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1602

ainda hoje saudámos como Volney ás ruinas de Palmyra(riso). Quasi todas as terras têem o seu Castello, como sabem, e não é das lutas menos tenazes os que vemos sustentar ás camaras municipaes para se apropriarem de muitos d'elles. Quando se constituiram as nacionalidades com sufficiente robustez, surgiu a idéa da fortificação dos estados; appareceram então as linhas de praças de fronteira.

Ora, ha a notar uma cousa e é—que quando essa idéa teve mais força na Europa e enthusiastas, como hoje têem os caminhos de ferro, nós não eramos nação. Esta circumstancia tem sempre attrahido a minha attenção, e por ella explico a má collocação, mau traçado e pouca força das nossas velhas praças de guerra, salvas bem poucas excepções.

Quando em 1640 reconstruímos a nacionalidade portugueza, tomámos as cousas no estado em que estavam, e tivemos que fazer á pressa, e quasi que debaixo de fogo, praças de guerra, e aproveitar para isso os antigos castellos, bons ou maus, quaes os havia, e ainda hoje existem, começando pela praça de Elvas, a que não dou grande importancia, e peço aos srs. tachygraphos que tomem nota d'isto que digo, e me comprometto a demonstrar perante quem quer que for.

O sr. José de Moraes: — Já está tomada.

O Orador: — Repito, não dou importancia alguma á nossa praça de Elvas em relação á defeza geral do paiz. Por muito tempo a defeza dos estados consistiu em defender uma a uma cada povoação; só depois de muitos seculos é que houve a idéa de defender uma nação inteira em determinados pontos da fronteira, e o pomposo systema de praças de primeira, de segunda e mesmo de terceira linha. Era uma meada (riso). Estudei tambem isso, e nunca pude comprehender bem este systema complicado de guerra: fallo diante de um condiscipulo meu o illustre general o sr. Palmeirim. Vieram os progressos da sciencia e a experiencia da guerra e outras idéas e maximas militares; e nós hoje que vemos? desappareceram os quarteis de inverno, acabaram os sitios, os campos entrincheirados, as marchas penosas mudaram as armas, e consequentemente a pequena e grande tactica, e campanhas que levariam n'outros tempos trinta annos e mais, hoje se decidem em tres mezes. Então n'este estado de cousas pergunto ao nobre ministro da guerra... não exijo, como já disse, que s. ex.ª me responda, isto é uma fórma de argumentar: pergunto a v. ex.ª, á camara, a todo o mundo, n'este estado de cousas quando o ataque é vigoroso e guarda para si a iniciativa que lhe pertence, qual é a consequencia? A consequencia é que a defeza ha de ser feita vigorosa e predisposta para todas as eventualidades, e se não o for é fallaz, mentirosa e inutil. E aonde é que essa defeza pôde ser vigorosa em Portugal se não nos dois grandes centros (apoiados), aonde se reunem todos os recursos, e aonde em posições vantajosissimas ao lado de centenares de bôcas de fogo, fosse o exercito, que desejo muito se organise e se constitua por maneira forte e regular (apoiados), defender-se de poderosos inimigos, e não só defender a nossa independencia e a nossa honra, mas fazer pagar muito caro a ousadia de os aggredir e pôr em duvida? Pois isso, sr. presidente, é o que convem, e se se fizer, sei que não entrará na cabeça da ninguem atacar-nos (apoiados).

Ha vantagem em ter as cousas dispostas e preparadas n'esse sentido, para que nenhum governo se illuda comnosco, isto é para evitar a tentações (apoiados).

Uma voz: — E a idéa do sr. marquez de Sá da Bandeira.

O Orador: — É a idéa do sr. marquez de Sá da Bandeira, é verdade, honra e louvor ao sr. marquez de Sá.

Aproveito a occasião para dizer uma cousa que muito de proposito até agora nunca disse. Fui ministro da guerra, reinando um principe, a quem fui dedicado como rei, e a quem tive sincero e desinteressado affecto do coração; respeitava-o como rei e prezava-o como um grande homem que elle foi (muito apoiados). Devi muitas graças e finezas a esse soberano, a sua memoria inspira em mim um sentimento quasi religioso, que baixará commigo á sepultura (muitos apoiados).

Vozes: — Muito bem.

