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SESSÃO DE 5 DE JUNHO DE 1885

Presidencia do exmo. sr. Luiz Frederico de Bivar Gomes da Costa

Secretarios - os exmos. srs.

Francisco Augusto Florido de Monta e Vasconcellos
Sebastião Rodrigues Barbosa Centeno

SUMMARIO

Dá-se conhecimento de um officio da presidencia do senado hespanhol. - Têem segunda leitura e são admittidos um projecto de lei do sr. João Ribeiro dos Santos e uma proposta do sr. Cypriano Jardim, para renovação de iniciativa de um projecto de lei de 1884. - Representações mandadas para a mesa pelos srs. Júlio de Vilhena e Santos Viegas. - Requerimentos de interesse publico apresentados pelos srs. Fuschini, Luiz José Dias e Adolpho Pimentel. - O sr. Arrojo justifica as faltas dadas às sessões pelo sr. Teixeira de Vasconcellos. - Apresenta um projecto de lei o sr. Júlio de Vilhena. - Renova a iniciativa de outro o sr. Germano de Sequeira. - O sr. Ferreira de Almeida nota a falta de comparência do sr. ministro da marinha, e estranha que a commissão de marinha se desse pressa em apresentar o parecer relativo ao augmento dos salários dos operários do arsenal de marinha, sem previa- convocação da mesma commissão para o examinar, ao passo que deixa esquecidos outros assumptos de maior importância.- Responde-lhe o sr. Scarnichia. - Manda para a mesa um parecer da commissão de fazenda o sr. Carrilho. - O sr. Eduardo Coelho insta para que se designe o dia em que poderá realisar a sua interpellação sobre o conflicto entre o governo e alguns bispos do reino. - Responde-lhe o sr. presidente. - O sr. Elvino de Brito protesta contra o facto de não comparecerem os srs. ministros antes da ordem do dia. - O sr. Fuschini allude ao boato de ter sido já apresentado á camara municipal o contrato para o novo empréstimo, e requer uma copia d'esse contrato. - O sr. Joaquim José Alves faz algumas considerações em referencia aos projectos a que alludíra o sr. Ferreira de Almeida. - O sr. Azevedo Castello Branco, expondo as occorrencias da noite anterior em frente dos Recreios, censura o procedimento da policia. - Responde-lhe o sr. ministro dos negócios estrangeiros. - Sobre este incidente pretendem usar da palavra diversos srs. deputados, mas resolve-se aguardar a presença do sr. ministro do reino. - O sr. Lobo d'Avila requer que elle seja convidado a comparecer. Passa-se á ordem ao dia, continuando a discussão do projecto n.° 87. - Prosegue no seu discurso, começado na sessão anterior, o sr. Consiglieri Pedroso; mas tendo entrado na sala o sr. ministro do reino, suspende-se esta discussão, para se tratar do incidente. - Usa da palavra o sr. Lobo d'Avila, censurando o procedimento da policia, que diz ter sido arbitrário e violento. - Responde-lhe o sr. ministro do reino. -Tratam do mesmo assumpto os srs. Consiglieri Pedroso e Lobo d'Avila, pela segunda vez, respondendo-lhos ainda o sr. ministro do reino. - Tomam parte no debate os srs. Elvino de Brito, Azevedo Castello Branco, Eduardo Coelho, Marcai Pacheco e Navarro, que apresentam moções de ordem. - Usa pela terceira vez da palavra o sr. ministro, seguindo-se-lhe os srs. Luiz de Lencastre, que também apresenta uma moção, e Elvino de Brito. - E rejeitada a moção de censura do sr. Elvino de Brito, retirada a do sr. Eduardo Coelho, e approvada a moção de confiança apresentada pelo sr. Azevedo Castello Branco, ficando as restantes prejudicadas. - Occupa a cadeira da presidência o sr. Luiz de Lencastre. - O sr. Consiglieri Pedroso pede que se lhe permitia reservar a continuação do seu discurso para a sessão seguinte. - A camara annue. - A requerimento do sr. Tito de Carvalho é aggregado á commissão dos negócios externos o sr. Guilhermino de Barros.

Abertura - Ás duas horas e um quarto da tarde.

Presentes á chamada - 38 srs. deputados.

São os seguintes: - Adriano Cavalheiro, Lopes Vieira, Garcia de Lima, A. J. d'Avila, Lopes Navarro, Pereira Borges, Fontes Ganhado, Santos Viegas, Almeida Pinheiro, A. Hintze Ribeiro, Fuschini, Pereira Leite, Sanches de Castro, Conde de Thomar, Conde de Villa Real, E. Coelho, Elvino de Brito, Vieira das Neves, Mouta e Vasconcellos, Francisco de Campos, Scarnichia, João Arroyo, Ferrão de Castello Branco, Sousa Machado. Joaquim de Sequeira, J. J. Alves, Avellar Machado, Ferreira de Almeida, Oliveira Peixoto, Luciano Cordeiro, Bivar, Luiz Dias, M. J. Vieira, Guimarães Camões, Sebastião Centeno, Vicente Pinheiro, Visconde de Balsemão e Consiglieri Pedroso.

Entraram durante a sessão os srs.: - Adolpho Pimentel, Agostinho Lúcio, Moraes Carvalho, Albino Montenegro, A. da Rocha Peixoto, Torres Carneiro, Alfredo Barjona de Freitas, Silva Cardoso, Sousa é Silva, António Cândido, António Centeno, Garcia Lobo, António Ennes, Cunha Bellem, Carrilho, Seguier, Augusto Poppe, Neves Carneiro, Barão de Ramalho, Bernardino Machado, Lobo d'Avila, Carlos Roma du Bocage, Conde da Praia da Victoria, Ribeiro Cabral, Emygdio Navarro, Sousa Pinto Basto, Góes Pinto, Estevão de Oliveira, Firmino Lopes, Francisco Beirão, Castro Mattoso, Wanzeller, Frederico Arouca, Guilherme de Abreu, Guilhermino de Barros, Barros Gomes, Augusto Teixeira, Franco Castello Branco, Coelho de Carvalho, Correia de Barros, Azevedo Castello Branco, Dias Ferreira, Pereira dos Santos, Figueiredo Mascarenhas, Ferreira Freire, J. M. dos Santos, Júlio de Vilhena, Lopo Vaz, Luiz de Lencastre, Luiz Osório, Manuel dAssumpção, Correia de Oliveira, Manuel de Medeiros, Pinheiro Chagas, Marcai Pacheco, Miguel Dantas, Pedro de Carvalho, Pedro Roberto, Rodrigo Pequito, Dantas Baracho, Pereira Bastos, Tito de Carvalho, Visconde das Laranjeiras e Visconde de Reguengos.
Não compareceram á sessão os srs.: - Agostinho Fevereiro, Anselmo Braamcamp, Pereira Corte Real, A. J. da Fonseca, Jalles, Moraes Machado, A. M. Pedroso, Sousa Pavão, Pinto de Magalhães, Urbano de Castro, Augusto Barjona de Freitas, Ferreira de Mesquita, Avelino Calixto, Barão de Viamonte, Caetano de Carvalho, Cypriano Jardim, E. Hintze Ribeiro, Fernando Geraldes, Filippe de Carvalho, Correia Barata, Mártens Ferrão, Matos de Mendia, Sant'Anna e Vasconcellos, Silveira da Motta, Costa Pinto, Baima de Bastos, Franco Frazão, J. A. Pinto, J. C. Valente, Melicio, Souto Rodrigues, Teixeira de Vasconcellos, Ribeiro dos Santos, J. Alves Matheus, J. A. Neves, Ponces de Carvalho, Simões Ferreira, Teixeira Sampaio, Amorim Novaes, José Borges, Elias Garcia, Laranjo, José Frederico, Lobo Lamare, José Luciano, Simões Dias, Pinto de Mascarenhas, Lourenco Malheiro, Luiz Ferreira, Reis Torgal, Luiz Jardim, M. da Rocha Peixoto, Aralla e Costa, M. P. Guedes, Mariano de Carvalho, Martinho Montenegro, Miguel Tudella, Pedro Correia, Pedro Franco, Santos Diniz, Gonçalves de Freitas, Visconde de Alentem, Visconde de Ariz, Visconde do Rio Sado e Wenceslau de Lima.

Acta - Approvada sem reclamação.

EXPEDIENTE

Officio

Presidencia del senado. - Exemo. e illmo. sr. - Hoy han llegado á esta cámara los treinta y cinco volúmenes de documentos parlamentarios que para la continuacion del cange se ha servido V. E. enviamos. Dentro de breves dias tendré el honor de remitir á V. E. los del Diario de seciones del senado espanol correspondientes á las legislaturas de 1882-1383, 1883-1884 y Ia reimpresion. Digne-se V. E. recibir el testimonio de mi consideracion mas distinguida.
Dios guarde á V. E. muchos anos. Palacio del senado, 31 de mayo de 1885. = El presidente, Conde de Punon-rostro.
Para a acta.
A camara ficou inteirada. Mandou-se agradecer.

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1974 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Segundas leituras

Projecto de lei

Senhores. - Os serviços prestados por espaço de mais de trinta annos á camara municipal da invicta cidade do Porto, pelo digno e honrado chefe da repartição dos impostos e policia da mesma camara, António Fernandes Duarte Beça, merecem a attenção dos poderes públicos em ordem a que esses serviços possam ser recompensados do mesmo modo e turma que hoje o são, pela legislação vigente, os dos empregados de diferentes corpos administrativos do paiz, concedendo-se-lhe a aposentação nas condições que a mesma legislação estabelece, e é por isso que tenho a honra de submetter á vossa approvação o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° É applicavel ao actual chefe da repartição dos impostos da camara municipal da cidade do Porto, António Fernandes Duarte Beça, a disposição do artigo 353.° do código administrativo, promulgado em 6 de maio de 1878.
§ único. O vencimento da referida aposentação será pago na conformidade do n.º 9.° do artigo 127.° do mesmo codigo.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões da camara dos senhores deputados, em 3 de junho de 1885. = João Ribeiro dos Santos.
Lido na mesa, foi admittido e enviado á commissão de administração publica, ouvida a de fazenda.

Proposta para renovação de iniciativa de um projecto de lei

Renovo a inciativa do projecto de lei n.° 41, de 1884, que teve parecer favorável das commissões de guerra e fazenda na legislatura passada.
Sala das sessões, 3 de junho de 1885. = Cypriano Jardim.
Lido na mesa, foi admittido e enviado á commissão de fazenda, ouvida a de guerra.
O projecto de lei a que se refere esta proposta é o seguinte:

Artigo 1.º É elevada a 360$000 réis annuaes a pensão concedida pela carta de lei de 22 de julho de 1863, a D. Esperança Clara Leite Zagallo, sem, porém, lhe dar direito a quaesquer vencimentos anteriores á publicação da presente lei.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

REPRESENTAÇÕES

1.ª De segundos officiaes e amanuenses da secretaria distado dos negócios do reino, pedindo alteração de parte dos artigos 25.° e 26.° do regulamento de 26 de junho de 1870.
Apresentada pelo sr. deputado Júlio de Vilhena, devendo ter igual destino ao que tiver um projecto de lei do mesmo sr. deputado, relativo áquelle assumpto, e que ficou para segunda leitura.
2.º Da irmandade do Santíssimo da freguezia do Sacramento, de Lisboa, pedindo que não seja convertido em lei a disposição do n.° 7.° do artigo 103.° da proposta do ministerio do reino, relativa á reforma de organisação administrativa do município de Lisboa.
Apresentada pelo sr. deputado Santos Viegas e enviada às commissões de administração publica e de fazenda.

REQUERIMENTOS DE INTERESSE PUBLICO

1.° Requeiro que, pelo ministerio do reino, seja pedida á camara municipal de Lisboa uma copia do contrato provisório do empréstimo de 9.000:000 francos, negociado em Paris. - Fuschini.
2.° Requeiro que, pelo ministerio da justiça, me sejam enviados os seguintes documentos:
1. Nota do atrazo do serviço das conservatórias de Braga, Barcellos, Guimarães. Coimbra e da segunda conservatória do Porto.
II. Lotação de cada uma d'estas conservatórias.
Declaro a urgência do pedido, porque não posso estudar o projecto de lei n.° 61 sem que me sejam mandados estes esclarecimentos. = Luiz José Dias.

3.° Requeiro que sejam enviados a esta camara, com toda a urgência, todos os documentos que existam no ministerio da justiça e que digam respeito á divisão da conservatória da Comarca de Braga. - Adolpho Pimentel.
Mandaram-se expedir.

JUSTIFICAÇÃO DE FALTA

Participo a v. exa. e á camara, que o sr. João Pereira Teixeira de Vasconcellos falta a esta sessão, e faltará ainda a mais algumas, por motivo justificado. -João Marcellino Arroyo.
Para a acta.

