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CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

SESSÃO EM 17 DE MAIO DE 1864

PRESIDENCIA DO SR. CESARIO AUGUSTO DE AZEVEDO PEREIRA

Sectários os srs.

Miguel Osorio Cabral

José de Menezes Toste

Chamada — Presentes 61 srs. deputados.

Presentes á abertura da sessão — Os srs. Adriano Pequito, Annibal, Vidal, Ayres de Gouveia, Quaresma, Brandão, Gouveia Osorio, A. Pinto de Magalhães, Mazziotti, Pereira da Cunha, Pinheiro Osorio, Pinto de Albuquerque, Magalhães Aguiar, Palmeirim, Garcez, Bispo Eleito de Macau, Freitas Soares, Ferreri, Cyrillo Machado, Cesario, Almeida Pessanha, Poças Falcão, Fortunato de Mello, Bivar, Abranches Homem, Coelho do Amaral, F. M. da Costa, Guilhermino de Barros, Medeiros, Silveira da Mota, Mendes de Carvalho, Fonseca Coutinho, J. J. de Azevedo, Aragão Mascarenhas, Sepulveda Teixeira, Albuquerque Caldeira, Matos Correia, Mello e Mendonça, Neutel, J. Pinto de Magalhães, Faria Guimarães, Galvão, Alves Chaves, Figueiredo Faria, Costa e Silva, Frasão, Alvares da Guerra, José de Moraes, Gonçalves Correia, Batalhós, Julio do Carvalhal, Camara Falcão, Martins de Moura, Alves do Rio, Manuel Firmino, Sousa Junior, Murta, Miguel Osorio, Modesto Borges, R. Lobo d'Avila, Thomás Ribeiro e Visconde de Pindella.

Entraram durante a sessão — Os srs. Garcia de Lima, Braamcamp, Sá Nogueira, Carlos da Maia, Eleuterio Dias, Fontes Pereira de Mello, Mello Breyner, Lopes Branco, Antonio de Serpa, A. V. Peixoto, Zeferino Rodrigues, Barão de Santos, Barão da Torre, Albuquerque e Amaral, Abranches, Beirão, Domingos de Barros, Fernando de Magalhães, Diogo de Sá, F. M. da Cunha, Gaspar Pereira, Gaspar Teixeira, Pereira de Carvalho e Abreu, Sant'Anna e Vasconcellos, Gomes de Castro, J. A. de Sousa, João Chrysostomo, Nepomuceno de Macedo, Joaquim Cabral, Simas, Rodrigues Camara, José da Gama, Sette, Fernandes Vaz, Rojão, Sieuve de Menezes, Menezes Toste, Oliveira Baptista, Mendes Leal, Camara Leme, Freitas Branco, Rocha Peixoto, Pereira Dias, Pinto de Araujo, Monteiro Castello Branco e Placido de Abreu.

Não compareceram — Os srs. Affonso Botelho, Abilio, Soares de Moraes, A. B. Ferreira, Correia Caldeira. Gonçalves de Freitas, Ferreira Pontes, Seixas, Arrobas, Lemos e Napoles, Antonio Pequito, David, Barão das Lages, Barão do Vallado, Barão do Rio Zezere, Oliveira e Castro, Almeida e Azevedo, Carlos Bento, Pinto Coelho, Claudio Nunes, Conde da Azambuja, Conde da Torre, Cypriano da Costa, Drago, Barroso, Fernandes Costa, Ignacio Lopes, Vianna, Borges Fernandes, Gavicho, F. L. Gomes, Bicudo Correia, Pulido, Chamiço, Cadabal, H. de Castro, Blanc, Mártens Ferrão, Costa Xavier, Calça e Pina, Ferreira de Mello, Torres e Almeida, Coelho de Carvalho, Lobo d'Avila, Veiga, Infante Pessanha, Luciano de Castro, D. José de Alarcão, José Maria de Abreu, Casal Ribeiro, Latino Coelho, Silveira e Menezes, Levy Maria Jordão, Affonseca, Alves Guerra, Mendes Leite, Sousa Feio, Ricardo Guimarães, Charters, Moraes Soares, Fernandes Thomás, Simão de Almeida, Teixeira Pinto e Vicente de Seiça.

Abertura — Á uma hora da tarde.

Acta — Approvada.

EXPEDIENTE

1.° Um officio do ministerio do reino, acompanhando a seguinte

PROPOSTA DE LEI N.° 107-D

A camara municipal da Mealhada pretende levantar um emprestimo de 1:500$000 réis, destinado para pagamento de expropriação de terrenos de que ella carece.

Expõe a camara que em consequencia da construcção e abertura do caminho de ferro do norte, a Mealhada se tem tornado o centro do commercio com a Beira e com a Figueira, que começam a ser procurados terrenos para a construcção de armazens de deposito, que é indispensavel abrir novos arruamentos e estabelecer um mercado que falta á villa, e que a sua crescente importancia torna indispensavel, que é portanto preciso lançar mão de terrenos particulares por meio de expropriação para utilidade publica, a fim de se occorrer a estas imperiosas necessidades da, cabeça do concelho.

Comquanto não seja avultada a despeza que as expropriações demandam, ainda assim não póde ella ser custeada pelas receitas ordinarias do concelho, que não excedem a 1:441$662 réis, e d'aqui vem a necessidade de recorrer ao credito.

Para assegurar o serviço do emprestimo propoz a camara que o imposto sobre o consumo da carne seja elevado a 4 réis em kilogramma, que similhantemente seja elevado mais 2 réis o imposto de consumo sobre cada quartilho de vinho, e que nas outras bebidas espirituosas este imposto seja de 10 réis. Com esta aggravação os impostos de consumo ficarão sendo de 10 réis em kilogramma de carne e de 10 réis em quartilho de vinho ou de qualquer outra bebida espirituosa, o que não torna estas contribuições onerosas.

Calcula a camara que os reaes addicionados ás contribuições indirectas produzirão 300$000 réis, e juntando se a esta somma o rendimento do mercado que se projecta construir, ficará plenamente assegurado o juro do emprestimo e margem para uma larga amortisação.

A utilidade e necessidade do emprestimo pareceu ao governo sobejamente demonstrada pelas explicações que ficam dadas, as quaes o governador civil e o conselho de districto de Aveiro julgam attendiveis; e porque convem auxiliar, tanto quanto a prudencia o permitte, os commettimentos das camaras para melhorarem a situação material e moral dos concelhos, e o projectado emprestimo não põe em risco a regularidade das finanças municipaes; tem por isso o governo a honra de submetter á vossa approvação a seguinte proposta de lei:

Artigo 1.° É auctorisada a camara municipal da Mealhada a contrahir um emprestimo da quantia de 1:500$000 réis, com o juro que não exceda a 6 porcento ao anno.

Art. 2.° O emprestimo de que se trata será exclusivamente applicado á expropriação de terrenos particulares que a camara precisa adquirir para o estabelecimento de um mercado na villa, e abertura de novas ruas.

Art. 3.° Para pagamento do juro e amortisação do emprestimo é applicado o imposto de 4 réis em kilogramma de carne e 2 réis em quartilho de vinho, ou outras quaesquer bebidas, addiccionaes aos impostos d'esta natureza já existentes; durando estas imposições extraordinarias até á extincção do emprestimo.

§ unico. A receita proveniente dos ditos impostos e a sua applicação formarão capitulos especiaes no orçamento ordinario da camara municipal.

Art. 4.° Os vereadores ou quaesquer outros funccionarios que auxiliarem ou approvarem o desvio da quantia mutuada ou da importancia dos impostos que serve de garantia, para qualquer outra applicação diversa da que lhe é destinada por esta lei, incorrerão nas penas estabelecidas no artigo 54.° da lei de 26 de agosto de 1848.

Art. 5.° Fica revogada a legislação em contrario.

Secretaria d'estado dos negocios do reino, em 16 de maio de 1864. = Duque de Loulé.

Foi enviada á commissão de administração publica.

2.° Do ministerio da guerra, dando os esclarecimentos pedidos pela commissão de guerra, relativos aos trabalhos feitos no campo de instrucção das Vendas Novas. — Á commissão de guerra.

3.º Do ministerio das obras publicas, dando as informações pedidas pelo sr. Sá Nogueira a respeito dos empregados d'este ministerio, que foram despachados desde 16 de março de 1859 até 4 de julho de 1860. — Para a secretaria.

4. Uma representação da camara municipal de Ponta Delgada, pedindo que se torne extensiva a lei de 16 de julho de 1863 ao concelho d'esta cidade. — Á commissão de administração publica, ouvida a de legislação.

SEGUNDAS LEITURAS

PROPOSTA

Proponho que, depois de discutido o orçamento do ministerio da justiça, entre em discussão o projecto n.° 74, que trata da dotação provisoria do clero. = Quaresma.

Foi admittida.

O sr. Secretario (Miguel Osorio): — A esta proposta ha o seguinte

ADDITAMENTO

Sem prejuizo do projecto n.° 89, de 1863, denominado = raptos parlamentares =, cumprindo-se a votação da camara. = José de Moraes Pinto de Almeida.

Foi admittido.

O sr. Presidente: — Estão em discussão, tanto a proposta como o additamento.

O sr. José de Moraes: — Approvo a proposta do illustre deputado, o sr. Quaresma, porque quero tambem que se discuta o projecto que diz respeito á classe ecclesiastica; mas a camara não póde, sem reconsiderar, votar que se discuta primeiro o projecto do illustre deputado, depois de ter decidido por uma votação de 58 votos contra 7, que em seguida ao orçamento ou a qualquer projecto de iniciativa do governo se discutisse o projecto n.° 89, do anno passado (apoiados).

Parece-me que é da dignidade d'esta camara não se encerrar sem se votar este projecto (apoiados), que foi recebido por esta camara com geral applauso, como disse um illustre deputado que estou vendo, o sr. Francisco Coelho do Amaral, meu particular amigo, que tambem assignou este projecto.

Se se não quer votar o projecto, e é necessario dize-lo claro, em voz alta e intelligivel, isto equivale a querer que se continue na carreira encetada ha muito tempo, e que tem desacreditado a bandeira do partido progressista. Nada mais digo; a camara faça o que entender, e eu cumpro com o meu dever instando pela discussão d'este projecto, e faz-me honra ter a meu lado o meu velho amigo, liberal e progressista, o sr. Coelho do Amaral.

O sr. Quaresma: — Parece-me que o meu nobre amigo, o sr. José de Moraes, não tem rasão alguma nas considerações que acaba de apresentar.

O illustre deputado sabe que a camara resolveu que se discutisse o seu projecto, que eu approvo, e já o disse, mas depois da discussão do orçamento. Durante essa discussão tem-se tratado de alguns projectos, e inclusivamente a camara resolveu que depois da discussão do orçamento se tratasse do projecto sobre a abolição da pena de morte; portanto já ha uma resolução em contrario, e n'esta questão parece-me que o illustre deputado não tem rasão, porque o projecto da dotação do clero terá pequena discussão, o não vae prejudicar a discussão do projecto do illustre deputado.

Se s. ex.ª quer realmente que se faça algum beneficio á classe ecclesiastica, não se deve oppor a que se discuta este projecto.

O sr. Coelho do Amaral: — Creio que vigora ainda a resolução da camara, para que na primeira parte da ordem do dia se discuta de preferencia a qualquer outro o projecto denominado dos raptos parlamentares. Eu não gosto da qualificação, mas não lhe sei o numero.

O sr. José de Moraes: — É o n.° 89, de 1863.

O Orador: — É o projecto n.° 89, do anno passado. Como porém não ha nenhuma resolução da camara em contrario, persuado-me de que nenhum outro projecto, sem nova votação da camara, póde preferir a este (apoiados).

Se a camara, por uma reconsideração, retira da discussão o projecto n.° 89, do anno passado, não me parece isso nem justo nem conveniente nem politico. A importancia d'esse projecto, já o disse e repito, foi reconhecida pela camara pelo modo como o recebeu, quando foi apresentado pelo meu illustre amigo, o sr. José de Moraes, e pela maneira por que foi tambem recebido o parecer da respectiva commissão sobre este projecto.

