apenas a auxilia com os seus meios e as suas luzes. O fim especial do ministerio da guerra é manter na Europa a posição militar do paiz, é ter um exercito preparado para a defeza da integridade do reino, e para a defeza das suas leis contra quaesquer inimigos.

O que mais tem complicado a resolução do nosso problema militar, que aliás me não parece insolúvel nem mesmo difficil, é não se terem bem fixado as idéas ácerca do que se pretende (apoiados). Se as minhas idéas, quaes as apresento, não são as verdadeiras nem as melhores, fixem-se outras; todo o systema é sustentavel: o peior de todos os systemas é não ter systema.

Não tenho a louca presumpção de que as minhas idéas sejam as melhores; o que peço aos meus adversarios é que apresentem as suas, e em todo o caso que as sigam, que as offereçam e tomem como base de uma organisação, de um systema militar (apoiados).

Ha prevenções, ha erros e idéas falsas a respeito do exercito. Uns consideram o exercito como inimigo nato das liberdades publicas, como se o exercito não tivesse sido em todos os tempos o mais valioso sustentaculo d'ellas (apoiados), como se o exercito não tivesse mesmo nas ultimas guerras civis derramado todo o sangue que correu nos campos da batalha e nos patíbulos. Outros consideram o exercito como uma excrescencia e como um sorvedouro da riqueza publica, como se podesse haver riqueza social sem paz, sem ordem, sem lei; e como te a paz, a ordem e a lei não fossem sustentadas pelo exercito, e não fosse essa a sua missão especial! (Apoiados.)

Outros, admittindo que o exercito é insubstituivel para o caso de guerra, não o consideram proprio para a policia, para o serviço de paz. Mas no fim de contas o que é o serviço de policia senão a manutenção da lei, a manutenção do respeito á auctoridade publica? E não será essa tambem a missão do exercito é missão importantissima?

Nas grandes nações, nos paizes de grandes recursos, divide-se o serviço militar como se dividem outros muitos; separam-se e especialisam-se. Mas é necessario saber que cada nação tem um modo de se constituir, e deve amoldar as suas instituições aos meios de que pôde dispor. Ahi é que está o merito e 0 talento. Eu admiro menos a administração franceza do que admiro a administração da Suissa, da Hollanda e de outros pequenos povos, mais em analogia comnosco do que a França ou Hespanha.

Tenho sido sempre de opinião, como muitos collegas sabem, que se separarmos do exercito o chamado serviço da policia, e dividirmos em dois o serviço militar e de policia, hão de ficar ambos tão mal dotados, tão rachiticos, que por fim não havemos de ter nem um nem outro (apoiados). Ha de haver uma policia que forneça algumas patrulhas ás auctoridades administrativas (Uma voz: — E ordenanças.), ordenanças e outros misteres, e o exercito que podia ser fortificado com esses recursos empregados n'uma policia microscópica, ha de enfraquecer-se, o que redunda em damno do paiz. Tinha muito mais que considerar, mas passarei ao segundo defeito.

O segundo defeito que de ha annos a esta parte padece o exercito está na magreza do pret do soldado (apoiados). Emquanto com louvavel sentimentalismo todos os dias tratámos de melhorar a situação dos empregados publicos a pretexto da carestia das subsistencias (apoiados), só a estes empregados publicos de correias e patrona temos recusado 20 réis diarios para adubarem o caldo de que precisam para fazerem o serviço (apoiados); crueza inaudita para com empregados publicos que não mettem empenhos para o serem (apoiados) que são forçados a aceitar os empregos (riso). É preciso que a urgencia seja forte para que eu, que pertenço á escola dos financeiros timoratos, que tremo quando vejo augmentar 5 réis a despeza publica, tenha constantemente pedido n'esta casa o augmento do pret dos soldados, do que os meus collegas hão de estar lembrados (apoiados). Felicito pois o nobre ministro que soube acudir a esta pungentissima necessidade. E de mais, fê-lo com acrescimo notavel de despeza, porque os 20 réis que propõe de acrescimo de vencimento diario aos soldados já se lhe dava em parte ás escondidas (apoiados) e por consequencia irregularmente. Dei os eu quando tive a honra de ser ministro da guerra, o mesmo tinha feito o meu antecessor e creio que fizeram os meus successores, porque antes de tudo é necessario dar ao soldado ao menos um rancho.