O sr. Júlio de Vilhena: - Mando para a mesa um projecto de lei, baseado na representação que o acompanha e que tem por fim estabelecer que os logares de primeiro e de segundo official do ministerio dos negócios do remo sejam providos noa empregadas da secretaria de categoria immediatamente inferior, ora por concurso de provas escriptas, ora por antiguidade de serviço, bom e effectivo.
O projecto ficou para segunda leitura.
O sr. Germano de Sequeira: - Mando para a mesa urna nota de renovação de iniciativa do projecto de lei n.° 64, apresentado na sessão de 12 de março de 1874, sobre a remissão dos domínios directos, de que são senhorias as camaras municipais. Este projecto foi apresentado, como já disse, em 12 de março de 1874, e como me persuado que estamos em rasão de se tratar de assumptos municipaes, não reputo desarrazoado, mas antes muito a propósito, renovar a iniciativa deste importante projecto, que considero da máxima importância para os municípios.
A lei de 21 de abril de 1873 e seu regulamento de 25 de setembro do mesmo anno, teve por fim a desamortisação dos bens municipaes, mas o inventario e avaliação (Testes nas condições em que o exije o regulamento, torna-se um processo moroso, difficil, e demanda muitas despezas.
Por este projecto de 12 de março de 1874, ficam auctorisadas as camaras municipaes a remir os foros ou pensões de que forem directas senhorias independentemente de licença do governo.
Podia ler o projecto, porém abstenho-me de fazer a leitura d'elle e do parecer da commissão, e peço unicamente a v. exa. que, compenetrando-se da sua importância, se digne dar-lhe o devido destino para que seja discutido o mais depressa possível e ainda n'esta sessão, pois que, sendo convertido em lei, as camaras municipaes evitam processos morosos e sem auctorisação do governo e sem previa avaliação poderão vender os foros na hypothese a que allude o mesmo projecto, poupando-se assim a despezas consideráveis.
No momento em que se discute o projecto do município de Lisboa, que com o parecer da commissão faz um volume quaes como o corpo de direito civil romano, não será muito pedir que o projecto de que renovo a iniciativa, muito simples e conciso, seja discutido, o que poderá fazer-se apenas em alguns minutos de uma sessão e sem inconveniente algum.
A proposta de renovação d»í iniciativa ficou para segunda leitura.

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SESSÃO DE 5 DE JUNHO DE 1885 1975

O sr. Santos Viegas: - Tenho a honra de mandar para a mesa uma representação da irmandade do Santíssimo, da freguezia do Sacramento desta cidade. Esta representação refere-se tambem a uma que eu já tive a honra de apresentar nesta casa, pedindo que não soja approvado o n.° 7.° do artigo 103.ºdaproposta de lei apresentada pelo sr. ministro do reino e que se refere ao alargamento do município de Lisboa. As rasões que esta representarão allega, outras que eu já expuz, e alem disso as considerações que na occasião opportuna serão apresentadas, não só por quem desejar tomar parte n'este debate como ainda pela commissão a que peço seja enviada a representação, levam me a suppôr que a proposição de lei, a que esta representação se refere, não podo nem deve ser approvada.
A representação julgo-a, como já disse, sufficientemente fundamentada.
Não aponto outras rasões, e espero pela occasião opportuna para entrar no debate.
Peço a v. exa. que dê o devido destino a este documento.
Vae indicado a pag. 1974 d'este Diario.
O sr. Ferreira de Almeida: - Ha dias successivos que tenho pedido a palavra, na esperança de ver o sr. ministro da marinha presente, para chamar a attenção de s. exa. para assumptos que dizem respeito ao ramo de administração publica, que lhe está confiado; não tenho porém podido obter a palavra nem que a obtivesse seria inútil pela falta do exmo. sr. ministro.
S. exa. não está hoje tambem presente, e eu não posso estar a adiar o que tenho a dizer á camara, até que s. exa. se resolva a apparecer.
Eu sinto não ver representado o governo ao menos por algum dos seus membros, que, para se esquivarem á critica parlamentar, antes da ordem do dia, dão como pretexto as necessidades do serviço publico nas respectivas secretarias onde tambem tardiamente apparecem. (Apoiados.) Quando, a meu ver, a mais urgente de todas as necessidades publicas, é ouvir os procuradores do paiz nos seus protestos, nas suas reclamações para lhes ser dado expediente, andamento e attenção.
Não me preoccupo tambem no que tenho a dizer com o facto de não estar presente o sr. ministro da marinha, e não me preoccupo, porque s. exa. poucas vezes se incommoda a responder desde logo ao que eu digo, e quando o faz depois de passados alguns dias não nos concede o gosto de ver os seus discursos publicados, o que eu não quero suppôr seja devido á pouca confiança que tem n'aquillo que diz, nem tão pouco a menos consideração com a camara.
Varias são as cousas para que tenho de chamar a attenção da camara, e para que desejaria tambem chamar a attenção do sr. ministro da marinha.
S. exa. prometteu no principio da sessão apresentar um relatório a respeito do estado das cousas navaes e das suas necessidades, e, por consequência, os Correspondentes projectos de lei.
A única cousa que s. exa. apresentou foi a reforma dos facultativos, que era urgente, mas deficiente, e que teve de ser alterada pela commissão; e uma reforma da escola naval, tão grandiosa que melhor deverá chamar-se universidade naval; e te as reclamações que em tempo fiz sobre a conveniência de dar mais algum desenvolvimento ao ensino da escola naval influíram de alguma forma na contestura de tão extraordinario projecto de lei, desde já me penitencio.
Eu esperava que no relatório que s. exa. apresentasse, tratando do estado das cousas da marinha, se occupasse era melhorar os ramos de serviço que dizem respeito ao arsenal e suas dependencias.
Ha poucos dias vi annunciada a venda de 80:000 kilogrammas de sucata, que na sua maior parte me consta ser de ferro forjado, porquanto o arsenal tem fornos próprios para aproveitar a sucata de outra espécie.
Daqui se vê a necessidade de montar n'aquelle estabelecimento um forno onde se aproveitassem estes materiaes, em vez de serem vendidos por VII preço, como succede ha muito tempo.
Isto representa um preceito de administração económica muito importante. (Apoiados.)
Manda a lei que sejam remettidos á camara, para serem devidamente apreciados, os contratos de valor superior a 500$000 íeis que tenham sido sanccionados pelo governo.
Não me consta que seja costume dar parecer sobre esses contratos, o que me parece uma falta ou erro grave, porque deixa d'esta forma inhibidos os corpos legislativos de apreciarem como se rege a fazenda publica em cousas desta ordem.
Chamo a attenção de v. exa. e da camara para este assumpto, porque, ou essas copias de contratos superiores a 500$000 réis foram enviadas á commissão de fazenda para, sobre ellas, dar parecer, ou se essa commissão, pelos seus muitos afazeres, não pode relatal-as, devem então ser distribuídas pelas diversas commissões da camara, que têem a seu cargo os vários ramos da administração publica, para sobre ellas darem os pareceres competentes e a camara poder apreciar se essas verbas foram bem applicadas e se a despeza foi feita nos termos legaes e com utilidade para o serviço e para o paiz; e digo isto porque, com respeito á marinha, cuja administração e legislação eu conheço, vejo alguns contratos, como aquelle da compra de um hiate, que, não servindo para os pilotos, serve para a marinha de guerra, comprado sem auctorisação do parlamento, quando compras desta ordem se devem fazer por meio de projectos de lei. porque pertencem á categoria das despezas extraordinárias.
Ha mais ainda, sr. presidente, a respeito das administrações de marinha e colónias.
O acto addicional, no § 3.° artigo 15.°, diz que o governo submetterá á apreciação do parlamento os actos praticados no interregno parlamentar, em virtude das faculdades concedidas pelo respectivo artigo, e não me parece que seja submetter á apreciação do parlamento mandar por copia para a secretaria da camara aquillo que já está publicado no Diario do governo.
Submetter á apreciação do parlamento é, a meu ver, tanto na letra como no espirito da lei, obter do parlamento a apreciação e approvacão das medidas decretadas. Mal se comprehende que submetter seja mandar por copia aquillo que já está publicado, e que a camara não se pronuncie sobre a urgência, opportunidade e utilidade que justificaram o uso da faculdade concedida pelo artigo 15.º do acto addicional e seus paragraphos.
Por ultimo, tenho a declarar a v. exa. que, fazendo parte da commissão de marinha na ultima vez que se reuniu, por fins de maio, foram ali apresentados diversos projectos de lei, para serem apreciados pela commissão. Um delles diz respeito ao augmento dos salários aos operários do arsenal, a respeito do qual fiz algumas considerações, e ficou resolvido que, tanto esse como os demais projectos que foram distribuídos a diversos membros da commissão para relatar, seriam discutidos em outra sessão, quando elaborados os respectivos pareceres.
Vejo agora no Diario das sessões que o projecto que diz respeito aos operários do arsenal foi mandado para a mesa, e enviado á commissão de fazenda!
Não me consta, e fui-me informar á secretaria, que tivesse havido reunião alguma da commissão depois da sessão em que tomei parte, e sem que eu seja contrario a que, para dar expediente a alguns projectos de lei, se assignem, de commum accordo, sem reunião de commissão, quando esses projectos são de simples expediente, como o da força naval, etc., sou contrario, e parece me menos regular, que no projecto a respeito do qual se pronuncia um membro da commissão, seja depois assignado e mandado para a mesa, sem elle ser ouvido, quando pre-

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tendia discutil-o, que isto se fizesse, e pela minha parte reclamo que o projecto volte á commissão, para, em reunião dos seus membros, devidamente convocados nos termos ordinários, ser discutido; ou eu não continuo a fazer parte de uma commissão que desta forma me desattende n'aquillo em que tenho direito de ser considerado, isto é, como membro do poder legislativo, e como procurador do paiz, que me impoz a obrigação de zelar a causa publica em todos os seus pontos, em todos os seus direitos, em todas as suas necessidades.
Eu conheço o projecto a que me refiro, e que trata do augmento de salários aos operários do arsenal da marinha; ora eu não entendo que se melhorem estes, tendo o sido já por carta de lei de 6 de maio de 1878, sem se melhorar a mestrança, a quem não foi extensivo aquelle beneficio; e, o que é mais, que, não se comprehendam na mesma medida os operários da cordoaria, e bem assim os guardas destes estabelecimentos, a quem está confiada a policia e segurança de tão importantes valores.
Surprehende-me extraordinariamente tanta pressa em fazer passar este projecto de lei, e que o projecto que diz respeito às pensionistas do monte pio da marinha, que aqui existe desde 1881, e cuja administração está num estado deplorável, continue dormindo, e não haja pressa em lhe dar andamento.
Sabe v. exa. porque?
É porque as pensionistas não votam, e os operários votam, e talvez esta pressa do governo tivesse em vista lisongeal-os, com receio de que elles fossem dar vivas e fazer manifestações ao jantar republicano de hontem. (Riso.)
Eu entendo, sr. presidente, que a administração superior deve procurar, por todas as formas, attender às necessidades de todas as classes dos servidores do estado, nas suas devidas proporções.
Custa-me ver, sr. presidente, que um serviço publico, como é o de embarque para as regiões inhospitas do ultramar, onde vão os nossos officiaes de marinha expor-se a todas as inclemencias do tempo e do clima e a todas as influencias nefastas da nostalgia, que essa classe seja esquecida, porque não está cá para votar, e se esqueçam da melhoria de comedorias, que, como eu já tive occasião de dizer aqui, é um vencimento do exercício com um nome ingrato quando representa a mais justa e legitima das retribuições!
Sirvam-se muito embora os operários. E justo, dentro dos limites da equidade, mas attendam-se os outros interesses, igualmente legítimos; sirva se todo o mundo, mas fazendo-se justiça, como é mister; é bom não esquecer as formalidades legaes. (Apoiados.}
Tenho dito.
O sr. Scarnichia: - Eu não posso deixar de me admirar de que o meu collega e camarada, o sr. Ferreira de. Almeida, se queixasse de que a proposta cio sr. dr. Alves não fosse presente á commissão de marinha, com o respectivo parecer.
Parece-me que s. exa. não tem rasão de se queixar, nem de mim nem da commissão, porque nunca se tratou assumpto algum, sem que s. exa. fosse tambem ouvido; e mesmo, quanto á proposta em questão, sabe s. exa. que ella foi presente á commissão e eu consultei o illustre deputado, sobre se queria assignar o parecer.
Emquanto às comedorias, como fui eu que renovei a iniciativa do projecto, e como ainda, não foi apresentado parecer sobre elle, direi que, quando se discutir o orçamento, será a occasião mais própria para se resolver este assumpto, independente do parecer da commissão.
Com relação ao projecto sobre o monte pio de marinha, s. exa. deve saber que está entregue ao sr. Lamare, o qual está colhendo os esclarecimentos necessários para emittir o seu parecer.
Devo dizer, ainda, que tambem tenho interesse em que as pensionistas não continuem nas circumstancias lamentáveis em que estão vivendo, por isso que, actualmente, apenas recebem 20 por cento do que deviam receber.
Creio que, com estas explicações, se dará por satisfeito o illustre deputado.
O sr. Carrilho: - Mando para a mesa o parecer da commissão de fazenda, concordando com o da commissão de guerra, ácerca do projecto de lei dos srs. deputados, Adriano Cavalheiro, Azevedo Castello Branco e Agostinho Lúcio, projecto que reforma o quadro superior dos médicos militares.
A imprimir.
O sr. Eduardo Coelho: - Eu pedia a v. exa. que se dignasse conferenciar com os srs. ministros da justiça e da marinha, a fim de que s. exas. se doem por habilitados a responder á interpellação que eu annunciei sobre o conflicto que houve entre o governo e alguns prelados.
E este um assumpto que eu não posso deixar ficar no silencio, e parece-me que á dignidade do parlamento e do governo interessa que elle seja discutido.
Direi tambem a v. exa. que não recebi ainda os documentos que a este respeito pedi, pelos ministérios da justiça e da marinha, e declaro mais uma vez que eu não torno a minha interpellação dependente da remessa dos documentos, mas quero que fique bem consignado que o governo não os remetteu.
Portanto, se v. exa. quizer, póde insistir pela remessa dos mesmos documentos; mas, repito, o que desejo é que fique bem consignado, que a falta dessa remessa não é motivo para que eu deixe de verificar a minha interpellação.
S. exa. não reviu.
O sr. Presidente: - Eu verificarei se os srs. ministros já se deram por habilitados, para responder á interpellação do sr. deputado, e se ainda não se tiverem dado, conferenciarei com s. exas. a este respeito e marcarei depois o dia em que se póde verificar a interpellação.
O sr. Elvino de Brito: - Peço a v. exa. que me reserve a palavra para quando estiver presente o sr. ministro do reino; mas, se s. exa. não comparecer antes da ordem do dia e o ministerio estiver representado por algum outro dos seus membros, peço a v. exa. que ainda neste caso me conceda a palavra, porque desejo chamar a attenção do governo e da camara para os factos praticados hontem pela auctoridade administrativa de Lisboa e que considero como attentatorios da constituição e da liberdade.
Lamento e protesto contra esta praxe dos srs. ministros não comparecerem aqui antes da ordem do dia, porque a reputo imprópria do decoro do parlamento e do governo.
Não me consta que esteja pendente na outra casa do parlamento nenhuma questão grave que deva prender ali a attencão de s. exa. não me consta tambem que nas secretarias de estado tenham de occupar-se de qualquer questão vital para o paiz. Os srs. ministros não comparecem nas secretarias nem nas camarás, e eu mais uma vez protesto contra esta pratica, que não é própria dos ministros da coroa.
Sua exa. não reviu as notas tachygraphicas.
O sr. Fuschini: - Consta-me que já foi apresentado á camara municipal de Lisboa o projecto de contrato com o banco francez Transatlantico, supponho eu, para o empréstimo de 9.000:000 de francos. Sei perfeitamente que este contrato, depois de approvado pela camará, tem de ser promulgado pela junta geral do districto; mas rogo a v. exa., que sendo possível, obtenha uma copia d'elle para a camara poder apreciar as suas clausulas. Questões desta ordem convém que tenham a maior publicidade possível. (Apoiados.)
É de crer que a camara municipal faça publicar pela imprensa as clausulas do contrato antes de ser approvado pela junta gorai; mas é possivel também, que esta publicação não se faça, porque não é legalmente obrigatória, ou que escape aos interessados e aos que desejam conhecer os