Receio que o paiz não considere muito vantajosamente para esta camara a preterição d'este projecto, ou o esquecimento d'elle; e se assim acontecer, não sei como isso poderá ser considerado com relação a esta camara.

Desejo que este projecto se discuta, não só para ver convertidas em lei as doutrinas que elle consigna, mas porque tenho um vehemente desejo de que esta camara se não colloque em uma posição em que não quizera vê-la, reconsiderando sobre esta importante questão.

A questão hoje para mim tem duas faces, tem a face doutrinal, que não póde deixar de se respeitar, e tem outra face particular, particularissima, para esta camara.

Se nós não votarmos este projecto ha de dizer-se que é porque a camara não quer que as disposições que elle contém vão estorvar o intuito de quem quer que seja (e não attribuo isto a nenhum membro d'esta casa; estou longe d'isso), mas póde considerar-se assim; e a esta versão é que não quero de modo algum que demos margem, nem que possa passar com qualquer pretexto de probabilidade.

Entendo que é do decoro, da dignidade e da conveniencia da camara, do governo e de todo o partido liberal, que esta sessão se não encerre, que esta legislatura não finde,

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sem deixar bem consignado este principio (apoiados), e sem remover de cima dos seus membros a suspeita de que a preterição d'este projecto, possa levar o desígnio de aproveitar a alguem.

Estou muito longe, repito, de attribuir a nenhum dos meus collegas este pensamento, porque não duvidaria, em qualquer parte, de prestar o testemunho de homenagem, de integridade e pureza de intenções a todos os meus collegas.

No que nao posso concordar com o meu velho amigo, o sr. José de Moraes, é que o esquecimento, a preterição da discussão d'este projecto importe um desdouro e lance uma nodoa na bandeira do partido progressista. O meu nobre amigo levou demasiadamente longe o rigor das suas apreciaçes.

E de conveniencia, é de interesse do partido liberal, sem distincção de côres, sem distincção de parcialidades, de progressistas e de conservadores (Ó sr. José de Moraes; —De todos.), de historicos e de regeneradores, que este projecto, depois de ter entrado n'esta casa, saia d'ella convertido em lei (apoiados); isto é que importa ao credito, ao decoro e á honra do partido liberal.

A camara não pôde ter perdido da lembrança, a recepção benevola, a ovação enthusiastica com que este projecto foi recebido; mas se agora o esquecer para o lançar no limbo; se o deixar na mesa sem o trazer á téla da discussão, a camara dá testemunho de que foi fictício e phantastico aquelle enthusiasmo, e que, longe de ser, a expressão do seu verdadeiro sentimento, era uma demonstração de escarneo. Mas parece-me que de modo algum pôde a camara querer que assim se traduzam as demonstrações e o testemunho que deu a este pensamento, altamente politico, quando aqui foi apresentado.

Entendo que a camara não pôde reconsiderar a, sua votação, por força da qual, sem preterição de alguns projectos da iniciativa do governo, que foi a condição com que a camara votou, antepoz a discussão d'este projecto a outro qualquer; e espero que manterá a sua resolução.

O sr. Poças Falcão: — Creio que se discute a proposta do sr. Quaresma, para que entre em discussão o projecto provisorio da dotação do clero...

O sr. Quaresma: — E isso mesmo.

O Orador: — Tendo me pronunciado já contra este projecto, não podia deixar de pedir a palavra para combater que entrasse agora em discussão; roubando-se á camara tempo, que se poderia aproveitar em objectos de mais importancia e de mais decidida conveniencia publica (apoiados).

Eu não receio que se me diga que ha alguns ecclesiasticos ou parochos no meu districto que têem tanto e tanto, porque isso é para mim indifferente, assim como é o julgarem como quizerem das minhas intenções.

Tambem me não dá cuidado o dizer-se que eu quero que o clero morra de fome. El verdade que o meu nobre collega, quando receiou que, com o meu pedido, para que se não discutisse este projecto, o clero morresse de fome, parece-me que me fez injustiça, e alem d'isso reparou pouco para os motivos que eu expuz, para me oppor a que a discussão d'este projecto tivesse logar.

Eu entendo que a actual legislação sobre este objecto é boa; e basta simplesmente notar que os parochos não estão em guerra aberta com os povoa, nem estes com aquelles.

O sr. Quaresma: — Estão.

O Orador: — Não estão nem o podem estar.

Um dos motivos quer teve a lei em vigor, para que se não revissem todos os annos as congruas, foi para que não houvessem todos os annos as questões que haviam entre os povoa e parochos.

O sr. Quaresma: — E as penhoras e as execuções?

O Orador: — Podem telas em todo o caso.

Pois pelo projecto do illustre deputado não ficam tendo as congruas a mesma arrecadação? Ficam; e portanto por dem haver as execuções do mesmo modo.

O unico projecto que livrava das execuções é o que está sobre a mesa (apoiados), e que já foi dado para ordem do dia, porque tem outro systema de pagamento ao clero e de arrecadação do imposto para esse fim.

Emquanto se não livrarem os parochos de andar a pedir directamente dos seus freguezes, muitas vezes pobres, aquillo que têem de lhes dar para seu sustento, não se pôde dizer que acabara as execuções; mas isto é uma couaa que está regulada por uma lei.

O sr. Quaresma: — Não leu o meu projecto.

O Orador: — Li o projecto, mas pôde ser que o não entendesse (riso).

O que me parece é que esse projecto traz comsigo necessariamente a guerra entre os povos e os parochos: os povos a reclamarem por uma parte, os parochos a reclamarem por outra, dando logar á interposição de recursos e a indisposições pessoaes; e sobretudo vão collocar-se novamente os parochos na dependencia da auctoridade administrativa (apoiados), o que é um gravissimo mal, especialmente na occasião presente.

Estou persuadido de que nenhum membro d'esta camara desconhece que, quando se trata de eleições, empregam-se todos os meios, não direi só honestos, mas algumas vezes estes mesmos menos honestos...

O sr. Quaresma: — Lá pelas ilhas.

O Orador: — Cá pelo continente talvez não, é só pelas ilhas! No continente, quando o meu nobre collega dirige e aconselha, não pôde haver senão legalidade e honestidade em tudo; mas eu como vivo nas ilhas tenho esse receio.

O sr. Quaresma: — Sabe das cousas.

O Orador; — Eu não queria tomar muito tempo á camara; mas estes ápartes muitas vezes provocam certas explicações ou certas expressões, que eu não desejaria proferir; creio que todos os meus collegas me fazem essa justiça (apoiados). Mas quando se fazem allusões de certa ordem, não ha remedio senão responder-lhes.

Eu estou persuadido de que a camara não pôde deixar de conhecer a inconveniencia de se approvar um projecto que collocaria os parochos, não só em guerra aberta com os povos, mas tambem n'uma dependencia immediata da auctoridade administrativa; e isto, estando nós tão proximos de uma luta eleitoral: eu quereria mesmo que o governo não conviesse n'isso, porque a occasião não é propria (apoiados).

Se este projecto se approvar e for convertido em lei, é indispensavel que elle produza os seus effeitos. A auctoridade administrativa, que desgraçadamente não pôde deixar de se empenhar para que se vençam as eleições por parte do governo, ha de infallivelmente servir-se d'aquella dependencia em que este projecto vae collocar os parochos, para d'ella tirar força para as eleições, e muitas vezes até para tirar vindicta d'aquelles que não serviram debaixo das suas bandeiras, ou que não se prestaram a satisfazer as suas exigencias. Estou certo de que a camara não ha de querer isto, assim como acredito tambem que o governo ha de reconhecer que, comquanto não se queira servir d'este projecto com fins eleitoraes, entretanto elle ha de produzir os resultados que eu apontei, se porventura for approvado.

Repito pois que a primeira necessidade d'esta camara e do paiz é approvar o projecto da dotação do clero, apresentado pelo sr. ministro da justiça, porque esse projecto é que vae collocar os parochos n'uma posição definida, em que não precisam lutar com os seus freguezes, exigindo-lhes muitas vezes aquillo que estes não podem pagar; e alem d'isso, com a approvação d'esse projecto, o clero deve ficar satisfeito, visto que fica com uma decente sustentação; e o estado cumpre assim com o seu dever.

Maz diz se: «Não se pôde discutir este projecto, nem converte-lo em lei, porque ella não pôde ter effeito, sem que se faça o arredondamento das parochias». Ora digo eu póde-se fazer tudo ao mesmo tempo? Creio que uma das cousas se ha de fazer primeiro.

O projecto do sr. ministro da justiça dispõe-se para ocaso ou para a hypothese de se fixar a divisão de freguezias; e uma vez legislado assim, está claro que depois é que se ha de tratar do arredondamento das parochias; e que não é forçoso que se trate d'esse arredondamento antes da dotação do clero; antes, pelo contrario, parece-me que a lei seria mais equitativa se determinasse as congruas que deviam ter os parochos antes do arredondamento; e digo que seria mais equitativa marcando as congruas antes do arredondamento, porque, marcando-as depois, já isso dava logar a debaterem se interesses particulares. Entendo pois que a dependencia do arredondamento das parochias para se pôr em execução essa lei, não obsta a que se discuta o projecto, e se faça depois a divisão.

Portanto, sendo de uma vantagem tão contestada o projecto que se requer para a discussão, entendo que não deve discutir-se, porque occuparia o tempo que a camara deve empregar em discutir projectos de mais reconhecido interesse, e principalmente o projecto da dotação do clero apresentado pelo sr. ministro da justiça; porque d'esta maneira attender-se-ha a todas as conveniencias, promulgando se uma lei justa, e que trate de remediar os males que está soffrendo o clero (apoiados).

O sr. Sá Nogueira (para um requerimento): — Mando para a mesa dois requerimentos, pedindo ao governo esclarecimentos sobre a despeza que deve resultai para o ministerio da marinha e ultramar, no caso de se applicarem aos officiaes da armada as disposições das propostas do sr. ministro da guerra, tendentes a augmentar os vencimentos dos militares; porque ha um decreto, se me não engano, de 1836, que manda applicar aos officiaes de marinha todas as vantagens que se decretarem para os officiaes de terra.

Mando tambem outro requerimento, pedindo iguaes esclarecimentos ao ministerio do reino, em relação ás guardas municipaes, porque é provavel que as disposições das propostas do sr. ministro da guerra se tornem depois extensivas tambem ás guardas municipaes; e uma vez feito isto? claro está que a despeza resultante do plano de organisação do exercito, apresentado pelo sr. ministro da guerra, não é só a que se apresenta no orçamento do ministerio da guerra e para os ministerios da marinha e ultramar. Isso é claro.

Agora nada direi sobre se mais alguma despeza deve resultar em relação ao serviço do ministerio das obras publicas; isso fica para outra occasião.

Mando para a mesa os requerimentos, e peço a urgencia d'elles, para que os esclarecimentos estejam na camara quando se entrar na discussão do projecto do sr. ministro da guerra.

São os seguintes:

REQUERIMENTO

Requeiro que se peça ao governo, pelo ministerio da marinha, que envie quanto antes a esta camara uma nota demonstrativa da differença entre a despeza auctorisada no orçamento vigente, e a que terá de se fazer no caso de serem applicadas aos officiaes da armada as disposições do plano de organisação do exercito (do actual sr. ministro da guerra) relativos ao augmento de vencimentos. = Antonio Cabral de Sá Nogueira = José de Moraes Pinto de Almeida.

REQUERIMENTO

Requeiro que se peça ao governo, pelo ministerio do reino, que mande quanto antes a esta camara uma nota que demonstre a differença entre a despeza auctorisada no orçamento vigente e a que terá de se fazer com as guardas municipaes de Lisboa e Porto, no caso de lhes serem applicadas as disposições relativas a augmentos de vencimentos, consignados no plano de organisação do exercito, do actual sr. ministro da guerra. = Antonio Cabral de Sá Nogueira = José de Moraes Pinto de Almeida. Foram remettidos ao governo.