O Orador: — Recebi d'elle muitas graças, mas nenhumas apreciei tanto como a da minha demissão de ministro. Pedia-a e instei por ella com todas as minhas forças, e no dia em que lhe beijei a mão, agradecendo o haver attendido ás minhas supplicas, fi-lo repassado do reconhecimento por ver realisado o mais auspicioso successo da minha vida. Differentes causas para isso se deram, sendo a primeira e principal d'ellas não me sentir com a força indispensavel para reconstruir e para reorganisar militarmente o meu paiz, segundo a ordem das idéas que entendo devem seguir-se n'uma verdadeira e util organisação. Não me sentindo com essa força, não queria nem devia illudir o meu paiz. Demais, sabia que as idéas do sr. marquez de Sá eram nalguns pontos, não em todos, as minhas idéas e sobretudo no ponto principal da defeza das duas capitães. Esta consideração influia sobejamente, no meu animo para insistir cada vez mais pela minha demissão com a energia de que sou capaz. E de facto o sr. marquez de Sá levantou uma grande idéa (apoiados), um grande principio, qual é o da defeza das duas capitães, e só elle tinha força para isso, idéa e principio que espero não abandonará o nobre ministro da guerra, subordinando a isso toda a organisação militar.

O sr. Palmeirim: — Apoiado, apoiado.

O Orador: — Entendo que se nós formos atacados em força por terra e por mar, não temos defeza possivel. Podemos defender-nos á missilunge, á saragoçana, mas sem exito provavel. Porém se formos atacados por mar e não por terra, ou por terra e não por mar, ou por terra com pouco vigor e por mar, ou por mar, com pouco vigor e por terra, em todas essas tres hypotheses, devemos defender-nos, e seriamos indignos do nome de nação e seriamos o opprobrio das outras nações se não nos defendêssemos (apoiados).

Fallou-se aqui n'um dos meios de defeza mais original de que tenho noticia, é o de defender-nos com prudencia, com moralidade e com justiça (riso). A prudencia, a moralidade e a justiça são tres cousas excellentes, que muito aprecio, entretanto como general não quereria incumbir-me só com esses meios de defender o paiz (apoiados). Se em 1640, se em 1808 nos tivesse vindo á cabeça formar baterias de prudencia e batalhões de moralidade, não estariamos seguramente a discutir aqui como estamos hoje com o caracter de representantes de um nobre povo (apoiados e riso). Se os dinamarquezes, na sua importantissima questão dos ducados, se contentassem com as allianças, e confiassem unicamente nos tratados mais solemnes, que de certo lhe dão bom e incontestavel direito; se confiassem, digo, demasiado nas allianças, na sua prudencia, na sua justiça e moralidade, já tinham perdido não só os ducados senão alguma cousa mais, porque uma desgraça nunca vem só. Talvez tivessem perdido muito, porque a victoria é tentadora, mesmo para allemães.

Uma victoria desperta vontade de outra, e de terceira e quarta, e assim por diante; fizeram muito bem os dinamarquezes em recorrerem ás armas raiadas, ás peças estriadas para sustentarem uma questão de interesse e de honra, e pugnarem pelos seus direitos, emquanto os congressos discutiam. Os congressos, sr. presidente, resolvem de ordinario os casos julgados.

A diplomacia é a chancellaria por onde transitam os factos consummados. E bom não esperar d'ella aquillo que ella não costuma dar.

O fraco não presta para nada. E a diplomacia é fêmea, (riso) tem os seus caprichos e não gosta de fracos. Tenham os dinamarquezes confiança na bayoneta, e nas bôcas de fogo, que em certas situações são o grande argumento a que já o grande Frederico chamou a ultima ratio.

Creio ter feito sentir á camara as minhas idéas militares e o meu systema de defeza do reino: defeza vigorosa em Lisboa e Porto a todo o trance. Estou convencido de que quem atacar Portugal, se dentro de tres mezes o não vencer, errou o golpe e perdeu inevitavelmente a campanha.

N'um paiz como o nosso difficilmente se sustenta um exercito de 100:000 homens por mais tempo em hostilidade sem sacrificios enormes e sem se expor a muitos inconvenientes e perigos senão occupar Lisboa ou Porto. E necessario escolher outros pontos alem das duas capitães que possam, sem distrahir grandes forças servir de apoio á pequena guerra tão querida e propria d'esse paiz, a guerra de guerrilhas.