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elementos necessários para parcelar essa operação financeira; por isso peço a v. exa. que haja do solicitar dos poderes competentes a copia do contrato a que me refiro.
Agora chamo a attenção da camara para um negocio que julgo ser um dever de consciência e de humanidade. Haverá annos já commetteu se nesta capital um assassínio: um soldado, António Coelho, matou um tenente. O crime era grave, não só porque tinha sacrificado a vida de um homem, mas porque envolvia tambem quebra de disciplina.
Ha muitos annos, porém, que o criminoso está soffrendo numa prisão que julgo medonha, e bastava que os meus collegas a fossem ver tambem para procurarem como eu, o castigo do seu delicio.
Sou contra a pena de morte; todavia declaro a v. exa. que ha cortas penas, que julgo muito mais cruéis e deshumanas do que um tiro que subitamente termina a vida sem soffrimento, ou do que a própria forca.
Não me insurjo contra a justiça; venho pedir apenas humanidade. E aquelles que julgarem a minha doutrina perigosa, se pensarem um pouco talvez acabem por achal-a humanitaria.
Aquelle homem não póde realmente esperar perdão; mas póde esperar comiseração; porque ou não comprehendo que a pena e o castigo vão até ao ponto do tornar idiota o de matar lentamente pela doença o criminoso. N'este caso é preferível fusilal-o.
Não peço senão, a quem compete, que usando dos meios que a lei lho faculta, dirija ao poder moderador uma petição para ser transformada a pena que esto homem está soffrendo por outra mais humana; porque, repito, a que elle soffre faz tristemente recordar uma bolgia do inferno de Dante.
Não posso admittir que ao findar o século XIX se possa inventar uma pena infernal para tornar mais tormentosa e martyrisada ainda a vida do que o faz a extrema miséria, a velhice e a doença.
Peço em nome da humanidade que se transforme a pena d'aquelle homem.
Não comprehendo que á sociedade tenha, já não digo o direito, mas conveniência em esmagar lentamente pela doença o pelo idiotismo um homem; não comprehendo que isto sirva, nem mesmo para exemplo. Pôde esta doutrina ser espantosa, como ouvi dizer; venho, porém, cheio do convicção o levado por um sentimento, que me permittirão lhe chame humanitario, pedir aos srs. ministros que sendo necessario peticionem ao poder moderador a suavisação do castigo que está soffrendo aquelle desgraçado.
Segundo consta o criminoso está completamente idiota.
Que lucra a sociedade em esmagar um imbecil? Que lucrou em transformar um homem n'um doido? Toda a pena deve em si conter o principio da moralisação do condemna-do.
Onde se manifesta a acção, moralisadora da pena que torna o condemnado idiota?
Levanto esta questão talvez com pouco direito, será cila mesmo deslocada nesta camara, mas, sr. presidente, neste caso os fins justificam os meios o só o meu intento for coroado do resultado haverá um soffrimento do menos com o que se rejubilará a humanidade o a compaixão pelos que soffrem.
O sr. Presidente: - Parece-me que o pedido do illustre deputado é para só alcançarem da camara municipal uns documentos. Tem o illustre deputado a mandar para a mesa um requerimento nesse sentido, para que sejam requisitados esses documentos pelo ministerio do reino. A mesa não os podo requisitar directamente da camara municipal.
O sr. Fuschini: - O que ou pedi a v. exa. foi que se entendesse com o sr. ministro; mas vou fazer o meu requerimento.
O sr. J. J. Alves: - Acabo do ouvir a resposta que o meu digno collega o amigo o sr. Scarnichia, na qualidade do relator, deu ao illustre deputado o tambem meu amigo o sr. Ferreira do Almeida, que se julga desconsiderado por não ter sido discutido na commissão o parecer sobro o projecto que augmenta os vencimentos dos operários do arsenal da marinha.
A resposta do sr. Scarnichia é exacta, o o procedimento havido está em harmonia com as praxes seguidas desde muito nesta casa; comtudo sobre este ponto não levanto questão porque é todo da responsabilidade do mesmo sr. relator, e sobro o qual já deu explicações precisas.
Sendo porém o projecto a que se referiu o sr. Ferreira do Almeida, apresentado por mini, e attribuindo-me s. exa. a apresentação d'elle a intuitos eleitoraes, eu, precisando desviar do mim essas insinuações, devo dizer que a s. exa. não são de todo extranhas as rasões que mo levaram a apresentar similhante projecto, sendo a principal a do desejar que aquelles operarios se conceda um salario condigno, e distribuído com equidade.
Sr. presidente, para eu alcançar o logar de deputado ou outro que haja do eleição nunca careci nem careço de usar do taes meios; e quando faço propostas d'esta ordem miro unicamente a que se faça justiça a quem d'ella, carecer.
O ar. Ferreira de Almeida: - Eu não disse que o illustre deputado tivesse apresentado o projecto com intuitos eleitoraes.
O que disso foi que provavelmente o governo tratou do lhe dar andamento mais rápido por elle dizer respeito a indivíduos que toem voto; ao passo que não promoveu o andamento de outros projectos importantes por se referirem a quem não é eleitor.
O Orador: - Agradeço a explicação do illustre deputado, mas não me parece que actuasse no animo do governo a circumstancia a que allude s. exa., para se dar andamento ao projecto.
Pelo que me respeita não é a política que principalmente domina, o meu espirito, no logar de representante do povo.
Conheço-a de sobejo, e está ella presentemente tão pouco do invejar, tenho colhido n'ella tantas decepções e dessenganos, que ninguém já ignora que ella procura mais satisfazer ambições do momento, do que proporcionar os interesses do paiz.
É isto que mo desgosta, que descontenta muitos homens, que podendo prestar altos serviços ao seu paiz, só retraem á vida particular.
Em resposta ainda ao illustre deputado, que não vê rasão para sor approvado este projecto, tanto mais que já em tempos foram elevados os salarios, é tudo verdade, o até a proposta partiu do um deputado do sou partido; mas o que é certo, pelo menos assim se affirma, é que os réis 6:000$000 votados pelo parlamento não foram distribuídos por forma que satisfizesse as necessidades do grande numero.
Direi mais ao sr. deputado que a approvação deste projecto não embaraça do forma alguma o projecto que melhora as condições do monto pio do marinha; ambos toem a sua rasão de sor, e com referencia a esto ultimo v. exa. sabe, que eu também, por mais de uma vez, mo tenho occupado deste importante assumpto, chamando para elle a attenção do governo.
Sr. presidente, eu que contribuo ha muitos annas para o monto pio de marinha, devo querer a sua prosperidade o lastimo que não só este governo, mas todos os antecedentes não tenham procurado investigar as rasões da sua decadência, e os meios das o tirar do graves dificuldades em que se encontra.
Por aqui vê o illustre deputado que ou pugnando pelo projecto dos operários, não esqueço nem desejo embaraçar o andamento do projecto do montepio do marinha.
Dando estas explicações ao illustre deputado, que mo parece o satisfarão, pedia-lho que desistisse do seu propósito o abandonar a commissão de marinha, onde tenho a cer-