O sr. Presidente: — Sobre a proposta que está em discussão estão inscriptos muitos srs. deputados; e eu advirto que são duas horas, e que por isso fica pendente esta discussão para se passar á ordem do dia. Os srs. deputados que tiverem representações, requerimentos ou propostas a mandarem para a mesa podem faze-lo.

O sr. A. V. Peixoto: — Mando para a mesa uma representação do clero do districto da Horta, reclamando contra o projecto de lei que regula a dotação geral do clero, porque se julgam prejudicados com as suas disposições.

Não sendo agora occasião de poder desenvolver os fundamentos da representação, reservo-me para o fazer em occasião opportuna.

O sr. Annibal: — Mando para a mesa um requerimento, pedindo esclarecimentos ao governo.

O sr. R. Lobo d'Avila: — Mando para a mesa uma representação da camara municipal de Felgueiras; peço que se lhe dê o destino competente, para ser convenientemente attendida, como é de justiça, e como requer a importancia do assumpto a que se refere.

O sr. Visconde de Pindella: - Tenho a honra de mandar para a mesa uma representação dos dignos empregados do governo civil do districto de Braga, em que pedem que os empregados das secretarias dos governos civis sejam equiparados, e gosem as vantagens dos empregados das differentes secretarias d'estado, da secretaria da fazenda, e direcções geraes do thesouro publico (leu).

Permitta-me V. ex.ª, sr. presidente, não obstante ter annunciado já o passar se á ordem do dia, que eu acompanhe a remessa d'esta representação com algumas, ainda, que poucas, palavras, porque o devo á justiça do pedido dos seus dignos signatarios, e porque não posso nem devo desde já deixar de lhes agradecer a honrosissima confiança que em mim depositaram, a qual nunca poderei esquecer.

Não esquecerei, prometto.

Sr. presidente, a lei de 8 de setembro de 1859, no seu artigo 24.° e paragraphos, é, como v. ex.ª muito bem sabe, a que trata das aposentações aos trinta annos de bom e aturado serviço, etc.; com um terço do ordenado aos quinze annos, quando se julguem impossibilitados, etc.; e com metade á esse ordenado, aos vinte. A de 10 de setembro de 1861 confirma as disposições do decreto organico de 8 de setembro do mesmo anno, da reforma do ministerio do reino, ordenada pela citada lei. A de 3 de novembro de 1860, finalmente, no titulo 4.°, disposições geraes, no seu artigo 59.° diz que = podem ser aposentados com o ordenado por inteiro os empregados da secretaria d'estado dos negocios da fazenda, e direcções geraes do thesouro, nas mesmas condições e fórma da dos demais empregados das outras secretarias =.

Já se vê pois que se quiz, e com toda a rasão, fazer justiça a estes ultimos empregados publicos; e se se lhes fez igual justiça, pela mesma rasão se deve fazer aos empregados dos governos civis (apoiados). Estão no mesmo caso estes empregados; e é duro e injusto que, depois de terem por tantos annos bem servido o seu paiz, não tenham no fim d'elles ou antes, no fim de sua vida, um futuro certo, como justa paga a esses mesmos serviços (apoiados).

Sr. presidente, eu não quero de maneira alguma abusar, e mesmo não vejo presente o nobre ministro do reino; mas espero que a camara folgará de fazer justiça a esta digna classe de empregados publicos, e espero igualmente da rectidão e cavalheirismo do nobre presidente do conselho, e ministro do reino, que attenderá a tão justa pretensão, justissima mesmo.

Peço a v. ex.ª o dar o destino conveniente a esta representação, que supponho será—o ser remettida á illustre commissão de administração publica, á qual desde já a recommendo á sua imparcialidade e justiça; e eu provarei, quanto em mim possa, aos dignos signatarios d'ella a minha gratidão por tão distincto favor; fazendo votos para que sejam attendidos ainda n'esta sessão (apoiados), e não me poupando a esforços, se tanto fosse necessario, para que o sejam, como espero que serão.

Mando a representação para a mesa.

O sr. Sieuve de Menezes: — Mando para a mesa um requerimento.

O sr. Alves Chaves: — Mando para a mesa uma representação da camara municipal de Lisboa, pedindo ser auctorisada a contrahir um emprestimo até á quantia de 200:000$000 réis para a reconstrucção dos paços do concelho.

Peço á commissão respectiva que dê prompto andamento a esta representação.

O sr. Pereira de Carvalho e Abreu; — Mando para a pésa uma representação da junta de parochia da freguezia de S. Pedro, da cidade Evora, reclamando contra o projecto do sr. deputado Alves do Rio, para serem entregues á camara municipal daquella cidade os restos do palacio de El-Rei D. Manuel.

ORDEM DO DIA

CONTINUAÇÃO DA DISCUSSÃO DO ORÇAMENTO DO MINISTERIO DA GUERRA

O sr. Presidente: — Continua com a palavra o sr. Garcez, a quem ficou reservada da sessão de hontem.

O sr. Garcez: — Usarei por alguns minutos da palavra que v. ex.ª me concede, e continuarei as observações, que hontem não me foi possivel ultimar, sobre o orçamento do ministerio da guerra.

Serei breve em presença da anciedade da camara, bem manifesta quando hontem se requereu e intentou prorogar a sessão até se concluir a discussão do orçamento deste ministerio.

Certamente não temos, nós deputados da maioria, rasão

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para suppormos na opposição parlamentar a intenção de empregar meios impeditivos.

Já hontem mostrei quanto tinham sido injustas as censuras que por parte de um illustre collega nosso, que sinto não ver presente, foram dirigidas á commissão de fazenda, a proposito de se haver, no parecer relativo ao orçamento, feito menção especial de uma pequena economia que se dava no ministerio da guerra. E não se argumente agora com a apresentação subsequente do projecto relativo á organisação do exercito, que é um facto posterior, que a commissão não podia prever nem calcular quando lançou aquellas palavras no seu parecer.

Tinha tambem muito a ponderar quanto á pouca importancia que o nobre deputado, a que hontem me referi, dá ao novo systema adoptado para o orçamento do futuro anno economico, pois me parece que a reforma introduzida no orçamento tem um alcance muito maior do que s. ex.ª pretendeu dar lhe. Se é introducção, como de facto é, de um invento estranho, tem, quando menos, direito, como outras introducções da mesma natureza, qual o credito predial, e muitas mais, ao brevete ou patente que geralmente se confere aos introductores de inventos uteis.

E bom reconhecer o serviço dos adversarios quando elle é proficuo ao paiz, porque é bom ser sempre justo (apoiados).

N'essa reforma do orçamento ha mais alguma cousa do que uma questão de methodo, e quando outras vantagens não tivesse, bastava a de coarctar e pôr limites á carta branca, que até aqui têem tido todos os ministros da fazenda, para levantarem os fundos que bem lhes parece, bastava essa que é de uma grande significação.

Não será n'uma assembléa, onde vejo tantos homens, que em diversas epochas e circumstancias têem gerido os negocios publicos, que eu virei pôr em duvida os louvaveis exforços que n'estes ultimos tempos se tem feito para se aperfeiçoar esta peça denominada orçamento.

Algumas palavras disse já com referencia ao que entendo por orçamento. O orçamento é a pedra angular do edificio governamental no systema representativo; systema que substitue á inquisição do real erario a publicidade das contas, do mesmo modo que substitue á inquisição de S. Domingos a tolerencia religiosa, do mesmo modo que vae substituir ao monopolio do tabaco, que é a inquisição dos narizes, uma liberdade que não prejudica os interesses legitimos do estado.

Entretanto, porque o orçamento n'este anno apresentou notaveis melhoramentos, nós commissão de fazenda não quizemos no nosso parecer por fórma alguma sustentar que o progresso estacionava.

O progresso é inimigo de todo o estacionamento, e se o orçamento para o proximo anno economico é mais perfeito, quer dizer, se mais se approxima da verdade, que é n'isto que consiste a perfeição dos orçamentos, do que todos os orçamentes dos annos anteriores, é de esperar, é de crer, é quasi certo, que os orçamentos dos annos futuros sejam muito mais perfeitos do que o orçamento que discutimos.

E isto que em linguagem expressa disse o meu illustre collega relator do parecer na generalidade, o sr. deputado Blanc, que tambem não tenho o goato de ver presente, e senti até certo ponto, que as palavras d'aquelle cavalheiro não fossem devidamente interpretadas e entendidas quando ellas me pareceram tão claras.

Entrarei agora na especialidade do orçamento do ministerio da guerra. Sr. presidente, eu approvo o orçamento, approvo a despeza consignada em cada uma das suas verbas, em cada um dos seus capitulos. Approvo-a, porque sei O escrupulo com que na estação competente este documento é formulado. Approvo-a, porque conheço o zêlo dos empregados que se occupam, com um esmero digno dos maiores elogios, da confecção d'este importante documento.

E direi mais. Na secretaria a que me refiro não só este documento é formulado com escrupulo senão que é tambem observado com bastante rigor a lei orçamental.

Portanto, e pelo modo porque eu encaro a questão que debatemos, não foi para discutir as verbas de despeza do ministerio da guerra que pedi a palavra, mas para discutir a questão intimamente ligada ao orçamento—a questão militar.

A questão militar tem um grande alcance, uma grande significação, pois prendem a ella fortemente a independencia, a autonomia, a ordem, o respeito ás leis, a dignidade e a honra do paiz.

Essa importancia não lh'a nega nenhuma escola séria, porque todas as escolas politicas, dignas de tal qualificação, sabem como os factos sociaes contrariam as doutrinas cerebrinas de todos os socialismos pretenciosamente optimistas. Os factos sociaes de todos os tempos e de todos os povos estão em antagonismo perfeito com essas doutrinas subtis, e quasi impertinentes de uma perfectibidade impossivel.

O sr. Aragão Mascarenhas: — Que são velhas tambem.

O Orador: — Sim, que são velhas tambem. Que são excellentes themas para dissertações academicas, excellente basea para discussões philosophicas, mas que no campo das cousas praticas e na vida dos povos não significam absolutamente cousa alguma.

Portanto invertamos a questão, consideremo-la como ella é, no terreno das realidades, e não nos illudam visões, nem nos deslumbrem chimericos optimismos. Havia no nosso paiz uma organisação militar, que passou por boa, considerando a ainda agora muita gente como tal.

Essa organisação foi derribada pela revolução, quer dizer, por nós os revolucionarios.

Tem ella ainda hoje, como disse, defensores enthusiastas. Em muitos artigos, memorias e escriptos de auctorisados talentos militares, que aliás respeito, vejo dar-lhe gabos.

Entretanto eu não a considero como modelo; entendo que com apparencia de robusta a nossa antiga organisação militar era extremamente fraca.

A nossa antiga organisação militar era uma verdadeira leva em massa. Por ella todos os homens, capazes de algum serviço, eram chamados ás armas; haviam corpos de linha, de milicias, de ordenanças, e corpos intermediarios que se denominavam batalhão de tal terra, batalhão academico, batalhão liberal, batalhão realista; n'uma palavra, era a nação toda em armas, signal de medo, e ò medo em cousas militares é meia derrota.

E porém notavel, sr. presidente, que apresentando essa organisação a força enorme de perto de 200:000 homens debaixo de armas, nunca essa força fosse incapaz sem auxilio estranho mais ou menos effectivo de resistir ao inimigo sempre que o inimigo aggrediu Portugal. Não ha prova mais concludente do que esta da debil organisação d'aquella força. Pois como é que com 200:000 homens se não resiste a quem quer que seja que ataque o reino? Metade d'essa força é sufficiente, quando bem militarmente constituida. E se compararmos as façanhas de alguns milhares de portuguezes que, embarcados nos nossos antigos galeões, foram fazer descobertas e conquistas de terras longicuas, e pelejar batalhas em todas as latitudes do globo; se compararmos, digo, tão admiravel vigor com a debilidade da força da metropole, havemos de convir em que essa organisação, tão elogiada, tinha vicio organico e não correspondia aos fins. Tenho para mim como certo que, comquanto o exercito que hoje temos seja muito menos numeroso do que aquelle que tinhamos pela organisação antiga, elle é todavia um melhor nucleo militar. Tem menos soldados, é verdade, mas está mais bem armado, mais bem equipado, mais bem vestido, tem mais instrucção theorica, e tem sobretudo uma excellente lei de recrutamento que seria a melhor de todas as organisações militares, se d'ella podessemos tirar as isenções e privilegios que ainda tolera, isenções e privilegios que tolhem o seu effeito salutar.

