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Discurso do sr. deputado Pereira de Carvalho e Abreu, pronunciado na sessão de 22 de maio, e que devia ter sido publicado no Diario de Lisboa n.º 116, pag. 1:671, no fim da 1.ª columna

O Sr. Pereira de Carvalho e Abreu (sobre a ordem): — Começo pela leitura da minha moção de ordem, que é a seguinte:

«Proponho que se recommende ao governo, que no plano geral de reformas, por elle annunciadas á camara para a proxima sessão legislativa, se contemple o ramo de administração publica, descripto n'este capitulo (9.º), no intuito de augmentar a receita e diminuir a despezas

A simples confrontação da receita com a despeza das nossas matas e pinhaes, accusa desde logo um vicio radical na organisação d'este serviço.

O rendimento das matas e pinhaes para o anno futuro, é calculado no orçamento da receita em 95:600$000 réis, e a julgar pela cobrança dos annos anteriores, não podemos esperar que a realidade exceda as previsões orçamentaes.,

Consta do relatorio e documentos apresentados á camara n'esta sessão pelo nobre ministro da fazenda, que o rendimento das matas e pinhaes no exercicio de 1860 a 1861, foi de 43:000$000 réis, no de 1861 a 1862 da 56:000$000 réis, no de 1862 a 1863 de 66:000$000 réis, no de 1863 a 1864 de 80:000$000 réis e no de 1864 a 1865 de réis 62:000$000. Progrediu pois em escala ascendente nos quatro primeiros exercicios, e baixou consideravelmente no ultimo.

Suppondo que esta interrupção proviesse de causas extraordinarias e excepcionaes, e que a progressão dos quatro primeiros annos continue, somos levados a acreditar que a estimativa do presente orçamento se approxima da verdade; mas não devemos esperar mais.

A despeza das matas e pinhaes e estabelecimentos annexos, excluindo a do caminho americano (que tambem não contemplei para a receita) é de 63:000$000 réis approximadamente.

A despeza d'esta exploração absorve, portanto, cerca de dois terços da receita, o que é pasmoso, porque a silvicultura é de todas as explorações agricolas a que demanda menos despezas de grangeio, e dá proporcionalmente mais rendimento liquido.

No orçamento provisorio do imperio francez para o anno corrente, o rendimento das florestas do estado vem calculado em 42 milhões de francos,, e a sua despeza em 8 milhões de francos. Talvez se suspeite de exagerado o calculo da receita, e por isso não me prevalecerei d'elle para estabelecer o parallelo; mas este defeito não póde oppor-se á receita effectuada no exercicio de 1863, que foi de 33 milhões de francos.

Comparemos agora a, administração das nossas matas e pinhaes, com a das florestas do imperio francez. Aquella custa dois terços do rendimento, e esta nem um quarto!

Confrontada com a da Prussia, da Baviera e de outros paizes, a nossa administração florestal não fica em condições menos desvantajosas.

Urge pois melhorar este ramo de serviço publico, de modo que nós possamos auferir d'elle os recursos que auferem as outros nações, emquanto entendermos que o estado deve ser agricultor, industrial e commerciante.

A minha opinião, di-la-hei francamente, embora pareça audaciosa, é que a conservação das matas e pinhaes no dominio do estado importa grande desperdicio para a fazenda publica e uma aberração flagrante dos principios economicos.

(Interrupções que se não perceberam.)

Os nobres deputados alludem ao exemplo dos outros paizes, mas o exemplo só deve ser tomado como modelo a imitar, quando é bom.

A contrariedade não me surprehende, porque bem sabia que a minha proposição havia de suscitar reparos e encontrar adversarios. A camara permittir-me-ha por isso que eu a justifique, e exponha os motivos que determinaram a minha convicção.

Segundo os esclarecimentos existentes na secretaria das obras publicas, as nossas matas e pinhaes comprehendem uma superficie de 20:333 hectares, 56 ares e 85 centimetros com a estimativa de 8.263:610$000 réis.

Não occultarei á camara, que estes dados são antigos, mas não os possuimos mais recentes, apesar de havermos creado uma repartição de estatistica, que nenhuma informação colheu ainda a similhante respeito.

Entendo comtudo que podemos fazer obra por aquelles esclarecimentos, que se não correspondem exactamente á verdade, se não devem distanciar muito d'ella: pois que o tempo não cerceou de certo a area occupada pelas matas e pinhaes, nem é provavel que o valor d'estes tenha baixado, ainda que algumas estejam bastante deterioradas, porque essa deterioração fica largamente compensada com o grande augmento de preço que attingiu a propriedade territorial.