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tesa que encontra entre os seus membros, desde o mais elevado até ao mais humilde, que sou eu, a maior consideração por s. exa.
Agora, sr. presidente, satisfazendo ao fim para que principalmente havia pedido a palavra, eu chamo a attenção do governo para duas questões, que considero verdadeiros compromissos de honra.
Refiro me aos desgraçados convencionados de Évora Monte, e aos infelizes veteranos da liberdade.
Se os primeiros trabalharam contra as instituições liberaes, como soldados conservaram se firmes no seu posto e sendo fieis às suas bandeiras, longe de serem dignos de censura, têem direito ao cumprimento do tratado que com elles se fez.
Os outros que tambem trabalharam para ajudar a implantar a liberdade em Portugal, têem sido completamente esquecidos, apesar de arriscarem a sua vida para pôr no throno a senhora D. Maria II.
São estas duas dividas dê honra que é preciso satisfazer, para não mostrarmos nem ódio, nem ingratidão para com aquelles que são portuguezes como nós.
Terminando, peço a v. exa. me reserve a palavra para occasião em que esteja presente o sr. ministro do reino, pois desejo perguntar a s. exa. se tem conhecimento da noticia que corre no publico, e de que falla a imprensa, de que a camara municipal está preste a fazer bancarota.
O sr. Presidente: - Estão inscriptos alguns srs. deputados para quando estiver presente o sr. ministro do reino; dar-lhes-hei a palavra logo que s. exa. compareça.
Agora vae passar-se á ordem dia.
O sr. Azevedo Castello Branco: - Muito de propósito pedi a palavra para quando estivesse presente qualquer dos srs. ministros. Não foi sem intenção que o fiz, porque como não se discutia nenhum assumpto relativo ao ministerio do reino, era muito possivel, nesta hypothese, que o respectivo ministro não comparecesse hoje na camará. Vejo agora presente o sr. ministro dos negócios estrangeiros; parece-me portanto que é chegada a occasião de me ser concedida a palavra.
O sr. Presidente: - Não posso conceder a palavra ao illustre deputado sem consultar a camará, visto ser a hora de se passar á ordem do dia.
Vozes: - Falle, falle.
O sr. Presidente: - Em vista da manifestação da camara tem o sr. deputado a palavra.
O sr. Azevedo Castello Branco: - Agradeço a amabilidade que a camara teve, permittindo-me que use da palavra depois de ter chegado a hora de se entrar na ordem do dia.
O caracter e verdadeira affeição partidária que sempre aqui tenho mostrado não habilitam ninguém a lançar qualquer suspeição de menos lealdade da minha parte para com o governo que apoio, mas nesta conjunctura, eu entendo que a minha lealdade, por maior que ella seja, não póde ir ao ponto de não desejar que o governo dê explicações categóricas quando for offendido nas suas regalias e nos seus direitos qualquer membro desta casa. (Apoiados.)
Hontem á noite passaram-se factos extraordinários na cidade de Lisboa, (Apoiados.) e esses factos foram tão extraordinários que chegaram a irritar a opinião dos mais sinceros partidários do throno e das instituições. (Apoiados.)
Lamento que todas as vezes que a força publica tem de se empregar isso se faça por forma que vá levantar a animadversão, não contra quem obedece, mas contra quem manda.
Lamento sinceramente, como membro da grande família monarchica portugueza, se praticassem actos, que naturalmente, não auctorisados pelos chefes, eram feitos unicamente com o fim de alardear serviços que tanto deshonram quem os tolera como quem os faz. (Apoiados.)
Hontem á noite, a pessoas completamente inermes, a famílias que por qualquer circumstancia careciam de passar na Avenida da Liberdade, era-lhes vedado o transito porque uns cidadãos portuguezes que se dizem republicanos se lembraram de reunir-se para jantar.
Ora é pouco regular que para que meia dúzia de cidadãos tenham a liberdade de jantar em commum, não tenha o resto dos cidadãos portuguezes a liberdade de transitar!
Isto é simplesmente cómico. (Apoiados.)
Pelo que me diz respeito, se pessoalmente, não cheguei a ser enxovalhado, foi porque n'aquelle momento tive força para reagir, mas fui vilipendiado na minha qualidade de deputado, porque nem assim me quizeram respeitar.
Será este procedimento filho da illustração de quem dimanaram as ordens? De certo que não: é simplesmente filho da ignorancia boçal de quem as executou, e de quem as executou da maneira atroz e cruel como isto se fez.
Porventura auctorisaria o sr. ministro da guerra os actos de verdadeira selvageria praticados hontem pelos soldados da municipal?
Auctorisal-os-ia o sr. ministro da guerra, cujas tradições de tolerancia e princípios liberaes é de todos notoria e conhecida?
Porventura o governo, que se honra com as medidas mais liberaes, podia auctorisar similhantes actos?
Para a garantia do throno seria preciso que os súbditos mais fieis fossem avassallados pela força bruta da guarda municipal e da policia?
O esplendor da corôa carece porventura, para realçar, do sangue dos cidadãos portuguezes?
Não precisa; o que precisavam os mantenedores da ordem era de fazer tudo aquillo para alardear serviços que hão de forçosamente desagradar aos chefes superiormente collocados e á coroa. (Apoiados.)
Que esses amoucos vão dizer dos seus trimnphos que se limitaram á prisão do sr. visconde de Balsemão, que é um nobre deputado regenerador, á do sr. Marçal Pacheco e á minha.
Se este triumpho honra a policia, que junte mais esse titulo ao brazão das suas glorias. (Vozes: - Muito bem.) Pela minha parte lamento-o, e lamento-o sinceramente, tanto mais quanto conheço pelas iustrucções liberaes do gabinete e pelos sentimentos que em todo o tempo animaram e animam hoje o partido regenerador, que o governo ha de sentir que os factos se dessem por forma a levantar no meu espirito uma irritação que é natural no meu temperamento e na minha idade.
Tenho dito.
O sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros (Barbosa du Bocage): - Afianço á camara que desconheço completamente os factos a que se referiu o illustre deputado.
Fui hoje de minha casa para a secretaria, onde me occupei em resolver alguns negócios urgentes, e saí dali para a camara.
Li apenas um jornal onde não encontrei a menor indicação dos factos. Não tinha por consequencia conhecimento algum d'elles, até este momento, absolutamente nenhum.
Entretanto, em presença da exposição feita pelo illustre deputado, não posso deixar de reconhecer que se deram occorrencias de certa gravidade que ao governo cumpre examinar, para proceder como for justo. (Apoiados.)
Acrescento ainda que transmittirei ao meu collega do reino, a quem compete mais directamente este assumpto, as observações feitas pelo illustre deputado, e estou persuadido que o meu collega comparecerá ainda hoje nesta camara para dar as devidas explicações.
(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)
O sr. Presidente: - Vou consultar a camara sobre se quer que, depois das explicações dadas pelo sr. ministro dos negócios estrangeiros, este incidente continue, ou se julga mais conveniente aguardar a presença do sr. minis-

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tro do reino, a quem vou prevenir para comparecer ainda hoje aqui.
O sr. Lencastre (sobre o modo de propor): - Desde que um illustre deputado vem a esta camara declarar que fôra aggredido, creio que não ha aqui ninguém que se não colloque ao seu lado para o defender. (Apoiados )
O sr. ministro dos negócios estrangeiros já declarou que não tinha conhecimento dos factos. Eu tambem o não tenho; mas desde que a questão se levanta, desejo, que ella seja liquidada.
Todos sabem que os negócios que dizem respeito á policia correm pelo ministerio do reino, e o sr. ministro respectivo estará aqui naturalmente, dentro em poucos momentos; mas, no caso de não comparecer, v. exa. terá de corto a bondade de o mandar prevenir.
Parece-me, pois, que será conveniente aguardar a presença do sr. ministro do reino. (Apoiados.)
Repito, o meu desejo é que a questão se liquide; mas parece-me mais curial, mais coherente e mais em harmonia com as praxes parlamentares, esperar que o sr. ministro compareça para dar informações sobre os factos, concedendo-se então a palavra aos srs. deputados que a pediram ácerca deste incidente. (Apoiados.)
(S. exa. não reviu.)
O sr. Lobo d'Avila: - Requeiro a v. exa. que convide o sr. ministro do reino, que está na outra casa do parlamento, a comparecer nesta camará, para se poder tratar deste assumpto.
O sr. Presidente: - Eu já por duas vezes declarei que ia prevenir o sr. ministro do reino da necessidade de comparecer aqui. a tempo do poderem os srs. deputados interrogai-o ainda hoje, antes de se encerrar a sessão.
Por isto, e em vista do requerimento do sr. Lobo d'Avila, parece-me que a camara concordará em que se sus penda a continuação d'este incidente, até estar presente o sr. ministro, que não poderá demorar-se muito.
Assim se resolveu.
O sr. Presidente: - Vae passar-se á ordem do dia e continua com a palavra, que lhe ficou reservada da sessão passada, o sr. Consiglieri Pedroso.

ORDEM no DIA

Continuação da discussão do projecto de lei n.° 87 (tratado do Zaire)

O sr. Consiglieri Pedroso: - Na sessão anterior comecei por mostrar a inconsistência das respostas dadas pelo sr. ministro dos negócios estrangeiros às perguntas categoricamente formuladas pelo sr. Barros Gomes, perguntas que no meu entender ficaram todas de pé.
Hoje passarei a fazer algumas considerações estranhas, não ao assumpto que se debate, mas ao thema das interrogações formuladas pelo illustre deputado da opposição progressista, procurando, pela minha parte, discutir e apreciar outras phases da chamada questão do Zaire.
Tres momentos, e um effeito, apresenta este complexo assumpto á nossa consideração.
O primeiro, é o período que vae desde a assignatura do tratado anglo portuguez até ao abandono do mesmo tratado pela Gran-Bretanha.
Esse período já está bem esclarecido perante a camará; e pelos documentos apresentados pelo sr. Barros Gomes e por mim na sessão anterior póde bem aquilatar-se qual foi, não direi a negligencia, porque eu quero tanto quanto possível ser justo, mas a infeliz direcção que o governo se viu obrigado a dar a esta negociação, por falta de communicações opportunas, de informações fidedgnas e pelo mais completo desconhecimento do estado geral da política europêa.
Ha ainda um ponto que aqui não foi levantado, e que por si só basta para provar a pouca attenção com que o governo introduziu no tratado anglo-portuguez condições que levantaram desde logo irreconciliáveis resistencias á sua approvação.
Refiro-me á cessão eventual do forte de S. Baptista de Ajuda.
Pela correspondencia do Livro Branco allemão...
(Entrou na sala o sr. ministro do reino.)
Vejo entrar o sr. ministro do reino e por isso suspendo as minhas considerações para que possa proseguir o incidente ha pouco levantado nesta casa. (Apoiados.)
O sr. Presidente: - Estão inscriptos sobre o incidente que ha pouco se levantou, os srs. Consiglieri Pedroso, Carlos Lobo d'Avila, Eduardo José Coelho e Marçal Pacheco.
O sr. Consiglieri Pedroso: - Sem querer contrariar a v. exa., lembrarei que o sr. Carlos Lobo d'Avila tinha pedido a palavra em primeiro logar.
O sr. Presidente: - Não foi isso o que se ouviu na mesa; mas se s. exa. não deseja usar desde já da palavra, vou concedel-a ao sr. Lobo d'Avila e inscrevo de novo o illustre deputado.
O sr. Carlos Lobo d'Avila: - Sinto muito que o sr. ministro do reino não estivesse nesta casa quando um distincto membro da maioria, cuja dedicação ao. governo não é suspeita para ninguém, protestou aqui com voz indignada, contra a violência tão injustificada como brutal, como que a força publica procedeu hontem em Lisboa e de que s. exa. e mais alguns srs. deputados foram victimas. Deve notar se, que por uma notável coincidência, que torna bem» insuspeitas as minhas palavras, todos estes deputados que a policia hontem vexou, pertencem á maioria. Parece que hontem a guarda municipal estava apostada em roubar ao governo parte dos elementos mais fortes que o apoiam nesta casa (Riso.)
O que hontem se passou n'um dos sítios mais centraes e concorridos da cidade é verdadeiramente incrível Quando me vieram contar o aparato bellico e a ostentação da força que se desenvolvêra em volta do banquete republicano, eu não quiz acreditar nas informações que me davam. Fui eu próprio ao campo da batalha, (Riso) e VI então que na Avenida da Liberdade, por um singular contraste com o seu nome, não havia sequer a liberdade de poderem transitar os srs. visconde de Balsemão, Marcai Pacheco, Azevedo Castello Branco e outros cavalheiros que não devem ser suspeitos de desordeiros á policia da capital. (Apoiados.)
Devo declarar, antes de proseguir, que me colloco exactamente no ponto de vista em que se collocou o sr. Azevedo Castello Branco, apesar de ser tão dedicado á opposição como s. exa. é dedicado ao governo : entendo que numa questão destas ninguém deve fazer política partidária, (Apoiados.) porque esta é uma questão de ordem publica, a que se acham ligados os mais sagrados direitos dos cidadãos. (Muitos apoiados.)
Estou certo que o governo não deu, nem podia dar, faço-lhe essa justiça, as ordens que foram hontem executadas de um modo tão boçal na avenida da Liberdade. (Apoiados.)
O sr. ministro do reino não faz idéa do que os agentes da ordem publica fizeram hontem naquelle local. Era uma verdadeira loucura policial. (Riso, apoiados.) Basta dizer que as únicas pessoas que hontem promoveram a desordem em Lisboa foram os agentes da ordem publica. (Apoiados.)
Eu quero que se respeite a liberdade de jantar do sr. Magalhães de Lima, mas quero tambem que se respeite tambem a liberdade de transito e que se respeitem as garantias dos cidadãos de uma capital civilisada como é a nossa. (Apoiados.)
Pois, porque o sr. Magalhães de Lima deliberou jantar no Coliseu não se póde transitar por uma das principaes artérias da capital? (Apoiados.)
Supponhâmos que o sr. Magalhães de Lima deliberava