Não o podemos fazer n'esta legislatura, e temos durante ella estado sempre de correias ás costas e de guarda á lei do recrutamento, sitiada, assaltada e posta em échec pelas forças do campanario, que é egoista, e que alem da circumscripção da parochia não vê nem reconhece o paiz.

Tenho comtudo esperança de que a lei melhorará um dia no sentido que indiquei, de se eliminarem as isenções e os privilegios que, no meu entender, não devem admittir-se no imposto de sangue.

Sem essa reforma da lei eu não vejo meio de realisar plausivelmente o pensamento do nobre ministro da guerra, de elevar a força do exercito em tempo de guerra de 31:478 homens a 70:649 homens, pensamento que eu aceito e louvo. Com a actual lei do recrutamento não é isso possivel, a não ser empregando o cordel, que a fallar a verdade é um triste meio.

O nobre ministro ha de concordar na grande conveniencia de se prepararem as cousas em tempo de paz, e de modo que, sem vexame, sem transtorno nem perturbação o exercito passe promptamente do pé de paz ao pé de guerra, e isso só pôde conseguir se pela organisação rigorosa da reserva, sem copiar á letra organisações estranhas, mas tendo em vista as nossas condições especiaes. Entretanto, apesar da idéa vantajosa que formo do exercito, não me julgue a camara tão preoccupado que não veja nem conheça os defeitos do exercito; tem-nos, e muito grandes, que reclamam remedio e providencias, e toda a attenção e estudo do nobre ministro e dos homens eminentes do exercito. O primeiro defeito do exercito na minha opinião é ter poucos sol dados no pé de paz (apoiados), e pouco material adequado á guerra exclusivamente defensiva a que é destinado (apoiados).

O sr. Palmeirim: — Apoiado.

O Orador: — A falta de força era tempo de guerra remedeia por certo o projecto de organisação militar apresentado pelo sr. ministro da guerra, salvos os inconvenientes e imperfeições que já notei da lei do recrutamento.

Quanto porém ao material de guerra que reclama a nossa situação militar, repugna-me expor á camara, descrever ou dar lhe uma ligeira idéa do estado de penuria em que o paiz se acha n'esse ponto (apoiados), para o qual não posso deixar de chamar a attenção do nobre, ministro da guerra. Estou persuadido que s. ex.ª tem o maior empenho em acudir e remediar aos males que aponto, que podem assumir summa gravidade em dadas circumstancias, que não são provaveis, mas tambem não são impossiveis.

Quando disse que o exercito tinha por missão a guerra exclusivamente defensiva, é porque entendo que nenhuma ordem de interesse nos obriga a fazer na Europa outra guerra. Di-lo a historia, e antes d'ella já o bom senso o tinha dito. E se por veleidades ou influencias estranhas nós esquecermos o grande principio, de que nos não devemos envolver por qualquer modo em alguma das grandes questões europeas, mal nos irá, como sempre tem ido quando temo preterido esse preceito de boa politica portugueza.

Temos a sustentar na Europa a autonomia gloriosa das quinas de sete seculos (apoiados). Temos sustentado, como nenhum outro povo, em todas as outras quatro partes do mundo, a guerra da descoberta, da occupação, da conquista e da civilisação, mediante a qual levantámos um imperio poderoso na America, e outro não menos glorioso na Asia; e temo? ainda diante de nós uma empreza gigantesca e gloriosíssima a qual não foi confiada a povo algum antigo ou moderno: a de fundar um vasto imperio africano entre Angola e Moçambique (muitos apoiados). N'essa campanha devemos empenhar todos os nossos esforços (apoiados).

Nessa campanha em que está pela historia, pelas nossa» tradições gloriosas empenhada a nossa honra, n'essa campanha, digo, devemos empregar todos os meios da guerra offensiva. E se algum dia triumpharmos, como confio, e com certeza espero, nesse dia terá subido bem alto, senhores, o nome d'esta nação (apoiados). Vozes: — Muito bem.

O Orador: — É preciso fixar bem estas idéas quanto á missão militar que a Providencia nos confiou. Antes de fixar essas idéas não ha organisação possivel, porque faltam as bases para ella.

Convem advertir que a guerra offensiva a que venho de alludir não é feita com o exercito propriamente dito; é feita principalmente com tropas especiaes, e os individuos que as compõem são para nós uma especie de zuavos. Os nossos zuavos são os empacaceiros, e as tropas francas de Africa ao lado das quaes alguns destacamentos do nosso, exercito, e os excellentes corpos de linha de ambas as Africas, servem de modelos de disciplina e escolas de firmeza e valor. Assim é que em todos os tempos temos feito aquella guerra admiravel, e admiravel por ser feita pelo povo mais circumscripto da Europa, e que pelos seus limitados recursos parecia o menos habilitado e proprio para tão audacioso commettimento.

Porém esta guerra offensiva, mi generis, e de um caracter particularissimo, que tanto nos tem nobilitado e engrandecido, desde o dobramento do Cabo até hoje; essa guerra é dirigida pelo ministerio competente, e o ministerio da guerra apenas a auxilia com os seus meios e as suas luzes. O fim especial do ministerio da guerra é manter na Europa a posição militar do paiz, é ter um exercito preparado para a defeza da integridade do reino, e para a defeza das suas leis contra quaesquer inimigos.

O que mais tem complicado a resolução do nosso problema militar, que aliás me não parece insolúvel nem mesmo difficil, é não se terem bem fixado as idéas ácerca do que se pretende (apoiados). Se as minhas idéas, quaes as apresento, não são as verdadeiras nem as melhores, fixem-se outras; todo o systema é sustentavel: o peior de todos os systemas é não ter systema.

Não tenho a louca presumpção de que as minhas idéas sejam as melhores; o que peço aos meus adversarios é que apresentem as suas, e em todo o caso que as sigam, que as offereçam e tomem como base de uma organisação, de um systema militar (apoiados).

Ha prevenções, ha erros e idéas falsas a respeito do exercito. Uns consideram o exercito como inimigo nato das liberdades publicas, como se o exercito não tivesse sido em todos os tempos o mais valioso sustentaculo d'ellas (apoiados), como se o exercito não tivesse mesmo nas ultimas guerras civis derramado todo o sangue que correu nos campos da batalha e nos patíbulos. Outros consideram o exercito como uma excrescencia e como um sorvedouro da riqueza publica, como se podesse haver riqueza social sem paz, sem ordem, sem lei; e como te a paz, a ordem e a lei não fossem sustentadas pelo exercito, e não fosse essa a sua missão especial! (Apoiados.)

Outros, admittindo que o exercito é insubstituivel para o caso de guerra, não o consideram proprio para a policia, para o serviço de paz. Mas no fim de contas o que é o serviço de policia senão a manutenção da lei, a manutenção do respeito á auctoridade publica? E não será essa tambem a missão do exercito é missão importantissima?

Nas grandes nações, nos paizes de grandes recursos, divide-se o serviço militar como se dividem outros muitos; separam-se e especialisam-se. Mas é necessario saber que cada nação tem um modo de se constituir, e deve amoldar as suas instituições aos meios de que pôde dispor. Ahi é que está o merito e 0 talento. Eu admiro menos a administração franceza do que admiro a administração da Suissa, da Hollanda e de outros pequenos povos, mais em analogia comnosco do que a França ou Hespanha.

Tenho sido sempre de opinião, como muitos collegas sabem, que se separarmos do exercito o chamado serviço da policia, e dividirmos em dois o serviço militar e de policia, hão de ficar ambos tão mal dotados, tão rachiticos, que por fim não havemos de ter nem um nem outro (apoiados). Ha de haver uma policia que forneça algumas patrulhas ás auctoridades administrativas (Uma voz: — E ordenanças.), ordenanças e outros misteres, e o exercito que podia ser fortificado com esses recursos empregados n'uma policia microscópica, ha de enfraquecer-se, o que redunda em damno do paiz. Tinha muito mais que considerar, mas passarei ao segundo defeito.

O segundo defeito que de ha annos a esta parte padece o exercito está na magreza do pret do soldado (apoiados). Emquanto com louvavel sentimentalismo todos os dias tratámos de melhorar a situação dos empregados publicos a pretexto da carestia das subsistencias (apoiados), só a estes empregados publicos de correias e patrona temos recusado 20 réis diarios para adubarem o caldo de que precisam para fazerem o serviço (apoiados); crueza inaudita para com empregados publicos que não mettem empenhos para o serem (apoiados) que são forçados a aceitar os empregos (riso). É preciso que a urgencia seja forte para que eu, que pertenço á escola dos financeiros timoratos, que tremo quando vejo augmentar 5 réis a despeza publica, tenha constantemente pedido n'esta casa o augmento do pret dos soldados, do que os meus collegas hão de estar lembrados (apoiados). Felicito pois o nobre ministro que soube acudir a esta pungentissima necessidade. E de mais, fê-lo com acrescimo notavel de despeza, porque os 20 réis que propõe de acrescimo de vencimento diario aos soldados já se lhe dava em parte ás escondidas (apoiados) e por consequencia irregularmente. Dei os eu quando tive a honra de ser ministro da guerra, o mesmo tinha feito o meu antecessor e creio que fizeram os meus successores, porque antes de tudo é necessario dar ao soldado ao menos um rancho.

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Para que a camara não pense que ha mysterio na contabilidade do ministerio da guerra, dizei que essa despeza Baia da verba que ha no orçamento, destinada para despezas eventuaes, verba quasi toda absorvida por essa gratificação por tão justificado motivo dada aos soldados. Essa j verba para despezas eventuaes antigamente creio que era; de 30:000$000 réis...

Uma voz: — 35:000$000 réis.

O Orador: — No meu tempo era de 30.000$000 réis; eu tenho memoria.

O terceiro defeito do exercito vou dizer qual é na minha opinião. Antes de o dizer, declaro que não sei, que não posso, que não quero guardar isso a que chamam conveniencias, porque não preciso d'ellas e desdenho de popularidades ephemeras. Gosto de dizer a verdade como ella é. Agrade ou não, hei de dizer os defeitos que encontro no exercito, assim como comecei por declarar quaes eram as perfeições, progressos e grandes melhoramentos que elle tem recebido n'estes ultimos tempos.

Ha no exercito uma grande confusão de leis e regulamentos que prejudicam immensamente o serviço. A legislação militar deve ser simples e laconica, para facilmente ter prompta e infallivel execução. As leis e regulamentações militares devem ser tão claras, que não haja corneta nem tambor que as ignore ou não comprehenda. Ao contrario d'isto, temos uma legislação complicada com faustuoso cortejo de alvarás, decretos e regulamentos de todas as! datas, uns que se cumprem, outros que se não cumprem, 1 alguns que se citam e todos se insarilham uns com os outros, d'aqui não vem senão muito grandes males (apoiados).

Temos no exercito um systema de caridade mal entendido, no excessivo numero de veteranos, e no caracter que I imprimimos de institutos pios ao arsenal do exercito. Ás escolas militares, em logar de lhe darmos o vigor proprio de todos os institutos militares. Ha estabelecimentos militares que com mais propriedade deveriam estar na dependencia do ministerio do reino, do que na do ministerio da guerra, onde estão deslocados e; fóra do seu logar. E a pretexto de caridade e de benevolencia gastam-se sommas que vem a fazer falta para o bom regimen do exercito, e principalmente para a organisação de mais ou melhor infanteria, que se não é a unica cousa boa que ha nos exercitos, é pelo menos uma das mais prestadias.

D'este systema de bonacheirona caridade nas cousas militares, vem mais males que á primeira vista parece.