Outra rasão vem ainda em abono da estimativa a que me referi, e é que, calculado sobre esta base, sáe o hectar a 400$000 réis proximamente, e muito mais que isso sei eu que vale só o movel de grande numero de hectares.

Se o estado desamortisasse esta grande massa de bem, não lhe seria difficil obter por ella um preço igual ao valor da estimativa, isto é, 8.263:000$000 réis, attenta a carestia da propriedade immovel; e o producto d'essa desamortisação applicado ao pagamento da divida, que vence de juros 6 1/2 por cento, libertava o thesouro de um encargo annual de 536:000$000 réis, emquanto que actualmente o rendimento liquido das nossas matas e pinhaes, não excede a 31:000$000 ou 32:000$000 réis.

Mas não é esta a unica vantagem que resultaria de tal operação, posto que de per si só fosse mais que sufficiente para nos persuadir a emprehende-la. Muitas outras a seguiriam, e eu mencionarei algumas.

Lembrarei em primeiro logar que as matas e pinhaes, apenas desamortisados ficavam sujeitos ao imposto, e só a contribuição predial e o imposto de viação, calculados sobre a base de um rendimento de 5 por cento e a percentagem de 10 por cento, renderiam annualmente para a fazenda publica cerca de 50:000$000 réis, muito mais que o producto liquido da exploração das mesmas matas por conta do estado.

E a contribuição de registo?

Sommem-se todas estas addições, e ver-se-ha que a transformação proposta beneficiava o thesouro publico em mais de 550:000$000 réis annuaes.

Os municipios e parochias lucravam tambem, porque o augmento da materia collectavel lhes proporcionava novos recursos alargando a area das suas imposições.

Depois, as matas e pinhaes entregues á industria particular seriam melhor administradas e mais vantajosamente exploradas, porque o estado por via de regra compra mais caro e vende mais barato do que qualquer cidadão, e carece do estimulo do interesse pessoal, o mais poderoso móbil de todo o progresso economico. Os terrenos que não produzem hoje 1/2 por cento de rendimento liquido, renderiam ámanhã na mão de qualquer particular 5 por cento e talvez mais, mantidos na mesma cultura florestal a que presentemente se dedicam, só pela melhor guarda, grangeio b aproveitamento. Alguns d'elles, aptos para explorações mais lucrativas e que regidos pelo estado se eternisavam na silvicultura, desamortisados e entregues á iniciativa individual transformar-se-íam dentro de poucos annos dobrando de valor.

Foi o que succedeu nas landes communaes do Gironda,

Aridas no estio, pantanosas de inverno, e sempre incultas e insalubres, pareciam condemnadas a uma esterilidade perpetua. Resolvem-se os conselhos communaes a vender este solo maldito, e a transfiguração foi completa; os terrenos que eram um fóco de infecção permanente, já não exhalam emanações pestilentes, porque a industria particular, auxiliada pelo estado, os esgotou; a charneca rebelde submette-se á cultura, e o solo que d'antes valia 3 a 9 francos o hectar, vale hoje tresentas vezes mais.

É o que se me afigura que havia de acontecer entre nós, guardadas as devidas proporções, se o estado se resolvesse a vender muitos dos terrenos que possue e que quasi nada lhe rendem; augmento da riqueza publica, beneficio para o thesouro e proveito para todos.

Mas eu prevejo uma objecção e peço licença para lhe responder desde já. O solo, dir-se-ha, ficaria desarborisado e o paiz sujeito á inundação das areias. A resposta é facil. Quem impedia os poderes publicos de regularem a cultura d'estes terrenos, como actualmente regulam a dos arrozaes, de modo que ella se não tornasse nociva ao bem publico?

Ainda outra objecção. Tão grande massa de bens lançada no mercado depreciaria o valor da propriedade alteando o da divida publica, que havia de remir-se com o producto d'aquella. Sem duvida, se a alienação se fizesse de um jacto; mas quem propoz similhante alvitre? Pois não aconselhavam as regras da prudencia a mais elementar que a venda se effectuasse gradual, successiva e opportunamente?

Expuz francamente a minha opinião, e se me provocarem darei mais largas explicações. É uma idéa que eu sujeito á apreciação da camara e do governo, que se me representa boa e reclamada pela nossa difficil situação financeira, mas em que não insistirei, se não for perfilhada pele governo, porque é elle o melhor juiz da opportunidade da sua applicação.

No que insisto em todo o caso é na melhor administração das nossas matas e pinhaes, de sorte que não sejamos n'este ponto uma excepção a todos os paizes civilisados.

Tenho concluido.

Vozes: — Muito bem.