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almoçar ámanhã com o sr. Consiglieri Pedroso n'uma casa da rua do Ouro, que é uma das ruas mais principaes da capital, havia de se impedir por esse facto o transito por essa rua, havia de paralysar-se o commercio de todos os importantes estabelecimentos ali situados?! (Apoiados.)
Ainda, não ouvi a resposta do sr. ministro do reino, mas não tenho duvida em dizer que s. exa. não deu essa ordem porque o seu esclarecido espirito não lhe permittiria dal-a; deu naturalmente instrucções às suas auctoridades para que tomassem todas as providencias tendentes a manterem a ordem e que, no caso d'ella ser perturbada, empregassem a força com energia. Nisto andou s. exa. bem, e não serei eu que, seguindo exemplos que reputo funestos, negaria o meu apoio aos poderes públicos quando tenham de castigar ou de reprimir os desordeiros. (Apoiados.) Mas o que eu não posso tolerar, sem vehemente protesto, é que, sem ter havido a mais pequena perturbação da ordem publica, se impedisse o transito em uma das arterias principaes da cidade, vexando-se brutalmente cidadãos indefezos, mulheres e creanças, e se pozesse em sobresalto uma povoação pacifica, desenvolvendo um apparato tão ridículo nos seus effeitos, como desnecessário, vexatório e attentatorio da liberdade publica. (Apoiados.)
Sr. presidente, os meus sentimentos monarchicos são demasiado conhecidos da camará, para que não seja necessario que eu declare que não pretendo servir aqui os intuitos políticos de ninguém, e que só trate de protestar contra um abuso da auctoridadc, que reputo altamente censurável. De resto, bem mal estaria á monarchia em Portugal se fosse preciso desenvolver este formidável apparato, cada vez que o sr. Magalhães de Lima deliberasse jantar com os seus amigos! (Apoiados.)
Tenho medo de que sem se querer, se esteja por esta forma a fazer a republica, com estes apparatos ridículos, que desprestigiam os poderes constituídos, e com estes vexames brutaes, que affrontam cidadãos que nada têem com estas manifestações de republicanismo platónico. (Apoiados.)
Aguardo a resposta do sr. ministro do reino e peço sinceramente a s. exa. que se compenetre da verdade e da justiça das nossas queixas e dos nossos protestos, e que não queira levar tão longe os melindres da sua posição official que chegue ao ponto de cobrir com a sua responsabilidade os actos injustificáveis que foram hontem praticados pelas anctoridades suas subordinadas, e que ao seu espirito liberal e illustrado hão de repugnar tanto como a todos nós. (Apoiados.)
O sr. Ministro do Reino (Barjona de Freitas): - O illustre deputado que acaba de fallar começou por estranhar que eu não estivesse presente ha mais tempo nesta casa, e ouvi dizer que um outro illustre deputado tambem se queixara da minha ausência. Preciso, portanto, antes do mais, responder a esse ponto, para que ninguém pense que fujo do logar onde devo estar, qualquer que elle seja.
Venho da camara dos pares, onde fui por ter sido prevenido de manhã de que ali pretendiam interpellar-me sobre estes mesmos acontecimentos, não tendo ao mesmo tempo noticia alguma de que nesta camara se projectava fazer-me igual interpellação.
Na camara dos pares não me interpellaram, e logo que ali me chegou a noticia de que esse debate se tinha levantado nesta casa, para aqui vim, como muito bem sabe o illustre deputado, porque s. exa. encontrou-me no caminho.
Explicado assim este ponto, fique bem accentuado, que de todos os actos que eu praticar, assumo sempre e inteira a responsabilidade e que nunca fujo d'este ou de qualquer outro campo. (Muitos apoiados.)
O illustre deputado, o sr. Lobo d'Avila, notou depois a coincidência de terem sido incommodados, se não presos, alguns deputados da maioria.
Interrupção do sr. Lobo d'Avila.)
Eu sinto muito que fosse incommodado, fosse quem fosse; respeito todos os cidadãos, quer sejam da maioria, quer da minoria, quer pertençam ao corpo legislativo, quer sejam das ultimas camadas sociaes. (Apoiados.)
Posso ter amigos em toda a parte; são, porém, iguaes para mim todos os cidadãos, sob o ponto de vista da justiça, do direito e da liberdade.
Mas o facto de só terem sido incommodados membros da maioria, porque não consta que o tivessem sido os da opposição, é uma prova de que o governo, tomando precauções, não procedia em virtude de nenhuma paixão politica. (Apoiados.)
(Interrupção do sr. Lobo d'Avila.)
Ora, já vê o illustre deputado, que eu estou prompto a responder a todas as suas observações; não digo que hei de responder bem, mas hei de responder a todas como poder e souber.
Também s. exa. notou que, por uma triste coincidência, foi exactamente na Avenida da Liberdade onde se praticaram todos os factos que condemnou.
Ora, eu tenho a opinião de que se deve permittir toda a discussão sem injuria, toda a manifestação sem desordem, toda a liberdade sem anarchia, e que, por consequência, na Avenida da Liberdade, como noutro qualquer ponto, a perturbação da ordem deve ser reprimida, immediatamente, do mesmo modo que a liberdade deve ser mantida por todos e em toda a parte. (Apoiados.)
Perguntou-me o illustre deputado se eu tinha noticia dos factos occorridos.
Respondo-lhe com toda a franqueza que, por emquanto, não recebi a noticia ofiicial de taes factos. Tenho apenas conhecimento de algumas occorrencias que me foram communicadas mais particular do que officialmente. No entretanto, é claro que, desde que alguém levanta a sua voz no parlamento e se queixa de que a policia foi mal feita, ou de que alguém foi incommodado no livre exercício dos seus direitos, corre-me a obrigação de averiguar escrupulosamente tudo quanto se passou, para conhecer quaes os delinquentes, se effeetivamente existem, ou, emfim, para saber a quem cabem as responsabilidades. (Apoiados.)
Tenho essa obrigação imperiosa. (Apoiados.)
E eu que deposito toda a confiança no governador civil de Lisboa e no commandante da guarda municipal, não tenho duvida alguma em declarar que, apesar d'essa confiança, não posso eximir-me de modo algum ao dever de averiguar se existiram os factos que se dizem praticados, e qual a sua natureza, para depois exigir a responsabilidade a quem ella pertença. (Apoiados.)
N'este momento só posso dizer á camara quaes foram as ordens que eu dei.
Constando-mo que ia dar-se um jantar pelos motivos e nos termos que toda a gente em Lisboa sabe, o que elle teria logar no edificio dos Recreios, creio que é este o nome; sabendo ao mesmo tempo que os espectáculos públicos se verificavam ali, pouco mais ou menos, á hora do mesmo jantar, declarei que não prohibia nem o jantar, nem os espectáculos, mas que o que não podia permittir, em nome da ordem publica, era que se realisassem as duas cousas ao mesmo tempo, por isso que, podendo ter logar quaesquer desordens, poderiam achar-se n'ellas envolvidos innocentes e criminosos. (Apoiados.)
Podiam dar o espectáculo á hora que quizessem, comtanto que as duas cousas não coincidissem. (Apoiados.)
A esta ordem acrescentei ainda a seguinte:
Como naturalmente a galeria, onde se dava o jantar, despertaria a curiosidade de quem estivesse cá fora; como podia haver mesmo mal intencionados que aproveitassem este pretexto para pertubar a ordem ou para, emfim, fazerem qualquer manifestação que não devesse ser permittida, dei ordem também, para que, quando houvesse ajuntamentos em frente do logar em que se dava o jantar e que d'esse ajuntamente se correspondessem para dentro, ou applau-

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dindo, ou fazendo manifestações de qualquer forma, perturbando a ordem e incommodando as pessoas que estavam no jantar, porque ellas tinham o direito de jantar tranquillamente, e porque a obrigação dos poderes públicos não é unicamente garantir a liberdade aos monarchicos, mas a todo e qualquer cidadão, seja qual for o partido a que pertença, (Apoiados.) dei ordem, repito, neste sentido, para que quando tivesse logar qualquer manifestação da natureza d'aquellas a que acabo de me referir, a policia intimasse os que a faziam para se retirarem.
Aqui tem v. exa. as ordens que dei, e consta-me que effectivamente numa certa altura dos discursos, que mal se ouviam, corresponderam cá fora as palmas de uns e os assobios de outros. Foi exactamente nessa occasião que a policia intimou para que se retirassem os grupos que ali se achavam; mas continuando as palmas e os assobios, a policia empregou então, não- se póde dizer a forca, porque me consta que não foram desembainhados os terçados, mas, emfim, empregou todas as diligencias para que a gente ali agglomerada se retirasse e não consentiu que ella se tornasse a reunir n'aquelle sitio. E isto o que me consta.
Aqui fica dito com toda a franqueza e com a consciência tranquilla quaes foram as ordens que dei.
Fica dito tambem o que me consta que se praticou, e fica igualmente consignado outro facto, e é que, até este momento, tanto o commandante da guarda municipal, como o governador civil merecem a minha plena confiança. (Apoiados.)
Repito, não recebi ainda participação official das occorrencias, e por isso não posso ter, por ora, certeza alguma de como as cousas se passaram, mas quando um membro desta casa, qualquer que seja a sua cor política, se levanta para se queixar de que as ordens do governo foram mal executadas, corre-me o imperioso dever de averiguar até ao fim quaes são as responsabilidades que existem e de punir aquelles que forem realmente criminosos; (Apoiados.) e esse dever hei de eu cumprir.
E isto o que tenho a dizer á camara com toda a tran-quillidade da minha consciência.
Vozes: - Muito bem.
(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)
O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. Eduardo José Coelho.
O sr. Consiglieri Pedroso: - Eu tinha pedido a palavra em primeiro logar.
O sr. Presidente: - O sr. deputado desistiu da palavra, quando lhe pertencia, e neste Caso ficou inscripto em ultimo logar.
O sr. Consiglieri Pedroso: - Não desisti da palavra; annui simplesmente a que fallasse primeiro o sr. Carlos Lobo d'Avila.
O sr. Presidente: - Eu dei a palavra ao sr. Consiglieri Pedroso porque o tinha inscripto em primeiro logar. S. exa. não quiz usar d'ella quando lhe pertencia, e eu logo lhe declarei que, sendo isso uma desistência, ficava inscripto de novo, e portanto o ultimo.
O sr. E. Coelho: - Desisto da palavra para fallar o sr. Consiglieri Pedroso.
O sr. Presidente: - Depois do sr. Eduardo Coelho quem se segue a fallar é o sr. Marcai Pacheco.
O sr. E. Coelho: - Peço agora a palavra.
O sr. Marçal Pacheco: - Desisto da palavra.
O sr. Presidente: - N'esse caso tem a palavra o sr. Consiglieri Pedroso.
O sr. Marçal Pacheco: - Peço de novo a palavra sobre o incidente.
O sr. Consiglieri Pedroso: - Começo, sr. presidente, por agradecer a delicadeza e a deferência que comungo acabam de ter os meus collegas, que me precediam no uso da palavra; e entrando no assumpto repetirei a mesma declaração que, ao levantar-se este incidente, foi feita por parte do sr. Azevedo Castello Branco, isto é, por parte do um deputado da maioria, e por parte do sr. Carlos Lobo d'Avila, isto é, por parte de um deputado da opposição monarchica.
Eu tambem ao tomar parte n'este incidente, abstrahio completamente de qualquer idéa política, para não lhe amesquinhar a significação nem prejudicar-lhe as consequências.
Não quero mesmo saber, dentro desta casa, que qualidade de indivíduos estavam jantando na galeria dos Recreios; não sei quaes os cavalheiros que foram vexados pela força publica. Uns e outros eram cidadãos portuguezes no pleno uso dos seus direitos, e tanto me basta! Simplesmente desejo que a camara note bem esta circumstancia, de que a severa condemnação do procedimento da policia partiu de deputados que são absolutamente insuspeitos, e tão insuspeitos que o primeiro que levantou este incidente não teve duvida em declarar que es seus deveres de lealdade para com o ministério, não podiam impedir-lhe a manifestação do seu justo resentimento contra as aggressões de que brutalmente fora victima no dia de hontem.
Quando a questão está posta nestes termos, sr. presidente, não é já uma questão de partido, mas de uma camara inteira! (Apoiados.)
E deixo a v. exa. avaliar, neste caso, o que significa tão eloquente unanimidade! (Apoiados.)
Sinto que o sr. ministro do reino, ao apresentar-se nesta casa, houvesse declarado que ácerca dos factos occorridos só tinha informações particulares, não havendo ainda recebido communicações de origem official.
E sabe v. exa. porque eu sinto que se desse esse facto? Porque me parece que o sr. ministro, auctoridade que superintende sobre a policia da capital, não devia ficar, por um momento sequer, estranho aos factos que acabaram de ter logar, tanto mais que s. exa. podia bem contar que no seio da representação nacional lhe haviam de ser pedidas a esse respeito explicações.
Lastimo ainda que o sr. ministro do reino não tivesse tido até agora informações officiaes, porque, se as houvera recebido não se veria obrigado a repetir, como acaba de o fazer, á face da camará, muitas inexactidões que até por parte da própria maioria foram devidamente rectificadas.
Não houve, sr. presidente, nem assobios, nem manifestações de qualquer ordem, insultuosas ou perturbadoras, e que provocassem a intervenção da força publica. ..
Umas vozes: - Houve, houve.
Outras vozes: - Não houve, não houve.
O Orador: - V. exas. dão-me licença? A prova que não houve...
Vozes: - Houve.
O Orador: - Bem; nesse caso eu continuo a perfilhar a opinião de muitos membros desta camará, de que não houve manifestação alguma...
O sr. Pereira Leite: - Eu digo que houve.
O sr. Albino Montenegro: - Não houve.
Vozes: - Houve.
Outras vozes: - Não houve.
O sr. Presidente: - Peço ordem.
O Orador: - Sr. presidente, parece-me que, se a camara ouvir com- serenidade o que eu vou dizer, é provável que a opinião dos srs. deputados que sustentam que houve manifestações tumultuosas seja por elles próprios abandonada.
Sr. presidente, repito, não houve manifestações tumultuosas em virtude das quaes a forca publica tivesse de tomar as providencias que tomou.
E sabem v. exas. porque?
O sr. ministro do reino, referindo se aos factos acontecidos, disse que se relacionavam com os discursos que se estavam fazendo na galeria dos Recreios as manifestações que tiveram de ser prohibidas.
Ora eu tenho a dizer a s. exa., e esta circumstancia destroe toda a sua argumentação, que quando a força publica