Nós admittimos nas nossas escolas militares, em logar dos filhos das familias abastadas que podiam pagar as prestações por inteiro, fixadas pelos regulamentos, a infancia desvalida, com exclusão d'aquelles que têem meios, vocação, e muitas vezes requerem e desejam seguir a carreira militar. Resulta que das classes mais desvalidas da sociedade é onde, por via de regra, sáem os officiaes; o que é um grande mal por motivos que me abstenho agora de declarar.

As escolas superiores produzem poucos officiaes de infanteria e cavallaria, porque os que frequentam estas escolas preferem, como é natural, seguir o curso das armas especiaes que lhe offerecem mais vantagens. Estes cursos das armas especiaes são tão longos e tão trabalhosos, que em logar de produzirem officiaes instruídos, mas com vigor, e na força da vida, produzem sabios na decrepitude (riso). Os senhores riem-se, mas é verdade.

Promovemos ao posto de alferes, sargentos de cincoenta annos de idade, e promovemos para todos os postos na hierarchia, militar pelo estricto direito de antiguidade (apoiados). É quanto basta, e é de sobra para que um exercito, ainda o mais vigoroso, caía dentro em pouco tempo n'um estado de languidez mortal...

O sr. Placido de Abreu: — Apoiado. Isso é que se não remedeia; com o principio da antiguidade não ha exercito.

O Orador: — Para provar quanto é mau o systema que seguimos, podia invocar auctoridades respeitaveis nos assumptos de guerra e de boa administração militar, que são cousas ligadas. Os exercites organisam-se no remanso da paz. Antes de irem para o campo da batalha convem prepara-los e adestra-los para isso; e se lá vão em massas desordenadas, mal constituidos e mal commandados, o resultado é pessimo, e sempre fatal para as nações (apoiados).

N'esta parte ha muito que fazer no ministerio da guerra, e tambem não posso deixar de prender a attenção do nobre ministro da guerra aos assumptos a que me tenho referido, e de appellar para a solicitude, que nenhum de nós contesta em s. ex.ª (apoiados). Sr. presidente, as contas relativas ao exercito são de tal modo entrelaçadas umas com outras, que desde que se necessita melhorar alguns ramos da sua administração, é necessario estudar tudo e combinar os differentes e variados elementos que entram n'uma organisação militar.

A questão do ensino militar não é das menos importantes, e a das promoções tambem o não é.

Do que tenho dito a camara facilmente infere que eu não ajuízo bem da nossa escola militar, quero dizer, não a julgo a mais perfeita, não a julgo a mais bem constituida. Já foi peior, mas está muito longe de ser aquillo que deve ser. E que ella não é boa, nem o foi nunca tambem o diz a historia. Basta confrontar alguns documentos fornecidos por grandes capacidades militares da Europa, vindas a este paiz durante a guerra prolongada da revolução de 1640 até á paz no reinado do Senhor D. João V Se confrontarmos esses documentos, alguns dos quaes vem publicados na excellente obra, começada pelo sr. visconde de Santarem, e tão habilmente continuada pelo digno par, o sr Rebello da Silva, lá encontraremos provias infragaveis.

Eu não quero relatar o que dizem esses documentos; quem quizer que leia (riso). Quando isso não bastasse, bastava o facto notorio de que todas as vezes que tem sido necessario entrar o exercito em campanha, a primeira cousa é desfazer o exercito, e reorganisar outro; e quasi sempre para esse fim se tem recorrido aos Lippes, aos Schombergues, aos Beresfords, e a outros.

Ora eu entrego isto á consideração dos meus collegas, e camaradas do exercito, entrego isto á sua consideração; commentem como entenderem, e tirem as consequencias que julguem logicas quanto aos vicios organicos que ha no nosso exercito desde longa data.

E que os ha não tem duvida nenhuma, e tanto que todos os annos por occasião d'esta discussão do orçamento do ministerio da guerra aqui alludem a elles os collegas militares, entoando a ladainha de todos os males, de todas as deficiencias da nossa organisação militar.

Mas qual é o remedio que apresentam? O remedio que apresentam é reformar os velhos mais graduados (apoiados). E o remedio era aceitavel se os serra-filas dos velhos fossem homens novos, porém muitas vezes os serra-filas são ainda mais velhos do que os chefes de fila (apoiados). De maneira que cáe o chefe de fila e entra no logar d'elle, mas sem se poder ter já nas pernas, o respectivo serra-fila (riso).

Não é com taes paliativos nem com taes pannos quentes que se curam vicios da ordem d'aquelles que ha no nosso exercito. A indicação d'elles pôde significar um desejo louvavel de accesso (apoiados), mas não significa por certo o desejo sincero de imprimir vigor na organisação militar. «O accesso rapido, dizia o marechal Soult, em 1831, quando ministro da guerra em França, só na guerra o ha. A guerra é o melhor de todos os meios, a mais poderosa de todas as machinas para abrir o accesso. Um exercito em tempo de paz não pôde ter o mesmo accesso que tem em tempo de guerra». E n'um exercito pequeno como é o nosso tambem não pôde haver o mesmo accesso que ha n'um exercito grande, e que faz a guerra em toda a parte.

E preciso dizer, estas verdades, e talvez não seja mau que haja assim um deputado como eu, com o desassombro necessario para as dizer (apoiados).

O sr. Sá Nogueira: — Apoiado, e a auctoridade sufficiente para isso.

O Orador: — Não, senhor; auctoridade não, mas com sufficiente conhecimento das cousas, pela mesma rasão por que o diabo sabe muito.

Sem entrar a valer nos meios que eu julgo mais efficientes e proprios para prover e remediar aos males profundos e graves do exercito, continuarei a tratar da questão principal. Que a organisação do exercito deve ser subordinada ao genero da guerra defensiva, que tem de sustentar dentro de um pequeno paiz julgo ser ponto em que combinam as nossas primeiras illustrações militares. Considerarei portanto debaixo d'esse aspecto a questão, na certeza de que não exijo explicações do nobre ministro, nem me proponho a controversias com algum dos meus collegas militares. Eu não tenho em vista senão expor a minha opinião. Talvez, é o mais certo, não torno a fallar no assumpto; ainda mais, nas vesperas de nos pedirem contas os nossos constituintes, quem sabe se eu tornarei a fallar n'esta camara. Importa aproveitar a opportunidade para emittir aqui uma opinião.

Eu já disse que a primeira cousa necessaria para fixar uma organisação é assentar nas bases d'ella; e ainda que sabemos que o exercito é destinado á defensiva, exclusivamente, ainda resta saber e fixar qual é o systema de defeza; o systema influe tambem, e muito, e profundamente na organisação.

Ora no..systema de defeza é que não ha accordo. Pergunto eu: defender se ha hoje o paiz como se defendia no tempo dos Vaubons e Azevedos Fortes? A fé de christão, creio que não.

E todavia lendo o relatorio do sr. ministro da guerra que precede o seu plano de organisação fiquei em duvida da epocha em que vivia; e pensei me tinha transportado cem ou cento e cincoenta annos até aos tempos que já foram

E tudo hão duvidas e discordancias! Uns sustentam que o paiz se defende na fronteira, e outros sustentam que a defeza deve concentrar-se na capital. E comtudo estas idéas são inteiramente diversas, e só uma d'ellas ha de ser verdadeira.

A electricidade e o vapor têem feito uma grande revolução no mundo (apoiados).

Já um dos homens mais illustres da França, e distincto senador do senado do imperio, escreveu um livro, com o talento com que elle sabe escrever, que intitulou: A revolução feita pelos caminhos de ferro. É um livro curioso, para a leitura do qual eu convido todos os meus collegas enthusiastas da nosso regeneração pelos caminhos de ferro; é necessario ler aquelle livrinho; vale a pena.

Prescindo da questão no ponto de vista em que é tratada pelo auctor deste livro. Mas pergunto — os caminhos de ferro só fariam revoluções na sociedade civil, e não as fariam tambem na sociedade militar? Pergunto ainda — em presença dos caminhos de ferro, o que são estradas estrategicas e pontos estratégicos? E, finalmente, se os principios de grande tactica ficam quaes eram nos tempos de Frederico e de Napoleão I? Chamo para esta questão a attenção do sr. ministro da guerra e dos meus collegas militares da camara.

Sr', presidente, os conhecimentos humanos são os solidarios. Não ha aperfeiçoamento n'um ramo d'elles que não vá reflectir immediatamente sobre todos os outros. Se tem havido grandes aperfeiçoamentos nas sciencias physicas, chimicas e mechanicas elles hão de forçosamente ter repercutido na sciencia militar. A guerra effectivamente não é hoje aquillo que foi no tempo de Carlos XII, de Luiz XIV e de Napoleão I. A guerra mudou inteiramente de intuitos e de meios, e é necessario dispor as cousas portuguezas em conformidade. A guerra é um flagello insupportavel que a sociedade moderna não soffre senão por pouco tempo, e como uma imperiosissima necessidade. A guerra hoje, por consequencia, faz-se por este modo (riso) e a vapor (riso), e com grandes recursos.

A guerra n'outro tempo era a devastação. A historia da defeza de Portugal contra Castella é a historia das pugnas e correrias entre os aldeões da nossa fronteira e os aldeões do reino vizinho. Um dia eram os castelhanos que vinham roubar os portuguezes, outro dia eram os portuguezes que conseguiam roubar os castelhanos, a isto se chamava fazer a guerra. Ora a guerra hoje não se faz assim, nem se parece nada com isso, é uma cousa inteiramente diversa.

Em primeiro logar a guerra hoje é sujeita a uma conta corrente de deve e ha de haver (riso). Intenta se a guerra, mas antes d'isso calculara-se as vantagens que por ella se obterão e comparam se com as despezas que ella obriga a fazer, e depois acha-se o saldo positivo ou negativo.

É o positivismo do seculo, e segundo elle vejo que nós estamos em vantajosissimas condições, porque não será facil que por nenhuma circumstancia politica se intente contra a nossa independencia, visto que não valemos realmente aquillo que haviamos de custar (riso), haviamos de custar muito, eu não queria associar-me n'este negocio (riso).

Estou persuadido que os acontecimentos do começo d'este seculo, e os manejos dos principes da paz, e outros que temos com pasmo na historia, nunca mais se reproduzem.

Poderá comtudo haver outras cousas. A historia é assim, reproduz em diversos tempos os mesmos factos debaixo de variados aspectos (apoiados); poderão dar se outras combinações e circumstancias, em todo o caso a guerra ha de ser feita de outro modo. E já no tempo do primeiro imperio francez o que vimos nós? Tres vezes foi atacado Portugal. E na primeira em que o foi, a côrte mal teve tempo de embarcar, e nem sequer o teve para metter agua sufficiente a bordo e foi a morrer de sede até ao Brazil. O inimigo entrou na capital sem combater, fez era pedaços a tal organisação militar antiga, vigorosa e modelo, tirou d'ella 6:000 homens apenas que mandou para a França, e ficou senhor do paiz: foi no anno de 1807.

Da segunda vez veiu ao Porto, e já n'essa occasião não -só os patricios do meu illustre collega e amigo; o sr. Francisco Manuel da Costa, nos deram um exemplo do quanto pôde e é capaz o sentimento da nacionalidade num povo, mas o bispo do Porto deu nos uma lição militar para a qual chamo a attenção do illustre ministro da guerra, para que medite n'aquelle facto. Os illustres deputados sabem que me refiro á defeza dos tres dias no Porto. Não ha ninguem que a ignore. Essa defeza de tres dias, com tão tenues meios ainda, deu que fazer aos francezes.

Ora, quando o bispo do Porto se defendeu d'aquella maneira contra forças imponentes, o que poderá fazer um ministro da guerra quando tenha preparado de antemão as cousas militares? Quando o povo indisciplinado se defende daquelle modo no Bomfim e Monte Pedral, o que fará um exercito quando preparado e instruido na guerra?

Por um influxo de circumstancias inherentes á minha vida, já fui fortificador do Porto, conheço a força d'aquellas posições; a natureza dispo-las providentemente para nos ajudar a defender de nossos inimigos. E as posições de Lisboa não são menos fortes.