Isto coadjuvaria a defeza principal das duas capitães. E preciso tambem saber que não ha fortificação alguma que torne o soldado invulneravel. As fortificações abrigam, mas não evitam os sacrificios e os perigos. A defeza das duas capitães demanda intelligencia, valor, e deve custar muitos sacrificios e perda de vidas.

Já uma vez um official de infanteria me disse que = eu fazia os parapeitos muito baixos, de sorte que os soldados ficavam com a cabeça, parte mais nobre do corpo humano, exposta ás balas =. Respondi-lhe: «Não sei que lhe faça; mande os fazer fogo de pernas para o ar» (riso).

E não é bom incutir no soldado a idéa de que as fortificações o dispensam de combater e de se expor; a fortificação é um auxilio e nada mais. Ora quando a fortificação é defendida com valor, então tem muita força.

Sr. presidente, não querendo cansar mais a camara, vou pôr remate ás minhas observações, concluindo por approvar o orçamento.

As allusões que tenho feito á organisação militar, partiram da intima convicção de que ellas ligam com o assumpto que eu queria tratar. Não quiz entrar na apreciação do plano de organisação do exercito que apenas li de corrida, e muito principalmente quando essa organisação me parece feita a contento de todos os interessados (riso). Ella chega a todos; chega mesmo aos contribuintes (riso e apoiados).

E sempre grande fortuna n'um paiz tão exigente como o nosso poder organisar um plano complexo e embaraçoso e que joga com tantos interesses como aquelle, por maneira que satisfaça a todas as vantagens.

Ora o nobre ministro conseguiu isso, e eu lhe dou os meus sinceros emboras. Voto pelo orçamento em discussão.

Vozes: — Muito bem.

O sr. Placido de Abreu (sobre a ordem): — Mando para a mesa cinco pareceres da commissão de fazenda, e mando mais um da commissão de obras publicas e outro da commissão de guerra.

Mandaram-se imprimir.

O sr. F. M. da Costa: — Sr. presidente, quando em dezembro de 1846 entrou em Braga com a divisão do seu commando o general conde do Casal, obrigado pela necessidade teve que levantar do cofre dos orphãos d'aquella comarca a quantia que então ali existia na importancia, salvo o erro, de 2:0005000 réis, que foram applicados para a despeza da guerra por parte do governo da Senhora D. Maria II.

Esta divida sacratissima por que foi contrahida com um cofre publico, e porque pertence a credores tão qualificados como são os infelizes orphãos, foi reconhecida, e já se mandou applicar uma quantia para pagar metade d'ella.

Resta satisfazer, e de prompto, como é de rigorosa justiça, a outra metade, agora que outras dividas menos sagradas, e até só de equidade, se estão pagando generosamente em avultadas e permanentes sommas; e para esse fim é que mando para a mesa a proposta que vou ler, que espero que a camara não hesitará em approvar.

É a seguinte:

PROPOSTA

Proponho que no capitulo 10.° do orçamento do ministerio da guerra, artigo 60.°, verba 6, despezas eventuaes, se inclua a quantia de 1:000$000 réis para o integral pagamento do que falta para perfazer a de 2:000$000 réis, que o general conde do Casal levantou do cofre da comarca de Braga em 1846, para occorrer ás despezas da divisão que então commandava. = Francisco Manuel da Costa.

Foi admittida.

O sr. Cyrillo Machado: — Depois do brilhante discurso que a camara acaba de escutar, proferido pelo illustre deputado e meu amigo, o sr. Garcez, pessoa competentissima para entrar n'este assumpto, é de certo para mim um tanto embaraçoso o tomar a palavra n'esta occasião, e pouco agradavel, porque não poderei attrahir a attenção dos meus collegas, attenção que muitas vezes me tem sido benevolamente dispensada; mas que, como digo n'esta occasião, mal poderei esperar, depois do eloquente discurso que acabámos de ouvir, não podendo eu elevar-me a considerações tão altas como aquellas a que chegou o illustre deputado.