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chegou com o seu ridiculo apparato, e quando se desenvolveram as medidas policiaes contra as quaes »e insurgiram os srs. Castello Branco e Avila, ainda os discursos não haviam começado, porque o banquete apenas estava no começo!
Já vê v. exa., sr. presidente, que o sr. ministro do reino foi levado a fazer esta asserção pelo facto de não ter recebido communicação alguma official, fundando-se sómente em communicações officiosas e particulares, pouco conformes com a verdade dos factos.
Eu não preciso saber neste momento em quem recáe a responsabilidade directa dos factos que se passaram hontem na Avenida da Liberdade. Para mim, quem tem a responsabilidade legal e constitucional d'essas occorencias é o sr. ministro do reino. Não conheço mesmo outro responsável!
Permitia-me v. exa. que eu faca ainda notar á camara a circumstancia de que infelizmente os factos occorridos não são um acontecimento esporádico. Mais de uma vez, com effeito, a voz de muitos homens públicos, que militam nos differentes partidos, se tem levantado contra o procedimento da policia de Lisboa, que só tem igual em alguma cidade africana e das mais atrazadas.
Repetidas vezes a imprensa de todos os matizes tem condemnado severamente o modo brutal como os agentes da segurança publica intendem dever manter a ordem na capital.
É por culpa dos que obedecem? Não! E principalmente por culpa dos que mandam! Ha pouco, o sr. Castello Branco referia-se aos serviços que os nossos funccionarios administrativos e policiaes querem fazer valer em altas regiões.
Como é pungente esta allusão!
E effectivamente por se quererem fazer valer nas altas regiões que grande numero de governadores civis de Lisboa dão á capital o ao paiz o lastimoso exemplo de campanhas, ridículas e cómicas contra os cidadãos pacíficos, que de um momento para o outro se vêem vexados como se fossem vadios ou criminosos!
Pôde continuar similhante estado de cousas? Não póde por honra e dignidade de nós todos.
Os acontecimentos de hontem sobem mesmo de importancia. Nem a qualidade de representante da nação foi respeitada, e este attentado é grave, não só porque os nossos collegas da maioria que foram presos nos merecem todo o respeito e consideração, mas porque as suas immunidades de deputados desattendidas, reflectindo-se a offensa em toda a camara, que perante um aggravo d'esta ordem deve ser solidaria, sejam quaes forem as discrepancias políticas dos seus membros. (Muitos apoiados.}
No entretanto, sr. presidente, se me fosse permittido n'esta conjunctura, que não se presta a gracejos, tirar uma consideração dos factos occorridos, diria que talvez uma felicidade que tres illustres deputados da maioria se tivessem encontrado no conflicto de hontem, para que emfim no parlamento portuguez podessemos tratar a serio de ama questão, que não interessa só a um partido, mas diz respeito a todos, porque, depois de se terem castigado as infracções e os delictos que acabam de ser accusados, é urgente modificar o systema da força publica policial, transformando o serviço da policia tal como elle actualmente é comprehendido no paiz e muito especialmente em Lisboa! (Apoiados.)
Eu folgaria muito, sr. presidente, que fosse esta a ultima vez em que tivesse de levantar a voz na camara contra factos como os praticadas hontem e que são improprios do decoro do paiz! (Apoiados.)
A minha posição n'este incidente é extraordinariamente singular. Se se tratasse apenas de attender ao interesse próprio e dos meus amigos políticos, como eu agradeceria com effeito ao governo aquella apparatosa guarda de honra que mandou postar hontem (Riso.) em frente da sala onde nos banqueteávamos!!
Confesso, sr. presidente, que cheguei a ter um movimento de vaidade, quando vi a galleria dos Recreios guardada, como creio nunca o esteve palácio real algum, mesmo á hora do jantar do mais opulento monarcha! (Riso.)
Já v. exa. vê que eu sou bem insuspeito. Pela minha parte, pessoalmente, entendo que, ou o governo nos deu uma extraordinária prova de consideração, ou elle se desconsiderou muito a si próprio. E qualquer das hypotheses nos lisongeia.
Desenvolvendo similhante apparato bellico, ou o governo teve em vista contribuir para o luzimento da nossa festa, o que lhe agradecemos, principalmente porque nada lhe pedimos, ou entoo significa, como bem disse o sr. Azevedo Castello Branco, que se quiz enviar um bilhete de recommendação, em alardo de serviços para se fazer valer mais alto.
N'este caso repetirei para terminar as palavras do sr. Azevedo Castello Branco, lamentando que para o explendor da corôa portugueza seja necessario o sangue dos cidadãos portuguezes!
Disse. (Apoiados.)
O sr. Lobo d'Avila: - Agradeço a resposta ao sr. ministro do remo, comquanto ella me não satisfizesse inteiramente.
Eu não disse que os factos passados hontem eram graves sómente porque tinham sido envolvidos nos actos brutaes da policia alguns deputados da maioria.
Apontei esta circumstancia para mostrar, com um testemunho de todo o ponto insuspeito para o governo, que, quando eu censurava as irregularidades praticadas pela policia, exprimia a verdade dos factos.
É certo que o incommodo de que foram victimas os illustres deputados significa, não só a violação dos seus direitos individuaes, mas ainda o desacato das suas immunidades parlamentares, que se conservam ainda mantidas na lei, e que a policia hontem de uma maneira arrogante mostrou desprezar (Apoiados.)
Eu appello para o testemunho d'aquelles que ouviram hontem da boca do sr. commissario geral de policia palavras de rudeza, que nunca deveriam ser proferidas por uma auctoridade, que póde e deve reprimir os desmandos de qualquer população, mas que nunca deve empregar expressões violentas que provoquem os cidadãos pacíficos.
Diz o sr. ministro que não se empregou a força e que não se desembainharam as espadas.
Perdõe-me s. exa., mas está mal informado; deram se cargas, desembainharam-se espadas, e infelizmente á frente de algumas dessas cargas estava o sr. commandante da guarda municipal, segundo viram todos os que hontem estiveram na Avenida da Liberdade.
A força foi empregada e com tanto exaggero e tanto despropósito, que o sr. Azevedo Castello Branco ia sendo esmagado, não por um, mas por sete cavallos da guarda municipal, se s. exa. não tem a oocorrencia feliz de bradar aos soldados que era official do exercito, o que deteve o impeto da arremettida, e o salvou de ficar muito maltratado. (Apoiados.)
Supponha se que s. exa. não era official do exercito, ou que não tinha a lembrança de o gritar aos soldados, em que situação desagradável não estaria agora o sr. ministro do reino, perante o desastre acontecido a um cavalheiro digno da estima de todos nós, que tinha sido victima de uma brutalidade que não tem classificação, porque o sr. Azevedo Castello Branco não foi para a avenida da Liberdade fazer desordens?
Estes são os factos, e eu creio que o, sr. ministro do reino se está sentindo indignado ao ouvil-os narrar, cr>rno nós que presenceámos a selvageria com que os praticaram. (Apoiados.)
Eu não nego que o sr. ministro tenha de attender às informações officiaes; mas peco-lhe que attenda tambem às informações que lhe damos todos, de um e outro lado da

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camará, e que ponha um pouco acima do excessivo melindre de cobrir as responsabilidades dos seus funccionarios o melindre mais alto do ministro da coroa, que deve castigar os funccionarios que faltaram aos seus deveres, que violaram a lei e que offenderam os direitos dos cidadãos. (Apoiados.)
Eu percebo a situação do sr. ministro do reino: quer cobrir a responsabilidade dos seus subalternos, dos seus subordinados, e por outro lado conhece que elles se excederam no cumprimento das ordens que lhes dera.
Eu applaudo as ordens que s. exa. deu, mas das ordens aos factos que se passaram vae uma distancia immensa, e por isso mesmo censuro os que tanto exorbitaram.
Se s. exa. tivesse passado hontem pela Avenida da Liberdade havia de espantar se ao ver como as suas ordens tinham tido uma execução tão anarchica e despropositada. (Apoiados.)
Esta questão não é política, quer dizer, não é partidária.
Nós, opposição, pedimos a s. exa. que se compenetre da gravidade das occorrencias suecedidas hontem, e que tome providencias enérgicas para que as garantias e os direitos individuaes dos cidadãos sejam mantidos.
Eu não faço mais do que repetir o que já aqui disse o sr. Azevedo Castello Branco, deputado da maioria, e torno a dizer que sinto que o sr. ministro do reino não ouvi-se o illustre deputado da maioria. S. exa. disse que estas violências eram talvez praticadas no intuito de alardear em altas regiões serviços que não ficavam bem, nem á força publica, nem ao decoro do poder.
Eu faço justiça a todos. Os poderes públicos em Portugal não consentiriam que lhes prestassem serviços desta natureza e que apenas revelam da parte dos funccionarios que os praticam que mal comprehendem os seus deveres officiaes. (Apoiados.)
O sr. Ministro do Reino (Barjona de Freitas): - Esperava eu que os illustres deputados que me interpella rara, se mostrassem satisfeitos com a minha resposta, que foi dada com a serenidade que me resulta da tranquillidade da consciência e da certeza do meu direito; mas quando vejo que os illustres deputados, longe de se declararem satisfeitos, continuam a accusar o governo e, se não o governo, as suas auctoridades, eu tenho o direito de suppôr que, se não ha nisto uma questão política levantada pelos illustres deputados, que protestam que ella não existe, e eu folgo bem com isso, ha todavia mais alguma cousa do que a questão de legalidade, do que a defeza dos direitos dos cidadão; ha tambem alguma paixão levantada, talvez, pela maneira por que os acontecimentos correram, ou mesmo porque elles affectaram alguns dos illustres deputados.
O que disse em relação aos factos contra os quaes se formularam as queixas dos illustres deputados?
Eu disse: - hei de averiguar a verdade; hei de ver se houve excesso, se se praticaram abusos, se foram transgredidas as ordens dadas pelo governo; e depois de tudo bem averiguado, depois de se reconhecer que effectivamente se praticaram excessos, hei de pedir a responsabilidade d'elles e hão de ser castigados os delinquentes.
Foi isto o que eu disse, e parecia-me que bastava esta declaração, por parte do governo, para que os illustres deputados que se queixaram, devessem ficar satisfeitos, esperando tranquillos que effectivamente se averiguassem os factos.
Eu comprehendo muito bem que aquelles que não têem confiança no governo, descreiam de que elle proceda a essas averiguações, e continuem no mesmo estado de desolação e de tristeza que tinham no principio da discussão; mas quando se levantam deputados de todos os lados da camara para dizerem que não se trata de unia questão politica, mas unicamente dos direitos dos cidadãos, e por parte do governo eu declaro que vou averiguar, parece-me que a obrigação é esperar pelo resultado dessas averiguações e depois queixarem-se do ministro, se este não proceder como é de esperar. (Apoiados.)
Não tiremos a questão do logar em que ella foi posta.
Ou é uma questão política ou não. Se é questão politica, comprehendo que os deputados da opposição não tenham confiança no governo; se é uma questão que se levanta em nome das liberdades publicas e dos direitos dos cidadãos, independeu1 emente de qualquer paixão política e partidária, neste caso, quando o governo faz aquellas declarações, a obrigação dos illustres deputados é esperar que os factos se averiguam, e que a questão se illucide do modo o mais completo, mesmo no interesse dos illustres deputados que vieram á camara apresentar as suas queixas.
Admirou-se o illustre deputado, o sr. Consiglieri Pedroso, de que eu não tives.se já em meu poder todos os documentos oíficiaes que me habilitassem a tratar desta questão; mas s. exa. não considera que ainda às duas horas da noite se estavam dando acontecimentos na avenida, que obrigavam a policia a permanecer ali; e lembra me agora que já depois das duas horas eu perguntei pelo telephone o que havia de novo e responderam-me que ia tudo dispersando na melhor ordem.
Por consequencia, hontem á noite, e muito tarde, ainda se estavam dando acontecimentos que prendiam ali a policia, que só hoje poderá occupar-se dos relatórios e informações que tem a dar.
Quando eu disse, ha pouco, que não tinha informações officiaes, referi-me a informações officiaes escriptas e documentadas. São essas informações as que hão de servir para qualquer procedimento. Não é uma ou outra phrase, embora proferida por qualquer auctoridade, que eu posso apresentar á camará, como documento official sufficiente para mostrar como os factos se passaram. (Apoiados.)
Quando tenho de responder como auctoridade ou mesmo como indivíduo, gosto de estar bem informado e ter a consciência do que digo.
Mas levantou-se a questão, e os illustres deputados que acabam de fallar, especialmente o sr. Cunsiglieri Pedroso, viram que as suas palavras foram contestadas por vários membros desta casa.
Dizem uns que quando a policia interveiu para dispersar o ajuntamento que se achava em frente do Colyseu, ainda se não tinham dado nem palmas nem assobios; e outros, da parte da maioria, asseveram que sim.
Eu comprehendo, nem podia deixar de comprehender, que tanto a affirmativa como a negativa são verdadeiras no espirito dos illustres deputados que as apresentam.
As affirmações contrarias de uns e outros srs. deputados podem ser verdadeiras; nem s. exas. eram capazes de faltar á verdade. Bem podiam uns ter chegado mais cedo e outros mais tarde e portanto os que chegaram mais tarde não terem ouvido as primeiras palmas e assobios.
Mas disse o illustre deputado, o sr. Consiglieri Pedroso, que eu me encontro numa posição embaraçosa! Permitta-me s. exa. dizer-lhe que está completamente enganado.
Se eu tivesse dado quaesquer ordens que depois se reconhecesse serem absurdas, a minha posição seria com effeito verdadeiramente embaraçosa, como a de todo aquelle que fica com a consciência de não ter sabido cumprir com o seu dever.
Mas eu estou convencido de que as minhas ordens foram as que devia dar, e portanto estou tranquillo. (Apoiados.)
Se essas ordens não foram bem executadas, a responsabilidade é da auctoridade policial e dahi não me póde resultar embaraço algum.
O que ou não posso consentir, nem consentirei nunca, é que qualquer auctoridade, por cumprir as resoluções do governo, fique com a responsabilidade que lhe não cabe e porventura me possa caber a mim.
Quando essa responsabilidade for minha, venho ao par-