Não fallo nas linhas de Torres Vedras, porque essas nem eu imagino como se defendem; e se se defendem é contra o inimigo que vem já desasado e batido; guarneçam-nas bem, e qualquer general que tenha 20:000 homens aguerridos ás suas ordens, metterá lá a cabeça e tocará muito bem tocados pelas patronas a tidos os seus defensores. Uma linha de tantas leguas de desenvolvimento não se defende; e se tal linha se não defende, muito menos se defende uma fronteira de 700 kilometros (apoiados).

E não obstante vejo no plano do sr. ministro da guerra todas as praças de guerra da fronteira conservadas e guarnecidas; e alem d'ellas outros pontos fortes que têem de ser commandados por veteranos para apoio... não sei de que (riso).

Estas idéas são inteiramente oppostas ás que tenho, em relação á defeza do paiz. Eu entendo que a nossa defeza nunca se poderá planear e dispor por similhante modo. Se se intentar a defeza do paiz pela das fronteira», o inimigo ha de entrar na capital sem queimar um cartucho, e todas as forças empregadas nas guarnições das praças capitularão irremediavelmente (apoiados). E ao que conduz a escola militar antiga.

Vozes: — Não ha escola.

O Orador: — Ha, sim, senhor, pois o que significa a resurreição das praças e de todas as capoeiras de guerra? Se não ha escola, ha reminiscencias d'ella; tenho lido na Revista militar e noutros escriptos as idéas dos defensores d'esta escola; não sigo a sua doutrina, mas vejo que ha escola, comprehendo-a, e respeito-a porque é inspirada por um sincero amor da patria.

A fortificação, assim como todas as outras sciencias, teve origem em idéas extremamente simples, derivadas da observação dos factos. É depois d'essa observação que veiu a nomenclatura, a classificação, o corpo de doutrina e o methodo. E quando se chega ao estado de ter tudo isso, ha um ramo de sciencia.

A fortificação seguiu esses tramites. A primeira fortificação que houve foi a do individuo; é o vestuario e todas as armas defensivas. Quando o individuo teve uma familia, seguiu-se a fortificação da familia, que é a casa, o posto avançado. Quando te juntaram muitas familias, e houve povoações, veiu a fortificação das povoações; é o castello, que

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ainda hoje saudámos como Volney ás ruinas de Palmyra(riso). Quasi todas as terras têem o seu Castello, como sabem, e não é das lutas menos tenazes os que vemos sustentar ás camaras municipaes para se apropriarem de muitos d'elles. Quando se constituiram as nacionalidades com sufficiente robustez, surgiu a idéa da fortificação dos estados; appareceram então as linhas de praças de fronteira.

Ora, ha a notar uma cousa e é—que quando essa idéa teve mais força na Europa e enthusiastas, como hoje têem os caminhos de ferro, nós não eramos nação. Esta circumstancia tem sempre attrahido a minha attenção, e por ella explico a má collocação, mau traçado e pouca força das nossas velhas praças de guerra, salvas bem poucas excepções.

Quando em 1640 reconstruímos a nacionalidade portugueza, tomámos as cousas no estado em que estavam, e tivemos que fazer á pressa, e quasi que debaixo de fogo, praças de guerra, e aproveitar para isso os antigos castellos, bons ou maus, quaes os havia, e ainda hoje existem, começando pela praça de Elvas, a que não dou grande importancia, e peço aos srs. tachygraphos que tomem nota d'isto que digo, e me comprometto a demonstrar perante quem quer que for.

O sr. José de Moraes: — Já está tomada.

O Orador: — Repito, não dou importancia alguma á nossa praça de Elvas em relação á defeza geral do paiz. Por muito tempo a defeza dos estados consistiu em defender uma a uma cada povoação; só depois de muitos seculos é que houve a idéa de defender uma nação inteira em determinados pontos da fronteira, e o pomposo systema de praças de primeira, de segunda e mesmo de terceira linha. Era uma meada (riso). Estudei tambem isso, e nunca pude comprehender bem este systema complicado de guerra: fallo diante de um condiscipulo meu o illustre general o sr. Palmeirim. Vieram os progressos da sciencia e a experiencia da guerra e outras idéas e maximas militares; e nós hoje que vemos? desappareceram os quarteis de inverno, acabaram os sitios, os campos entrincheirados, as marchas penosas mudaram as armas, e consequentemente a pequena e grande tactica, e campanhas que levariam n'outros tempos trinta annos e mais, hoje se decidem em tres mezes. Então n'este estado de cousas pergunto ao nobre ministro da guerra... não exijo, como já disse, que s. ex.ª me responda, isto é uma fórma de argumentar: pergunto a v. ex.ª, á camara, a todo o mundo, n'este estado de cousas quando o ataque é vigoroso e guarda para si a iniciativa que lhe pertence, qual é a consequencia? A consequencia é que a defeza ha de ser feita vigorosa e predisposta para todas as eventualidades, e se não o for é fallaz, mentirosa e inutil. E aonde é que essa defeza pôde ser vigorosa em Portugal se não nos dois grandes centros (apoiados), aonde se reunem todos os recursos, e aonde em posições vantajosissimas ao lado de centenares de bôcas de fogo, fosse o exercito, que desejo muito se organise e se constitua por maneira forte e regular (apoiados), defender-se de poderosos inimigos, e não só defender a nossa independencia e a nossa honra, mas fazer pagar muito caro a ousadia de os aggredir e pôr em duvida? Pois isso, sr. presidente, é o que convem, e se se fizer, sei que não entrará na cabeça da ninguem atacar-nos (apoiados).

Ha vantagem em ter as cousas dispostas e preparadas n'esse sentido, para que nenhum governo se illuda comnosco, isto é para evitar a tentações (apoiados).

Uma voz: — E a idéa do sr. marquez de Sá da Bandeira.

O Orador: — É a idéa do sr. marquez de Sá da Bandeira, é verdade, honra e louvor ao sr. marquez de Sá.

Aproveito a occasião para dizer uma cousa que muito de proposito até agora nunca disse. Fui ministro da guerra, reinando um principe, a quem fui dedicado como rei, e a quem tive sincero e desinteressado affecto do coração; respeitava-o como rei e prezava-o como um grande homem que elle foi (muito apoiados). Devi muitas graças e finezas a esse soberano, a sua memoria inspira em mim um sentimento quasi religioso, que baixará commigo á sepultura (muitos apoiados).

Vozes: — Muito bem.

O Orador: — Recebi d'elle muitas graças, mas nenhumas apreciei tanto como a da minha demissão de ministro. Pedia-a e instei por ella com todas as minhas forças, e no dia em que lhe beijei a mão, agradecendo o haver attendido ás minhas supplicas, fi-lo repassado do reconhecimento por ver realisado o mais auspicioso successo da minha vida. Differentes causas para isso se deram, sendo a primeira e principal d'ellas não me sentir com a força indispensavel para reconstruir e para reorganisar militarmente o meu paiz, segundo a ordem das idéas que entendo devem seguir-se n'uma verdadeira e util organisação. Não me sentindo com essa força, não queria nem devia illudir o meu paiz. Demais, sabia que as idéas do sr. marquez de Sá eram nalguns pontos, não em todos, as minhas idéas e sobretudo no ponto principal da defeza das duas capitães. Esta consideração influia sobejamente, no meu animo para insistir cada vez mais pela minha demissão com a energia de que sou capaz. E de facto o sr. marquez de Sá levantou uma grande idéa (apoiados), um grande principio, qual é o da defeza das duas capitães, e só elle tinha força para isso, idéa e principio que espero não abandonará o nobre ministro da guerra, subordinando a isso toda a organisação militar.

O sr. Palmeirim: — Apoiado, apoiado.

O Orador: — Entendo que se nós formos atacados em força por terra e por mar, não temos defeza possivel. Podemos defender-nos á missilunge, á saragoçana, mas sem exito provavel. Porém se formos atacados por mar e não por terra, ou por terra e não por mar, ou por terra com pouco vigor e por mar, ou por mar, com pouco vigor e por terra, em todas essas tres hypotheses, devemos defender-nos, e seriamos indignos do nome de nação e seriamos o opprobrio das outras nações se não nos defendêssemos (apoiados).

Fallou-se aqui n'um dos meios de defeza mais original de que tenho noticia, é o de defender-nos com prudencia, com moralidade e com justiça (riso). A prudencia, a moralidade e a justiça são tres cousas excellentes, que muito aprecio, entretanto como general não quereria incumbir-me só com esses meios de defender o paiz (apoiados). Se em 1640, se em 1808 nos tivesse vindo á cabeça formar baterias de prudencia e batalhões de moralidade, não estariamos seguramente a discutir aqui como estamos hoje com o caracter de representantes de um nobre povo (apoiados e riso). Se os dinamarquezes, na sua importantissima questão dos ducados, se contentassem com as allianças, e confiassem unicamente nos tratados mais solemnes, que de certo lhe dão bom e incontestavel direito; se confiassem, digo, demasiado nas allianças, na sua prudencia, na sua justiça e moralidade, já tinham perdido não só os ducados senão alguma cousa mais, porque uma desgraça nunca vem só. Talvez tivessem perdido muito, porque a victoria é tentadora, mesmo para allemães.

Uma victoria desperta vontade de outra, e de terceira e quarta, e assim por diante; fizeram muito bem os dinamarquezes em recorrerem ás armas raiadas, ás peças estriadas para sustentarem uma questão de interesse e de honra, e pugnarem pelos seus direitos, emquanto os congressos discutiam. Os congressos, sr. presidente, resolvem de ordinario os casos julgados.

A diplomacia é a chancellaria por onde transitam os factos consummados. E bom não esperar d'ella aquillo que ella não costuma dar.

O fraco não presta para nada. E a diplomacia é fêmea, (riso) tem os seus caprichos e não gosta de fracos. Tenham os dinamarquezes confiança na bayoneta, e nas bôcas de fogo, que em certas situações são o grande argumento a que já o grande Frederico chamou a ultima ratio.

Creio ter feito sentir á camara as minhas idéas militares e o meu systema de defeza do reino: defeza vigorosa em Lisboa e Porto a todo o trance. Estou convencido de que quem atacar Portugal, se dentro de tres mezes o não vencer, errou o golpe e perdeu inevitavelmente a campanha.

N'um paiz como o nosso difficilmente se sustenta um exercito de 100:000 homens por mais tempo em hostilidade sem sacrificios enormes e sem se expor a muitos inconvenientes e perigos senão occupar Lisboa ou Porto. E necessario escolher outros pontos alem das duas capitães que possam, sem distrahir grandes forças servir de apoio á pequena guerra tão querida e propria d'esse paiz, a guerra de guerrilhas.

Isto coadjuvaria a defeza principal das duas capitães. E preciso tambem saber que não ha fortificação alguma que torne o soldado invulneravel. As fortificações abrigam, mas não evitam os sacrificios e os perigos. A defeza das duas capitães demanda intelligencia, valor, e deve custar muitos sacrificios e perda de vidas.

Já uma vez um official de infanteria me disse que = eu fazia os parapeitos muito baixos, de sorte que os soldados ficavam com a cabeça, parte mais nobre do corpo humano, exposta ás balas =. Respondi-lhe: «Não sei que lhe faça; mande os fazer fogo de pernas para o ar» (riso).

E não é bom incutir no soldado a idéa de que as fortificações o dispensam de combater e de se expor; a fortificação é um auxilio e nada mais. Ora quando a fortificação é defendida com valor, então tem muita força.

Sr. presidente, não querendo cansar mais a camara, vou pôr remate ás minhas observações, concluindo por approvar o orçamento.

As allusões que tenho feito á organisação militar, partiram da intima convicção de que ellas ligam com o assumpto que eu queria tratar. Não quiz entrar na apreciação do plano de organisação do exercito que apenas li de corrida, e muito principalmente quando essa organisação me parece feita a contento de todos os interessados (riso). Ella chega a todos; chega mesmo aos contribuintes (riso e apoiados).

E sempre grande fortuna n'um paiz tão exigente como o nosso poder organisar um plano complexo e embaraçoso e que joga com tantos interesses como aquelle, por maneira que satisfaça a todas as vantagens.

Ora o nobre ministro conseguiu isso, e eu lhe dou os meus sinceros emboras. Voto pelo orçamento em discussão.