Não encarando o orçamento da fórma por que o illustre deputado o encarou, mais pela generalidade do que pela especialidade, julgava eu que á camara dos senhores deputados competia a discussão pausada e minuciosa de cada verba do orçamento, de cada artigo d'elle, e que seria preterir uma das grandes regalias e das melhores praxes parlamentares discuti-lo da maneira por que se está fazendo.

Vou tratar de alguns pontos, de alguns capitulos, de alguns artigos do orçamento, e chamar especialmente a attenção do nobre ministro da guerra para differentes assumptos.

Não seguirei ponto algum do discurso do illustre deputado, porquanto não me proponho combater ás opiniões de s. ex.ª

S. ex.ª approva o orçamento do ministerio da guerra, e eu approvo-o tambem. S. ex.ª entende que o orçamento é a descripção em algarismos, em geral, do estado de organisação dos serviços publicos; eu estou de accordo, considero tambem o orçamento como a expressão em algarismos do estado da administração do serviço publico.

Não posso entretanto contestar á camara o direito de augmentar, diminuir e alterar as verbas do orçamento, porque deixaria elle de ser uma lei se não podesse ser alterado pela iniciativa dos deputados. N'este ponto não estou de accordo com s. ex.ª E parece-me mesmo que s. ex.ª reconhecerá que os bons principios reclamam que nós sustentemos o nosso direito de tornar o orçamento uma lei como qualquer outra, que pôde ser modificada segundo for julgado pela maioria da camara.

Eu vi o parecer da illustre commissão de fazenda em que se indica a economia importante que se fez no orçamento do ministerio da guerra. Já o illustre deputado alludiu á estranheza que nos fizera o mencionar-se a reducção apresentada n'este orçamento de 220$000 réis.

Ora realmente quando a proposta do governo importava a despeza de tres mil e tantos contos, quando desde 1857 têem constantemente augmentado as despezas n'esta repartição do estado, sem que tenham por isso augmentado as commodidades do exercito, do verdadeiro exercito, d'aquelle que serve debaixo das armas; maravilhei me ao ver o illustre relator da commissão extasiar se em frente da verba de 220000 réis de economia no orçamento d'este ministerio.

Esta camara recorda-se, e não pôde deixar de se recordar, de quanto pelos illustres deputados ou pela escola a que pertencem os illustres deputados que hoje formam a maioria d'ella, era combatido o orçamento do ministerio da guerra, por occasião de presidir aos negocios d'aquella repartição, o illustre, o nobre e o intelligente marechal [duque de Saldanha, quando existia a repartição do commando em chefe do exercito que se julgava uma grande calamidade para a existencia do mesmo exercito, ou, que sei eu, um ataque ás instituições e ás liberdades publicas; que não deixava ao governo a faculdade de administrar conveniente e desembaraçadamente os negocios publicos. Então era combatida pelos illustres deputados a excepção na verba da despeza de dois mil e tantos contos de réis, e hoje não o é a de mais de tres mil a que, segundo a proposta da commissão, se elevou o orçamento d'aquelle ministerio!

Não digo isto porque combata este orçamento, ou porque julgue excessiva a verba que o illustre ministro pede para manter a sua repartição. Eu entendo que o exercito continuará a não ser exercito emquanto o ministerio da guerra for dotado com esta quantia, que não chega para sustentar um exercito para defender o paiz como elle deve ser defendido.

A economia no ministerio da guerra não está em ter um exercito barato; a economia no ministerio da guerra está em ter um exercito que sirva para sustentar a integridade do paiz; um exercito que, como muito bem disse o meu illustre collega e amigo, sirva para a defensa do paiz.

Mas para que um exercito sirva para a defensa do paiz é preciso que esteja organisado convenientemente em todas as suas partes; que haja pontos fortificados em que se opoie, que os soldados se exercitem no manejo das armas, que se lhes dêem as armas geralmente usadas para se costumarem com ellas, e que alem d'isso os soldados sejam válidos, que tenham saude.

Ora pergunto eu ao nobre ministro: o augmento de despeza que successivamente tem tido o ministerio da guerra tem trazido comsigo o augmento das commodidades e vantagens para o exercito activo, para aquelle que faz serviço, para os officiaes que effectivamente se acham em serviço nos corpos, e para os soldados que estão constantemente com as correias ás costas?

Tem o augmento de centos de contos de réis, que tem