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lamento pedir que me julguem e me condemnem, se dever ser condemnado, mas não a declino.
As minhas ordens, repito, limitaram-se a prohibir a simultaneidade dos espectáculos e do jantar; a prohibir que houvesse em frente do Colyseu ajuntamentos que impedissem o transito, e finalmente a prohibir a intervenção da gente que estivesse na rua e que podia ter mais ou menos relações com a que estava dentro do edifício.
Se a auctoridade cumpriu estas ordens, toda a responsabilidade é minha, e o illustre deputado póde condemnar-me como auctor d'ellas.
E a proposito, felicito o illustre deputado por se achar lisongeado com a guarda de honra que teve durante o jantar. Mas peco a s. exa. que se não encha demasiadamente de orgulho, porque ainda que não fosso o illustre deputado e outros amigos seus os que estavam lá dentro, gosando das delicias de um jantar, cujo menu já vi publicado nos jornaes e que é realmente digno da democracia que s. exa. representavam; ainda que se tratasse de quaesquer cidadãos que estivessem comendo o pão negro em alguma choupana, se estes precisassem dessa guarda de honra, tela-íam igualmente.
Não se illuda, pois, o illustre deputado, mostrando-se ufano com a guarda de honra e agradecido á generosidade do governo. (Apoiados. - Riso.)
Vozes: - Muito bem.
(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)
O sr. Elvino de Brito (sobre a ordem): - Declara que distingue, nas considerações que vae fazer, duas questões: uma de responsabilidade apurada, outra de responsabilidade ainda por liquidar.
As tristes e lamentáveis Decorrências que se deram hontem á noite na Avenida da Liberdade constituem uma dessas questões, em que o illustre ministro do reino se não mostra plenamente informado: carece de melhores informações para que a sua responsabilidade possa ser plenamente aparada. S. exa. ignora, segundo aqui affirmou, se a policia exorbitou ou não. Sempre que ha questões desta ordem, as declarações cio governo costumam ser idênticas. E no fim de contas uma questão que nunca se liquida, a despeito das boas palavras do governo. Quanto a elle, orador, os factos deram-se exactamente como os descreveu insuspeitamente o sr. Castello Branco, que pertence á maioria da camara.
Mas, emfim, deixo-se para mais tarde esta questão, e os srs. deputados, que tiverem confiança no governo, aguardem as providencias que reclamam.
Mas a outra questão é já um facto averiguado pela própria declaração do sr. ministro do reino, que affirmou, por modo bem claro, haver prohibido o espectáculo no theatro dos Recreios, que fica aliás bem distante do theatro do Colyseu, contíguo ao grande salão onde teve logar o jantar dos republicanos.
E, como se vê, uma questão liquidada e cuja responsabilidade cabe inteira ao sr. ministro do reino, e, conseguintemente, ao governo de que faz parte.
E como a prohibição é um acto abusivo e illegal, que não póde justificar-se pela rasão de manutenção da ordem, visto que ao governo compete manter a ordem em qualquer espectáculo publico, sem necessidade do prohibir espectáculos, elle, orador, protestando contra este facto, manda para a mesa a sua moção, que resume o seu modo de ver n'este incidente.
E uma questão do princípios, que a todos cumpre respeitar e sobre que devem todos manifestar desassombradamente a sua opinião.
Não é, nem podo ser, uma questão de política partidária, mas sim de política geral, que abrange interesses de ordem mais elevada.
Perguntará ao sr. ministro do reino em que foi que se baseou para prohibir o espectáculo n'aquclle theatro, que nada tem de commum com o Colyseu e que dista até muito d'elle?
Considera esto acto attentatorio da liberdade e representa uma verdadeira confiscação, que foi lesar a empreza de um theatro popular e a todas as pessoa?, cujos interesses estão intimamente ligados com os d'essa empreza.
Se o governo se limitasse a prohibir o espectáculo no Colyseu, entendia-se e explicava-se. Nem a empreza do theatro se podia queixar, visto que nas suas mãos estava o obstar á ordem do governo, não alugando o salão para o jantar dos republicanos. Mas ir mais longe e prohibir o espectáculo no theatro dos Recreios, que fica distante e em nivel muito mais elevado, com entrada e saída distinctas pela calcada da Gloria, e cousa que elle, orador, não comprehende, e por isso protesta contra o facto. Tem por si o illustre ministro da marinha, que na. sessão de 24 de marco de 1879 fustigou o governo regenerador por haver praticado um acto idêntico. E até elle, orador, tivera o cuidado de redigir a sua moção de ordem nos termos da que n'aquella sessão fora apresentada pelo sr. Chagas.
(O discurso será publicado na integra quando s. exa. devolver as notas tachygraphicas.)
Leu-se na mesa a seguinte

Moção de ordem

A camara, lamentando que o governo violasse os princípios de liberdade e tolerância, passa á ordem do dia. = Elvino de Brito.
Foi admittida.

O sr. Azevedo Castello Branco (sobre a ordem): - As palavras proferidas pelo deputado que me precedeu e a moção que mandou para a mesa obrigam-me a levantar-me pela segunda vez para restabelecer a verdade dos factos, e responder ao sr. ministro do reino.
Eu tive a honra de levantar esta questão a que chamarei malfadada; mas declaro que nesse momento não tinha a mais levo intenção de crear difficuldades ao governo nem de lançar suspeições sobre os seus representantes; a minha lealdade partidária era bastante para não poder suscitar duvidas a tal respeito. Nessa occasião accentuei eu igualmente que tinha plena confiança nas tradições do partido a que tenho a honra de pertencer, nos intuitos liberaes do todo o ministério, e se podesse especialisar algum membro do gabinete, nas tradições liberalissimas do nobre presidente do conselho. (Apoiados.)
Se estivesse presente o sr. ministro do reino ao tempo em que eu fallei, a s. exa. eu diria que tenho inteira confiança nos seus intuitos liberaes, porque estou affeito desde muito a ver n'elle o auctor das mais rasgadas medidas que toem sido propostas ao parlamento e convertidas em leis. (Apoiados.)
Posta a questão n'estes termos, eu não tenho duvida alguma em restabelecer os factos.
E eu tenho tanta confiança no governo, que, quando chamei a sua attencão para este assumpto, não quiz especialisar acontecimentos, porque bem sabia que o sr. ministro do reino não estava sufficientemente informado, para poder vir dar contas do que houvera e que me responderia que ia averiguar.
Eu queixei-me effectivamente da maneira absurda como foi hontem mantida a ordem na Avenida da Liberdade; queixei-me disso; no entretanto não tenho duvida alguma de que o procedimento do governo ha de ser perfeitamente em harmonia com a justiça que assiste ao parlamento e a todos os offendidos.
Com relação á moção do sr. deputado Elvino de Brito, devo dizer que, levantando esta questão, colloquei-a num campo tão alheio á política, que creio interpertar bem o sentimento da grande maioria da camara, se não da camara toda, declarando que não posso acceitar qualquer moção de desconfiança no gabinete, sem contrapor-lhe uma de confiança. (Apoiados.)

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Se acaso eu imaginasse que as minhas palavras seriam deturpadas, e as minhas intenções por tal forma desvirtuadas, que se podesse attribuir qualquer intuito político, eu desde já declaro que, fosse qual fosse o meu resentimento, não levantaria uma questão que podia tornar uma questão capital para o gabinete.
Não posso consentir, em nome da minha dignidade, que se deturpem as minhas intenções, numa questão em que tenho a prioridade, até ao ponto de se collocar a questão política quando eu próprio não a levantei.
Neste ponto mantenho as declarações que fiz a primeira vez que fallei.
Só acrescento, pela minha parte, e creio que tambem o poderia dizer por parte da maioria, que não posso acceitar a inócuo do sr. Elvino de Brito. (Apoiados.)
Tenho concluído.
Leu-se na mesa a seguinte

Moção de ordem

A camara, satisfeita com as explicações do governo, passa á ordem do dia. = José de Azevedo Castello Branco.
Foi admittida.

O sr. Eduardo Coelho (sobre a ordem): - Teria desistido da palavra, se a discussão não tivesse sido cortada de incidentes, e não me parecesse por isso que devia fazer algumas considerações a este respeito.
Serei, porém, muito breve.
Felizmente esta questão foi levantada por illustrados membros da maioria. Felicito-me por isso, não por intuitos partidários, mas porque, tratando-se de uma questão de tanta importância, tratando-se de offensas às garantias individuaes, bom é que estas tenham a seu favor tão valentes luctadores.
Para mim tambem esta questão não é uma questão política, porque a política, consoante nós costumâmos entendel-a, quasi sempre prejudica a justiça.
Como terei occasião do apreciar o procedimento do governo, porque o sr. ministro do reino declarou que vae averiguar como os factos se passaram, limito a isto, por agora, as minhas considerações, e mando para a mesa a minha moção.
Leu-se na mesa a seguinte

Moção de ordem

A camara aguarda que o governo providenceie sobre as ocorrências do dia de hontem, e passa á ordem do dia. - E. J. Coelho.
Foi admittida.

O sr. Marçal Pacheco (sobre a ordem): - Disse que o conhecimento que tem da índole pacifica e liberal do sr. ministro do reino não o auctorisou a suppôr que s. exa. mandasse às suas auctoridades subalternas praticar os actos inqualificáveis e verdadeiramente despóticos que uma parte da população da cidade presenceou hontem na Avenida da Liberdade.
Que por isso não vinha accusar o governo, mas usava da palavra simplesmente para protestar bom alto contra o enxovalho de que elle e outros seus collegas, deputados, tinham sido victimas, prestando, sobre os acontecimentos, alguns elementos do informação.
Que se o sr. ministro do reino queria fazer justiça, e punir os culpados, era mister que se não limitasse a ouvir sómente os depoimentos officiaes, pois que esses seriam interessados em desculpar os seus próprios actos.
Precisava de dizer que tinha mais amor á liberdade do que ódio aos republicanos.
Entendia que ao governo incumbia o direito de adoptar medidas de prevenção contra os attentados possíveis da ordem publica. Esse direitor porém, não devia ir até ao ponto de privar os cidadãos da sua liberdade, apenas porque os srs. republicanos queriam jantar.
Que fôra preso, porque pretendera passar pelo centro da Avenida, a mais de 00 metros do distancia do local do jantar republicano. Que os cidadãos que igualmente pretendiam passar foram brutalmente repellidos pela policia, uma malta de chanfalhos á cintura, malcreada e descortez, maltratando tudo e todos á direita e á esquerda, sem a menor comprehensão dos seus deveres. Que as manifestações que presenceou por parte dos cidadãos menos significaram qualquer adhesão aos discursos dos convivas do jantar, discursos que era impossível ouvir, do que protesto á maneira desordenada porque policia e municipal, atropellavam a população pacifica. Que os factos occorridos eram impróprios de uma capital civilisada.
Fez ainda outras considerações, terminando por pedir ao governo e especialmente ao sr. ministro do reino as mais minuciosas averiguações a fim de serem castigados os que se mostrassem culpados.
Em contraposição com a moção de desconfiança apresentada pelo sr. Elviiio de Brito, apresentou a seguinte

Moção de ordem

A camara,, satisfeita com as instrucções dadas pelo governo ácerca dos factos em questão, passa á ordem do dia. = Marçal Pacheco.
Foi admittida.
O sr. Emygdio Navarro: - Declarou que não votava a moção do sr. Elvino de Brito, nem a do sr. Azevedo Castello Branco, porque entendia que a questão devia ser arredada do campo político.
Fez algumas considerações sobre as Decorrências de que se trata e terminou mandando para a mesa a seguinte

Moção de ordem

A camara, registando as declarações do governo, de que providenciará para que não fiquem sem desaggravo quaesquer offensas que nos factos em questão tenha havido contra as leis e os direitos dos cidadãos passa á ordem do dia. =
Lida na mesa foi admittida.
(O discurso será publicado na integra, quando s. exa. restituir as notas tachygraphicas.)
O sr. Ministro do Reino (Barjona de Freitas): - Levanto-me n'esta occasião, menos para discutir do que para agradecer os esclarecimentos que me toem sido fornecidos por alguns senhores deputados, sem attenção á diversidade de cores poucas donde partiram esses esclarecimentos.
Em relação ao sr. Elvino do Brito, que me perguntou em nome de que lei tinha eu prohibido o espectáculo do theatro dos Recreios, posso lembrar a s. exa. os regulamentos muito conhecidos que incumbem ao governador civil a policia dos espectáculos e o código administrativo, que, em alguns dos seus artigos, dá a esses magistrados a faculdade de empregar todas as medidas, e até as preventivas, para a manutenção da ordem publica.
Alem d'isso, eu podia allegar mesmo um direito superior a todos os regulamentos o a todos os códigos, o direito que se baseia na obrigação que têem todos os governos de manter a ordem publica, que é a base essencial do exercício do todos os outros direitos e de todas as liberdades. (Apoiados.)
Mas, como acabou de dizer o sr. Emygdio Navarro e é verdade, eu não prohibi os espectáculos, nem o jantar: ao contrario, disso que podiam dar o jantar como e onde quizessem e do mesmo modo que podia haver espectáculo, comtanto que não juntassem as duas cousas ; porque a minha consciência me dizia que, em nome da ordem publica, eu não devia consentir que as duas cousas se realisassem ao mesmo tempo.
A camara comprehende perfeitamente quaes as rasões que podiam actuar no meu espirito para que eu não consentisse na coincidência da hora do jantar com a do espectaculo.