Vozes: — Muito bem.

O sr. Placido de Abreu (sobre a ordem): — Mando para a mesa cinco pareceres da commissão de fazenda, e mando mais um da commissão de obras publicas e outro da commissão de guerra.

Mandaram-se imprimir.

O sr. F. M. da Costa: — Sr. presidente, quando em dezembro de 1846 entrou em Braga com a divisão do seu commando o general conde do Casal, obrigado pela necessidade teve que levantar do cofre dos orphãos d'aquella comarca a quantia que então ali existia na importancia, salvo o erro, de 2:0005000 réis, que foram applicados para a despeza da guerra por parte do governo da Senhora D. Maria II.

Esta divida sacratissima por que foi contrahida com um cofre publico, e porque pertence a credores tão qualificados como são os infelizes orphãos, foi reconhecida, e já se mandou applicar uma quantia para pagar metade d'ella.

Resta satisfazer, e de prompto, como é de rigorosa justiça, a outra metade, agora que outras dividas menos sagradas, e até só de equidade, se estão pagando generosamente em avultadas e permanentes sommas; e para esse fim é que mando para a mesa a proposta que vou ler, que espero que a camara não hesitará em approvar.

É a seguinte:

PROPOSTA

Proponho que no capitulo 10.° do orçamento do ministerio da guerra, artigo 60.°, verba 6, despezas eventuaes, se inclua a quantia de 1:000$000 réis para o integral pagamento do que falta para perfazer a de 2:000$000 réis, que o general conde do Casal levantou do cofre da comarca de Braga em 1846, para occorrer ás despezas da divisão que então commandava. = Francisco Manuel da Costa.

Foi admittida.

O sr. Cyrillo Machado: — Depois do brilhante discurso que a camara acaba de escutar, proferido pelo illustre deputado e meu amigo, o sr. Garcez, pessoa competentissima para entrar n'este assumpto, é de certo para mim um tanto embaraçoso o tomar a palavra n'esta occasião, e pouco agradavel, porque não poderei attrahir a attenção dos meus collegas, attenção que muitas vezes me tem sido benevolamente dispensada; mas que, como digo n'esta occasião, mal poderei esperar, depois do eloquente discurso que acabámos de ouvir, não podendo eu elevar-me a considerações tão altas como aquellas a que chegou o illustre deputado.

Não encarando o orçamento da fórma por que o illustre deputado o encarou, mais pela generalidade do que pela especialidade, julgava eu que á camara dos senhores deputados competia a discussão pausada e minuciosa de cada verba do orçamento, de cada artigo d'elle, e que seria preterir uma das grandes regalias e das melhores praxes parlamentares discuti-lo da maneira por que se está fazendo.

Vou tratar de alguns pontos, de alguns capitulos, de alguns artigos do orçamento, e chamar especialmente a attenção do nobre ministro da guerra para differentes assumptos.

Não seguirei ponto algum do discurso do illustre deputado, porquanto não me proponho combater ás opiniões de s. ex.ª

S. ex.ª approva o orçamento do ministerio da guerra, e eu approvo-o tambem. S. ex.ª entende que o orçamento é a descripção em algarismos, em geral, do estado de organisação dos serviços publicos; eu estou de accordo, considero tambem o orçamento como a expressão em algarismos do estado da administração do serviço publico.

Não posso entretanto contestar á camara o direito de augmentar, diminuir e alterar as verbas do orçamento, porque deixaria elle de ser uma lei se não podesse ser alterado pela iniciativa dos deputados. N'este ponto não estou de accordo com s. ex.ª E parece-me mesmo que s. ex.ª reconhecerá que os bons principios reclamam que nós sustentemos o nosso direito de tornar o orçamento uma lei como qualquer outra, que pôde ser modificada segundo for julgado pela maioria da camara.

Eu vi o parecer da illustre commissão de fazenda em que se indica a economia importante que se fez no orçamento do ministerio da guerra. Já o illustre deputado alludiu á estranheza que nos fizera o mencionar-se a reducção apresentada n'este orçamento de 220$000 réis.

Ora realmente quando a proposta do governo importava a despeza de tres mil e tantos contos, quando desde 1857 têem constantemente augmentado as despezas n'esta repartição do estado, sem que tenham por isso augmentado as commodidades do exercito, do verdadeiro exercito, d'aquelle que serve debaixo das armas; maravilhei me ao ver o illustre relator da commissão extasiar se em frente da verba de 220000 réis de economia no orçamento d'este ministerio.

Esta camara recorda-se, e não pôde deixar de se recordar, de quanto pelos illustres deputados ou pela escola a que pertencem os illustres deputados que hoje formam a maioria d'ella, era combatido o orçamento do ministerio da guerra, por occasião de presidir aos negocios d'aquella repartição, o illustre, o nobre e o intelligente marechal [duque de Saldanha, quando existia a repartição do commando em chefe do exercito que se julgava uma grande calamidade para a existencia do mesmo exercito, ou, que sei eu, um ataque ás instituições e ás liberdades publicas; que não deixava ao governo a faculdade de administrar conveniente e desembaraçadamente os negocios publicos. Então era combatida pelos illustres deputados a excepção na verba da despeza de dois mil e tantos contos de réis, e hoje não o é a de mais de tres mil a que, segundo a proposta da commissão, se elevou o orçamento d'aquelle ministerio!

Não digo isto porque combata este orçamento, ou porque julgue excessiva a verba que o illustre ministro pede para manter a sua repartição. Eu entendo que o exercito continuará a não ser exercito emquanto o ministerio da guerra for dotado com esta quantia, que não chega para sustentar um exercito para defender o paiz como elle deve ser defendido.

A economia no ministerio da guerra não está em ter um exercito barato; a economia no ministerio da guerra está em ter um exercito que sirva para sustentar a integridade do paiz; um exercito que, como muito bem disse o meu illustre collega e amigo, sirva para a defensa do paiz.

Mas para que um exercito sirva para a defensa do paiz é preciso que esteja organisado convenientemente em todas as suas partes; que haja pontos fortificados em que se opoie, que os soldados se exercitem no manejo das armas, que se lhes dêem as armas geralmente usadas para se costumarem com ellas, e que alem d'isso os soldados sejam válidos, que tenham saude.

Ora pergunto eu ao nobre ministro: o augmento de despeza que successivamente tem tido o ministerio da guerra tem trazido comsigo o augmento das commodidades e vantagens para o exercito activo, para aquelle que faz serviço, para os officiaes que effectivamente se acham em serviço nos corpos, e para os soldados que estão constantemente com as correias ás costas?

Tem o augmento de centos de contos de réis, que tem

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havido no ministerio da guerra, melhorado as condições do soldado?

O soldado é o principal elemento do exercito; devemos olhar para elle muito seriamente; devemos sempre ter em vista a boa sorte d'estes funccionarios publicos forçados, como muito bem disse o meu nobre amigo. E será com o augmento de 20 réis diarios no pret, que se melhorará a sorte do soldado portuguez? Creio que não.

O soldado portuguez precisa de uma alimentação que não tem; precisa de uma alimentação sufficiente para poder fazer o serviço que a patria d'elle exige.

A alimentação que se lhe dá é exigua, é calculada pela quantia com que contribuo para o rancho e não pelas quantidades e qualidades das substancias alimenticias precisas para a sustentação do homem. E isto que a administração deve ter em vista.

A administração deve sempre ter em vista a qualidade e quantidade precisa de generos para a sustentação do soldado, e providenciar que, com a maior economia, se lhe forneça o necessario — mas o necessario, e não dar-lhe um amargo caldo e um negro pão.

A prova do pouco que a administração tem olhado para as commodidades precisas do soldado, precisas para elle poder satisfazer ao serviço que lhe é exigido, acha-se dada exuberantemente nas estatisticas que todos os annos nos têem sido mandadas depois que foi organisada a repartição de saude do exercito, e nos mappas que annualmente nos têem sido distribuidos.

O nosso exercito tem sido ordinariamente da força de 17:000 a 18:000 homens. Desde 1851 a esta parte o exercito tem conservado sempre a mesma força numerica. Embora a lei para a fixação da força militar designe 80:000 homens, 18:000 effectivos e o resto licenciado; o facto é que ha quatorze annos, desde 1851, tem o exercito permanecido sempre com a mesma força numerica, isto é, de 17:000 a 18:000 homens. E sabe v. ex.ª o que acontece? É que d'esta força entram annualmente nos hospitaes militares 16:000, e que a sua permanencia media é de dezenove dias.

Não podemos ter a louca pretensão de que o soldado não adoeça; mas o que a administração deve ter em vista é conhecer, examinar e attentar nos meios da melhor conservação dos individuos que estão subordinados á sua tutela.

Na população militar a mortalidade nos dez annos de 1851 a 1861 foi de 17 por 1:000, e note v. ex.ª que já é um periodo bastante largo para se poder observar, estudar e ligarmos a essa observação algum valor. Sendo o nosso paiz considerado como um paiz salubre e em magnificas condições, a mortalidade no exercito é de 17 por 1:000, ao passo que na população civil, incluindo todas as idades, é de 10 por 1:000; quer dizer, que no exercito, composto de homens válidos, na flor da idade, de vinte a vinte e cinco annos, morrem 17 por 1:000, quando está calculado, approximadamente, com os poucos dados estatisticos que nós temos, que a mortalidade na população é de 10 por 1:000.

Ora combinando o nosso estado com o de outros paizes que se acham na verdade mais bem organisados, mas que têem alguma relação com o nosso, por exemplo, a Belgica, vê-se que n'esse paiz, no mesmo periodo de 1851 a 1861, examinando as ultimas estatisticas que se encontram n'esse famoso relatorio que de dez em dez annos é apresentado pelo ministerio dos negocios do interior, esse valioso trabalho que a Belgica confecciona e que dá perfeito conhecimento da sua administração em todos os seus diversos ramos, vemos na estatistica medica militar que a mortalidade, no mesmo periodo, foi de 9 e 8/10 por 1:000. Creio que as condições climatericas da Belgica não são mais favoraveis á saude publica do que as nossas; mas o que é mais favoravel são os cuidados que se têem pela sorte do soldado, e os preceitos hygienicos guardados para a sua conservação.

Não quero sobre este ponto fazer largas considerações, não só para não cansar a attenção da camara, mas porque todos os meus collegas terão lido o precioso livro do sr. dr. Marques, digno chefe da repartição de saude do ministerio da guerra, sobre as doenças e mortalidade do exercito portuguez, e por elle conhecerão quanto a humanidade reclama que se olhe seriamente pela condição dos nossos soldados. Não posso deixar de chamar a attenção do nobre ministro sobre este negocio importante da saude do soldado, das suas commodidades, e de algumas providencias que s. ex.ª poderia dar com muita facilidade.

Pois não seria uma providencia adoptavel, na estação em que estamos, com este calor tropical que todos sentimos, o fazer com que os soldados não andassem por essas ruas da cidade ás onze horas da manhã, expostos a um sol que abrasa, porque é a hora a que se rendem as guardas? Não seria uma providencia adoptavel o determinar que os soldados podessem usar já do uniforme do verão, sem ser preciso esperar pelo dia de Corpo de Deus, para ter logar essa mudança de uniforme? Os regulamentos militares estão marcados na folhinha. O soldado não sente calor sem que chegue o dia de Corpo de Deus! Até ao dia de Corpo de Deus o soldado não ha de sentir calor, embora o sol queime!

O que vemos é que o dia fatal é o dia de Corpo de Deus; só n'esse dia é que os soldados podem experimentar algum refrigério, e não serem sujeitos a apanhar um grande sol, porque as guardas então rendem se ás sete horas da manhã. Hoje rendem-se ás onze horas e têem que atravessar as ruas da capital debaixo do sol que nos queima, donde resulta adoecerem extraordinariamente, como s. ex.ª pôde ver pelas entradas no respectivo hospital. E n'estas epochas em que as doenças são em maior escala.

E ha ainda outra consideração a fazer, qual é—que, examinando-se as entradas ou baixas ao hospital, conhece-se que os corpos que estão aquartelados no Castello e na Graça, isto é, os que festão aquartelados n'aquelles pontos elevados, são os que contribuem com mais soldados doentes ao hospital.