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1986 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Ouvi todos os esclarecimentos que me deram, e, como já disse, acredito, nem podia deixar de acreditar, na palavra honrada d'aquelles que me forneceram esses esclarecimentos; mas peço licença para lhes notar que, quando não presenceâmos desde o principio até ao fim tudo quanto se passa, às vezes, ou não sabemos explicar bem o motivo de um certo procedimento, ou o explicámos de uma maneira differente d'aquella por que o faríamos, se estivessemos ao facto de todas as circumstancias que se deram.
Não confundamos. Muitas vezes os agentes inferiores é que interpretam mal as ordens que lhes são dadas; e mesmo nem sempre as executam com aquella cortezia que deve haver em todos os agentes da auctoridade.
Vou contar a v. exa. um facto que se deu commigo, sendo ministro da justiça.
Estava em casa de um amigo meu e ouvi tocar a fogo. Disseram-me que era um grande incêndio na Baixa.
Fui lá e posso assegurar á camara que quasi fui atravessado pelas bayonetas da guarda municipal, que andava afastando o povo que impedia o serviço no incêndio.
Tive as bayonetas a uma pollegada do estômago, tendo ido ali para, no ca ;o de ser necessário, na qualidade de ministro, dar algumas providencias.
O official executou mal as ordens, ou no cumprimento do seu dever não viu que podia causar damno às pessoas que ali estavam e que até podiam ter sido vi<_-timas que='que' bem='bem' exa.='exa.' tivesse='tivesse' queixei.br='queixei.br' occasião='occasião' devo='devo' gostado='gostado' era='era' das='das' nessa='nessa' me='me' proximidade='proximidade' destado='destado' não='não' a='a' embora='embora' bayonetas='bayonetas' note-se='note-se' e='e' dizer='dizer' eu='eu' ministro='ministro' v.='v.' da='da'> Imaginei que o official que commandava a força não tinha querido fazer mal a ninguém, e que apenas desejara afastar o povo que impedia os serviços no incêndio.
Repito, eu agradeço e acceito todos os esclarecimentos que me foram dados, e asseguro que hei de averiguar quaes são as responsabilidades e a quem cilas tocam, para poder applicar os devidos castigos a quem os merecer.
Já disse á camara quaes as ordens que dei, e ninguém acredita que tivesse havido má intenção nem má vontade, nem por parte do sr. commandante da guarda municipal, nem por parte do sr. governador civil, que me merecem toda a consideração; simplesmente a que se devem attribuir esses factos, é á pouca habilidade ou á má interpretação de quem executou aquellas ordens.
Quanto á moção do illustre deputado, eu devo dizer a v. exa. que, tendo os deputados da opposição declarado que a questão não era política, admiro-me de que um desses srs. deputados viesse depois apresentar uma moção de desconfiança; e em vista disto não estranho que, por parte da maioria, se apresentasse depois uma moção de confiança. Mas isto é questão que pertence unicamente á camara.
Ainda mesmo que o debate se tornasse inteiramente politico, eu ficaria tranquillo na minha consciência, porque não me cabe responsabilidade alguma do modo como possam ter procedido alguns agentes inferiores da auctoridade.
Nada tenho de que me queixar; o que lamento é que a questão se tenha tornado política para um membro da opposição que apresentou a sua moção de desconfiança ao governo, quando por parte dos outros membros da mesma opposição se fizeram as declarações que a camara ouviu.
Vozes : - Muito bem.
(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)
O sr. Lencastre: - Sr. presidente, vou dizer apenas duas palavras, mais para justificar o meu voto, do que para outra cousa.
Tenho visto o que se tem passado nesta camara, e estava longe de imaginar que esta questão se tornaria numa questão política.
Ouvi os illustres deputados que fizeram as suas queixas e a forma por que o governo respondeu. A sua resposta satisfez-me e á maioria e creio mesmo que a quasi todos os cavalheiros da opposição, (Apoiados.) que disseram que esta questão não era política. (Apoiados.}
Effectivamente eu entendo que em questões de ordem publica não deve haver política. (Apoiados)
Mas as cousas são o que são. Os factos deram-se, e desde o momento em que d'aquelle lado da camara se apresentou uma moção de desconfiança ao governo, é natural que deste lado se apresente uma moção de confiança. (Apoiados.)
Desde, porém, em que o cavalheiro que apresentou a moção de desconfiança retira essa moção eu não tenho duvida em retirar a minha.
Verdade, verdade. Apresentaram se queixas nesta camara, e o governo respondeu de forma que satisfez, dizendo que ia verificar a verdade do que succedeu; se, porém, o governo não tomar as providencias que prometteu é então que se póde apresentar a moção de desconfiança, para ser julgada pela camara. (Apoiados.)
As questões de ordem publica são serias, e a execução das ordens é mais seria ainda, porque, se devemos crer que se cumpram as ordens dos superiores, não devemos estar aqui a tirar a forca aos inferiores, porque vamos assim fazer com que elles depois não cumpram as ordens que lhes são dadas. (Apoiados.)
Leu-se na mesa a seguinte

Moção de ordem

A camara, satisfeita com as explicações do governo, continua na ordem do dia. -= Luiz de Lencastre.
Foi admittida.
O sr. Elvino de Brito: - Sente que o sr. ministro do reino não indicasse precisamente a disposição da lei em que se baseara para prohibir o espectáculo dos Recreios. Não desconhece que ao governo cumpre manter a ordem publica, e é, por isso, que os espectáculos públicos são devidamente policiados. Se amanhã constar ao governo que alguns republicanos se quotisaram para jantarem no salão da Trindade, o governo, allegando os mesmos fundamentos que agora apresenta, prohibe os espectaculos, não só na Trindade, como no Gyinnasio, e até é capaz de os prohibir em S. Carlos, allegando que este theatro não dista muito do primeiro.
Não concorda, infelizmente, com o sr. Eraygdio Navarro, quando declarou que talvez o sr. ministro tivesse feito bem em não consentir o espectáculo nos Recreios. Parece-lhe que o próprio sr. Navarro e todos os seus correligionários políticos, que assistiram á sessão em 24 de março de 1879, têem opinião igual á d'elle, orador, porque todos elles votaram n'aquelle anno a moção apresentada pelo sr. Pinheiro Chagas sobre assumpto identico.
E note-se que a sua moção é, palavra por palavra, a moção do sr. Chagas, approvada n'aquelle anno por toda a opposição parlamentar. Sustentará, pois, até ao fim a sua moção, e desde já declara que não concorda com as que apresentaram os seus amigos os srs. Eduardo Coelho e Emygdio Navarro, e por isso votará contra ellas. Não tem confiança política no governo, e por isso faz-lhe opposição franca e aberta. Não entra em combinações com a maioria da camara, nem tão pouco se associa a ella na votação de qualquer moção de benevolência, mais ou menos transparente. Nem o governo tem a esperar outra cousa d'elle orador. Será o único a approvar a sua moção, mas isso não é motivo para a não defender com calor e convicção. Sente-se bem tendo por companheiros o antigo deputado da opposição o sr. Pinheiro Chagas, e os seus correligionários, deputados na legislatura de 1879.
Ouviu dizer ao sr. Navarro que os republicanos indemnisaram a empreza dos Recreios dos prejuízos que lhe causou a prohibição do governo. Não cuida de averiguar estes e outros factos, que nada têem com a questão de princípios, que lhe cumpre respeitar coherentemente.

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SESSÃO DE 5 DE JUNHO DE 1885 1987

Não votará, pois, toda e qualquer moção em que, mais ou menos, claramente transpareça a idéa de benevolência para com o governo.
Actos como aquelles que o sr. Emygdio Navarro e outros descreveram á, camara precisam de ser condemnados, se não quizermos que a pouco trecho o sr. ministro do reino substituía a sua tutela á aceito dos podei es do esta do, e estabeleça por sua própria conta a tyrannia em uma cidade sujeita ao regimen liberal, que a constituição consigna e manda respeitar.
(O discurso do digno par será publicado na integra guando s. exa. devolver as notas tachygraphicas.)
O sr. Presidente: - Estão sobre a mesa seis moções, e como todas concluem por se passar á ordem do dia, têem de se votar pela ordem por que foram apresentadas.
A primeira é a do sr. Elvino de Brito, a segunda a do sr. Azevedo Castello Branco, a terceira do sr. Eduardo José Coelho, a quarta do sr. Marçal Pacheco, a quinta do sr. Emygdio Navarro e a sexta do sr. Luiz do Lencastre.
A votação começa, portanto, pela do sr. Elvino de Brito.
O sr. Eduardo José Coelho: - Peço licença para retirar a minha moção.
Foi retirada.
O sr. Presidente: - Vae ler-se a moção do sr. Elvino de Brito para se votar.
É a seguinte.

Moção de ordem

A camara, lamentando que o governo violasse os principios de liberdade e tolerancia, passa á ordem do dia. = Elvino de Brito.
Posta a votos foi rejeitada.

O sr. Presidente: - Segue-se a moção do sr. Azevedo Castello Branco.
Leu-se. É a seguinte:

Moção de ordem

A camara, satisfeita com as explicações do governo, passa a ordem do dia = José de Azevedo Castuto Branco. Posta á votação foi approvada.
O sr. Presidente: - As outras moções consideram-se prejudicadas.
Occupou a cadeira da presidencia o sr. Luiz de Lencastre.
O sr. Presidente: - Continua-se na ordem do dia e tem a palavra, que lhe ficou reservada, o sr. Consiglieri Pedroso.
O sr. Consiglieri Pedroso: - V. exa. faz favor de me dizer a que horas fecha hoje a cessão?
O sr. Presidente: - As cinco horas da tarde, por isso que tem de haver sessão nocturna.
O sr. Consiglieri Pedroso: - Restam, portanto, poucos minutos e v. exa. comprehende a posição embaraçosa em que estou para tomar a palavra, visto não me ser possivel concluir hoje as considerações que tenho a fazer ácerca da questão do Zaire.
Já hoje, tendo começado a usar da palavra para continuar no meu discurso, fui forçado a interrompei o em consequência do incidente de que a camara se occupou e que durou duas horas.
Agora teria de interrompel-o de novo e por isso, não desejando estar durante três dias a usar da palavra, pelo menos apparentemente, pedia a v. exa., que, a exemplo do que já se tem feito, permitia que eu deixe de usar da palavra durante os minutos que faltam para dar a hora, ficando-me reservada para amanha.
(S exa. não reviu.)
O sr. Presidente: - O sr. Consiglieri Pedroso, que já fallou em outra sessão, e que hoje interrompeu o seu discurso por causa do incidente de que a camara acaba de occupar-se, acha mais prudente continuar amanhã o seu discurso.
Por consequência eu tenho de consultar a camara.
Os srs. deputados que são de opinião que o sr. Consiglieri Pedroso tique com a palavra reservada para amanhã tenham a bondade de se levantar.
Decidiu se afirmativamente.
O sr. Tito de Carvalho: - Por parte da commissão dos negocios externos, mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro, por parte da commissão dos negocios externos, que lhe seja aggregado o sr. deputado Guilhermino de Barros. = Tito de Carvalho.
Assim se resolveu.

O sr. Presidente: - A ordem do dia para amanhã é a continuação da que estava dada e mais os projectos n.ºs 101 o 102 e para a noite o projecto n.° 109.
Está levantada a sessão.
Eram quatro horas e três quartos da tarde.

Redactor - S. Rego.

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