Eu não posso indicar a rasão d'este facto; no entretanto, a administração vigilante deve constantemente estar em observação, examinar estes pequenos factos, agglomerados e providenciar como cumpre.

Devo declarar ao illustre ministro que n'estas observações que faço, não tenho o menor intuito de censurar s. ex.ª O illustre ministro, entrado ha pouco tempo na administração superior d'esta repartição, não podia remediar todos os males que se sentem; mas s. ex.ª de certo não desconhece que na sua boa vontade cabe remediar estes males e inconvenientes a que me acabo de referir.

E sendo esta a primeira vez que tenho aqui a honra de me dirigir a s. ex.ª, era do meu rigoroso dever fazer esta declaração, assim como manifestar os meus sentimentos de respeito pelo seu caracter pessoal; e qualquer cousa que eu diga, qualquer proposição que avance, s. ex.ª deve ver que não é proferida com o menor intuito de atacar o seu caracter, que aliás respeito e acato.

Mas, sr. presidente, entendo que nas questões de administração deve-se afastar tudo quanto se suppozer politico (apoiados). Eu não trato de politica n'esta occasião, mas não posso comtudo deixar de lembrar aos meus illustres collegas aquellas celebres e extraordinarias economias que em outro tempo tanto se pediam (apoiados) ao ministerio da guerra (apoiados).

Vozes: — Em todos os ministerios.

O Orador: — Ao meu illustre amigo, o sr. Sá Nogueira, que tenho o gosto de ver ao meu lado, não posso deixar de lhe refrescar a memoria d'aquellas economias por que tanto pugnava, e que não têem apparecido desde os orçamentos d'aquelle tempo (apoiados). Aquellas economias de verbas extraordinarias que s. ex.ª e os seus amigos politicos diziam que eram desperdicios. Pois os grandes desperdicios, nichos e sinecuras d'essas epochas têem sido augmentados com centos de contos de réis (apoiados), e hão de ser mais augmentados ainda, os d'aquelle tempo, quando qualquer sr. ministro da guerra se resolver a organisar o exercito, mas a organisado, não para ficarem todos contentes, como disse o sr. Garcez, mas para que o exercito satisfaça ás necessidades do serviço publico; quando organisar a infanteria convenientemente armada, equipada, vestida e alimentada; quando do mesmo modo organisar a cavallaria com os cavallos necessarios para o serviço; quando organisar a artilheria com as peças e carros necessarios para o serviço, o que não ha.

Eu peço perdão aos illustres e distinctos militares de ter avançado esta proposição; de dizer que não ha; mas parece-me que digo a verdade.

Uma voz: — Já houve menos.

O Orador: — Mas não ha carros para o serviço da artilheria, nem as bôcas de fogo precisas, como me disse ainda ha pouco o illustre deputado e meu amigo...

O sr. Garcez: — Mas já houve menos.

O Orador: — Concordo...

O sr. Simas: — E mais tambem.

O Orador: — E mais tambem em relação ás epochas. Houve melhor quando as nossas bôcas de fogo eram iguaes ás que existiam era todos os outros exercitos.

Mas, sr. presidente, é um facto por todos reconhecido que todos os generos tem augmentado de valor, e que o valor da moeda tem diminuido em relação aos differentes objectos, e por isso digo, que quando o exercito for organisado, não para se contentar toda a gente, como disse o meu amigo, mas para se satisfazer ás necessidades publicas, a despeza que se ha de fazer não pôde ser inferior á apresentada, porque esta não chega para attender ás necessidades, principalmente do soldado e dos officiaes que o commandam e que servem activamente. Póde-se attender ás conveniencias, póde-se por um acto de sentimentalismo attender aos serviços prestados pelos sargentos da junta do Porto, ou de outra qualquer junta, mas a attenção que haja por esses serviços não melhora em cousa alguma as condições do exercito (apoiados).

E por esta occasião não posso deixar de rogar ao sr. ministro da guerra, que quando apresente qualquer proposta a esta camara, essa proposta seja a expressão d'aquillo que realmente é necessario.

No dia 13 d'este mez apresentou s. ex.ª uma proposta de lei para o governo ser auctorisado a despender certa quantia com os alferes que a camara ultimamente nomeou; quero dizer, com os sargentos da junta do Porto que a camara promoveu a alferes (apoiados). O sr. ministro pede réis 5:400$000 para satisfazer a essa despeza, e eu digo a s. ex.ª que não terei a menor duvida em lhe provar que a despeza que a camara votou com o despacho que fez é de 17:000$000 réis.

O sr. José de Moraes: — Ouçam! Ouçam!

O Orador: — E note-se que quando os soldos d'estes alferes forem equiparados aos dos outros officiaes, quando forem elevados os seus vencimentos, para esta despeza será então precisa a quantia proximamente de 28:000$000 réis.

Pedia pois ao illustre ministro que alterasse a sua proposta de fórma que podesse preencher o fim a que s. ex.ª se propõe.

O sr. Ministro da Guerra (Ferreira Passos): — Peço a palavra.

O Orador: — S. ex.ª deseja ser habilitado com os meios necessarios para pagar a despeza que a camara votou; mas essa despeza é de 21:000$000 réis e não de 5:400$000 réis.

E como esta ha muitas outras despezas que avultam no orçamento do ministerio da guerra, mas que não avultam no serviço propriamente militar, no serviço do exercito activo. Esses e outros augmentos de despeza que temos votado não melhoram em cousa alguma as condições do exercito, nem a situação daquelles que se servem constantemente das bayonetas inintelligentes que guardam a casa dos homens intelligentes. Esses, se não morrem á fome, são alimentados com um caldo e pão negro, e não têem tido vantagem alguma com os diversos augmentos de despeza que temos aqui votado por sentimentalismo (apoiados).

Nós attendemos e remunerámos os serviços prestados em dois annos, do mesmo modo que se remuneram os serviços de trinta e trinta e cinco annos dos officiaes militares gastos no serviço da patria.

O sr. Sá Nogueira: — Tem rasão.

O Orador: — Eu tenho a maior consideração por todos, aquelles cidadãos que, abandonando as suas occupações habituaes, pegaram em armas para servir o paiz e a liberdade que estamos gosando. Respeito muito esses serviços, mas o facto é que os individuos que os prestaram durante dois annos, foram remunerados do mesmo modo que aquelles que prestaram iguaes serviços durante um muito maior numero de annos alem d'esses dois; isto é, os serviços prestados durante dois annos foram remunerados do mesmo modo que os serviços prestados desde a guerra peninsular! (Apoiados.) A camara procedeu assim por um sentimento de gratidão, ao qual eu me associei, mas reconheço que este e outros augmentos de deapeza, que são resultado das nossas discordias civis, vieram gravar o orçamento do ministerio da guerra com sommas importantes, sem concorrerem de modo algum para a melhor organisação e manutenção do exercito (apoiados).

Se o orçamento fosse discutido, como aconselhavam as praxes d'esta casa por muitos annos seguidas; se fosse discutido por capitulos mesmo, conforme a primitiva resolução da camara, resolução que ella depois alterou por uma reconsideração que respeito, decidindo que se discutisse por ministerios, era muito mais facil a discussão, e muito mais proveitosa, porque em cada capitulo se podia chamar a attenção do nobre ministro sobre qualquer ponto. O methodo ultimamente adoptado pela camara, alem de difficil, torna esta discussão um pouco diffusa, e agglomeram-se n'ella cousas que realmente não têem a maior analogia umas com as outras. Nem todos os capitulos do orçamento do ministerio da guerra exprimem organisação do serviço militar, embora signifiquem serviço dependente do ministerio da guerra, ou recompensas por serviços militares. Assim, por exemplo, o acto de philanthropia que a camara praticou com os sargentos que promoveu a alferes, e muitas outras verbas de despeza, não têem relação immediata com a organisação e manutenção do exercito; e, numa tal generalidade, é difficil, sobretudo para mim e n'esta estação, tratar a questão; comtudo irei successivamente chamando a attenção do nobre ministro sobre os assumptos de que desejo occupar-me, e a respeito de alguns mandarei moções -para a mesa.

Na parte respectiva ao exercito, propriamente dito, isto é, aos corpos das diversas armas, ha uma questão importante pertencente á alimentação, que é o pão.

O pão, em virtude da auctorisação que foi concedida ao governo pela carta de lei de 2 de julho de 1862, é fornecido ao exercito em Lisboa por administração do governo, pela padaria militar, que foi instituida pelo nobre visconde de Sá...

Uma voz: — Marquez.

O Orador: — Eu tenho sempre tanto prazer em recordar o nome glorioso de visconde de Sá, que se me deve perdoar o equivoco e o esquecimento em que algumas vezes incorra de não nomear aquelle nobre general pelo titulo de marquez de Sá, que actualmente tem e seguramente merece (apoiados).

A padaria militar foi pois organisada em virtude dos muitos desejos que o nobre marquez de Sá tinha de introduzir este melhoramento no exercito, e chamo-lhe melhoramento, porque, embora o nosso exercito seja destinado a serviço defensivo, esse serviço não deixa de exigir a formação de brigadas e de divisões que precisam ser mantidas e fornecidas de pão, e um exercito permanente é necessario que esteja organisado no tempo de paz, e que não sejam exploradas as necessidades alimenticias do soldado para locupletar seja quem for (apoiados).

Embora a padaria militar dê algum augmento de despeza, como creio que ha de dar e dá, porque o pão fornecido por ella é melhor do que o fornecido anteriormente, muito embora dê algum augmento de despeza, quando a esse augmento corresponde um melhoramento no serviço...

Uma voz: — Dá economia.

O Orador: — Eu discordo do áparte, creio que não dá economia, mas dá bom serviço, e na administração o que se pretende é o bom serviço, e o bom serviço bem remunerado é mais barato do que o mau serviço mal remunerado (apoiados).

Mas eu devo fazer uma reflexão sobre o fornecimento de pão feito ao nosso exercito. Em toda a parte o pão é fornecido ao exercito segundo as substancias alimenticias que tem para dar ao soldado; mas entre nós não succede o mesmo, entre nós não se attende ás substancias alimenticias do pão para regular a ração do soldado das differentes divisões militares; o que regula a ração do soldado n'essas divisões militares é o preço. Se por uma quantidade de réis se dá n'uma localidade pão de trigo ao soldado, pela mesma quantidade de réis se compra o que ella equivale em milho ou centeio n'outras localidades, e é isso o que ahi fórma a ração do soldado; e tanto assim é que a ração do soldado a pão de trigo é de libra e meia, e a pão de milho é de tres libras. Mas porquê? Qual é a rasão, perguntarei eu, por que a ração do soldado a pão de trigo é de libra e meia, e a ração

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a pão de milho é de tres libras? Será porque libra e meia de trigo manipulado em pão é igual em poder nutritivo a tres libras de milho manipulado em pão? Não sei; isto deverá sabe lo a administração do exercito.

Como já deu a hora, eu peço a v. ex.ª que me reserve a palavra para a seguinte sessão.

O sr. Ministro da Guerra: — Poucas palavras só para responder ao illustre deputado, o sr. Cyrillo Machado. A proposta que eu fiz dos 5:000$000 réis para pagar a esses officiaes a que o illustre deputado alludiu, foi para que esse pagamento se fizeste até ao fim do anno economico, até o fim de junho. Agora pedia a v. ex.ª a bondade de ouvir ler a proposta que peço licença para mandar para a mesa (leu).

Pôde s. ex.ª estar certo de que todas as minhas propostas hão do ser verdadeiras, e de que não hei de occultar cousa alguma. Se a despeza for maior e a camara não a quizer votar, submetter-me-hei á sua votação; mas hão de ser sempre verdadeiras as propostas que eu fizer (apoiados).

Ficou esta proposta de lei para se lhe dar destino ámanhã.

O sr. Presidente: — A ordem do dia para ámanhã é a que estava dada e mais o projecto n.° 86, d'este anno.

Está levantada a sessão.

Eram quatro horas da tarde.

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